O Passado E O Futuro De Peixes escrita por Filha de Hades


Capítulo 6
Capítulo 6: Comprometimento - Parte I


Notas iniciais do capítulo

Boa leitura



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“You took my heart

Deceived me right from the start

You showed me dreams

I wished they would turn into real

You broke the promise and made me realize

It was all just a lie”

Angels – Within Temptation

A tensão estava vivida e no ar. Qualquer um poderia sentir. Pefko apertava as mãos juntas e não tirava os olhos do rosto do pisciano, que por sua vez retribuía ao olhar com certa superioridade que era de sua natureza. O momento de silencio pareceu uma eternidade até que o dono da casa resolveu tomar a frente.


— Achei que não tivesse problemas em falar qualquer coisa na frente de Ann. Vocês me parecem bem íntimos. – Disse seco, parecia querer atingi-lo de alguma forma, porem precisaria de mais que isso. Afrodite sorriu e ignorou completamente os dizeres do outro. Cainhou até a mesa de canto pegou uma maça na fruteira e ali mesmo, naquela parede se encostou.


— Sabe... É um fato comprovado que todas as pessoas mentem. A única variante é sobre o que. – O pisciano olhava pela janela enquanto falava. — Todos... Todos mentem homens, mulheres, adolescentes, adultos, ricos ou pobres. Os únicos que não mentem são as crianças. Mas como não temos nenhuma aqui podemos pular esta exceção.


— Veio aqui para me dizer que não acha que uma pessoa adulta possa ser integra?


— Eu não acho, tenho certeza! É uma afirmação concreta, com base nas reações humanas. Seja sobre algo grande ou alguma mínima frase que impeça uma briga antes do café da manha. Mas todos mentem. Viver em sociedade remete a isso.


— É por isso que não vivo em sociedade. – Ele se virou e voltou ao que estava fazendo antes.


— Mas não vive completamente sozinho. O que não o torna uma exceção. – Ele suspirou e voltou seu olhar para a maça intacta que ainda segurava. — Sabe por que as crianças não mentem? Porque elas ainda não sabem o quanto a verdade pode doer e ainda não aprenderam a mentir. Se eles acham que algo não tem um gosto bom eles cospem fora diferente dos adultos que ficam com aquilo engasgado na garganta para não chatear alguém. – Fez uma longa pausa e por fim olhou diretamente para o outro. — E eu estou engasgado com você a algum tempo.


Em momento algum Pefko fez a menor menção de virar.


— Você não é tudo o que aparenta ser Pefko. Confesse.


— Você não consegue suportar a idéia de encontrar uma pessoa realmente boa não é Afrodite?


— O que?


— Você não consegue aceitar essa idéia porque você não é uma pessoa boa. – Se virou encarando o cavaleiro agora. — E acha por fim que todos são como você. Simples pragas inertes que perderam a razão de viver e desgraçam as próprias vidas e de quem quer que esteja ao seu redor.


— Seu grande... – Afrodite cerrou as mãos em punhos, mas fora cortado antes de terminar a frase.


— Você não vive sozinho por opção e sim pela falta dela. – A voz de Pefko foi ficando mais grave e profunda conforme ele elevava o tom. — Você é egoísta demais para se importar não é mesmo? Sua arrogância lhe tapa a visão e privação inconsciente de um sentido tão importante um dia significará a sua grande queda cavaleiro de ouro de peixes. Você é quem afasta as pessoas ou as pessoas é que se afastam de você?


Por mais que sempre repetisse a sentença de que nada importava, Afrodite sentiu o peso daquelas palavras, seus olhares se cruzavam e por um momento acho que o homem a sua frente pudera enxergar o mais profundo de sua alma. Um lugar tão profundo que guardava um sentimento que o pisciano havia em coberto há muito tempo, por magoas sucessivas, que se acumularam moldando-lhe durante anos.


— O tempo tornou-lhe uma pessoa ruim Afrodite. Sei que nem sempre foi assim, e que não chegou a essa ponto por desejo ou vontade própria. Algumas pessoas simplesmente não têm escolha. Não podem lutar contra o destino.


