A Beautiful Mess escrita por Danendy


Capítulo 1
Capítulo I - O poema


Notas iniciais do capítulo

Essa é só a introdução a história. Espero que agrade



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Tudo ao meu redor queimava. As brasas estavam prestes a me consumir, e eu engasgava com a fumaça. O fogo destruía tudo impiedosamente, minha casa, minhas memórias, tudo virava cinzas. Eu ouvia gritos, lamentos, sussurros, mas não me movia. Não era capaz. Eu assistia tudo sucumbir às chamas apertando meu coelho de pelúcia pela orelha. Tinha dez anos, e o fogo finalmente me pegou...

Acordei sobressaltada e suada. Malditos sonhos, eles nunca iam embora! Respirei fundo e olhei ao redor. Tinha dezessete anos, estava em meu quarto e o relógio-despertador me dizia que eram seis e meia, quase hora de levantar. Ainda bem, pois não havia jeito de eu voltar a dormir depois desse pesadelo.

Arrumei minha cama, selecionei minhas roupas para o dia de aula no guarda-roupa e as deixei sobre ela. Tirei o pijama e enrolei uma toalha no corpo antes de sair do meu quarto e seguir para o banheiro no fim do corredor. Após escovar os dentes e tomar banho, voltei para o quarto e me troquei. Pude escutar os passos pesados de Johanna pelo corredor. Ela odiava mesmo acordar cedo, e fazia questão de compartilhar sua infelicidade com os outros.

Espiei minha figura no espelho. Respirei. Estava bem, os jeans apertados, a camiseta branca com uma estampa do gato Félix e os cabelos presos em um coque por dois palitos chineses não ficavam mal em mim. Calcei os tênis de cano alto preto, peguei minha mochila e desci as escadas até a cozinha onde Johanna já estava preparando nosso café da manhã.

— Rápida você. — Comentei, pois não havia levado tanto tempo para me trocar, e lá estava ela já pronta.

— Aham. — Concordou ela.

Johanna odiava conversar de manhã. Ela odiava praticamente tudo de manhã, para ser exata. Era a pior parte do dia para ela. Mas ainda assim, conseguia não parecer tão mau quanto poderia. Quero dizer, Johanna estava usando um vestido branco estampado com flores verdes que acentuava sua cintura, tinha os cabelos escuros cortados acima da nuca caindo em uma franja lateral sobre o olho esquerdo e seus grandes olhos castanhos tinham o brilho de sempre, só pareciam levemente cansados, como era frequente a essa hora do dia. Linda como sempre.

— E Haymitch? — Perguntei enquanto passava manteiga no pão caseiro quente que Johanna havia preparado. Ela acordava muito antes de mim para isso e depois subia se arrastando para tomar banho.

— Não voltou. — Pude perceber a preocupação em sua voz enquanto ela se sentava e me passava a caixa de suco. — Aquele velho idiota.

Assenti. Haymitch era meu parente mais próximo e meu tutor. Também era o pai de Johanna, mas acreditava cegamente que o papel importante que tinha a desempenhar nessa vida era o de alcoólatra cretino que some a noite toda e não atende ao telefone.

Ficamos caladas até o fim da nossa refeição. Era sempre assim.

— Vai esperar ele voltar? — Perguntei a ela.

— Não. — Johanna se levantou e pegou sua bolsa. — Alguém tem que ser o adulto aqui.

Por alguns anos vivemos apenas Haymitch e eu nesta casa, mas então, três anos atrás, Johanna apareceu contando que a mãe morrera de câncer. Uma menina de dezesseis anos que não tinha mais nada no mundo a não ser coragem e a certeza de um pai que vivia nessa pequena cidade chamada Panem em Ohio. Haymitch não pareceu duvidar ou sequer desconhecer a existência da filha. Acho que foi tão decepcionante para ela, quanto foi para mim, descobrir que o homem a quem recorrera estava mais sem rumo que ela mesma. Só sobrevivíamos por conta do dinheiro da minha família e dos lucros dessa loja de ferramentas de Haymitch que sempre teve bons funcionários para administrá-la enquanto seu dono ficava dormindo nas calçadas, mais bêbado que um gambá. Atualmente, Johanna é gerente de lá. Ela deveria estar na faculdade, mas acho que está esperando que eu conclua o último ano e nós duas possamos deixar tudo isso para trás juntas.

— Quer carona? — Ela perguntou assim que saímos de casa.

— Claro. — Sorri.

Ela me deu um capacete e subimos na sua Vespa. Quando paramos na frente da Panem Hill High School, desci da moto, devolvi o capacete a ela e Johanna acenou e gritou sobre o som do motor da moto:

— Um mês e estará livre disso, Katniss, anime-se! — Piscou e acelerou.

Eu me virei para os portões de entrada. Só mais um mês. Apenas isso. Suspirei. Passaria rápido. Sorri.

Caminhei pelo gramado até a porta da escola e atravessei o corredor devagar tentando registrar cada detalhe. Estaria formada em um mês. Este lugar seria só uma memória e esta cidade também. Iria para a faculdade de Berkeley na Califórnia, e não voltaria mais aqui. Nunca mais.

— Que há de bom, Catnip? — Gale Hawthorne, meu melhor amigo — que não entendia que apelidos do jardim de infância estavam totalmente fora de moda — me perguntou enquanto abria seu armário ao lado do meu e tirava alguns livros de lá.

— Haymitch está desaparecido novamente. Acho que ele será o jantar de hoje à noite. Johanna comprou um cutelo e uma panela grande semana passada. — Respondi fechando meu armário depois de pegar o livro para a primeira aula. — E você, que conta?

