A Caçadora E O Vampiro escrita por Dory


Capítulo 10
Revelações


Notas iniciais do capítulo

Oieee... Eu sei que o capítulo ficou grande, mas eu estava inspirada, foi a primeira vez que eu fiz um capítulo inteiramente pov Mark (que também foi o primeiro capitulo totalmente sob o ponto de vista masculino)...
Esse cap é especial, vocês vão descobrir algumas coisinhas sobre o Mark, eu achei que ficou legal, mas quero saber a opinião de vocês, mesmo que tenham odiado....
Boa Leitura...



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(Ponto de vista de Mark – capítulo especial)

Vê-la ali, me olhando com nojo foi a pior sensação que já sentira. Era como se uma adaga afiada perfurasse minha pele lentamente e em vários lugares, me torturando aos poucos por ser o que era. Não era assim que eu queria que ela descobrisse – na verdade não queria que ela descobrisse, queria que ela continuasse achando que era humano como todos a minha volta.

Desde que a vira pela primeira vez, meu coração voltara a vida, tinha conseguido uma razão para ser bom, para tentar melhorar. E agora estava tudo arruinado, todos os esforços que fizera foram em vão, eu a perdera. Ela não parecia estar com medo ao me ver naquele estado, mas podia ver o nojo que sentia claramente estampado em seu rosto e isso me fazia querer arrancar meu coração para que não sentisse mais essa dor que inundava meu peito. Podia lidar com o medo, mas ela não demonstrara sentir-se assim, no entanto o nojo era algo com o qual não sabia lidar, era ainda pior do que o medo que todos sentiam ao descobrir o que eu era. Meu mundo estava se desfazendo lentamente, como se aos poucos ele se tornasse pó, me fazendo cair na escuridão que deixara para trás.

E eu não conseguira dizer nada para ela, as palavras fugiram de minha boca ao vê-la me olhar sujo de sangue, me ver em um dos momentos nos quais mais me odiava, nos quais mais odiava ser o que era: um monstro, um sanguessuga, um vampiro.

Queria que ela não tivesse corrido de mim, que tivesse me dado uma chance para explicar, mesmo não sabendo como fazer isso. Ela sabia o que eu era, não tinha o que explicar, mas não queira que ela pensasse que eu a machucaria, nunca seria capaz de fazer algo do tipo a alguém, principalmente a ela – pelo menos era o que tentava dizer a mim mesmo desde que me mudara para aquela cidade novamente. Queria que ela soubesse que a amo, mesmo sendo o que era eu ainda tinha sentimentos e com ela me sentia bem, ela me fazia sentir normal, feliz, aceito, como se fizesse parte de algo. E eu perdera tudo isso ao perdê-la. A dor da perda rasgava meu peito em vários pedaços, não sabia se poderia aguentar sentir-me assim novamente.

Me sentei no balanço tentando fazer a dor passar, mas era forte demais para ser ignorada. Precisava conversar com a Millie, tinha que tentar me redimir, tentar mostrar que posso me comportar, que ela não precisava fugir de mim. Tinha que tentar algo para que ela não me abandonasse, mesmo que nossa relação sofresse uma mudança radical.

O sol finalmente se pôs atrás das montanhas, deixando-me no escuro, de onde nunca devia ter saído. Voltar para essa cidade foi um erro, tentar agir como um ser humano havia sido um erro, deixar Millie se aproximar tanto de mim também foi um erro. Como queria ter os poderes que os vampiros dos filmes tinham, assim poderia apagar aquela cena da memória dela, fazer tudo voltar ao normal. Era tudo o que eu queria, mas não podia, e isso era frustrante.

Dormi mal naquela noite, os pesadelos que havia aprisionado em minha mente conseguiram quebrar a barreira que criara e inundavam meu sonhos. Acordava assustado e suando, os sonhos pareciam muito reais. Virava pro lado, voltava a dormir e outros pesadelos me invadiam. Era como se tudo de ruim que fizera estivesse me punindo depois de tanto tempo.

Passei o dia pensando em uma maneira de conversar com Millie sem que ela fugisse de mim. Queria muito tentar explicar tudo para ela: como me transformara, o que aconteceu depois, minhas viagens... tudo, inclusive meus sentimentos por ela, mesmo que fosse um pouco tarde para isso. Decidi que tentaria conversar com ela quando as aulas do dia acabassem, seria o jeito mais fácil de tê-la só para mim.

Não fui para a faculdade naquele dia, precisava dar algum espaço para ela, deixá-la pensar sobre tudo e tirar suas conclusões. Eu também precisava de um tempo para me recompor, precisava decidir o que falaria, não queria assustá-la com minhas histórias sombrias.

