Shikihime escrita por Ms Saika


Capítulo 7
VI - Anunciação




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Denhaar

Niccolai seguia com uma nervosa Yuna pelo castelo em direção ao salão, mas então deu-se conta de que a garota não estava vestida adequadamente para ser apresentada à alguém num almoço importante como aquele, o que a fez estancar os passos pensativa.

-Hm... – A princesa murmurou consigo olhando Yuna dos pés à cabeça.

- O que foi? - Perguntou a outra.

-Nós temos um tipo físico parecido, aposto que algum vestido meu vai lhe cair muito bem. – Niccolai concluiu consigo mesma, fazendo Yuna arregalar os olhos surpresa.

-V-vestido seu?

...

-Aqui, use este! – A princesa tirou de dentro do armário de seu quarto um vestido azul claro e mostrou-o a Yuna, que nada disse inicialmente, apenas olhou a peça com certa estranheza. Mas depois olhou para si mesma e corou, fazendo a loira olhá-la sem entender. Só então Yuna percebeu que estava usando o uniforme desde o dia anterior, quando ainda em seu mundo voltava para casa depois do dia de colégio.

-Antes, eu... Poderia tomar um banho? – Perguntou encabulada e a outra riu docemente.

-Ora, claro! Espere só um minuto, eu pedirei que Cephira prepare a banheira para você em seu quarto. – A princesa disse colocando o vestido sobre a cama e saindo. Yuna aproximou-se e tomou a peça de roupa nas mãos, erguendo-a diante de si. O tecido era macio, de textura leve, o modelo era bastante simples, porem muito bonito também. Não era o tipo de roupa a que estava habituada, em seu mundo, um vestido como aquele só seria usado em algum tipo de acontecimento, e foi então que se deu conta de que nunca tinha tido a oportunidade de vestir-se formalmente. Naquele momento sentiu até uma pontada de ansiedade para se ver dentro daquele tecido que agora encostara ao corpo, olhando-se no espelho da penteadeira mais adiante.

Passado seu momento de pensamento, ela esperou mais alguns minutos no quarto de Niccolai enquanto observava o espaço ao redor, até que, quando já estava entediada com a demora, a princesa voltou e a levou até o mesmo quarto em que ela acordara antes. Lá dentro, a grande e bonita tina de madeira convidava Yuna ao banho. Niccolai pegou o vestido e depositou-o sobre a cama de Yuna.

-Eu voltarei em alguns minutos para busca-la, então aproveite seu banho. – A loira sorriu-lhe com seu jeito costumeiramente meigo e se retirou. Tão logo a porta se fechou Yuna já se desfazia de suas roupas, jogando-as de qualquer jeito na cama e entrando na tina no mesmo momento em que prendia os longos cabelos para cima, sorrindo ao sentir a temperatura morna e confortável. Notou que a água estava tomada por pétalas de alguma flor que ela não conhecia, mas que possuíam um leve e delicioso aroma. À sua disposição, vidros de óleos e unguentos que ela tomou à mão e cheirou, aspirando aquele perfume de lavanda e eucalipto. Deitou levemente a cabeça sobre a borda de madeira e talvez pela primeira vez desde que acordara naquele lugar, relaxou.

Ao contrário da calmaria daquela água, sua cabeça estava como um vendaval de pensamentos enquanto ainda lutava para aceitar a situação. Pensava em seu pai aflito pelo seu desaparecimento, no dia de escola que estava perdendo, será que seus colegas deram pela sua falta? E aquele lugar estranho, aquelas pessoas, será que demoraria muito para poder voltar pra sua vida? O fato era que realmente sentia bondade daqueles que agora eram seus anfitriões, se sentia muito bem vinda apesar de tudo. E Niccolai com seu jeito alegre e doce a estava ajudando e muito para que se sentisse mais calma. Sorriu ao pensar que ela lhe fazia lembrar Hiromi, sua colega de escola e amiga desde a infância.

