O Feiticeiro Parte III - O Medalhão de Mu escrita por André Tornado
Os frutos daquela macieira selvagem desapareciam num ápice, sugadas por mãos ávidas. Por detrás da folhagem que se agitava, escutava-se o mastigar aflito de dois rapazes famintos, numa competição para determinar quem conseguia devorar a maior quantidade de maçãs no menor espaço de tempo, antes do protesto seguinte dos estômagos exigentes.
- Deixa ver se percebi.
Um ramo rangeu e Goten surgiu de cabeça para baixo, enrolando as pernas neste, segurando-se pela dobra dos joelhos.
- Todos os que estavam ligados ao meu pai foram enviados para a Dimensão Real quando Zephir enfeitiçou o meu sangue e só podiam regressar se algum de nós interagisse com alguém dessa dimensão. Só que não se podia interagir, pois o feiticeiro avisou-nos que, se o fizéssemos, ele seria transformado num deus. Então, viveram dias de pesadelo com medo de interagir e com medo de que passasse o prazo dos doze meses, doze dias na nossa dimensão, e que nunca mais pudessem regressar.
- Hum-hum. É isso mesmo.
Trunks contara, finalmente a história muito comprida, que acabou por não ser tão comprida assim, pois optara por resumi-la e apresentar um relato que faria o efeito desejado: acalmar a curiosidade do amigo. Encostava-se ao tronco da macieira selvagem, sentado num ramo abaixo daquele onde Goten balançava.
- Mas tu acabaste por interagir com aquela rapariga.
- Hai… A Ana.
Goten deu uma dentada na maçã que tinha na mão.
- Não tiveste medo, Trunks-kun?
- Do quê?
- De transformares Zephir num deus… De criares um inimigo que o meu pai, nem o teu, conseguiriam derrotar?
Trunks encolheu os ombros, mastigando a sua maçã.
- Não me importava com nada disso… Estava magoado com o que tinha acontecido. Pensava que estavas morto.
- Mas não estava.
- Não sabia disso. Ninguém sabia…
- Foi uma jogada arriscada.
Acabaram com as respetivas maçãs ao mesmo tempo, atiraram os caroços para longe. Trunks confessou, quase envergonhado:
- Tentei várias vezes interagir, nunca aconteceu. Mas acabou por acontecer quando não estava à espera.
Goten deslizou do ramo, pendurou-se por um braço. Reparou no trio de maçãs que Trunks guardava no colo. Escolhera as que pareciam mais sumarentas, recolhera-as para ela, pensava nela, mesmo quando falara da Dimensão Real, quando comera, quando se rira, ali, sentado naquele ramo.
- Gostas dela.
- Nani?
- Gostas da Ana… E gostas a sério.
A escuridão da noite escondeu o rubor que incendiou o rosto de Trunks. Confessou com a voz a tremer:
- Interagi com ela. Gosto dela, sim…
- E o que é isso? Interagir?
- Fiz amor com ela.
Foi a vez de Goten corar. Trunks conseguiu perceber que o envergonhara, aproveitou a descoberta para voltar a controlar a situação.
- É muito especial fazer amor com uma rapariga quando gostas mesmo dela. Vais ver como vai ser diferente quando acontecer com a Maron.
A cara de Goten coloriu-se de vermelho vivo, como uma das maçãs que tinham acabado de comer. Trunks riu-se.
- O que foi? Não me digas que…
Goten saltou para o chão, anunciando com uma voz esganiçada que deveriam regressar à cabana, a rapariga estava lá sozinha, devia ter fome e ele não tinha apanhado aquelas três maçãs para ela?, pois então, deveria levar-lhas.
Trunks saltou também. Perguntou:
- Nunca o fizeste, pois não?
- Temos de conversar sobre isso agora?
- Não há qualquer problema…
- Não quero conversar sobre isso agora.
- Vai ser ainda mais especial. Tu e a Maron.
- Ela só tem dezasseis anos.
- E depois? A tua mãe não casou com o teu pai com dezoito?
- Isso já foi há tanto tempo… Eh! E como é que sabes essas coisas?
- A minha mãe, às vezes, fala de coisas passadas, apesar de o meu pai detestar esse tipo de lamechices, como lhe chama. Recordar o passado! – E imitou a voz de Vegeta.
Goten deu um pontapé numa pedra e começou a descer a colina onde existiam as macieiras selvagens. Um dos sítios onde podiam ir buscar alimento. Havia também amoreiras e diversos arbustos com bagas comestíveis, explicara. Quando Trunks lhe dissera que achava estranho Goku alimentar-se apenas de fruta durante os treinos que deveriam ser exigentes, acrescentara que havia muito peixe no rio, javalis e veados que poderiam caçar e sempre enchiam mais a barriga. E teriam de arriscar e acender uma fogueira, pois ele não iria comer carne de veado crua.
Foram em silêncio e chegaram à cabana num instante.
- Ei, Goten.
- Hum?
- Amigos?
- Nani?... – Goten piscou os olhos, desnorteado. – Mas sempre fomos amigos. Irmãos. Companheiros de combate.