Saí de casa determinado, falaria com Millie, nem que para isso tivesse que sequestrá-la. Tinha que fazer com que ela visse as coisas através do meu ponto de vista. Sentia que precisava contar tudo para ela, deixar todos os mistérios e as fachadas para trás, ser completamente sincero com ela.

Estacionei meu carro atrás do dela, para ter certeza de que ela teria que vir falar comigo de um jeito ou de outro. Tinha passado na casa dela mais cedo, mas estava tudo vazio lá, esperava que ela tivesse ido para a faculdade. Quando o sinal soou liberando os alunos para que deixassem o local, o estacionamento começou a encher. Saí do carro e fiquei sentado no capô esperando, queria muito vê-la, mas algo dentro de mim se perguntava o que faria se ela não estivesse ali..

Senti seu cheiro antes dela entrar em meu campo de visão. Um cheiro floral delicioso e inebriante que me deixava entorpecido. Meu corpo se sentia aliviado, ela estava ali, não precisaria pensar em outras formas de achá-la. Logo pude vê-la. Ela conversava animadamente com Alice e Laureen. Mike vinha logo atrás delas, como um guarda-costas. Não pude me impedir de considerar a hipótese de ele estar lá para protegê-las de mim. Vê-la ali, despreocupada me fez pensar em ir embora, deixá-la viver sua vida sem mim, sabia que era o certo a se fazer, mas meu coração me impedia de fazer o certo, era egoísta de mais para deixá-la ir.

Ao me ver seu sorriso desapareceu. O ódio e o nojo voltaram ao seu rosto. A dor em meu peito parecia ter se intensificado ao ver sua expressão. Me sentia um idiota parado ali, falar com ela já não me parecia uma ideia muito boa. Queria entrar no carro e sair dali, não conseguia suportar ver aquela expressão em seu rosto. Alice e Laureen se despediram dela e Mike saiu com Alice, nos deixando a sós. Me sentia péssimo ao vê-la se aproximar de mim, seus olhos transparecendo o desgosto que sentia ao me ver com uma mescla de tristeza que não compreendi.

“O que você está fazendo aqui?” perguntou ríspida.

“A gente precisa conversar” não sabia como começar a conversar com ela sobre esse assunto, não é algo para o qual você está preparado.

“Não tenho nada para falar com você” ela seguiu para seu carro, mas segurei seu pulso fazendo-a parar. Ela retirou seu braço do meu aperto, mas ficou parada perto de mim, esperando pelas minhas desculpas.

“Por favor, Millie, me deixe explicar” supliquei, precisava me explicar, fazê-la entender tudo o que sentia. Queria que ela soubesse tudo sobre mim, com ela sentia que podia ser eu mesmo, mas agora não me sentia tão seguro assim.

“Explicar o que? Que você é um vampiro? Isso eu já sei” falou, cruzando os braços sob o peito. Sentia que ela estava se distanciando de mim emocionalmente e isso aumentava minha dor. Ela esperava que falasse mais alguma coisa, só não sabia o que falar, tudo que passava pela minha mente eram súplicas para tentar fazê-la escutar tudo que tinha para dizer.

“Por favor, me dê uma chance de me explicar. Sem mais mistérios, sem mais evasivas. Prometo que te conto tudo que quiser saber” ela parecia estar considerando minha proposta e isso me dava um pouco de esperança.

“Sem mistérios?” perguntou, me olhando desconfiada. Parecia que não acreditava em minhas palavras.

“Sem mistérios, prometo. Vem comigo, eu te conto tudo. Tudo mesmo” me sentia desesperado. Ela suspirou ao me ouvir falar isso pesarosa.

“Você não devia andar comigo, eu sou perigosa para você” comentou, olhando para o chão tristemente. Dei uma risada baixa, frustrado.

“Acho que essa fala é minha. Eu sou o vampiro” minha voz saiu mais ríspida do que pretendia.

“E eu sou a caçadora de vampiros” falou tristemente, não esperava ouvir estas palavras saindo de sua boca, estava surpreso e em choque ao saber o que ela era. Agora entendia o por que de todo o ódio e o nojo que ela sentia por mim. Ela sempre me pareceu frágil e atrapalhada, era difícil imaginá-la caçando um vampiro, mas suas palavras foram firmes, não deixando espaço para dúvidas. Ela suspirou novamente. “Sabe de uma coisa? Eu vou com você. Não precisa ter medo, não vou te machucar”apressou-se a dizer ao ver minha expressão – esperava que não fosse de medo, já que não era isso que sentia, surpresa talvez, mas não medo “Preciso de algumas respostas e acho que você pode me ajudar” ao dizer isso ela se encaminhou para a porta do passageiro da minha mercedez e entrou, esperando que eu entrasse no carro também e dirigisse para longe dali.

