Diário De Um Sobrevivente escrita por Allann Sousa


Capítulo 6
Nômades


Notas iniciais do capítulo

eita título sugestivo >



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Nós voávamos naquela longa estrada que parecia infinita devido à falta de destino. Eu pus minha cabeça para fora e deixei o vento bagunçar meus cabelos. Passamos por vários zumbis nômades e agora eu me sentia como eles, sem lugar para ficar, sem saber o que fazer, apenas procurando por comida e lutando pela sobrevivência.

Talvez a gente só entenda algum ser vivo quando nos encontramos em situação igual, era nesse conflito interno que me encontrava, deitado admirando o céu e vendo as estrelas se moverem.

“Espera! Estrelas não se movem” eu acordei exaltado, havia dormido sentando no banco da caminhonete e meu pescoço agora doía.

— Teve um pesadelo filho? — minha mãe chamou preocupada.

— Não, acho que é a fome — me senti meio culpado em admitir.

O dia amanhecia e nós estávamos exaustos, nenhum de nós dormiu bem, a fome era maior do que o cansaço. Nós chegamos a um rio largo que corria lentamente, paramos os veículos na estrada e descemos, meu tio disse que aquilo era uma atitude perigosa, mas era única opção que tínhamos.

O rio se chamava Chattahoochee. Nós levamos nossos sacos de dormir e deitamos à sua margem, meu tio havia dito que sairia para caçar com Bernard mais tarde e que eu deveria descansar. Não teimei com ele afinal estava acabado física e mentalmente.

Johan e Eagle vigiaram nosso “acampamento” em turnos do alto de uma árvore de tronco grosso, fizemos uma fogueira e amanhecemos com um olho aberto e outro fechado.

— Amanhã é seu aniversário não é George? —meu tio perguntou enquanto comíamos esquilos assados e nozes sob a luz do novo e quieto luar.

—Sim tio. Que bom que você lembrou, mas não preciso de nada — falei tentando ser humilde dada a situação em que nos encontrávamos. — Continuar vivendo já é um ótimo presente.

— Bem amigos, não sou mais tão jovem como a maioria de vocês, então já vou me deitar e tentar descansar um pouco — Eagle anunciou ao grupo.

— Você já fez demais Eagle, precisa mesmo descansar um pouco — Bruna concordou.

Embora a comida fosse ruim e todos estivéssemos cansado, nós sorríamos às histórias de Bernard e sentíamo-nos quase regenerados. Mas essa alegria demoraria pouco.

— Mãe! preciso ir ao banheiro — pediu Indy baixinho puxando a blusa de Mirelly.

— Filha estamos na floresta, não há banheiros aqui — Mirelly falou delicadamente com um sorriso.

— Mas preciso fazer xixi — Indy suplicou.

— Tudo bem, venha comigo — Mirelly desceu o rio escondida com a garota, pois esta lhe pedira que ninguém lhe visse, esse foi um daqueles erros que a gente só percebe a amplitude quando sofre as consequências.

— Pode fazer aqui filhinha — Mirelly falou para a garota quando chegaram em um lugar onde já não poderiam ser vistas.

— Vigia mamãe, não quero que ninguém me veja.

— Tudo bem — ela falou virando as costas para a garota e fitando as árvores.

A garota fez o que precisava fazer e levantou-se para voltar.

—Terminei mamãe.

— Ah, que bom! Já estava começando a ficar com medo daqui — Mirelly falou voltando-se para a filha que agora a observava aterrorizada.

— Mamãe cuidado! — ela gritou apontando para um zumbi que saía da floresta.

Era um homem magrelo de pele cinzenta com a camiseta rasgada, olhos vazios e vários dentes faltando na boca. Mirelly virou-se para ele e tentou se proteger, porém não trazia arma e o zumbi não economizava forças, ele atirou-se sobre ela e mordeu-a no pescoço.

— Ei onde estão Mirelly e Indy? — perguntou Carlos reparando no sumiço delas.

Nesse momento ouvimos um grito arrepiante vindo de um lugar abaixo no bosque. Nós corremos todos até carregando as armas brancas na mão e levando as de fogo nos coldres.

