"Hoje eu vou passar o tempo rindo de novo

Apesar do meu peito doer um pouco"

SCANDAL, Harukaze

Ela se olhou no espelho após ter vestido todas as peças de roupa do uniforme. Ela sentiu um gosto amargo em sua boca ao observar tal imagem vergonhosa.

Momo Hinamori, tenente da quinta divisão, teria que cursar a Academia Shinigami novamente. Aquilo machucava profundamente o seu orgulho, deixando-a particularmente frustrada consigo mesma.

Dessa vez era diferente — não feito os velhos tempos, quando ela atendia a aulas avançadas com Kira e Renji. Dessa vez ela estava sozinha. E tudo isso porque era fraca demais, incapaz de aguentar nos seus ombros o peso da traição do seu ex-capitão.

Hinamori passou os dedos pela manga do kosode, traçando padrões imaginários na faixa vermelha. Uniforme vermelho para garotas, azul para garotos. Naquela época, ela achara isso meio fofo, mas agora isso só lhe causava exasperação.

O fato de estar usando o mesmo uniforme de décadas atrás a irritava. O fato de ter que voltar para a mesma academia que cursara décadas atrás a irritava.

E Momo sabia muito bem qual era a fonte de todos os seus problemas. Se fosse mais forte, mais habilidosa com a sua zanpakutou, se não se ligasse tão facilmente às pessoas, nada disso teria acontecido. A culpada era ela, e ela somente.

Ela perdera seu melhor amigo, seus companheiros, sua dignidade e estava prestes a perder o seu esquadrão. E era por isso que Momo Hinamori agora se dirigia a Academia Shinigami. Porque ela decidiu parar de ter tal atitude passiva.

Porque, internamente, ela sentia orgulho de escutar os integrantes da quinta divisão chamando-a de Hinamori-fukutaichou. E ela tinha consciência de que, no momento, o seu único objeto de orgulho era o esquadrão que tanto remendara após a traição do seu amado capitão. Ela, aos pedaços, ignorou as suas próprias necessidades e tratou de ajudar os seus oficiais, esquecendo-se de si.

Hinamori inspirou fundo, recompondo a sua expressão e deixando um sorriso dissimulado desenhar-se nos seus lábios. Abriu a porta de correr dos seus aposentos, começando uma lenta caminhada até os portões de saída do esquadrão, protelando.

Passou perto dos alojamentos dos inumeráveis shinigamis da divisão, e vendo pelas portas entreabertas, percebeu que não havia ninguém ali. Era melhor assim — quanto menos pessoas vissem tal cena vergonhosa, menos doeria no pouco de orgulho que restava em Momo.

Fez sinal para os guardas ao lado do portão abrirem o mesmo. Recebeu um "bom-dia, fukutaichou", para o qual não prestou muita atenção, respondendo-os com um sorriso distraído antes de voltar a andar.

Ela passou próxima aos portões do sexto esquadrão, e conseguiu escutar o treino de bankai de Renji e Kuchiki-taichou. Antigamente, ela e Kira faziam piadinhas sobre os gritos de fúria que Abarai dava enquanto lutava, mas as coisas mudaram. Agora, lembrar-se dos seus momentos com seus antigos amigos não a fazia rir. Só a deixava angustiada.

A deixava angustiada por ela saber que se pudesse escolher, viveria tudo aquilo novamente. Sua infância com Hitsugaya-taichou. Sua promoção como tenente. A traição de Aizen-taichou. Ser apunhalada pela zanpakutou do seu capitão.

E pela zanpakutou do seu melhor amigo.

Os dedos de Hinamori apertaram-se instintivamente em volta do punho da sua espada, os nós de seus dedos ficando brancos de esforço. Não se deu ao trabalho de aliviar a tensão, visando o que já a esperava na Academia Shinigami. Ela podia ter uma aparência infantil, mas não tinha dúvidas de que mesmo assim os outros estudantes perceberiam que ela era uma "repetente". Fez um careta diante de tal pensamento.

Logo chegou à academia, e, à parte, Momo nunca odiara tanto algo como a visão que teve da sua antiga escola, onde especializou-se em Kido e aprendera o suficiente para tornar-se tenente de um dos treze esquadrões. Ela ignorou a arquitetura suntuosa, os telhados pontiagudos e os olhares que recebeu dos outros estudantes ao cruzar o portal vestindo aquele maldito uniforme.

Ukitake-taichou já a tinha informado de tudo — as disciplinas que cursaria, as salas -, e dissera que ela deveria vir preparada no primeiro dia para "não fazer feio". Com isso, Hinamori rumou ao prédio de treinamentos em geral que o capitão da décima terceira divisão a direcionara.