***

Entramos em casa juntos, não consegui pensar em outro lugar isolado para podermos conversar a sós e sem sermos interrompidos.

Atravessamos o corredor de entrada que levava até a sala de estar. Millie parou para observar a antiga mesa de canto de madeira de três pés, onde um vaso de vidro azul guardava uma única peônia branca que colhera no jardim de manhã. Depois de admirar a mesa e um quadro antigo ilustrado com a cidade de Yorkshire no começo do século XIX, a guiei para a sala.

Ela andou pela sala, estudando-a minuciosamente, olhando as poltronas de veludo vermelho, o sofá de couro marrom, o tapete persa que forrava o assoalho de madeira, as estantes abarrotadas de livros que dominavam a parede em frente ao sofá, a lareira de pedras cinzas que ficava na parede que dava para o corredor e o quadro atrás do sofá que mostrava meus pais no dia de seu casamento. Deixei que ela explorasse o local, analisasse os livros de todos os gêneros que repousavam na estante acumulando poeira, tocasse os móveis antigos curiosa.

Quando ela terminou de estudar a sala, me sentei no sofá fazendo sinal para que ela fizesse o mesmo. Ela se sentou de pernas cruzadas o mais longe que o sofá permitia. Esperei pacientemente para que ela pudesse pensar na primeira pergunta que faria, não queria apressá-la. Vi seu olhar vagar pelo cômodo mais uma vez antes de falar alguma coisa.

“Você tem bastante móveis antigos aqui” comentou, tentando quebrar o silêncio com um assunto mais leve.

“Eu sou antigo” respondi, dando de ombros, era algo com o qual já estava acostumado.

“Quantos anos você tem?” ela virou o corpo para poder me olhar melhor, interessando-se pelo assunto.

“Eu nasci em Junho de 1845. Fiz 165 anos.”

“Com quantos anos você se tornou um vampiro?”

“Eu tinha vinte e dois anos na época”

“Por que você se mudou pra cá com seus pais?”

“Eu te contei naquele dia na campina. Meus pais estavam passando por dificuldades financeiras, a vida na Inglaterra estava difícil. Meu pai tinha perdido o emprego e não conseguia arranjar outro. A solução foi a mudança. Meu pai tinha ouvido falar dos Estados Unidos, disseram que era um lugar cheio de novas oportunidades. Decidimos tentar. Eu tinha oito anos quando chegamos aqui. Meu pai mandou construir uma casa nova isolada parecida com a que tínhamos na Inglaterra. Ele começou a trabalhar, as coisas estavam melhorando, mas ele e minha mãe brigavam frequentemente.

“Um dia, enquanto eles estavam brigando, eu resolvi sair, tomar um pouco de ar fresco. Já não conseguia suportar todas aquelas discussões, não conseguia suportar ter que ouvir minha mãe gritando enquanto ele batia nela, não podia fazer nada, isso me deixava frustrado e com ódio daquele homem. Foi quando descobri a campina.

“Na época a faculdade ainda não existia, era tudo mato. Eu estava andando sem rumo dentro da floresta, não me importava para onde ia ou se conseguiria achar o caminho de volta, só queria ficar sozinho. Desde então aquela campina é meu esconderijo, vou pra lá sempre que tenho que pensar sobre algo que me incomoda ou quando quero fugir do mundo e ficar sozinho.” estava realmente contando tudo para ela, dando os detalhes. Esse era um assunto sobre o qual não pensava há muito tempo, era algo que tinha guardado bem no fundo do meu cérebro.

“Quando você virou um... vampiro” falou, ela lutava para dizer o que eu era “Como foi? O que aconteceu? Quem te transformou?”

Estados Unidos – Dezembro de 1867

A noite estava agradável apesar de ainda estar frio. A neve parara de cair fazia algumas horas, mas o chão ainda estava coberto de neve e gelo. Arrumei o cachecol e enfiei as mãos nos bolsos antes de sair de casa. Não aguentava mais ouvir meus pais discutindo, sabia que logo começaria a ouvir os gritos de minha mãe quando meu pai batesse nela em um ataque de fúria. Ele estava bêbado, como em todas as outras noites nas quais eles discutiram. Odiava não poder fazer nada para impedi-lo, me sentia impotente e frustrado por isso. Tinha medo do meu pai, principalmente quando estava naquele estado. Minha mãe vivia me lembrando para que não desobedecesse suas regras, mesmo nestes momentos.