Os minutos voaram enquanto ela estava entregue ao seu momento de relaxamento, mas só então deu-se conta de que já havia passado bastante tempo, a água já estava esfriando. Ergueu-se, pegando uma manta de tecido grosso, porem macio, que estava ali para lhe servir de toalha. Enrolou o corpo molhado e saiu da banheira com cuidado antes de pegar novamente o vestido e olhá-lo. Poucos momentos depois, sem maiores dificuldades, estava vestida. Olhava-se no espelho com certo encanto, pegando a saia com as mãos e puxando-a levemente para cima antes de rodar rapidamente, fazendo o comprimento leve acompanhar seu movimento. Amarrou a faixa grossa que marcava a cintura com um laço atrás de si e nesse exato momento, Niccolai entrou, acompanhada por uma criada.

-Como você ficou linda! – A princesa disse sincera, olhando-a com um enorme sorriso. – Muito melhor do que aquelas roupas esquisitas e curtas. – E dizendo isso, ela tomou das roupas sobre a cama e as olhou com desagrado e perguntar inocentemente – Vou manda-las pro lixo!

-Não!! – Yuna respondeu, pegando o uniforme de volta e segurando-o contra o corpo, fazendo Niccolai olhá-la intrigada. – Essas roupas são muito importantes no meu mundo! – Explicou, fazendo a outra erguer umas sobrancelha um tanto incrédula, mas ignorou.

-Bom, é melhor irmos, a mesa já está posta e logo todos irão se reunir – E quando ia sair do recinto, Yuna a chamou, segurando-a pelo braço.

-Niccolai, espera! Eu não conheço essas pessoas – Yuna disse um tanto nervosa.

-Tudo bem, você passará despercebida. Ninguém sabe que você é a encarnação da deusa.

-Eu não sou encarnação de nenhuma deusa...! – Yuna disse-lhe já farta de ouvir falar em deuses e outras loucuras do tipo.

-Talvez você ainda não tenha se dado conta disso, mas não se preocupe, nós vamos ajudar você. – A inocência de Niccolai quanto a situação de Yuna fez a outra bater a mão contra a testa, impaciente. –Fique perto de mim o tempo todo e repita tudo o que eu disser, entendeu? – Yuna suspirou e assentiu com a cabeça, antes de saírem do quarto. Ela não sabia explicar, mas lá no fundo teve uma sensação ruim, algo que nunca havia sentido antes, como um mal pressentimento.

...

Lune, que conversava algum assunto sério com Frey e Ehren na entrada do salão de jantar desde que haviam saído da reunião, deixou-os e seguiu pelo corredor em direção ao salão principal. Estava bastante sério e parecia pensativo, até que deu de cara com Niccolai e Yuna que se aproximavam. Apressou o passo até elas e as parou em seu caminho.

-Niccolai, leve Yuna lá pra cima. – Ordenou, fazendo com que as duas se entreolhassem surpresas.

-Mas mestre, e o almoço? – a princesa perguntou sem entender.

-Você levará para ela depois, mas hoje eu não acho que seja uma boa ideia que ela coma conosco.

-Por que não, Lune? – A voz rouca perguntou vinda por trás de si. Lune congelou por um momento, antes de virar-se e encontrar Dankell se aproximando com o seu costumeiro sorriso misterioso. O sacerdote se recompôs rapidamente e virou-se a ele, ficando na frente de Yuna e Niccolai numa postura quase protetora.

-Dankell, não deveria estar no salão com os demais?

-Eu resolvi caminhar um pouco para conhecer a área comunal do castelo. – Respondeu com naturalidade, fazendo Lune olhá-lo numa seriedade quase desafiadora. – Mas quem é a mocinha aí que não poderá nos acompanhar esta tarde? – Ele perguntou relanceando um olhar indicativo à traseira de Lune, de onde Niccolai e Yuna o olhavam de soslaio. A segunda franziu o cenho; não foi esse o homem que a viu enquanto espionava a reunião? Tremeu. Será que ele a entregaria?