Com essas palavras argilosas Pefko mexeu em uma ferida antiga que a muito o cavaleiro achou que já tinha cicatrizado. Agora porem ele não tinha tanta certeza. Sua cabeça explodia em pensamentos e crenças esquecidas. Seus olhos estavam vidrados a cada nova palavra dita, mais pensamentos confusos lhe vinham à mente. Desta forma o curandeiro conseguiu mudar o rumo da conversa.


— Sabe... Eu não te culpo Afrodite. Você é uma vitima do destino. Você é como eu. Algumas coisas acontecem e nós não podemos nada para mudar isso. Mas podemos mudar a forma com que reagimos a isso. Algumas pessoas usam o que aprenderam, algumas pessoas conseguem superar e ajudam outras pessoas com isso. Impedem que as mesmas coisas aconteçam ou ajudam na superação alheia como podem, com o dom que lhe foi dado. – Ele sorriu se aproximando do cavaleiro alguns passos. — Já outras pessoas fingem que superaram, fingem para o mundo, para as pessoas que o cercam ou pior... Fingem para si mesmas, se escondem do mundo para não ser afetado e não precisar largar a ferida aberta para segurar outras coisas. – Ele parou a frente de Afrodite lhe olhando nos olhos. — O primeiro exemplo sou eu... O segundo... É você.


— Isso não é verdade. – Disse com a voz falha o olhando fixamente nos olhos.


— Ah não? Então vai me dizer que as duvidas não estão invadindo a sua mente? Que você não está se perguntando neste instante como reagir? Imaginando uma desculpa qualquer, um mínimo detalhe que possa me contradizer e mostrar que você não está errado... Que você não está sempre errado.


A voz de Pefko ainda soava calma como ele sempre conseguia fazer. Porem pairava na mente do cavaleiro com um atrito ríspido desorganizando seus pensamentos com unhas afiadas raspando em uma lousa crua.


— Vai mentir dizendo que sua cabeça está em ordem e que não está prestes a explodir a qualquer instante? – Quando não obteve a resposta imediata que esperava do cavaleiro lhe deu as costas e riu com desdém voltando a adicionar novos ingredientes a mistura que agora fervia. — Você é mesmo o que todos dizem. É uma pessoa ruim Afrodite!


— Pelo menos todos sabem o que eu sou!


— Que está insinuando com isso?


— Que apesar de tudo. Dos meus modos de agir, das minhas marcas, das feridas abertas, do coração gelado... Eu... Nunca... Nunca escondi quem eu era, ou quem eu havia me tornado que seja. Eu sou bem mais integro que você, bem mais verdadeiro pelo menos. Você não tem direito de questionar a minha integridade. Não quando a sua está manchada. – Os pensamentos do cavaleiro estavam começando a se reorganizar. Não como antes, de uma forma melhor que lhe permitia voltar a conversa. Porem, estava ainda um pouco zonzo, apoiava sua cabeça com uma das mãos enquanto falava, sem se desencostar da parede.


— Do que está me acusando?


— Você sabe bem do que! Se a sua alma está tão limpa, se você não tem segredos, abra-se e diga tudo o que fez o dia todo.


— Nada demais. – Ele começou a falar sem olhá-lo. Voltando a mexer em sua mistura. O cheiro forte começava a tomar o ar. — Fui procurar novas plantas para um novo remédio. É o que eu mais faço quando estou aqui. Troquei algumas palavras com Ann no pomar e agora estou aqui, trabalhando... Ou melhor, tentando trabalhar.


Afrodite estava se sentindo tonto, talvez fosse informação demais para um dia só. Seu corpo estava cansado, mas sua mente estava mais. Tinha que admitir que ele tinha razão, suas feridas ainda estavam abertas, em seu peito ainda martelavam as dores das perdas e doutrinas. Lembrou-se de uma frase que sua antiga mestra lhe disse uma vez “Você usa uma mascara a tanto tempo que corre o risco de se esquecer de quem é por baixo.” – Só agora essa frase lhe fazia real sentido. Quando criança pensou que ela falava do literal, da mascara que tinha que usar por ser uma mulher cavaleiro, mas agora. Agora era diferente. Ele sentia na pele o que lhe fora alertado. Lutou consigo mesmo para manter o foco.