A rua estava deserta. A neve grudava em minhas botas enquanto andava e o vento frio e cortante fazia meu corpo estremecer, mesmo com todas as roupas que usava, o frio conseguia me atingir. Minha mente vagava, tentava desesperadamente não pensar sobre o que estaria acontecendo em casa naquele momento, precisava sair dali o mais rápido possível, sentia que se ouvisse os gritos novamente, não conseguiria suportar e faria alguma besteira.

Cheguei à cidade mais rápido do que de costume, o frio me impulsionava a seguir em frente cada vez mais rápido, tinha que tentar me esquentar de alguma forma. Entrei em um dos bares locais em busca de uma bebida quente.

O lugar estava cheio de pessoas de todos os tipos. Tirei a jaqueta e a pendurei perto da porta, o recinto estava quente com duas lareiras acesas com chamas altas e avermelhadas. Várias mesas redondas estavam espalhadas pelo pequeno cômodo, todas ocupadas por pessoas que nunca vira antes. Uma escada no fundo do lugar levava ao segundo andar, onde havia vários quartos para ocasionais viajantes que resolviam descansar antes de seguir viagem. No lado direito ficava o bar, com um balcão de madeira e cadeiras altas e prateleiras abarrotadas de bebidas de todos os tipos. Esgueirei-me até lá, me sentando em um dos poucos assentos livres em um canto escuro do bar. O barman, um homem alto de pele morena e longos cabelos pretos amarrados com uma fita branca trajando uma camisa branca e um avental azul veio me atender. Ele sorriu simpaticamente revelando um sorriso amarelo onde alguns dentes estavam faltando.

“O que posso trazer para você?” perguntou, seus olhos escuros me olhando desconfiado.

“Conhaque” respondi, apoiando os braços no balcão a minha frente. O barman foi até uma das prateleiras e voltou com um copo de vidro e uma garrafa com um líquido cor de âmbar. Colocou o copo na minha frente, o encheu e se retirou, me deixando sozinho com meus pensamentos.

Tomei um gole da bebida, que desceu queimando pela minha garganta. Não estava acostumado a beber, principalmente por causa do meu pai, ver o que a bebida fazia com ele me deixava receoso quanto a bebidas alcoólicas, mas sabia me controlar, não seria igual a ele, me recusava a ser igual a ele.

A porta do bar se abriu com um rangido alto. Uma corrente de ar passou pelo lugar fazendo as chamas na lareira tremularem. A conversa que enchia o lugar sessou de imediato ao ver quem entrava pela porta. Todos os rostos no lugar se voltaram para a mulher que pendurava seu casaco ao lado da porta e tirava suas luvas pretas.

A mulher era linda. Seus cabelos loiros cacheados que chegavam até o meio das costas estavam arrumados com flores brancas e pequenas o enfeitando, sua pele branca estava rosada por causa do frio, seus olhos azuis brilhantes estudavam todos os rostos presentes. Um vestido vermelho de manga longa adornado com pedras de brilhante que ia até seus pés modelava seu corpo, ressaltando seu corpo curvilíneo e sedutor. Ela caminhou lentamente até o bar, se sentando em uma cadeira vazia ao meu lado. Sabia que ela havia escolhido aquela cadeira somente por causa da falta de outras opções, mas me sentia lisonjeado por tê-la ao meu lado.

“Um gim, por favor” pediu, sua voz suave e melódica me chamou atenção. O barman a atendeu rapidamente, sem tirar os olhos dela. Todos no bar a olhavam admirados por sua beleza. Ela tomou um gole delicadamente e voltou a colocar o copo no balcão. Percebi um anel de prata com uma pedra azul escura encrustada nele a enfeitar-lhe a mão direita. Perguntava-me se havia sido um presente de noivado ou se era apenas um anel, mas não me arrisquei a perguntar.

Fiquei brincando com meu copo que estava quase vazio, não tinha coragem de puxar assunto com ela, não sabia o que dizer, estava hipnotizado por sua beleza. Tomei o último gole que sobrara no copo, colocando-o no balcão e fazendo sinal para que o barman o enchesse. Não demorou muito para que fosse atendido. Percebi que o homem se demorava ali mais do que o necessário, mas nada falei.

Depois de terminar mais um copo de conhaque, me levantei, coloquei algumas moedas no balcão para pagar pelas bebidas e saí do recinto para a noite gelada. A neve voltara a cair, molhando minha jaqueta de lã conforme derretia lentamente.