-Ela é uma convidada minha. – Niccolai respondeu fazendo-se presente. – É... Uma amiga que fiz na cidade, ela me prestou uma ajuda e como retribuição eu a convidei para conhecer o castelo. – A garota tentava falar com naturalidade enquanto sorria com certa timidez. Yuna permanecia calada ouvindo a tudo quando olhou nos olhos daquele homem que a encarava fixamente. Havia qualquer coisa de maligno naqueles olhos e um mal estar tomou conta de si, não se sentia bem em estar na presença dele de uma forma que seria incapaz de colocar em palavras.

-Hm, amiga sua. Deve ser uma família rica, um vestido assim certamente não é de uma camponesa, não é mesmo? E os seus olhos, engraçados os seus olhos – Ele perguntava com um ar de ironia em seu desinteresse que começava a impacientar Lune. – São como os dos felinos, eu nunca tinha visto olhos como os seus antes... Por que irá nos privar de uma companhia tão adorável, Lune? – Inquiriu, Dankell não parava de encarar Yuna e aquele olhar, juntamente à sensação ruim que tomara conta de si, fazia a garota mexer os dedos e desviar os olhos ao chão nervosamente. Cada movimento era assistido atentamente por ele.

-Por que no dia de hoje com certeza muita política será discutida durante a refeição, assuntos que com certeza não são agradáveis a uma garota tão jovem. – Lune tomou prontamente a palavra, falando de forma convincente. Só então Dankell o mirou irônico, fazendo o sacerdote ter a nítida sensação de que ele não estava acreditando em uma palavra sequer. Nesse exato momento, aproximavam-se Frey, Ehren e Serge, chamando por eles. Niccolai, ao ver a figura dos dois irmãos mais velhos que há meses estavam longe, acendeu um sorriso animado e foi até eles, abraçando-os.

-Ehren, Serge! – A garota disse, sendo recebida por eles com o mesmo abraço.

-Ora, como vai minha pequena encrenqueira? – Ehren disse-lhe com carinho em sua voz grave.

-Vocês emagreceram! – A garota concluiu olhando-os com seu jeito infantil.

-Resultado de muito esforço e pouca comida... – Serge lhe disse coçando a cabeça. – E essa aí, quem é? – Perguntou lançando um olhar a Yuna que institivamente encolheu-se para trás de Lune. O sacerdote por sua vez suspirou discretamente, nada satisfeito com a situação criada.

-É uma amiga minha da cidade que convidei para conhecer o castelo, mas esqueci que a chegada de vocês estava prevista para hoje. – A princesinha respondeu.

-Ora, não é um problema, seria indelicado de nossa parte ela estar aqui e não almoçar conosco. – Ehren disse gentilmente fazendo Lune cerrar os punhos praguejando mentalmente.

-Hoje, com todos os acontecimentos, certamente não seria uma boa ideia. Com certeza os assuntos e todo o ambiente estarão um tanto pesados, não acha, alteza? – Lune tentava contornar a situação.

-Ah, eu duvido. Depois de meses longe de casa e tantos assuntos complicados na reunião, a última coisa que eu quero é me despedir de nossos convidados com um almoço político. – O príncipe mais velho riu levemente, sendo acompanhado pelos demais, com exceção de Lune que sentiu uma gotícula de suor se formar em sua testa. De todas as formas possíveis, era uma má ideia Yuna aparecer diante de tantas pessoas, uma desconhecida assim certamente chamaria muita atenção e geraria comentários. Ainda por cima, ele tinha que encobri-la sob uma mentira. – Essa sua amiga tem um nome? – Ehren perguntou gentil.

-Eudora. – Lune respondeu rapidamente antes que Yuna ou Niccolai pudessem dizer qualquer coisa. Foi o primeiro nome feminino que lhe veio à mente.

-Senhorita Eudora - Ehren tomou a mão da garota e despretensiosamente a beijou, educado, fazendo as honras de anfitrião. O gesto fez Yuna abrir um leve sorriso abobado, sentiu-se derretida e admirada por tal ação, nunca vira tal gesto de cavalheirismo fora dos filmes. – Será muita alegria para todos nós a sua presença esta tarde. - Lune e Niccolai entreolharam-se. O príncipe voltou sua atenção aos demais, sem perceber que Yuna o olhava com uma ponta de encanto. –Vamos, ou vão acabar comendo tudo antes de nós!

...

