Perdas escrita por Kichi


Capítulo 1
Capítulo 1 - único




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 A luz da lua refletida em sua espada, agora manchada de sangue, confirmava o que ele já sabia. Seu irmão estava morto, finalmente.

 

 Feliz?

 

 Ele não deveria estar ao menos feliz?

 

 Sim, deveria, mas não estava... Não depois de ouvir tantas revelações.

 

 

 

 ~.~

 

O rapaz dono de orbes ônix não conseguia sentir nada naquele momento, nem mesmo satisfação por cumprir sua tão esperada vingança. Ela fora a única coisa que o mantivera vivo, ano após ano. Seu principal objetivo, sua meta. Rompeu laços tão importantes, que julgara desnecessários; buscou mais e mais poder, mesmo que nas mãos do inimigo, tornando-se um traidor; ficou frio, sem sentimentos, uma casca vazia que apenas enxergava escuridão. Tudo em busca da maldita vingança. A mesma que tirou a vida do último membro que restara de seu clã, o qual pensou ser um assassino sem escrúpulos, mas que, na verdade, era inocente. O único que ainda não havia sido corrompido pela ganância obsessiva da família, e que viera ao mundo para salvar-lhe dela.

 

 

 

Mesmo que por dentro estivesse atordoado, machucado, cansado, pronto para desabar a qualquer momento, Sasuke não demonstrava isso. Continuava com a expressão impassível, como se fosse alheio a tudo que ocorria no mundo. Observava todo o ambiente ao seu redor, vendo o quão devastado o lugar ficara por causa da luta com seu irmão, seu nii-san... Ah! Há quanto tempo não usava essa palavra? Há quanto tempo se esquecera de sua forte ligação com Itachi? De como queria ser igual a ele? Perdera a conta... Estava tão obcecado em se tornar forte que nem viu o tempo passar.

 

 

 

Fincou sua katana no solo revestido por uma fina camada de plantas rasteiras, sentando-se ao lado dela calmamente, como se não tivesse nada para fazer - e não tinha - , começando a recordar de todos os momentos bons de sua vida. Deu um raro sorriso, curvando apenas o canto de seus finos e avermelhados lábios ao notar que seu falecido irmão e o Time 7 faziam parte de suas melhores lembranças...

 

 ~.~

 

 Era uma sexta-feira quente demais para a primavera. O sol brilhava intensamente no alto do céu, exibindo-se de forma encantadora, mas o garoto de negros e arrepiados cabelos pouco se importava com isso. Andava de um lado para o outro, chutando as pedrinhas que havia no chão, enquanto mantinha suas pequenas mãos nos bolsos da bermuda azul-marinho. Desde criança Sasuke sempre fora muito reservado, mas qualquer coisa ligada ao seu irmão o deixava ansioso, inquieto... Mais precisamente, feliz.

 

 

 

Já fatigado, o pequeno Uchiha, que aparentava ter entre 6 e 7 anos, decidiu sentar-se nas escadas que ficavam à entrada de sua moradia. Apoiou os braços nos joelhos, sustentando a cabeça com as mãos, enquanto observava todo o distrito por onde seus familiares transitavam constantemente. Deparou-se então, com o enorme jardim cultivado por sua mãe. Era belíssimo, repleto de plantas dos mais variados tipos. Sempre gostou do cheiro que as flores emanavam, principalmente das cerejeiras, que recebiam um cuidado especial.

 

 

 

Estava tão distraído, absorto nos próprios pensamentos, que nem percebeu a chegada de Itachi, logo sendo surpreendido por uma pequena bola de fogo, que passou a centímetros de seu rosto. Assustado, paralisou na posição que estava até escutar a voz marcante de seu irmão quebrar o silêncio.

 

 

 

- Sasuke! Um ninja sempre deve está atento, lembre-se. - Repreendeu o jovem de 12 anos, ostentando um fraco sorriso no rosto.

 

 

 

- Mas nii-san, eu ainda não sou ninja! - Falou o mais novo, exaltado.

 

 

 

- Eu sei, eu sei... Gomen. – Manteve o tom calmo. - Então... Para quê me esperava?

 

 

 

- Er... - Envergonhado, suas bochechas ganharam uma coloração avermelhada. - E-eu es-stava com s-saudades. - Murmurou tão baixo que, se seu irmão não fosse um prodígio, com certeza não teria escutado.

 

 

 

- Eu também, moleque. - E afagou os cabelos negros arrepiados do menor, deixando-os ainda mais bagunçados.

 

 

 

- Eu não sou moleque! - Bradou o jovenzinho, fazendo uma careta engraçada.