“Ei, espera” ouço sua voz melodiosa me chamar. Não precisava olhar para trás para saber quem era. Ao olhá-la ela sorriu, um sorriso maravilhosamente branco e brilhante que me fez suspirar. Ela andou em minha direção parando a poucos centímetros de onde estava “Meu nome é Elise Johnson”

“Mark Faelli” me apresentei, sorrindo. Estava muito contente por ela estar falando comigo.

“Você poderia me acompanhar até minha casa? Não fica muito longe. É um horário perigoso para uma jovem dama andar sozinha pelas ruas.” ela fez um biquinho, me olhando com seus olhos azuis suplicantes.

“C-claro” gaguejei. Me sentia lisonjeado por ter sido o escolhido para acompanhá-la. Sorri, oferendo-lhe o braço que ela logo aceitou.

Caminhamos lentamente pela rua mal iluminada, os lampiões estavam quase apagados por causa da neve que caía.

“Você é inglês” comentou.

“Sim, sou de Yorkshire.

“Eu sou daqui mesmo, mas minha mãe é espanhola, ela veio para cá quando conheceu meu pai em uma das viagens que ele fez para a Europa”

“Já foi à Inglaterra alguma vez?”

“Não, nunca saí do país” suspirou.

Ela me guiou para uma estreita rua toda cercada pela floresta. Não voltamos a nos falar até chegarmos em sua casa. Era uma casa pequena toda feita de madeira. Nenhuma luz passava pelas janelas fechadas, era como se não tivesse ninguém ali. A nevasca que ficara mais forte no caminho piorava, não conseguia enxergar nada, apenas os pequenos flocos brancos que caíam do céu em abundancia.

“A tempestade está pior” falou, abrindo a porta da frente “Pode ficar aqui até que passe, é perigoso andar por aí com um tempo como esse”

“Se não for muito incomodo, estou inclinado a aceitar” falei educadamente, lembrando de uma das aulas de bons modos que tivera com minha mãe quando ainda era uma criança. Ela sorriu e fez sinal para que entrasse e fechasse a porta.

O interior da casa era todo revestido de madeira, com várias tapeçarias a enfeitar o chão. Ela acendeu vários lampiões pela casa, iluminando o lugar. A lareira estava acesa, deixando o ambiente quente e aconchegante. Ela se sentou em uma poltrona de frente para a lareira de pedra, fiz o mesmo, sentando-me em uma poltrona ao seu lado.

“Desculpe-me perguntar, mas onde estão seus pais?” perguntei, estranhando o silêncio que se apoderava do lugar.

“Eles morreram há muitos anos” explicou, com uma expressão triste em seu semblante “Moro sozinha aqui”

“Eu sinto muito”

“Posso te oferecer alguma coisa para beber? Algo para comer talvez?” perguntou como uma ótima anfitriã.

“Não quero causar incômodos, mas aceitaria algo sim.” respondi. Ela sorriu e se levantou me deixando sozinho na sala.

Reparei em um quadro que ficava em cima do console da lareira. Era uma pintura dela muito precisa apesar de o pintor não ter conseguido retratar o brilho de seus olhos e de seu sorriso. Em uma mesa de canto repousava um vaso cheio de flores vermelhas e brancas que achava que fossem rosas – não conhecia muitos nomes de plantas.

Não demorou muito para que ela voltasse carregando uma bandeja de prata com duas xícaras de chá fumegante e um pouco de pão caseiro. Ela colocou em uma mesa de centro na nossa frente e se sentou ao meu lado, fazendo sinal para que me servisse.

Comemos conversando animadamente, ela era curiosa, queria saber mais sobre minha vida na Inglaterra, sobre minha família, sobre meu emprego na cidade. Respondi a todas sua perguntas, era muito bom poder conversar com ela, olhando seu rosto delicado e pálido mudar de expressão constantemente.

Ficamos conversando até tarde, quando o sono finalmente nos atingiu. Ela me guiou até um dos quartos da casa que ficava no segundo andar, arrumou a cama para mim e me deixou a vontade. Passado algum tempo, ouvi batidas leves na porta. Falei que podia entrar e ela esgueirou-se pela porta trajando uma camisola azul justa, descalça e com seus cabelos soltos sem flores o enfeitando. Ela parecia ainda mais estonteante do que quando a vira no bar.

“Você está confortável?” perguntou preocupada.

“Sim, estou sim” me apressei a responder, não queria que ela se preocupasse comigo. Ela se aproximou da cama onde estava sentado e sentou-se ao meu lado, nossos braços se tocando.

“Faz muito tempo que não recebo alguém aqui em casa” comentou, fitando suas mãos repousando em seu colo.

“Não consigo te imaginar como uma pessoa solitária”

“Você não me conhece” falou tristemente.