Na grandiosa mesa, a cabeceira, cuja cadeira era a maior e mais adornada, ainda estava vazia. Ehren acomodava-se à direita dela, tendo Serge logo ao seu lado. Annia chegava sendo recebida pelos presentes com longas reverências antes de se sentar à esquerda, Niccolai a aguardava na cadeira seguinte. Lune, que deveria sentar-se ao lado de Serge, preferiu quebrar o protocolo e foi mais para longe da cabeceira acomodar-se ao lado de Yuna, na esperança de ficar perto dela caso alguma coisa acontecesse. Seria melhor do que trazê-la mais para perto e despertar a atenção da rainha e de outros. Dessa forma, Frey e Dankell, por serem os convidados de honra, sentaram-se à direita logo depois do príncipe mais jovem.

Da boca de Yuna não saía uma palavra sequer.  Ela encolheu-se na cadeira e apenas observava a movimentação sem saber direito como se portar ou agir. Quando um homem velho de coroa adentrou o recinto acompanhado por um soldado guarda-costas, todos na mesa ergueram-se e se curvaram longamente. A garota então não perdeu tempo, se levantou como um raio e repetiu o gesto. Só quando a figura se sentou é que os demais fizeram o mesmo e ela, prontamente, imitou. Yuna passou a repetir cada movimento dos presentes, desde a forma de se sentar até o comer e o beber; claramente era melhor que sua presença passasse despercebida e qualquer gafe poderia chamar a atenção no meio de tantas pessoas que se comportavam da mesma forma. A comida foi servida e Yuna parecia um tanto confusa quanto ao que fazer, era Lune ao seu lado que, discretamente, a ajudava. Mas aos poucos, usando também de sua própria facilidade em aprender, ela já conseguia dar conta sozinha. Não fazia ideia do que estava comendo, mas estava tudo uma delícia!

A refeição seguia entre conversas animadas dos presentes, não havia tanta formalidade quanto ela imaginava, o rei tratava a todos como se fossem iguais, apesar do respeito superior que todos lhe transmitiam. À sua diagonal na mesa, deparou-se com a figura de Dankell e novamente sentiu um mal estar inexplicável tomar conta de si, aqueles olhos eram como os de uma serpente.

-Aquele homem... Eu não gosto dele. – Ela disse em voz baixa só para que Lune a ouvisse.

-Eu também não. – Lune lhe respondeu no mesmo tom.

-Tem alguma coisa muito ruim dentro dele... Ele não deveria estar aqui. – E ao ouvir isso, Lune franziu levemente o cenho e a olhou, Yuna estava pálida e encarava fixamente Dankell, seu olhar havia mudado de repente. Ela por sua vez sentiu um pânico súbito, sua mente foi tomada por uma série de terríveis imagens desconexas que se amontoavam umas as outras como um turbilhão de sonhos ao mesmo tempo. Viu o céu se tingir de sangue e uma chuva escarlate cair sobre uma violenta guerra, só havia matança e sofrimento. De repente, uma figura masculina que ela não conseguiu identificar tinha seu corpo transpassado violentamente por uma espada, uma imagem que foi muito além da visão, ela pôde sentir claramente a dor do golpe em seu próprio corpo. – O lobo se infiltrou ente os cordeiros... – Dizendo isso, ela piscou os olhos várias vezes e só então Lune pôde voltar a reconhecê-la, mas Yuna pareceu sentir-se tonta, os olhos reviraram e ela só não caiu por que encontrou no braço dele um amparo.

-Yuna... – Lune falou o nome dela em voz baixa, para si mesmo, dando-se conta de que todos os presentes voltaram o seu olhar à garota que estava quase inconsciente apoiada nos braços do sacerdote ao seu lado. Niccolai levantou-se rapidamente e, preocupada, foi até ela ver o que estava acontecendo.

-O que aconteceu com ela? – A princesa perguntou a Lune enquanto a outra mal conseguia manter os olhos abertos.