Trunks apartou o olhar.
- Fiz-te muito mal – confessou.
- Ora… É passado. Lamechices! – E foi a vez de Goten imitar a voz de Vegeta. Assentou uma mão no ombro de Trunks. – Ainda não me contaste tudo sobre essa Dimensão Real. De certeza que fizeste amigos lá… Conheceste raparigas… Antes da Ana, claro.
Trunks sorriu.
- Conto-te tudo. Teremos bastante tempo para isso, durante estas férias na montanha.
- Hai.
Dentro da cabana havia silêncio e escuridão. Trunks chamou pela Ana, mas não obteve qualquer resposta. Deixou as três maçãs em cima da prateleira por cima do baú, Goten apontou para o colchão.
- Ela está a dormir. Olha!
- Eh… Nem sequer comeu. Mas vamos deixá-la dormir. Afinal, fez uma viagem entre dimensões, esteve no Templo da Lua e andou a voar. Deve ter ficado cansada.
- Viajar entre dimensões cansa?
- Os nossos corpos na Dimensão Real eram mais pesados. Ainda me levou algum tempo a habituar-me ao peso, à falta de ar. – Deu uma cotovelada em Goten. – Olha, vamos deitar-nos também. Não devemos fazer barulho a conversar, senão estragamos-lhe o descanso.
Trunks espreguiçou-se e saiu-lhe um bocejo. Despiu a t-shirt e os calções, atirou tudo para cima do baú. Descalçou as sapatilhas, as meias, enfiou-as dentro das sapatilhas e estendeu-se no colchão. Percebeu que Goten ficara de pé, sem mover um músculo.
- O que é que se passa?
- E onde é que eu vou dormir?
- Aqui. – Puxou a Ana para si, para arranjar espaço. – Nesse canto. Acho que te vai chegar.
- Dormir com ela?
- E comigo! – Indignou-se Trunks. – Nem te atrevas a tocar nela.
- Não! Claro que não. Mas… E ela não se vai importar?
- Não se vai importar de nada, desde que esteja comigo. Vá, deita-te de uma vez!
Goten não se despiu. Deitou-se envergando o dogi esburacado. Pousou a cabeça nos braços, fixou o teto. Na penumbra, Trunks sorriu com o acanhamento do amigo.
Depois, concentrou-se na Ana, aconchegando-a no seu abraço, enlevando-se no calor que ela emanava. Cheirou-lhe os cabelos, relembrando os últimos momentos que tinham passado juntos na Dimensão Real. Apercebeu-se que mal tinham conversado na Dimensão Z, a vertigem dos acontecimentos seguintes ao regresso tinha-os impedido de estarem juntos. Também nunca julgara que tinha interagido com ela e nunca sonhara que seria possível transportá-la com ele durante o processo. Aqueles dias nas montanhas haveriam de servir também para se aproximarem mais e para encetarem novas descobertas. E divertiu-se a antecipar as complicações pelas quais ela haveria de passar enquanto se adaptava àquela nova aparência.
Goten disse em surdina, para não perturbar o sono da rapariga:
- Há uma coisa que não percebo…
- O quê?
- Quando me encontrei com ela no Templo da Lua, reconheceu-me. Chamou-me pelo nome.
- Nós também existimos na Dimensão Real, sob uma forma que nunca podíamos conhecer ou morríamos. Ela conhece-nos daí. A nossa dimensão, para a Ana, chama-se “Dragon Ball”.
- Honto? E o que é isso, “Dragon Ball”?
- Somos nós, as nossas vidas. Acho que ela conhece tudo sobre o teu pai, sobre o meu. Sobre ti.
- Ah… Que estranho…
No silêncio, escutou-se o marulhar das árvores.
- Sabes uma coisa, Trunks-kun? Acho que foi a Ana que me salvou.
Uma curta pausa.
- Porque é que dizes isso, Goten-kun?
- Foi ela que desligou a caixa onde eu estava a ser curado pelo feiticeiro. Se não fosse ela, não estaria agora aqui, contigo, e não saberias que eu estava vivo. Provavelmente, neste momento, seria um prisioneiro de Zephir, pronto para ser enfeitiçado e depois seria eu que lutaria contra ti até à morte.
- A Ana é muito especial.
Mas avisou, de seguida:
- Mas é minha!
- Eh, Trunks-kun. Continuo a gostar da Maron. – Perguntou com ternura: – E a Maron? Viste-a na Dimensão Real?
Recordou uma conversa franca, recordou uma discoteca. Recordou uma noite no hospital. Trunks sentiu-se tonto, não queria recordar. Lamechices, Vegeta tinha razão.
- Vi… Algumas vezes – respondeu. – Sobreviveu à Dimensão Real.
Haveriam de ser sempre amigos, ele e Goten, tinha pensado na altura da conversa franca. Acrescentou convicto:
- A Maron é uma rapariga cheia de sorte por ter-te a ti a gostar dela. Ela irá perceber isso, um dia.
Calaram-se.
Em breve, todos dormiam na cabana das montanhas.
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Próximo capítulo:
O radar do dragão.