 

 

 

- Está bem Senhor Uchiha Sasuke. - Enfatizou a palavra senhor, caminhando para a varanda da casa principal. - Mas sabe, isso é uma pena, por que eu estava pensando em te chamar pra brincar de esconde-esconde, mas como você é um adulto, e adultos não fazem essa coisas... - Itachi se divertiu com a expressão do irmão. Como era fácil manipulá-lo!

 

 

 

- Humpf! - Cruzou os pequenos braços, fechando a cara. Mesmo que ele estivesse louco para brincar, não daria o braço a torcer. Jamais! Ora, ele era um Uchiha, não se deixaria dominar por ninguém, muito menos por uma brincadeira idiota. E... - Ah nii-san... - Gemeu, frustrado.

 

 

 

- Hai, hai... - Disse o mais velho, divertido, se esforçando para manter a costumeira postura impassível. Voltou alguns passos, colocando-se ao lado do irmão. - Então, ‘ta’ com você! - Tocou lhe o ombro e sumiu numa cortina de fumaça.

 

 

 

- Anooo! Isso não vale! - Ainda que parecesse irritado, Sasuke estava mais feliz do nunca. Como Itachi conseguia ser tão bom em tudo? Era um ninja prodígio, um ótimo filho, um irmão excelente...

 

 

 

 “Serei igual, ou ainda melhor que ele”, era o pensamento do garoto naquele momento.

 

 

 

Logo começou a correr pelos jardins, à procura do mais velho, enquanto sentia o coração palpitar e a sensação de paz se tornar absoluta.

 

 

 ~.~

 

 

Aquele era um dos inúmeros dias ensolarados da vida de Uchiha Sasuke. E logo da vida dele, que não ia muito com a cara do sol – como se realmente fosse com a cara de alguém. Não era exatamente o sol que ele detestava, e sim, as sensações e lembranças provocadas pelo mesmo. O calor proveniente do astro rei era sempre tão aconchegante... Agradável, até, se isso não trouxesse à tona os momentos felizes que já passara com sua família, principalmente com sua mãe, o ser mais doce que conheceu.

 

 

 

Expulsou de sua mente as recordações dolorosas, como era de costume, a fim de não sofrer ainda mais. Escorou-se num dos postes próximos a ponte de encontro e suspirou, cansado, sentindo a leve brisa tocar-lhe o corpo, permitindo que arrepios ocorressem involuntariamente. Com 12 anos, Sasuke não mudara praticamente nada desde a infância. Crescera, é claro. Mas continuava possuindo a mesma pele pálida de tempos atrás; os mesmos penetrantes olhos negros; o mesmo cabelo arrepiado, com uma pequena franja caindo-lhe sobre os olhos; a mesma personalidade séria e reservada, demasiado quieto para um pré-adolescente. As únicas coisas realmente novas eram o fato de o jovem ter se tornado gennin e ter sido designado para o Time 7; além do antigo desejo de vingança ter tomado o controle de sua vida e ações.

 

 

 

Por quê? Simples. Seu clã foi dizimado. E por quem? Essa é a resposta que mais choca... Por seu próprio irmão, aquele que um dia tinha sido seu maior exemplo. Apertou os punhos, tentando controlar a raiva que aumentava dentro de si, mas não foi necessário, pois a voz da pessoa que acabava de chegar já tinha esse poder apaziguador. Embora fosse bastante... Irritante!

 

 

 

- Sasuke-kun! Ohayou! - Gritou para o rapaz com um enorme sorriso no rosto, enquanto vinha em sua direção.

 

 

 

- Sakura... - Falou seu nome em sinal de saudação, se perguntando como aquela garota podia sorrir tanto sem motivo algum.

 

 

 

Ambos permaneceram calados, fato que incomodou Sakura profundamente. Resolveu então, arriscar-se.

 

 

 

- Onde estão Naruto e Kakashi-sensei? – Perguntou, numa tentativa desesperada de manter um diálogo.

 

 

 

- Não chegaram.

 

 

 

- Etto... Como sempre. - Deu um sorrisinho sem graça. – Er... Você tem alguma coisa, Sasuke-kun?

 

 

 

- Como assim? – Indagou, não entendendo onde a kunoichi queria chegar.

 

 

 

- É-é qu-ue... - Gaguejou ao perceber que o moreno a olhava fixamente. - V-ocê estava mei-io estranho qu-quando cheguei. - Explicou. - Parecia com raiva. Por isso perguntei se está bem...

 

 

 

- Estou ótimo, obrigado. - Respondeu curto e grosso. Na verdade, ficou surpreso com tamanha percepção da garota, afinal, era muito bom em esconder suas emoções. E nem um pouco modesto, é claro.