-Eu não sei, ela só... Desmaiou...! – O sacerdote disse. – Senhorita Eudora... – Ele lhe tocou o rosto enquanto a chamava pelo nome falso. Aos poucos Yuna ia voltando a realidade, embora ainda parecesse enfraquecida. – Você está bem?  - Lune aliviou-se ao ver que a garota parecia melhor e suspirou, mas então olhou ao redor e viu que todas as atenções se voltavam a eles.

-Niccolai... – A garota chamou a princesa e lhe falou algo baixinho, quase num sussurro, que fez a princesa olhá-la com surpresa. Niccolai a ajudou a se levantar.

-Ela só teve um mal estar, não foi nada. – Niccolai explicou com um sorriso desconsertado, lançando a Lune um discreto olhar de aviso. – Eu vou leva-la a um quarto apara descansar. – E dizendo isso, se retirou com Yuna sob os olhos curiosos dos presentes. Lune voltou a atenção ao seu prato um tanto confuso com o que acontecera, especialmente as palavras e a expressão estranha no rosto da jovem. Queria ir atrás dela para saber o que aconteceu, mas seria estranho se fizesse isso agora, então preferiu esperar até o fim do almoço quando os primeiros convidados começassem a se retirar. Os minutos pareciam se arrastar em sua pressa e ele sequer tinha mais alguma fome para comer qualquer coisa que fosse.

...

-Niccolai, eu vi uma coisa! – Yuna disse nervosa, estancando os passos quando já haviam se afastado do salão.

-Que tipo de coisa?

-Eu não sei, eu... Eu não entendo! Foi rápido, as imagens apareceram todas de uma só vez! – Ela dizia enquanto tentava reunir em sua mente as figuras da visão que tivera.

-O que você viu? – A princesa perguntou segurando-a pelos ombros.

-Eu vi guerra, vi pessoas se matando, o céu estava vermelho, chovia sangue... E tinha um homem sendo ferido, gravemente ferido. – Ela dizia balançando a cabeça como se quisesse espantar pensamentos tão ruins, seu coração batia forte, toda aquela visão pareceu muito real. Na última frase, ela levou a mão à altura do abdome no mesmo lugar onde o homem de sua visão fora golpeado, onde sentira tão claramente a dor da perfuração. . Tais palavras fizeram a princesa se arrepiar – Eu não entendo, por que eu vi essas coisas?

-Será que... Será que você teve uma premonição? – Niccolai disse com temor em suas palavras, fazendo Yuna olhá-la assustada.

-Premonição?

-Quem sabe a Deusa tenha lhe enviado uma visão do futuro... Talvez ela queira avisar alguma coisa, Yuna... – Niccolai tentava entender o que acontecera, mas Yuna, nervosa, simplesmente levou as mãos à cabeça e a balançou negativamente.

-Por favor, me leve pro quarto. – Ela pediu transtornada. Niccolai assentiu e a acompanhou até o quarto em que Yuna ficaria hospedada no tempo em que ficasse no castelo.

-Eu vou deixar você um pouco sozinha, preciso voltar lá pra baixo. A situação acabou gerando um certo alarde... – A princesa concluiu resignada, fazendo Yuna baixar o olhar, encabulada.

-Me desculpe...

-Ora, não foi culpa sua. Além do mais, eu e o Mestre Lune podemos contornar a situação, não se preocupe! – Disse tentando animá-la. – Descanse um pouco, mais tarde virei vê-la. – E dizendo isso, Niccolai saiu, deixando Yuna a sós com seus pensamentos confusos. A jovem caminhou até a cama e jogou-se sobre o colchão macio, abraçando o travesseiro e mirando com olhar triste um ponto qualquer no recinto. Uma pequena lágrima escorreu de seus olhos, não tinha nem 24 horas que estava naquele lugar e já rezava para que fechasse os olhos e quando os abrisse, estivesse em casa de novo, exatamente como aconteceu para chegar nesse mundo estranho chamado Mithera. Com isso em mente, acabou adormecendo.

...

