Enquanto o Grande Mestre não descobrir escrita por Myu Kamimura, Madame Chanel, Secret Gemini


Capítulo 8
VIII. Contra o Tempo




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#Kanon’s POV#

Bicho...

Minha atual situação era a seguinte: eu estava usurpando meu irmão no cargo de subcomandante substituto do Santuário. Eu tinha autonomia para mandar e desmandar naquela porra. Podia fazer o que quisesse e, isso, sem dúvidas, era o que qualquer cavaleiro pediria aos deuses. Menos eu. Eu estava no mais absoluto tédio. E isso tudo porque, segundo minha sobrinha Marie, algumas servas estavam desconfiadas do meu comportamento e eu, como um bom irmão, não podia manchar a integridade de Saga... Ok, a verdade é que eu até tinha planejado um baita bordejo, regado a Disco e muita cerveja, mas aí lembrei que o Saga ameaçou me mandar para Outra Dimensão na base da chinelada. Pensando no bem estar do meu belo traseiro, desisti da ideia e passei a me comportar como um autêntico quadrado.

O caso é que já estava cansado e levemente arrependido desse teatro todo. Saga saiu na sexta à tarde. Já era domingo, passava das quatro da tarde e nada daquele energúmeno, tampouco de Shura ou de Aiolos. Certo que, no sábado, ele deve ter ficado de bobeira com sua tetéia e com uma baita ressaca... Só que paciência tem limite – e o da minha já havia acabado por volta do meio dia:

–Serviçal! – berrei, levantando do trono e colocando o elmo na cabeça.

–Pois não, senhor Saga? – Uma serva de cabelos curtos e esverdeados apareceu, prestando reverência leve, sem ajoelhar

–Há três dias estou aqui e sempre tenho que repetir a mesma coisa? – dei um meio sorriso – Não se curve perante a mim... Bom, preciso que me chame três soldados. Sim, sei que poderia ter chamado-os diretamente sem ocupar você, mas acho que não tem nenhum deles aqui por perto.

–Exatamente. – ela respondeu, corrigindo a postura – os que costumam ficar aqui estão no templo, com a senhorita Marie e a pequena Athena.

–Ah sim... – em meu intimo eu ri, afinal, achei que Marie seria um estorvo, mas ela foi mais útil do que eu poderia imaginar – Pode chamá-los para mim? Tenho certa urgência.

–Imediatamente, senhor.

Ela saiu apressada. Não demorou mais que cinco minutos para retornar, acompanhada dos soldados e de minha sobrinha:

–Já voltou, Marie?

–A Violeta disse que queria descansar um pouco, pois quer jantar conosco hoje – respondeu tranquila, como sempre abrindo uma barra de chocolate. Queria saber aonde ela guardava tudo aquilo – Por isso já voltei.

–Certo... – me virei para os soldados – chamei vocês três com toda essa urgência porque preciso falar com Shura de Capricórnio e Aiolos de Sagitário. Antes que falem, sei que não há necessidade de três soldados para isso, mas tenho quase certeza de que os dois não estão em casa, talvez nem estejam nas dependências do Santuário. Por isso, quero que dois de vocês fiquem no aguardo deles. – respirei – Como não sei se tomarão algum atalho para chegar as suas respectivas moradas, um espera em Sagitário e outro em Capricórnio. O terceiro eu quero que retorne aqui e me confirme se, de fato, eles estão ou não em casa. Ah... É importante que os que ficarem responsáveis por aguardá-los, também os tragam até aqui, não importa o horário. Entenderam?

–Sim, senhor Saga. – os três responderam juntos, batendo uma espécie de continência

–Ótimo. Agora vão.

Os soldados saíram. Marie e eu voltamos as nossas posições tediosas. Ela me relatava seu dia ao lado da criança Athena e, de certa forma, isso serviu para que me distraísse um pouco. Por volta das 7 da noite, os soldados retornaram, trazendo aquele par de goiabas:

–Qual a urgência, cara? – Aiolos perguntou com uma voz embargada. Rapidamente, minha astúcia permitiu perceber que ele ainda estava de pileque – Era só deixar uma convocação em nossas casas. Precisava de escolta?

–Calado, Aiolos! – Ordenei. Pela expressão em seu rosto, percebi que ele ficou confuso, afinal falei exatamente como Saga – Obrigado, soldados... Podem se retirar.