 

 

 

Sakura não respondeu, tampouco iniciou outra conversa com o rapaz, não querendo frustrar-se. Antes achava que Sasuke era somente um rosto bonito, mas agora... Queria poder desvendar os mistérios por trás do garoto, e essa vontade parecia aumentar a cada dia, a cada vez que o via - acordada ou em sonhos. Infelizmente, este era um objetivo inalcançável, já que ele a ignorava completamente.

 

 

 

Sentou-se na ponte, entretida em observar o movimento feito pela água do rio abaixo de si, enquanto esperava o resto do time. Logo um estrondo chamou sua atenção.

 

 

 

- O que foi isso? _ Perguntou a rosada ao companheiro, retirando uma kunai e empunhando-a nas mãos trêmulas.

 

 

 

- Acalme-se. - Tranqüilizou-a. - É só o Naruto tentando chegar de surpresa igual ao Kakashi-sensei. - Falou o rapaz, limitando-se a curvar o canto dos lábios.

 

 

 

- Aarggh! Ele vai se arrepender de ter me assustado! - Berrou, dando socos no ar, com um olhar de pôr medo até no Hokage.

 

 

 

- Neeee, Sakura-chan, espere aí... Hehe. - Pediu o baixinho, surgindo de trás de um arbusto com os cabelos loiros repletos de folhas.

 

 

 

- Seu...! - E avançou pra cima do Uzumaki, o enchendo de cascudos.

 

 

 

Enquanto o ninja número 1 hiperativo e cabeça dura – como seu sensei o nomeara – corria apressado de uma certa kunoichi com instintos assassinos, Sasuke observava toda aquela cena, deliciado com a familiaridade que ela lhe proporcionava, e se perguntando mentalmente:

 

 

 

“Será que esse... É realmente o meu lugar?”

 

 

 

Mal sabia o Uchiha o quão importante para seus amigos era a famosa ‘célula tripla’ e os laços que haviam criado entre si. Estes sim eram eternos, e nem mesmo as dúvidas infundadas do moreno poderiam destruir.

 

 

 ~.~

 

 

 Estava decidido e não voltaria atrás. Nunca! Não mancharia o nome do seu tão respeitado clã - mesmo que ele já estivesse sujo o suficiente. Tudo o que faria a partir daquele momento era a fim de dar a si e à sua família a honra merecida perante Konoha, perante o País do Fogo, e quiçá, perante o mundo shinobi. Levaria sua decisão até o fim, e se arrepender dela era um ato falho que não cometeria em momento algum de sua existência. Ele estava dando sua palavra, e ela valia muito.

 

 

 

Trair sua vila, seus amigos, seu sensei... Trair a si mesmo e aos seus sentimentos. Essa era a conseqüência de um algo tão irracional: fugir. Ainda mais para seguir os passos do sannin lendário controlador das cobras, tido como um dos piores nukenins, uma pessoa inconseqüente e sem escrúpulos. Estava se sentindo irrevogavelmente igual à Orochimaru – coisa que o atormentava - , mas era necessário. Ele tinha que conseguir poder, e no meio de pessoas fracas como Sakura e Naruto, isso não seria possível. Ambos tinham sentimentos demais, e tal coisa estraga qualquer shinobi. Afinal, ninjas são armas que não sentem, só agem, não é mesmo?

 

 

 

Não...

 

 

 

Porém, era disso que o jovem Uchiha Sasuke tentava se convencer enquanto levantava da cama, pronto pra cumprir seu destino. Arrumou suas coisas numa pequena trouxa, levando só o que era de extrema necessidade, e saiu em silêncio, a fim de não provocar ruídos suspeitos.

 

 

 

Caminhou mais lentamente que o normal, sendo observado pela pálida lua crescente estampada nos céus. Seus pensamentos estavam longe, vagando perdidos por algum lugar desconhecido de sua mente, enquanto seu corpo estava ali, se movendo, sem a menor necessidade de comandos, em direção ao portão de sua vila. Não, aquela não era mais a sua vila desde o momento em que decidiu ir embora, pouco se importando com o que deixaria para trás.

 

 

 

Ciente de suas escolhas e do caminho que desejava seguir, Sasuke aproximou-se da saída de Konoha, pronto para romper os laços mais importantes de sua vida, mas o que aconteceu no minuto seguinte deixou o moreno sem reação.

 

 

 

- Sasuke-kun! – Gritou uma menina de exóticos cabelos róseos, correndo na direção do Uchiha. - Não vá embora Sasuke-kun! N-ão va-i... - E fazendo tal pedido ao garoto, enlaçou seus frágeis braços ao redor do mesmo, molhando-o com suas lágrimas.

 

 

 

Silêncio. Apenas os soluços descompassados da garota eram ouvidos naquele momento.