Lune conseguira contornar bem o acontecido e o almoço terminava, finalmente. Entretanto, para o seu infortúnio, o rei pessoalmente o encarregara de, junto aos dois jovens príncipes, acompanhar Frey e Dankell até as muralhas que contornavam Denhaar e levariam os estrangeiros à saída. Ele não teve outra opção senão obedecer. A cavalo, os cinco homens chegavam aos portões da fortaleza que pouco a pouco iam se abrindo conforme as ordens passadas aos guardas. Eram inúmeros, no chão e nas torres, todos fortemente armados.

-Mande nossos cumprimentos ao seu rei, Frey. – Ehren disse sorrindo ao amigo.

-Agradecemos muito a gentileza de Denhaar para conosco, o rei Ciphur se alegrará. Se um dia visitarem Korneria, tenham certeza que encontrarão o mesmo tratamento. – Frey lhes disse com um sorriso sincero, recebendo deles um leve aceno de cabeça em agradecimento. – Agora sem mais delongas, voltarei para minha família, não vejo a hora de encontra-los!

-Está certo, meu amigo. Eu o invejo por ter os braços de alguém para quem voltar. – O príncipe mais velho lhe disse arrancando do outro uma risada.

-Não se preocupe, Ehren. Um dia você vai ser rei, logo estará casado e rodeado de crianças! – E dizendo isso, acenou, atiçando o cavalo e saindo. Dankell permaneceu calado durante todo o tempo, mas antes de seguir o conterrâneo, não deixou de lançar um olhar sugestivo para Serge, que o olhava sério, pensativo. Lune notara a troca de olhares e uma leve intriga o atingiu, mas nada disse. Simplesmente tomaram seu caminho de volta ao castelo.

...

O sono de Yuna não durara mais que alguns poucos minutos e ela logo despertou. Olhou ao redor e viu-se sozinha naquele enorme quarto. Suspirou por um momento e passou a mão pelos cabelos, arrumando-os, antes de se levantar e olhar pela janela. O sol brilhava lá fora, fazendo-a ser tomada por uma enorme vontade de sair. Aquele castelo lhe era de certa forma como um confinamento, além do mais, parecia haver muita coisa para se ver, muito ar para se respirar lá fora. Com esse pensamento, ela deixou o recinto e seguiu pelo corredor até descer as escadas, havia memorizado o caminho até o salão principal no térreo.

Lá chegando, relanceou um olhar ao teto e ficou maravilhada ao perceber o belíssimo vitral que havia acima de si. Nesse momento percebeu que a luz do sol vinha também de algum ponto à sua esquerda e seguiu até lá na esperança de encontrar uma saída. Foi quando finalmente deparou um grande portal que lhe dava passagem a uma varanda de pedra, um vento delicioso se chocou contra o seu corpo, um ar puro tal qual ela nunca havia sentido antes. Passou pela varanda e observou maravilhada o local, o que era aquela natureza? As montanhas verdes seguiam até onde seus olhos eram capazes de enxergar, lá embaixo, ao redor e além da grande cidade, uma densa floresta podia ser vista e ocupava toda a área que sua vista alcançava, tudo isso sob um céu límpido e um sol forte que iluminava aquele entardecer. Sorriu encantada, aquele mundo, no fim das contas, era um lugar maravilho para os olhos. Em sua distração com a vista, não percebeu a aproximação de alguém. 

-E de novo, de um jeito ou de outro, nos esbarramos. – A voz conhecida falou-lhe, fazendo-a virar e encontrar aquele mesmo rapaz que ela havia conversado mais cedo, mas que sequer sabia o nome. Ela o olhou com certa surpresa mas nada disse. Ele aproximou-se, pairando ao lado dela e cruzando os braços, voltando seu olhar na mesma direção. – É muito bonito, não é mesmo?

-Sim... Acho que nunca havia visto uma paisagem tão bonita. – Ela falou sinceramente, fazendo-o olhá-la com certa surpresa.

-Não tem uma vista assim no lugar de onde veio? – Yuna pareceu ficar meio pensativa ao ouvir tal pergunta.

-Bom... Até tem, mas são lugares mais remotos. Não dá pra ver assim, nas cidades, como aqui. – Ela disse.

-E como são as cidades no seu mundo? – O rapaz perguntou curioso.