Enquanto andava, ela recebeu mais olhares, e conseguiu escutar alguns sussurros perplexos dizendo "Hinamori-fukutaichou na Academia Shinigami?". A cada passo que ela dava, mais o seu orgulho se dissolvia dentro de si. Sua coragem tinha evaporado, e tudo o que Momo queria era voltar para os seus aposentos na sua amada divisão.

Não, ela não podia fazer isso, justamente por causa do seu esquadrão. Hinamori não o deixaria escapar por entre os seus dedos. Não deixaria levarem-no sem lutar. Pensou em quanto ela deveria agradecer ao capitão-comandante pela segunda chance que ele lhe oferecera.

— Ukitake-taichou? — perguntou Momo, enquanto hesitantemente parava na soleira da porta do escritório do capitão.

— Hinamori-san. — Juushirou respondeu-a com um sorriso gentil no rosto, colocando uma xícara de chá no lado oposto da mesa onde ele se encontrava. — Venha, tome um pouco de chá enquanto conversamos. — disse, num tom alegre.

Hinamori sentiu a tensão em seus ombros deixarem-na, diante de tal pessoa descontraída e calma. Ela sorriu internamente, pensando em como os oficiais daquele esquadrão tinham sorte em serem comandados por tal shinigami bondoso.

Momo entrou na sala que indicava ser reservada para o treino de Zanjutsu. Essa era particularmente uma arte que ela nunca conseguira ser muito boa. Suas habilidades com a zanpakutou não chegavam a ser péssimas, mas deixavam muito a desejar para alguém no posto de tenente.

O professor ainda não tinha chegado, então Hinamori direcionou-se para um canto da sala, próximo às janelas, e dali observou os outros alunos. Eles estavam agitados por alguma razão, e ela podia até sorrir por isso. Momo se lembrava de quando ainda não era uma shinigami completa, e ficava nervosa com as aulas, exceto pelas de kido — eram as suas favoritas, sendo esse o seu ponto mais forte.

Hinamori tentava ao máximo pensar na sua estadia na Academia Shinigami como uma forma de aperfeiçoar as suas habilidades, e de se tornar uma tenente mais capaz e competente.

— Hm, Ukitake-taichou... — ela ajoelhou na almofada em frente à mesa, tomando a xícara de porcelana em suas mãos. Era chá de erva-doce, notou. — Eu queria... Eu queria ir logo direto ao assunto. — admitiu, um leve rubor aparecendo nas suas bochechas, devido a sua afobação.

— Claro, sim — fez rapidamente um movimento de desdém com as mãos, não parecendo se importar com a impaciência da jovem — A questão é — sua fisionomia tornou-se séria -, alguns shinigamis de alta patente — eu não citarei nomes — acham que você não é mais capaz de realizar os seus deveres como tenente da quinta divisão.

Shinigamis de alta patente. Momo queria revirar os olhos com o termo. Era óbvio que Ukitake se referia aos capitães, uma vez que só eles teriam tal pensamento... Profissional. Ela podia adivinhar quem eram — Kuchiki-taichou, Komamura-taichou, Soi-Fong-taichou —, mesmo com o esforço de Ukitake de não dedurar ninguém.

— Então eu serei afastada do Gotei 13? — perguntou Hinamori, se preparando para o pior.

— Não. — disse ele prontamente, e Momo realmente queria relaxar, mas diante de tal declaração, era impossível. Ela não podia se dar ao luxo de cultivar esperanças. Tudo estava por um fio. — Contando que você curse novamente os principais cursos da Shinoreijutsuin. — o capitão deu um gole da xícara em suas mãos. — Você terá aulas de Hakuda, Hoho e Zanjutsu. Eu convenci o capitão-comandante de serem somente aulas práticas, uma vez que você já domina a teoria.

Hinamori sentou no chão, tentando descansar para preparar-se fisicamente para a aula de Zanjutsu. Se o professor usar o mesmo método que usaram com ela décadas atrás, então ela teria muito trabalho e muita prática pela frente. Novamente, tentou focar-se na oportunidade de melhorar, podendo assim ajudar ainda mais o seu esquadrão.

— Muito obrigada, capitão. — Hinamori disse, do fundo do seu coração. Ela se levantou da almofada somente para poder curvar-se para mostrar o quanto estava agradecida. — Eu não irei decepcioná-lo. — sua expressão suavizou-se um pouco diante da luz no fundo do túnel.