— Só o de sempre. Dra. Effie perguntou por você na última sessão. — Ele falou enquanto caminhávamos os dois pelo corredor entre os outros alunos.

Dra. Effie era a psicóloga da escola. Gale era o garoto problemático, eu era o caso difícil de lidar O trio perfeito. Gale tinha que aparecer nas sessões ou repetiria o ano. Eu tinha que ir porque achavam que eu terminaria como Haymitch. Todos sabiam como vivíamos, mas era uma cidade pequena, e todos sabiam que ele era toda a família que eu tinha. Um lar adotivo não é o país das maravilhas, todos sabiam disso, e se mantiveram calados, porque eu não tinha marcas de violência no corpo, nem estava definhando de fome ou cheirando a álcool — porque eu aprendi a me cuidar bem cedo e Haymitch bebia tanto que não tinha forças nem para andar, quem dirá me agredir.

— O que ela disse?

— Que você tem faltado às sessões há uma semana. Ela vai comunicar ao diretor se faltar hoje de novo.

Reprimi um palavrão. Gale riu da minha expressão de revolta e me acompanhou até a aula de biologia, então com um aceno seguiu para sua classe.

Não havia muita gente na sala quando entrei, apenas algumas pessoas com as quais eu não interagia muito. Sentei-me no meu lugar, tirei o livro da mochila e abri no capítulo que estudaríamos naquele dia. Estava tão entretida com a leitura que mal notei quando meu parceiro de biologia do último ano se sentou ao meu lado. Eu quase nunca o percebia, na verdade. Ele era quieto demais.

— Bom dia, Peeta. — Eu cumprimentei erguendo o olhar para ele. Adorava fazer isso. Acho que o intimidava, sei lá. Ele nunca respondia.

Como de praxe, Peeta Mellark ficou encabulado e não disse nada. Às vezes, eu realmente achava que tinha um problema com ele. Só tinha certeza que não era surdo ou mudo (ou ambos) porque já o vira conversando com seu pessoal das artes. Aliás, eu não entendia porque ele se afundava dessa forma com esse lance de pintura e introspecção no colégio. Sério, ele era bonito — não como a maioria dos outros garotos que se achavam o último biscoito do pacote, mas de um jeito atrapalhado —, deveria ser mais sociável ao invés de inseguro. Eu costumava rir de como ele constantemente derrubava as canetas sem jeito durante a aula, mas daí ele me olhava como se pedisse desculpas com aqueles olhos azuis tão doces e eu sorria de volta, o que levava a mais canetas caindo sobre a mesa.

O professor entrou e começou a explicar a matéria. Eu já nem ligava muito para a explicação. Era só uma revisão, por estarmos no último mês de aulas, mas Peeta parecia concentrado. Eu sorri percebendo como ele evitava trocar olhares comigo. Eu realmente me divertia com esse comportamento estranho dele.

Quando a aula acabou, eu comecei a organizar minhas coisas. Assim que terminei, me levantei para sair, porém Peeta segurou meu braço sem apertar. Ele olhou para mim suplicante, e eu entendi que queria que eu ficasse. Sentei novamente ao seu lado, mas nada aconteceu até restarmos só nós dois na sala, então ele me passou um papel dobrado sobre a mesa. Desdobrei. Havia um desenho de um cravo e palavras escritas. Li e me virei para Peeta ao meu lado, mas ele não estava mais lá. O que dera nele?

O resto do dia foi normal, mas divertido. No intervalo para o almoço me sentei com Gale e Madge, que estavam me dando ojeriza com tanto amor, mas tudo bem, eles descobriram um ao outro, não posso odiar isso. E não foi tão horrível assim, outros se uniram a nós, como Darius, Lavínia, Clove e Cato, então não segurei vela por tanto tempo. Ao que parece, no fim de semana haveria o baile. Se conseguíssemos batizar o ponche, seria ótimo.

Ao fim do dia, voltei para casa a pé, como era frequente. Foi quando me permiti pensar no bilhete que eu recebera. O peguei no bolso dos meus jeans e reli novamente:

Não te amo como se fosses a rosa de sal, topázio
Ou flechas de cravos que propagam o fogo:
Te amo como se amam certas coisas obscuras,
Secretamente, entre a sombra e a alma.

Te amo como a planta que não floresce e leva
Dentro de si, oculta, a luz daquelas flores,
E graças a teu amor vive escuro em meu corpo
O apertado aroma que ascendeu da terra.

Te amo sem saber como, nem quando, nem onde,
Te amo assim diretamente sem problemas nem orgulho:
Assim te amo porque não sei amar de outra maneira

Era parte de um poema que eu o conhecia, escrito por Pablo Neruda. Peeta me vira com o livro uma vez na aula de biologia. Mas o que diabos significava isso? Quero dizer, era evidente que ele tinha uma queda por mim, mas ele nem fala comigo, por que me deu um poema de amor?

Fosse o que fosse, teria que pensar nisso depois, pois tinha problemas piores para lidar. Acabara de chegar em casa, e lá estava ele, desmaiado na varanda, com as roupas imundas: Haymitch.


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Notas finais do capítulo

Se leu até aqui, saiba que tem meu amor eterno.
Planejo desenvolver a história e os personagens a medida que vou escrevendo, então pontas soltas vão ser explicadas mais para frente.
Enfim, se gostou ou não, conte-me nos comentários. Ficarei imensamente feliz.
Até a próxima.



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