-Bom... São mais modernas. Tem prédios bem grandes, as pistas são cheias de carros. A julgar como vocês se vestem e a visão que dá pra ter da cidade daqui... Eu acho que vocês não tem nada disso, tem? – Ela perguntou. O rapaz franziu o cenho, de fato não fazia a menor ideia do que eram essas coisas, então começou a imaginar em sua mente o que poderiam ser, tecendo imagens fantásticas de um “carro” ou um “prédio”. Sua curiosidade quanto ao mundo de onde ela veio acabaram por tabela despertando também a curiosidade sobre ela. – Já que não tenho outra opção, quem sabe ao menos vá ser bom conhecer como as coisas são por aqui, tudo é diferente, as coisas, as pessoas, o jeito de se vestir, de se comportar...

-Eu não podia imaginar que pudesse haver tanta diferença assim, embora todos digam que o seu mundo é amaldiçoado. – E ao ouvir tais palavras a garota o mirou surpresa.

-Amaldiçoado?!  Mas espera aí, “todos”, quer dizer que todos aqui sabem da existência do lugar de onde eu vim?

-Sim. – Ele respondeu com naturalidade, sem entender a expressão de surpresa no rosto da garota. – Por que?

-Por que ninguém na Terra sabe da existência de algum lugar chamado “Mithera” ou seja lá o que for. Ou ao menos eu acho que ninguém sabe. – A garota concluiu confusa, fazendo-o olhá-la com estranheza.

-Todas as pessoas no seu mundo são como você? – Ele perguntou. A garota não entendeu.

-Como assim “como eu”?

-Assim tão... Normal. Quero dizer, não que você seja normal. Mas também não quero dizer que é anormal, só que ao mesmo tempo que é muito diferente das pessoas aqui, também tem algumas coisas parecidas, e eu achei que as pessoas do Mundo oculto não fossem assim. – Ele atrapalhava-se em suas próprias palavras, coçando a cabeça na tentativa de expressar melhor o que pensava, mas seus pensamentos também estavam bastante confusos. Diante da situação, Yuna sorriu de leve.

-Acho que entendi e... Bom... Acho que sim. Quero dizer, eu sou só uma garota como outra qualquer no lugar onde eu vivo, sem nada de especial. – Ela respondeu olhando pro chão, pensativa. – E aqui vocês me chamaram de senhora e disseram que eu sou um tipo de... Deusa, ou sei lá. Por que alguém como eu poderia ser algo assim?

-Eu não sei dizer... – Heero voltou seu olhar novamente à paisagem também perdido em divagações. Yuna relanceou um olhar a ele. Não entendia como ou por que, mas havia alguma coisa especial naquele rapaz, sentia alguma coisa boa vinda dele e essa sensação lhe fazia bem. Ela nem o conhecia, era a primeira vez que conversava devidamente com ele, uma conversa bastante estranha por sinal, mas havia nele alguma coisa que a chamava. Não entendia, mas o importante era que mesmo envolta em toda essa situação estranha, era bom estar conversando com ele.

-Er... Qual o seu nome? – Ela perguntou um tanto encabulada, só então havia se dado conta de que não sabia o nome dele. O rapaz a olhou e pareceu ter a mesma reação, abrindo um leve sorriso.

-Sou Heero... E você?

-Yuna. - E dizendo isso, trocaram um leve sorriso, até Yuna novamente encabular-se e desviar o olhar ao chão.

-A Propósito... Me desculpe por ter falado com você daquele jeito hoje mais cedo.

-Ah, isso... – Heero abriu um sorriso sem graça. – Não se preocupe, estava nervosa. Na verdade, eu quem lhe devo desculpas por tudo, afinal fui eu quem trouxe você. Mas eu prometo que vou procurar um jeito de manda-la de volta pra casa. – Ao ouvir tais palavras, Yuna lhe lançou um olhar sutilmente doce. Ele era o único que não lhe falava coisas estranhas, que a tratava normalmente e parecia entende-la de verdade, entender sua aflição em estar num lugar desconhecido. Com certeza no tempo em que passasse ali, Heero poderia ser um bom amigo.

-Muito obrigada.

C.O.N.T.I.N.U.A...


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