— Então quer dizer que trocar plantas suspeitas com uma garota suspeita no meio de uma floresta não lhe é nada demais?


— O que? – Pefko esfriou, respirou profundamente tentando encontrar palavras. Não esperava ser visto, ainda mais por... Ele. — Do que está falando?


— Você sabe bem do que eu estou falando. Eu te vi lá hoje, com aquela garota.


— Uma pobre coitada que vive em uma cabana na floresta, não tem mais nada da vida, e eu a ajudo no que posso e em troca ela me oferece algumas plantas que ela cultiva ali. E...


— Pare com essas bobagens! – Afrodite o interrompeu. — Eu não só a vi. Eu falei com ela. Ela me disse muitas coisas, inclusive que não mora ali, aquelas terras são inférteis, ela não poderia cultivar nada ali. E... Que tipo de troca você faria com uma serva de Hades?


Pefko sentiu um arrepio lhe percorrer a espinha. Não havia se voltado para o cavaleiro ainda, não podia demonstrar tudo agora, porem, ele já sabia demais. Mais do que o curandeiro poderia esconder. Estava preocupado, dependendo de seu próximo passo não poderia voltar atrás.


— Mas... Que cheiro é esse? – O cavaleiro se pronunciou sentindo seus músculos doerem e a cabeça girar. Apoiou a mão na mesa e a maça caiu ao chão rolando para perto dos pés de Pefko que por sua vez a pegou e apenas ai se voltou ao outro. Afrodite arregalou os olhos e fitou o outro a sua frente. — O que você fez?


— Nada demais. – Ele fez uma pausa prolongada e começou a sorrir abertamente. — Diz o provérbio que os piores venenos, assim como os melhores perfumes, vêm nos menores frascos... Isso nem sempre é verdadeiro, as vezes eles podem vir em baldes. Você sabia que essa floresta é em alguns pontos uma fonte rica de arsênico?


— Você usa venenos aqui? – Afrodite começou a tossir quando se arriscou a falar. Começava a sentir fraqueza nos braços e pernas.


— Venenos legais! – Ele riu. — Não uso nada proibido por lei.


— Mas arsênico... Não causa esses efeitos... Não apenas com o cheiro.


— Ele sozinho não! Você está completamente certo. Mas o que saber um pouco sobre curas com ervas não pode fazer com você hein Afrodite? – Ele riu alto perante o outro que tentava concentrar a respiração. — Ah! Lembrei-me, você não está interessado na sabedoria não é? Você busca a perfeição pela beleza não é mesmo? A beleza é tudo, a vitória é a força da beleza suprema e blábláblá... Não é isso mesmo que você sempre diz? – Ele ergueu o tom. — Pois eu tenho uma novidade para você Afrodite. Você está completamente errado, como sempre esteve durante toda a sua vida ignorante e fútil. Não pode basear a perfeição em um legado genético que vai desaparecer em alguns anos. Agora a sabedoria não, ela é eterna, e te torna eterno. Você será sempre lembrado pelos seus feitos e pelo que eles deixaram para o resto. Mas é claro que isso não é o bastante, alem, disso é preciso viver! Viver eternamente! De que adianta fazer grandes feitos e não ver os resultados deles no futuro?


— P-pefko? Então foi assim? – Ele engasgou. — É por isso que você continua vivo?


— Ah claro... Tem isso também. Você é tão ignorante que até mesmo nisso você caiu. – A risada ecoou pelo quarto e ele se aproximou mais. — Vou te contar um segredo. Pefko morreu!


— O que? – As pupilas azuis do cavaleiro se dilataram. Mesmo tendo pensado nessa possibilidade ainda lhe foi uma surpresa grande.


— Morreu! Se foi! Virou cinzas. Mas a sua teoria não estava completamente errada, cavaleiro. Pefko estava vivo. Foi ele quem encontrou a garotinha e cuidou dela, até eu aparecer. Eu o matei.


— Como... Como você pôde? Seu...