 

 

 

- Sakura, me solte. - Conseguiu finalmente dizer alguma coisa. Estava em choque. Como foi que ela descobriu que ele estava fugindo? Como?

 

 

 

- M-me leve c-om você... On-negai Sasuke-kun, O-NEGA-I! - Implorou novamente a flor de cerejeira, sentindo suas frágeis pétalas caírem, embaladas pela brisa noturna. A razão de sua existência estava partindo, e o máximo que ela poderia fazer era se oferecer para ir junto com ele, afinal, impedi-lo estava fora de cogitação. Ela era fraca e nada conseguiria fazer contra o rapaz a sua frente, ainda mais do jeito como se encontrava agora... Despedaçada. – E-eu... Juro q-que vou te a-ajudar na vingança...

 

 

 

- Não diga besteiras! Você ficará aqui em Konoha. Volte para casa. - Ele tentava parecer forte, indiferente com aquela situação. E pela expressão da garota, estava conseguindo. Fazendo uma força sobre-humana, o jovem virou-se de costas, prestes a cruzar a saída da aldeia da folha.

 

 

 

A Haruno ficou estática por alguns segundos, processando todos os acontecimentos. Ele estava mesmo deixando-a. Ela... Não podia permitir! Correu atrás dele com a pouca força que lhe restava, sentindo as pernas trêmulas. Implorou mais uma vez que ele a levasse, murmurando, inconscientemente, que o amava, mas a única coisa que a jovem conseguiu, foram palavras. Na verdade, uma.

 

 

 

- Arigatô.

 

 

 

E dizendo isso, Sasuke a desmaiou, depositando a delicada flor - ou pelo menos o que restara dela - num banco que ali havia.

 

 

 

Sem mais delongas, ele continuou a andar, já fora dos limites de Konoha.

 

 

 

Não se permitiu em momento algum olhar para trás. Se o fizesse, não seria possível segurar os impulsos de retornar aos braços da aconchegante vila, aos braços daquela garota. De Sakura.

 

 

 

Inspirou profundamente, tornando a transformar seu coração numa pedra. Fria, e sem vida. E assim, foi-se como o vento, sem rumo.

 

 

 ~.~

 

 

 Ainda sentado sobre a vegetação desigual, Sasuke reviveu todas essas cenas minuciosa e detalhadamente. Dando, logicamente, uma maior importância à última delas. Desta vez, ao invés de protagonista, ele foi o telespectador. Olhando por esse ângulo, soube muito bem o quanto fizera mal à menina, largando-a naquele banco, sozinha.

 

 

 

Somente agora, após cinco anos, cinco longos e difíceis anos – para todos -, é que ele percebera a gravidade de seu ato. Tudo aquilo, todo o sacrifício que o mesmo fizera de nada adiantaram. Fugir foi a pior das coisas que poderia ter feito, pois tanto ele quanto seus amigos – ou ex-amigos, não sabia - , sofreram. E para quê? Nada. Pois no final, de que adiantou o poder que conseguiu? De que ele serviria agora? Era um ninja procurado nos quatro cantos do mundo shinobi, e conseguir recompor sua honra seria uma tarefa árdua. Muito árdua.

 

 

 

Mas em compensação, aquilo lhe reconfortava de uma maneira quase impossível, insana. Ao recordar daquela malfadada noite, Sasuke pôde ver o quanto Sakura se dedicara a ele, o quanto ela o amara. A rosada deu tudo de si ao jovem; tudo que conseguiu; tudo que pensava ser capaz de oferecer. E mesmo que ele tenha a maltratado inúmeras vezes, ela nunca deixou de preocupar-se, tampouco de mostrar seu carinho e admiração.

 

 

 

Ela acreditou nele. Até o fim.

 

 

 

E não parou de tentar resgatá-lo, sempre com um bocado de esperança e um brilho característico nos olhos, ainda que muitos não aprovassem tal decisão.

 

 

 

Ela lutou por ele.

 

 

 

Mas um dia, cansada de arriscar-se para salvar alguém que não queria ser salvo, a jovem Haruno desistiu. Num murmúrio, enquanto suspirava desgostosa, disse suas últimas palavras dirigidas ao moreno.

 

 

 

“Fiz o que pude.”

 

 

 

Desde então, ninguém mais em Konoha - ou no País do Fogo - tentara levá-lo de volta a vila, para seus amigos. Agora, se ele fosse pego, seria como traidor.

 

 

 

Em meio a devaneios incertos, com o pouco que lhe restava de força e sanidade, Sasuke pensou em algo improvável, mas esta foi a única coisa que o fez querer viver. Essa suposição, esse talvez. Será que... Sakura ainda alimentava algum sentimento por ele? Será que ela estaria disposta a ficar ao seu lado, mesmo depois de tudo? O grande amor que a flor de cerejeira sentia por ele teria resistido aos anos?