Não consegui vê-la assim, doía vê-la tão triste. Agi sem pensar. Levantei seu queixo gentilmente com a ponta dos dedos para que fitasse meus olhos. Me aproximei de seu rosto devagar para ver qual seria sua reação. Ela encurtou a distância entre nossos rostos, encostando seus lábios nos meus delicadamente. Nosso beijo logo se tornou faminto, o desejo controlando ambos. Ela se afastou um pouco, colocando seus lábios em meu pescoço. Senti uma dor no local no qual ela estava, uma mordida forte. Ela se afastou assustada, de um jeito rápido que nunca vira antes, uma velocidade que não parecia humana.

Coloquei a mão no lugar que doía. Senti um líquido quente em minhas mãos. Sangue. Olhei-a confuso. Ela me olhava com seus olhos azuis cheios de água, me olhando como se estivesse com fome, seus olhos fixos na ferida em meu pescoço. Vi sua boca se abrir revelando dentes pontiagudos.

Foi então que entendi o que estava acontecendo, entendi o que ela era. Todas as vezes que os cidadãos saíam para caçar vampiros – algo que considerava besteira – era verdade, eles realmente iam atrás dessas criaturas, e essas criaturas realmente existiam, ela era uma delas.

Elise chorava , me olhando.

“Me desculpa” sussurrou antes de sair correndo do quarto.

Não entendia o que iria acontecer ou o que a mordida de um vampiro significava. Estava com medo e confuso. Então a dor se transformou. Era como se minhas veias estivessem sendo percorridas por fogo ao invés de sangue e esse fogo consumisse tudo que tinha dentro de mim. Era uma dor insuportável, agonizante, abrasadora. Não consegui conter meus gritos, queria que alguém fizesse essa dor parar, mas ninguém vinha em meu socorro, nem mesmo Elise. Me debatia na cama inutilmente tamanha era a dor.

Três dias. Três dias de dores agonizantes que pareciam se intensificar com o passar do tempo. No último dia a dor foi diminuindo até que finalmente parou. Sentia meu corpo extremamente forte e bem, como se a dor nunca tivesse me atingido. Quando abri os olhos, pude ver as coisas de um jeito totalmente novo, melhorado. Me levantei da cama mais rápido do que pretendia, ter uma velocidade fora do comum ainda era algo novo para mim. E a fome intensa que sentia, como se meu estômago estivesse vazio há meses e não três dias também era algo novo para mim.

Peguei meu casaco que estava pendurado em uma cadeira no fundo do quarto e saí. Estava de noite, a neve já havia parado de cair e a que estava cobrindo o caminho estava lentamente derretendo. A noite estava escura, a lua não aparecia no céu encoberto por nuvens grandes e escuras. A luz dos lampiões ardiam meus olhos, as chamas emitiam um brilho forte, mas não demorou muito para que eles se adaptassem àquela luminosidade.

Caminhei em direção à minha casa. As luzes estavam acesas. Entrei inseguro. Não sabia do que era capaz, tinha medo de machucar minha mãe. Ouvi barulhos vindos do andar superior. Fui até lá. Entrei no quarto dos meus pais e presenciei a pior cena que poderia ver. Minha mãe estava estirada na cama, uma poça de sangue perto de sua cabeça manchava os lençóis brancos que cobriam a cama e escureciam seus cabelos castanhos. Meu pai olhava para ela, seus olhos cheios de água. O cheiro de álcool me atingiu, podia jurar que ele estava bêbado. Mas, pior que o cheiro insuportável do álcool, era o cheiro de sangue que fazia meu estômago se contorcer dentro de mim, faminto. Minha audição também estava melhor, podia ouvir o coração de meu pai batendo, mas era o único que batia.

A verdade me atingiu como socos no estômago. Minha mãe estava morta. Meu pai a matara.

“Eu... eu... me desculpa” choramingou o homem que já não considerava mais meu pai.

Não sei qual era a expressão que enfeitava meu semblante, mas algo em meu rosto assustou o homem. Ele começou a se afastar de mim, ainda fitando meu rosto. Mas a parede fez com que ele parasse de andar. A fúria que sentia era tão grande que não conseguia controlar a mim mesmo. Me vi caminhando até o homem com passos de predador. Com passos silenciosos, fui encurtando a distância que havia entre nós. Podia sentir o medo exalando de seu corpo, era muito bom ver esse sentimento estampado em seu rosto. O homem se encolhia cada vez mais até estar sentado no chão, abraçando os joelhos.

“O que você vai fazer comigo? Foi um acidente, eu juro” falou, sua voz embargada pelas lágrimas de medo que escorriam pela sua face, molhando sua barba negra e espessa.