–Sim senhor – um deles falou, batendo continência e deixando o salão.

–Pedi aos soldados que os trouxessem a mim porque precisava vê-los com urgência. – respirei fundo – Onde está meu irmão?

–Ainda na Italiana... – Shura respondeu com desdém. Aparentava cansaço, mas nenhum sinal de ressaca.

–Ainda no Carlo?

Bicho... – Aiolos interrompeu – baratinado ou o quê? Sabe que o seu irmãozinho está-...

–Sim, SAGA! – alterou-se Shura. Não apenas na voz, mas também na cosmo-energia. Aiolos deve ter tomado uma bronca naquele momento – Ele ainda está na CANTINA ITALIANA... Tá muito movimentado por lá, mora?

–Hm... Bom, voltem para suas casas e descansem. Amanhã vocês vão até lá e só retornem ao Santuário com ele. – respirei – Marie está aqui, esperando para ser treinada...

–E esse abacaxi não é seu.

–Não mesmo, Shura... Bom, chapas. Voltem para suas moradas, descansem e, amanhã cedo, venham pegar a ordem de saída, sim?

–Ordem de saída? – Aiolos me olhou incrédulo – Bicho... A Chinfragem tá passando dos limites.

Azulem logo daqui! – me irritei.

Desculpa aí, Kanon – o espanhol pediu cosmicamente – Ele ainda tá de pileque

Eu percebi...

Os dois deixaram o salão. Em seguida, uma serva entrou, anunciando que o jantar estava servido. Na mesa, a pequena deusa Athena já nos esperava, trajando um impecável vestido branco com fitas cor de rosa. Fiz a refeição tranquilo, acreditando que a essa hora do dia seguinte, eu já estaria em minha casa, trajando minha cueca preferida, bebendo cerveja e, talvez, ouvindo alguns gritos das servas de Gêmeos. Mal sabia eu que uma surpresa me esperava.

#POV Shura#

–Que diabos o Kanon tinha, irmãozinho? – Aiolos reclamava, conforme descíamos as colinas da rota alternativa até Capricórnio. Como acordaríamos cedo, preferi que ele dormisse em casa. – O poder subiu a cabeça?

–Saga, seu idiota! Saga! E não foi o poder que subiu a cabeça dele, era só teatro. Se alguém desconfiar que ele é o Kanon... Aí a confa vai ser grande.

–Agora tô sacando... – ele finalmente se mancou, quando já estávamos dentro da décima morada – Sabe que ainda tô meio desligado, né chapa?

–Também... Enchendo o caco desde sexta... Era mesmo pra se estar desligado. Estranho que não tenha entrado em coma alcoólico, irmãozinho.

–Ressaca se evita mantendo o pileque! Essa é uma virtude sagitariana. Mas te confesso que tô cansadão.

–Então vamos dormir que amanhã é dia.

Por sorte eu tinha um colchão extra em meu quarto que foi usado como cama para aquele goiaba. Ele realmente deveria estar muito cansado, pois mal deitou e já estava roncando. Um ronco tão potente que tive que colocar uma meia em sua boca para poder conseguir dormir. Mais uma vez foi o sol que me acordou... Pela segunda vez, já passava do meio dia:

–Ai minha deusa! O Kanon vai nos matar... – resmunguei, pulando da cama – Acorda aí, ow Centauro.

–Poxa, Shurita... Mais cinco minutos.

–Nem cinco segundos, chapa! Já passa das doze! Temos que resgatar o Quadradão ou vamos virar couro para as sandálias do Kanon.

–Ai cacete! – ele levantou rápido do colchão – Tem razão. Eu só vou até minha casa tomar um banho e trocar a beca.

–E eu vou fazer o mesmo. Vê se não demora.

–Não esquenta, irmãozinho. Vou num pé e volto noutro.

E saiu correndo. Nem me preocupei com arrumação, apenas rumei para meu banheiro, tomei um banho rápido, escovei os dentes e já voltei para o quarto. Vesti uma calça jeans e uma camisa de algodão bege, afinal estava muito quente. Decidi tomar um copo de suco enquanto esperava Aiolos, já que esse – tal como a namorada, Sofia – por mais que não quisesse, acabava demorando. Porém bastou eu pegar um copo, ele surgiu, trajando calças boca de sino preta, um camisão todo colorido com o símbolo de Paz e Amor e, claro, a bendita faixa vermelha na testa:

Bicho Grilo não tem jeito mesmo... – ri – Vai, vamos logo pro Salão do Grande Mestre, que o K já deve estar parindo trigêmeos.