 

 

 

E mergulhado em dúvidas, mas também em esperança, o jovem Uchiha, nos seus 17, quase 18 anos, levantou-se vagaroso, pronto para iniciar uma caminhada. Esta era decisiva, e agora, ele sabia muito bem para onde estava indo. Para os braços de sua amada.

 

 

 

As dores que sentiu ao longo do percurso não foram capazes de fazê-lo parar, e muito menos de esquecer seus novos objetivos. Andou por três dias e, cedendo às vontades do corpo cansado, descansou à noite. Quando estava se aproximando da floresta que protegia a Vila Oculta da Folha, achou melhor esconder o pouco chakra que ainda lhe restava, a fim de não ter encontros indesejados. Quanto mais perto chegava dos portões da vila, mais a sensação de felicidade por estar em casa aumentava, e conseqüentemente, maior era seu nervosismo.

 

 

 

Entrou sorrateiro, impressionado pela facilidade com a qual passara por aqueles guardas, e, escondendo-se o máximo possível, foi atrás da sua flor.

 

 

 

Não sabia exatamente onde procurar, então começou pela casa dela. Esta era de dois andares, com as paredes levemente esverdeadas - este detalhe o fez recordar-se de certos olhos esmeraldinos. Subiu no telhado, desajeitado, sentindo uma fisgada no abdômen, e posicionou-se da melhor maneira, aguçando os ouvidos. Ouviu alguns burburinhos, mas nem sinal da voz de Sakura. Suspirou ansioso, e seguiu para a próxima parada: campo de treinamento do Time 7.

 

 

 

Este estava diferente em alguns pontos. A clareira havia se tornado maior, devido -provavelmente - ao aumento dos poderes de seus ex-companheiros, juntamente com aquela sua cópia malfeita, que mais parecia um fantasma. Como era mesmo o nome? Ah, sim, Sai.

 

 

 

Além do aumento significativo do campo, ele estava bastante, hum, colorido. Não sabia, obviamente, o porquê, mas havia inúmeras flores plantadas ali. Desde alguns girassóis, até rosas de diversas tonalidades. E é claro, duas ou três árvores de cerejeiras. O rapaz deu um pequeno sorriso, sabendo muito bem que aquilo era obra de uma única pessoa.

 

 

 

Sakura.

 

 

 

Notando que ali também não havia ninguém, Sasuke foi para o último lugar que lhe viera em mente. O hospital. Bem, ele não sabia se a rosada trabalhava lá ou não, mas pelo que vira na última vez em que se encontraram, a garota havia se tornado uma hábil ninja médica.

 

 

 

Enquanto caminhava, escondido nas sombras, o Uchiha pôde desfrutar de um lindo pôr-do-sol. No céu, várias cores mesclavam-se umas às outras, permitindo uma visão ainda melhor do incrível – e simples - fenômeno. Num breve momento de distração, o jovem voltou aos tempos de criança, à procura de formas nas nuvens alaranjadas. Uma pena que justo quando estava identificando uma delas, sentiu algo quente e viscoso escorrer por seu braço. “Kuso!”, murmurou, vendo um ferimento se abrir. Automaticamente, postou a grande e máscula mão – agora repleta de arranhões – sobre a ferida, pressionando-a contra a camisa já rubra.

 

 

 

Ainda assim, não se deu por vencido. Terminado o caminho, entrou num beco pouco iluminado – apesar de ainda não ter anoitecido - ao lado do hospital, colocando-se de frente a uma das janelas e agachando-se, à espera de algum movimento conhecido.

 

 

 

Os minutos esvaíam-se e aquilo estava ficando insustentável. Neste momento, o rapaz frio e sem coração era uma mistura de sentimentos. Ansiedade; temor; dor; desejo; saudade; rejeição; e, muito possivelmente, amor. Era disso que ele era feito - ao menos – agora: de emoções.

 

 

 

Levantou-se, contendo o gemido dolorido, e caminhou para a esquina do local, subindo numa grande árvore de copa volumosa. Lá se escondeu, até ver uma das pessoas que mais ansiava encontrar nessa volta. Seu amigo, seu irmão.

 

 

 

Naruto vinha caminhando no fim da rua, tranqüilo, com o costumeiro sorriso nos lábios e as mãos enterradas nos bolsos da calça preta. Espera, preta? Cadê o laranja chamativo? “Ah, sim”, disse Sasuke mentalmente, subindo os olhos e se deparando com uma camiseta extremamente laranja. Não pôde deixar de soltar uma risada, ainda que silenciosa. O loiro estava com feições mais maduras; e claramente mais alto, talvez do tamanho do Uchiha, ou um pouco menor. Estava também mais forte, devido aos treinamentos em que fora submetido. Enfim, um homem feito.