Me sentia fora de mim, a raiva que sentia por aquele homem era tanta que não conseguia raciocinar, estava agindo puramente por instinto. Segurei o rosto do homem com as duas mãos. Me agachei para poder ficar do seu tamanho. Inclinei sua cabeça expondo seu pescoço onde uma veia gorda pulsava. Cravei meus novos e pontiagudos dentes em sua carne, perfurando-a. O gosto de sangue que invadia minha boca era inebriante. Meu corpo ansiava por cada vez mais sangue. O homem gritava, mas não tinha ninguém para ouvi-lo e resgatá-lo de mim. Não demorou muito para que suas forças desvanecessem. Os gritos cessaram, o corpo do homem começou a relaxar conforme sugava seu sangue. Suguei seu sangue até a última gota, sentindo meu estômago quase saciado. Soltei o corpo, que caiu no chão com um baque baixo, seu rosto estava sem cor. Fechei seus olhos – fazia parte da minha religião, mesmo ele não merecendo, não podia deixá-lo naquele estado.

Me levantei, olhando minhas roupas sujas de sangue. Fui até meu quarto e troquei de roupa. Não sentia mais frio, reparei, mas ainda assim me vesti com roupas apropriadas para o clima, não queria chamar atenção. Voltei ao quarto onde minha mãe repousava. Seu rosto parecia sereno e relaxado, ela estava em paz e sua morte fora vingada. Beijei sua testa fria e saí da casa, não aguentava mais ficar lá, principalmente depois de tudo que havia acontecido naquela noite. Senti uma lágrima escorrer por meu rosto ao deixar a casa para trás. Enxuguei-a rapidamente com as costas da mão e caminhei para longe daquele lugar.

Estava pronto para começar uma nova vida.

“Eu sinto muito” falou Millie quando finalmente terminei de relatar minha história.

“Não precisa sentir, já faz muito tempo” respondi, olhando para a lareira, não estava pronto para olhar seus olhos.

“Como você consegue andar no sol?” perguntou tentando mudar de assunto. Ergui a mão na qual estava o anel.

“Quando me transformei, sabia das lendas: vampiros estão condenados a viver somente na noite enquanto os lobisomens estavam condenados a se transformar nas noites de lua cheia. Fui procurar ajuda, precisava ver se existia algum modo de mudar o que era, mudar minha maldição.

“Na época vivia uma mulher na cidade que o povo suspeitava de ser uma bruxa apesar de nunca terem conseguido provas. Seu nome era Adelaide Medina” vi seu rosto apresentar uma expressão de surpresa ao ouvir o sobrenome da mulher, antepassada de Alice Medina “Ela não confiava em mim. Sabia o que eu era, mas não a culpava, era perigoso conviver comigo. Era novo para aquela vida, não tinha noção do que podia fazer e não tinha controle sobre minha fome – ou sede, que seria a palavra mais exata para descrever o que sinto. Mesmo assim ela me ajudou. Existia um feitiço que não podia mudar minha maldição, mas me possibilitava andar no sol como qualquer humano a minha volta.

“Ela enfeitiçou este anel, enquanto estiver com ele em mim, posso andar no sol, viver minha vida, sem ter que me preocupar em virar cinzas” sorri. Dei um tempo a ela para que processasse todas as informações que dera.

“Você foi pra Inglaterra por causa do que aconteceu com você?”

“Quando eu consegui andar no sol, resolvi que estava na hora de me mudar. No porto, o único navio que estava para partir naquele dia era o que ia para a Inglaterra. Decidi tentar a sorte em Yorkshire. Fiquei morando na casa que pertencera a meus avós, que ficava isolada do resto da cidade. Precisava aprender a me controlar, controlar o desejo de sangue que estava me dominando cada vez mais. Fiquei morando lá por anos, finalmente tinha conseguido me impor, meu corpo não me controlava mais, mas ainda me sentia péssimo tendo que matar minhas vítimas. Já naquela época existiam histórias de vampiros que se alimentavam de sangue animal, tentei essa dieta, mas era tudo um monte de besteiras, tentei isso por meses e nunca deu certo, meu corpo rejeitava aquele sangue.

“Conseguia comer comida humana, mas não adiantava nada, continuava com sede. E não tinha como beber apenas um pouco do sangue da vítima, a mordida a transformaria em um vampiro também, tinha que ir até o fim. Nessa época estava me sentindo muito sozinho. Foi quando comecei a viajar. A primeira viagem foi para a França, quando conheci Laureen.”

“Sabia que ela tinha alguma coisa a ver com os seus mistérios” me interrompeu.