E eu estava certo. Assim que adentramos no recinto, o geminiano apenas atirou as ordens de saída em nossas mãos e ordenou que fossemos imediatamente. Eu o entendia, afinal, não devia ser nada fácil ficar no tédio, usando aquelas roupas pesadas e falando formalmente, principalmente quando se está usurpando o seu irmão, sabendo que ele está no maior curtição com a namorada. Era um verdadeiro martírio. Em consideração a isso, apressei Aiolos e fomos correndo a casa de Fedra.

Ao tocarmos a campainha da casa da morena, demoramos a obter resposta. Creio que demorou uns 15 minutos até uma das moças que faziam a limpeza da casa abrir o portão:

–Oi... – saudei-a – Por acaso, alguma das meninas estão em casa?

–Ah, sim senhor Shura. – ela respondeu, estendeu a mão em gesto para que entrássemos. – As senhoritas Agnes e Sofia estão na varanda, fazendo o desjejum. Agora a senhorita Fedra... Essa eu acho que ainda está dormindo.

–Ahm, tudo bem então, chuchu. – agradeceu, a seu modo, Aiolos, entrando na casa – Já já leva um suquinho de laranja no capricho para os tremendões aqui.

Não demoramos a avistar as duas loiras. Sofia usava uma regata vermelha e jeans justíssimos, enquanto Agnes trajava um vestido de gola alta laranja. Estaria até que discreta, se não tivesse pintado o gesso em sua perna da mesma cor:

–Que raios você fez com seu gesso, chuchu?! – juro que tentei não perguntar. Foi mais forte do que eu.

–Não combinava com minhas botas – mostrou o calçado no pé sadio – mas e vocês? O que fazem aqui a essa hora?

Seguinte, minhas belas loras – Aiolos fez as honras, puxando uma das cadeiras de vime, sentando ao lado de Sofia e servindo-se de uma fatia de queijo mozarela – o Carlo e o Kanon estão vara pelo fato do Saga não ter voltado pro restaurante. Principalmente o K, que está tendo o dobro de trampo... Então, viemos aqui na missão de resgatar o Quadradão, mora?

–Hm... Saquei – respondeu Sofia, após um gole em seu copo de suco – Mas acho que será meio bode tirá-lo daqui.

–E por que diz isso, Sofi? – perguntei.

–Não imagina, Shu? – perguntou Agnes, após uma risada debochada – A Fedra está a eras apenas dando amor, carinho e atenção ao Anúbis. Agora que o Quadradão apareceu, ela vai cair na com gosto! Sabe que fomos chamá-la para tomar café e ela nos ameaçou?

–Como?

–Disse que, se batêssemos na porta mais uma vez, ia fazer um tapete persa com nossas peles bronzeadas.

–Nessa ela pegou pesado – fiz cara de dor – Mas... O que vamos fazer agora? Não podemos voltar para o... Restaurante sem o Saga.

–Pois eu tenho uma excelentíssima ideia – Agnes falou, já se apoiando nas muletas, com um sorriso perverso no rosto. Um sorriso que eu sabia muito bem o que significava – Por que não ficamos de bobeira no meu quarto até a Fê decidir largar o Quadradão?

–OS QUATRO?! – exclamou Aiolos, tomando um tapa de Sofia em seguida – Ai... Acho que isso quer dizer “não”.

–É claro que não, bicho grilo! Eu estava falando com o Shura. Se você quiser, resolva-se com a sua loira. – virou-se para mim – E então, que me diz?

Falou e disse, dendeca!

Tomei-a nos braços para subirmos mais depressa. Eu não podia negar que, o fato de não termos nenhum momento de intimidade neste fim de semana me deixou pê da vida. Já que tínhamos que esperar a Fedra liberar o Saga, por que não aproveitar?

#Aiolos’ POV#

–Eu não falei por mal, Ternurinha! Eu juro, por Athena!

Eu tentava me desculpar, enquanto subia as escadas atrás dela. Minha loira havia ficado extremamente brava por eu ter interpretado mal o convite que Agnes fez a Shura:

–Você propõe uma bacanal e vem me falar de Athena? Tá achando que eu sou algum tipo de sirigaita, Aiolos?