 

 

 

Embora tenha sido bom deparar-se com o Uzumaki, não era exatamente dele que precisava nesse instante. Assim, voltou a focar a visão na entrada do hospital. Passados uns poucos segundos, Sasuke viu seu ex-companheiro aproximar-se cada vez mais daquela enorme e esquia construção - impecavelmente branca -, escorando-se ao lado da porta de vidro. Infelizmente, com Naruto ali, postado à entrada do hospital, era quase impossível ver quem estava saindo, a menos que a pessoa caminhasse um pouquinho mais à frente. “Pelo visto, não sou o único a esperar alguém”, pensou, enraivecido, amaldiçoando o loiro por ter aparecido numa hora tão inconveniente. Logo reparou que a pessoa aguardada pelo amigo havia acabado de sair, e que ambos estavam demasiado próximos. Não pôde ver quem era, mas deduziu ser uma mulher pela pequena estatura – ocultada sobre a altura significante do Uzumaki. Confirmou suas suspeitas ao ver frágeis braços enlaçarem o pescoço de Naruto, enquanto o mesmo inclinava levemente a cabeça. Sim, eles estavam se beijando. O moreno soltou uma pequena exclamação ao ver aquela cena. Não que ele achasse que o loiro seria para sempre uma criança inocente e imperativa, mas aquilo definitivamente o chocou. Até o dobe tinha namorada!

 

 

 

Descrente, o Uchiha continuou observando com um olhar repleto de curiosidade. Era deveras constrangedor assistir o casal se beijar, mesmo que ele só conseguisse ver as costas sob a blusa alaranjada e as mãos da ‘moça misteriosa’, que eram muito bonitas, reparou com certa familiaridade. Após essa constatação, o moreno sentiu uma pequena fisgada no peito, fazendo-o curvar-se. Apesar de estar repleto de ferimentos graves ocasionados pela luta com Itachi, Sasuke não se lembrava de ter sido atingido próximo do coração... É, as coisas estavam realmente complicadas para seu lado. Precisaria de um médico muito bom, ou de uma médica, quem sabe. Sorriu mais uma vez naquele dia. Impressionante como depois de tantos anos ignorando o que sentia, um pequeno fio de esperança permitiu que ele se entregasse tão facilmente aos sorrisos e aos sentimentos.

 

 

. Só pra constar .

 

 

O jovem podia não saber, mas seu coração estava intacto – pelo menos, por enquanto.

 

E a tal fisgada, bem, ela havia sido um sinal de seu corpo contra os acontecimentos seguintes. Uma pena que ele não tenha entendido o recado... Iria compreender da pior maneira.

 

 

 

 ~.~

 

 

 Ainda atento à Naruto e sua... Acompanhante, o ex-pupilo do sannin da cobras, postado sobre um dos galhos da imensa árvore, notou algo que mudou completamente sua visão a respeito da cena que presenciava.

 

 

 

Uma mecha de cabelo.

 

 

 

Mas se engana quem pensa que aquela era uma mecha qualquer.

 

 

 

Por cima dos ombros do amigo, ele pôde ver uma pequena mecha de cabelo rósea, sendo levada pelo suave vento diurno, em transição com o noturno. Ela se movimentava delicadamente, com certa sinuosidade, querendo mostra-se a todo custo.

 

 

 

Mal sabia ela o quanto sua curta aparição afetaria aquele homem; o quanto seu tom exótico pôde mexer com todas as células do corpo dele; o quanto sua presença o destruiu...

 

 

 

Sasuke tentou racionar o mais friamente possível. Tentou... Àquela altura, era praticamente impossível pensar. Ele só conseguiu chegar a uma conclusão. A moça era Sakura. A moça com Naruto, que o beijou, era Sakura. Aquela que deveria ser sua, agora era de outro, e pior, do seu melhor amigo!

 

 

 

Não havia outra explicação.

 

 

 

Ele nunca vira - em lugar nenhum do vasto caminho que percorreu - outra mulher que possuísse os cabelos rosados, além das integrantes da família Haruno. Tomado por um desespero inconsciente, Sasuke até pensou na possibilidade da tal moça ser prima, irmã, ou uma parente qualquer de Sakura, mas desistiu da idéia, percebendo o quão ridículo estava sendo. “Mesmo assim... Isso não pode. Não! Ela... não é a Sakura. Não a minha...” Repetia mentalmente o rapaz, tentando se convencer de uma verdade inalcançável. A esperança que antes comandava o corpo do jovem havia se esvaído, e junto com ela, a pouca vontade de viver. Pouco a pouco, ele se sentia sugado por um gigantesco buraco negro, onde a escuridão o enfrentava cara a cara, numa disputa inútil e desnecessária.