— Quando tiver forças para terminar a frase volte a falar. Só não garanto que será tão cedo. Mas aposto que você iria perguntar por quê. Eu não tinha nada contra ele, lhe garanto isso, ele só tinha algo que eu queria. Pefko... Aquele garoto, inútil, descobriu coisas que nem mesmo os mais famosos alquimistas conseguiram. Ele descobriu ervas de imortalidade, ervas, metais, coisas simples, talvez, mas ele descobriu a formula mais procurada da história. Eu precisava disso. Eu tentei falar com ele, mas ele negou. Negou os meus propósitos. Como se ele tivesse algum direito sobre isso. Então eu não tive escolha. Tive que matá-lo. Ele pediu por isso. – Sua voz que era tranqüila e irônica mudou de repente. — Mas aquele estúpido, conseguiu, conseguiu destruir parte da receita antes de partir. Era tão simples, você não vê? Ele só precisava deixar tudo para mim. E agora eu estou aqui, no lugar dele, vivendo a vida que ele viveu durante séculos, em busca dos ingredientes que ele consumiu. E se eu tiver que trocar mais mil favores com Hades eu trocarei desde que ele continue me dando as plantas do submundo. Até o momento que eu consiga tornar essa formula bem mais permanente. Eu estou perto demais para deixar um simples cavaleiro de ouro me parar. Eu serei imortal! E assim alcançarei os Deuses!


— Você é louco!


— Sou... E você sabe porem, que existe uma linha tênue entre a loucura e a genialidade. Só é uma pena que você não estará aqui para ver a minha metamorfose de louco a gênio.


— Há! Como se você... – O pisciano ainda tentava manter a pose, porem estava sentindo como se todos os seus músculos estivessem sendo esticados e torcidos, estava sendo envenenado aos poucos. E disse com a voz tremula. — Se... Você, fosse páreo para mim.


— Poupe suas forças Afrodite. Isso vai acabar antes do que você imagina. – O curandeiro mexia em uma de suas gavetas não muito longe do cavaleiro, mas de costas para o mesmo. — Você é uma grande vergonha para a honra dos cavaleiros de peixes, uma mancha na história que nunca poderá ser apagada mesmo apôs a sua morte Afrodite. Você vai acabar com o nome, com o legado. Você vai desgraçar tudo. E eu estou aqui em minha missão divina para revogar o seu cargo antes que isso se torne irreversível.


Afrodite sentia seu sangue queimar, precisava parar aquilo rápido, se não... Ele preferia nem pensar no que poderia acontecer. Por um momento imaginou que se tivesse correndo em suas veias o mesmo sangue de seu ancestral aquele simples veneno não lhe surtiria efeito, quase praguejou contra os Deuses por sua dádiva. Sua visão estava um pouco turva seus pensamentos confusos e as palavras que ouvia não ajudavam em nada a se concentrar. Viu o falso Pefko levantar algo em suas mãos, mesmo com a visão fraca Afrodite reconhecia o brilho de um punhal de prata de longe. Deixou suas pálpebras caírem cobrindo os orbes azuis, tentou concentrar-se em seu cosmo, não poderia deixar que um falsário como aquele lhe tirasse a vida.


— Revogando juntamente... – O curandeiro continuou segurando o punhal. — A sua vida!


A ultima frase foi quase um grito que latejou no cérebro do cavaleiro. Afrodite apertou os olhos já fechados tentando elevar todo o seu cosmo de uma só vez e ao mesmo tempo já esperando a punhalada do argiloso vilão.


— Ahhh!


Afrodite trincou os dentes. Sentiu a garganta arder. Abriu os olhos bem lentamente e seu coração gelou completo e instantaneamente quando viu os as pupilas verdes dilatadas a sua frente, aqueles olhos focados nos seus, ele engasgou com as próprias palavras quando a jovem loira caiu em seus braços.


— Ann!


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Notas finais do capítulo

Até que fim mais um capitulo neh?!
Desculpem o atraso, mas é que o momento estava meio... Sei lá pra escrever. E eu precisava de algo diferente, ainda tinha duvidas mas algumas coisas me fizeram ter a certeza de como decorrer com essa parte.
Se gostaram... Comentem.
E lembrem-se que tudo da certo no fim... Se não deu certo ainda é porque ainda não chegou ao fim. ;D
Kissus ♥



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