— Fique aqui Bernard! Proteja o acampamento! — gritou Johan.

O resto de nós correu em direção aos gritos. Indy correu até sua mãe e apanhou uma pedra na beira do rio e começou a golpear o zumbi, mas não acertou um ponto vulnerável.

Quando chegamos lá meu tio soltou um grito de terror, a mulher que ele salvara agora era devorada e suas tripas estavam nas mãos de um zumbi. Kátia berrou e apontou o revólver para a cabeça do zumbi.

— Não! — meu tio berrou segurando a mão dela.

Entendi o que meu tio fez, enfrentei o pânico e corri até as duas. Empurrei Indy para o lado no momento em que o zumbi terminou de comer Mirelly e pulava sobre ela. O zumbi me derrubou e o pânico anuviou minha mente, mais uma vez achei que a morte se acercava. Então Carlos surgiu de algum lugar com o facão em mãos, tirei forças Deus sabe de onde e empurrei o bicho feio para cima com as pernas.

Carlos deu um brado de guerra quando arrancou a cabeça do zumbi e o sangue dele caiu sobre meu rosto.

— Eca! — gritei jogando o corpo decrépito para um lado.

Ouvi então um apito tocando, ecoando entre as árvores daquele que um dia fora um belo parque. Lembrei que meu tio deu um apito a cada um de nós, era de plástico, o som era baixo, mas ele dissera que apitássemos se estivéssemos em perigo, se outro do grupo estivesse próximo com certeza correria para ajudar.

Senti um terror imenso em meu coração ao perceber que o som vinha do acampamento.

— Droga! — ouvi meu tio gritar. — Temos que sair daqui.

Era a segunda vez que ouvia isso em dois, isso era horrível, nossa felicidade de pouco tempo atrás foi completamente extirpada. Voltei até Indy que chorava sobre o corpo de sua mãe.

— Indy precisamos ir — falei para ela, não tinha muito tato é verdade, mas tudo que eu queria era manter o máximo de pessoas vivas dali pra frente e aquela garota começava a ser importante para mim, por que... bem é, não sei explicar por que.

— Não! Minha mãe está morta e é tudo culpa minha, que motivos eu tenho para viver? — o argumento dela era convincente, mas eu não concordava, embora não houvesse nenhum familiar vivo dela esse grupo de sobreviventes poderia se tornar uma família.

— Indy, por favor, precisamos de você — quando falei isso ela se acalmou, mas não levantou o rosto.

Ouvi tiros e me desesperei.

— George! — minha mãe gritou.

Johan veio até nós e fez menção de carregar a garota.

— Não tio, deixa comigo! — falei autoritariamente. — Se você se recusa a andar eu vou carregar você, de modo algum vou deixar que você morra! — gritei, lágrimas começaram a escorrer pelos meus olhos, eu já tinha raiva delas.

Eu puxei os braços dela e os envolvi no meu pescoço, coloquei-a nas minhas costas e corri atrás do pessoal voltando ao acampamento.

Johan chegou atirando em dois que se aproximavam por trás de Bernard.

— Vocês não vão levar nossas coisas! — Carlos berrou arrancando as cabeças dos mais próximos com seu facão.

Kátia, Bruna e minha mãe recolhiam as cobertas enquanto Johan, Eagle e Bernard atiravam e Carlos decepava.

— Vamos dar o fora daqui! —gritou Carlos correndo à frente.

Nós o seguimos, minhas costas doíam, mas eu continuava correndo. Subimos a floresta e entramos no caminhão. Carlos e Bruna foram para o carro como de costume, haviam dois zumbis batendo nele, um teve a cabeça decepada por Carlos e o outro teve a cabeça esmagada por Bruna.

Eu entrei na carroceria do caminhão e deitei Indy encolhida no banco, nós partimos mais uma vez de um lugar que infestava, dessa vez meu tio estava triste por não ter conseguido salvar uma pessoa e eu chorava junto com Indy, os outros permaneciam calados acometidos pelo medo, pelo luto e pela expectativa de encontrar um lugar seguro e com alimentos para viver, mais uma vez éramos nômades.


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Notas finais do capítulo

Eu sou meio mal as vezes, mas fiquei com pena da Indy.