 

 

 

Pela segunda vez na vida, sentiu vontade de externar suas emoções através de lágrimas, grossas e pesarosas, que lavassem sua alma e espírito. Sem vergonha, ele chorou. Não só por Sakura, mas por toda a sua trajetória. O que fez de bom em sua vida? Que frutos colherá no futuro? Para quem voltará depois de uma cansativa missão? Com quem vai dividir suas tristezas e alegrias? Sasuke não sabia. Mas de algo ele tinha consciência... Era um homem .

 

 

 

Para agravar a situação do Uchiha, o casal mais a frente entrelaçou as mãos, caminhando vagarosos na sua direção, como se quisessem puni-lo por tudo que já os fizera passar. Seus rostos estavam ligeiramente corados, e os lábios ostentavam enormes e radiantes sorrisos, mostrando a quem quisesse ver o quão felizes se encontravam. Nunca poderiam imaginar que eram observados atentamente, ainda mais pelo ex-integrante do melhor time que Konoha já havia visto...

 

 

 

Estavam torturando-o sem saber.

 

 

 

Por mais que este não fosse o momento, e por mais que estivesse no ápice de sua angústia e decepção, ele não pôde deixar de analisar a Haruno, percebendo o quanto encantadora ela estava. Sakura deixou que os cabelos crescessem novamente, estando ainda mais longos do que antigamente; a pele macia, de um precioso marfim, exalava um perfume delicioso, adocicado e suave na medida certa; os olhos esmeraldinos, tão brilhantes! Como sentira saudade daquele olhar, inocente e determinado ao mesmo tempo; e o corpo, bem... Estava simplesmente maravilhoso. As coxas bem torneadas, visíveis por causa da calça justa; a cintura fina e convidativa; e os seios, pequenos e perfeitamente redondos, proporcionais a silhueta magra da jovem.

 

 

 

Cada vez que olhava para a flor de cerejeira e via o quanto ela havia mudado – de irritante e inútil para umas das melhores ninjas da vila, além da estonteante beleza, é claro – o jovem ficava mais frustrado. Ele não estava com raiva de Naruto, e muito menos dela. Sasuke sentia raiva de si mesmo. Raiva por ter feito tudo errado; por ter se desviado do caminho honrado que um shinobi deveria seguir; por ter tomado decisões precipitadas; e principalmente, por ter deixado para trás as pessoas que mais amou – e que o amaram. Naruto, como um irmão. Sakura, como um espelho de superação, e também, como seu primeiro e mais valioso amor. E Kakashi, como um pai... Um pai meio “torto” e pervertido, mas um pai.

 

 

 

Ver todos aqueles que um dia foram parte dele retomarem suas vidas doeu intensamente em seu peito. Sasuke sabia que estava sendo egoísta com este pensamento - como fora algumas vezes na infância - mas era inevitável, pois além de física e emocionalmente machucado – com o coração em frangalhos, repleto de fendas - , seu ego também estava ferido.

 

 

 

Enquanto as dores aumentavam por todo o seu corpo, como se as feridas estivessem sendo pressionadas rudemente, o rapaz lembrou-se de algo que sua mãe lhe falara uma vez, e que cabia como uma luva nessa situação. “Querido... Às vezes, quando uma coisa começa errada, será impossível terminá-la do jeito certo.” E assim foi com ele, fazendo parte de um círculo de amizades que nunca havia sido recíproco. Recebendo carinho, e não o devolvendo. Sempre com os olhos e a mente voltados para sua vingança inútil. Mas agora que o arrependimento viera, as oportunidades cessaram. Restou ao moreno, continuar sua vida. Ou melhor, o resto dela. Porque depois de tantas perdas, como seguir em frente?

 

 

 

Para Sasuke, não havia mais aonde ir.

 

 

 

Esperou que os amigos chegassem até o final da rua, e quando estavam prestes a virar a esquina, desceu da árvore num pulo silencioso, flexionando as pernas e impulsionando-as no galho em que estava. Ao chegar ao solo, sentiu a força lhe faltar nos membros inferiores, caindo de joelhos. Nesse pequeno descuido, o moreno perdeu o controle de seu chakra por alguns segundos, três no máximo. Mas isso foi o bastante...