“Ela era poucos anos mais velha que eu, mas já tinha visto muito do mundo” continuei, ignorando o fato de ter sido interrompido “A companhia dela me fazia bem, mas não mudava o fato de que eu ainda era um monstro, um sanguessuga, um assassino. O tempo foi passando e novas tecnologias chegaram. Vi as coisas que fizeram parte da minha infância se tornarem obsoletas e serem substituídas por coisas modernas. Foi quando surgiram os bancos de sangues dos hospitais. Vi uma solução para o que me afligia, não teria que matar mais”

“Então você rouba bolsas de sangue do hospital? Não é por menos que passa aquela propaganda na TV pedindo mais doadores, que o sangue que os hospitais tem não é o suficiente” falou debochada. Isso me fez rir, nunca pensara nisso desse jeito.

“É melhor que matar pessoas, você não pode negar isso”

“Por que você não anda com a Laureen na faculdade? Quando eu comecei a estudar aqui, você se isolava de todo mundo, mas ela é igual a você, não tem porque fugir dela também”

“Ela tem um modo diferente de ver as coisas. Eu ainda me sinto perigoso, mesmo depois de tantos anos. Não queria me aproximar muito das pessoas à minha volta para que não descobrissem o que era enquanto ela não se importava e tentava ter uma vida normal. Por isso não andávamos juntos. E ai você apareceu. Sentia algo por você que não conseguia entender, queria me aproximar de você, mesmo sendo o que era, mesmo tendo a chance de machucar você precisava me aproximar. Deixei você romper minha bolha particular, mesmo sabendo que era perigoso me envolver com você, mas depois de um tempo, conversar com você acabou virando uma necessidade, me sentia bem com você por perto, algo que nunca senti com outro humano desde que me transformei.

“Te ver ali, me olhando sujo de sangue, fugindo de mim... foi a pior sensação que já senti. Sentia que perdera você e não sabia se conseguiria suportar. Queria poder mudar isso, voltar no tempo e apagar aquela cena da sua mente. Mas não podia. Tudo que queria era que você me escutasse, me desse uma chance de me explicar, queria te fazer ver as coisas do meu jeito... Queria poder explicar o que sinto por você, mesmo que já fosse tarde de mais para isso, queria que você soubesse que a amo” falei, minha voz sumindo aos poucos.

“Mark” sussurrou, sem saber o que dizer. Seu rosto transparecia uma mescla de emoções que me deixava atordoado.

“Millie, eu disse que contaria tudo, que não mentiria, que não haveria mais mistérios. O que sinto por você é verdadeiro, algo que não posso mais esconder, não de você”

“Mark, isso não muda o que você é” falou, frustrada. Uma lágrima escorreu por seu rosto, mas ela a secou rapidamente “Eu sou uma caçadora, você era meu alvo, você faz parte da missão que me trouxe pra essa cidade. Conheci tanta gente, pessoas que realmente gostam de mim. Esse foi o primeiro lugar no qual me senti feliz desde que perdera meu pai. Deixei a missão de lado, não podia machucar a Alice, a Sophie ou a Laureen, muito menos você. Mas muita coisa aconteceu, não posso deixar essa missão de lado, se deixar ele vai machucar todo mundo que eu amo. Você não sabe o conflito que eu sinto aqui dentro” falou em meio as lágrimas, colocando a mão no peito, indicando o coração. “E o pior de tudo isso não é ter me envolvido com as meninas. A caçadora se apaixonou pelo vampiro, o predador se apaixonou pela presa e vou ter que enfrentar as consequências que esse amor implica”

Não me contive, vê-la naquele estado fazia meu coração doer, mesmo estando exultante ao ouvi-la falar que me amava. Cheguei mais perto dela no sofá e passei os braços por sua cintura, puxando-a para mais perto, abraçando-a apertado, tentando consolá-la de alguma forma. Ela encostou a cabeça em meu peito e chorou. Me senti feliz por ela não ter me afastado como achei que faria. Acariciei seu cabelo macio, queria dizer algo para ela, algo que a confortasse, mas não achei as palavras certas para isso.

Naquele momento nada mais importava, ela estava em meus braços, mesmo não sabendo como nosso relacionamento poderia ser classificado, tê-la ali, sentir sua pele encostar na minha, era uma sensação maravilhosa e confortadora. Sabia que, mesmo que nosso relacionamento ainda estivesse incerto, se preciso iria até os confins da terra para que pudéssemos ficar juntos, enfrentaria qualquer coisa que a estivesse afligindo, tudo que importava naquele momento era sua felicidade.


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Notas finais do capítulo

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