— Você realmente acha que conseguirá administrar a quinta divisão e os seus estudos ao mesmo tempo? — Ukitake perguntou, duvidoso.

Momo acenou rapidamente com a cabeça, antes que o capitão pudesse arrepender-se da sua decisão.

— Eu vou conseguir. Eu preciso conseguir. — seu desespero e determinação foram transmitidos por completo nessas duas frases.

Seus dentes se trincaram ao escutar, ao fundo, um comentário maldoso relacionando a sua fraqueza em lidar com a traição do seu ex-capitão e o fato de ela estar cursando a Academia Shinigami mais uma vez.

Completamente alheia aos outros estudantes, fechou os olhos, e apoiou suas mãos nos seus joelhos, suas pernas cruzadas. Ela poderia meditar para comunicar-se com a sua zanpakutou — Tobiume tinha uma personalidade adorável, e as conversas delas duas sempre eram esclarecedoras. Era incrível como a sua zanpakutou era capaz de lidar com a situação onde se encontrava melhor do que ela mesma. Incrível não, aquilo era vergonhoso.

— Bom, eu creio que não será assim tão difícil para você. — um sorriso divertido apareceu no rosto de Juushirou. — Eu soube que você era uma das melhores alunas, e estava em classes avançadas.

Hinamori sentiu um jato de sangue tomar conta das suas maçãs do rosto, e ela abaixou o rosto modestamente.

— Muito obrigada pela oportunidade, Ukitake-taichou. — declarou a garota, rumando à porta.

— Ah, Momo-chan? — Hinamori surpreendeu-se levemente com a forma como o capitão a chamara.

— Sim? — virou para vê-lo, estando já na soleira da porta.

— Você não precisa ser tão formal comigo. — sorriu ele. — Por que não me chama de Shiro-chan, da mesma forma que você faz com Toushiro-kun?

Então a porta foi aberta. Hinamori não era capaz de ver quem acabara de entrar na sala, mas devido as exclamações de "o professor, é o professor!", foi fácil supor quem era. Os alunos estavam dispersos na sala, alguns em pares e outros em grupos. Todos agora portavam de uma postura tensa, algo que só piorou quando escutaram o pedido do professor, num tom ríspido e cortante:

— Alinhem-se!

Só olhando em seus olhos que Momo percebeu que ele estava simplesmente brincando, fazendo uma pequena piada.

Não importava o quão inofensiva tivesse sido a intenção dele, mesmo assim o rosto de Hinamori endureceu-se, sua expressão ficando fria e vazia. E ela sabia que Ukitake também percebera o seu erro — afinal, não tinha quem não notaria.

Mesmo lutando contra a melancolia que crescia dentro de si, tentando ao máximo não se lembrar dele, Hinamori sorriu.

Um sorriso tão falso que até a pessoa mais distraída da Soul Society teria notado. Os cantos dos lábios curvados, os dentes aparecendo parcialmente — isso tudo simplesmente não parecia encaixar-se no rosto de Momo, que estava tomado pela dor de lembranças que deveriam ser esquecidas.

— Obrigada, Shiro-chan. — ela conseguiu dizer, um gosto amargo em sua boca. Então simplesmente deu-lhe as costas e foi embora.

Hinamori levantou prontamente de onde estava, direcionando para a ponta da linha formada pelos alunos ansiosos, os futuros-shinigamis. Naquela posição, só então Momo pôde ver claramente o seu professor de Zanjutsu.

Ela observou os cabelos brancos como neve, que sabia por experiência própria que eram mais sedosos do que aparentavam. Os olhos turquesa que quando encaravam alguém, davam a impressão de transmitir o quanto o dono dos mesmos era inteligente, ardiloso. As sobrancelhas estavam franzidas, deixando o rosto distorcido na sua usual expressão séria. E a reiatsu...

Aquela reiatsu congelante, da qual ela fizera piada por anos, com trocadilhos envolvendo ar-condicionado em dias quentes, ou comparações com picolé ou sorvete. Aquela reiatsu que agora estava voltada com todo o seu poder para ela, o frio penetrando em sua alma, em seu coração.

Hinamori detestou-se por perceber que sentira falta daquela sensação. Daquela reiatsu tão conhecida, com um poder capaz de esmagar inimigos sem erguer uma mão.

Ela inspirou fundo, levantando o seu olhar do chão, para perder-se naquele mar de turquesa.

— Eu sou Hitsugaya Toushiro, capitão da décima divisão do Gotei 13, e serei o professor de Zanjutsu de vocês.