 

 

 

A rosada, que caminhava tranqüila envolta por uma felicidade intocável, paralisou. Piscou os preciosos olhos de forma contínua, encarando os orbes azulados a sua frente – que mais pareciam um pedaço do céu. O loiro, aparentemente, não tinha percebido nada fora do normal, e isso a tranqüilizou. Como num filme sem pausa, a hábil kunoichi viu passar por sua mente todos os instantes em que estivera ao lado do Uchiha – ainda que estes fossem míseros segundos. Sentiu-se nauseada, tonta, e muito, muito confusa. Por que ele resolvera voltar justo agora? Por que não havia retornado antes, quando seus amigos estavam empenhados em resgatá-lo? Ou melhor, para que fugiu, se isso não ia lhe trazer alegria e realização? Essas eram respostas que ela não tinha, e duvidava que o próprio rapaz tivesse.

 

 

 

- Nani? O que foi Sakura...? - Indagou o Uzumaki, atencioso, esquecendo-se do sufixo infantil.

 

 

 

A garota saiu do choque, notando que o pouco de chakra familiar voltara a sumir. Virou-se de costas e deu uma rápida olhada na larga e espaçosa rua, convencendo-se de algo que já sabia.

 

 

 

Sasuke... Ele estava ali.

 

 

 

Respirou o mais fundo que pôde, soltando o ar lentamente, como uma terapia. Tornou a encarar o namorado, e reparando em suas sobrancelhas franzidas, percebeu o quão preocupado ele estava.

 

 

 

Naruto... Ele havia esperado tanto por ela, tantos anos...

 

 

 

Deu o melhor de seus sorrisos ao dono de seu coração, enquanto enlaçava novamente suas mãos, num gesto carinhoso. O loiro entendeu o recado, voltando a caminhar enquanto suspirava extasiado. Sentia-se um bobo.

 

 

 

Longe dali, o Uchiha estabilizou os resquícios de chakra que ainda lhe restava, voltando a se reerguer, ainda que suas pernas tremessem. Levantou os bonitos ônix para o céu, que estava agora nublado, da mesma forma como seu coração. Estranhou a mudança repentina, mas deu de ombros, pouco se importando com a cor da imensidão acima de si.

 

 

 

Cansado, voltou a caminhar para a saída da vila que um dia chamou de sua... E desta vez, não haveria ninguém para se despedir, muito menos impedi-lo. Os passos largos estavam ainda mais lentos que o normal, já que a dor se espalhava por todo o corpo como um veneno letal – e talvez fosse. Sentia vez ou outra, fisgadas no abdômen e nas pernas, mas isso não diminuiu sua vontade de fugir de Konoha... De abandonar todo aquele sentimento de medo e arrependimento que o corroia por dentro. Maldição! Por que justo quando ele vira o óbvio, as coisas já não estavam do jeito que queria? Por que não podia simplesmente voltar e encontrar tudo como era antes? Só então o moreno se deu conta de algo...

 

 

 

O tempo passa rápido. E, infelizmente, algumas pessoas são deixadas pelo caminho.

 

 

 

Sasuke era um desses.

 

 

 

Cruzou os grandes portões rapidamente, mas a sensação de alívio que esperava sentir não o atingiu. Pelo contrário, o único sentimento que o alcançou foi a culpa... Balançou a cabeça, tentando, em vão, espantar os pensamentos negativos que o rondavam. Foi quando começou a sentir pingos de chuva lhe atingir timidamente o topo da cabeça, logo se transformando numa forte neblina, incomum para aquela época do ano. Mas ele não se importou.

 

 

 

Continuou a caminhada, cada vez mais lenta, enquanto adentrava a floresta. Pensou nos seus pais, no seu irmão, na época como um simples gennin, nos amigos que lhe apoiaram mesmo quando recusou ajuda... E apesar de nostálgico, a única coisa que Sasuke pôde fazer foi sorrir.

 

 

 

Sorrir sinceramente, sem resguardas, sentindo a chuva lavar-lhe a alma e os pecados.

 

 

 

Ele se sentiu perdoado.

 

 

 

A visão do Uchiha começou a ficar turva, embaçada. E em seguida seu corpo amoleceu, numa dormência agradável. Caiu ali, no meio da terra batida, entre árvores robustas e animais selvagens. Mas ele novamente não se importava, queria apenas sentir seu peito esquentar enquanto a respiração se tornava fraca. Tão doce...

 

 

 

Aquilo era morrer? Por que, se fosse, ele queria que o fim chegasse logo.

 

 

 

 

 

“Otou-san, Okaa-san, Nii-chan... Encontrarei vocês em breve...”

 

 

 Owari.


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Notas finais do capítulo

Uffa, terminei '-'

Eu sempre acho minhas fics horríveis quando às leio, portanto, não fiz isso com esta aqui. Mas como a Sah-chan e a Rãai me garantiram que está legal, resolvi postar *w*

Espero mesmo que tenha agradado vocês, pois escrevi com muito amor. Entretanto, aos que não gostaram, prometo melhorar na próxima! 8D

Etto... Reviews, que tal? .___.




09/07/2009 - 8:30 PM