–Teoricamente, uma bacanal incluiria umas 10 pessoas, não quatro e eu não propus nada. Apenas entendi errado o que a Agui falou!

–Ah é? – parou no meio do corredor do andar superior e pôs as mãos nos quadris – Pois eu achei muito bem explicado o que ela disse.

–Ah é? – pigarreei e afinei a voz, a fim de imitar a loira de Shura. Inclusive, usei um par de vassouras que estavam no local para fingir que eram as muletas – Por que não ficamos de bobeira no meu quarto até a Fê decidir largar o Quadradão? – desfiz a pose, coloquei as vassouras no canto e prossegui – A frase foi neutra, não negue isso!

–É... – suspirou – Você tem razão.

Ela me olhou com “aquele” olhar. O olhar fatal de uma leonina pronta para amar. Eu sorri de lado e fui a seu encontro. Beijei-lhe com paixão, fervor e desejo. Sabia que ela sentia o mesmo, pois, ainda enroscada em meu pescoço, abriu a porta do quarto com um chute e me jogou para dentro dele, passando a chave na porta e logo tratando de se livrar da regata vermelha:

–Aê, Fedrinha! – gritei, mas gritei muito alto para que minha voz ultrapassasse as paredes e chegasse até o quarto da morena – Valeu por segurar o Quadradão até agora!

Olhei para Sofia, que sorria capciosa enquanto caminhava em minha direção. E espera por Saga seria longa, mas prazerosa.

#Shura’s POV#

O tempo ia passando, mas eu sequer sentia. Segundos, minutos, horas... Nada disso estava me atingindo nos momentos em que me perdia nas carícias de Agnes.

Após horas nos amando, minha loira cochilava aninhada em meu ombro esquerdo, enquanto eu lhe afagava os cabelos. Eu estava quase pegando no sono, quando algo me despertou: a cosmo-energia ameaçadora de Kanon rastreando a mim e Aiolos. Rapidamente, levantei da cama, quase derrubando Agnes – esta que acordou em um pulo:

–O que foi, Shu? – perguntou assustada, cobrindo o corpo com o lençol quando me viu colocar a calça e correr para a janela e abrir as cortinas violentamente – Por que tanta brutalidade?

–Eu perdi a noção do tempo, gata! – respondi, enquanto me vestia.

–E daí que o Sol está se pondo? – perguntou serena, sentando na cama, enquanto vestia um robe – Você já saiu daqui mais tarde que isso e seu chefe nunca falou nada.

–Agnes... Acorda, mulher! Seu quarto fica no lado leste da casa, não no oeste... O Sol não está se pondo, está nascendo!

Ela arregalou os olhos e, quando se deu conta, eu já estava no corredor. Aiolos também estava lá, apavoradíssimo:

Bicho! Cê também sentiu isso? – ele sussurrou

–E como não ia sentir?! – indaguei da mesma forma. – Só nos resta saber se o Quadradão também notou.

Olhamos para o quarto de Fedra, mas a porta continuava trancada. Tentamos contato telepático, mas nada de Saga responder. O jeito foi bater e aguardar um possível homicídio pela parte da morena:

–Saga...? – chamei-o, depois de um longo suspiro, a fim de criar coragem. – Você já está acordado?

Azulem – ele respondeu, com a voz rouca, meio que sonolenta – Eu já disse que sei a hora de ir embora.

Irmãozinho, já é terça-feira. – Aiolos falou, me empurrando da porta – Você sabe que precisa voltar antes do meio-dia. E algo me diz que, se deixarmos você aqui, além de não voltar a tempo, vai deixar seu irmão em maus lençóis.

Após um período de silêncio, ouvimos o destrancar da porta e Saga sair de roupão. A aparência dele, apesar do semblante de incontestável satisfação, era péssima, como se tivesse passado horas desperto:

Okay... Vocês venceram. – ele sussurrou – Só esperem eu tomar um banho, me arrumar, comer algo e me despedir da Fedra... Já venho.

#Saga’s POV#

Quando fechei a porta, Fedra tirou o lençol de parte da cabeça, exibindo apenas os olhos, e perguntou:

–O que esses bananas querem?

–Me avisar que já é terça e, que se eu não aparecer antes do meio-dia na cantina, estarei em sérios problemas.

–Questo è tutto? (Só isso?) –Ela rolou com os olhos – É só eu dar um telefonema para o Carlo que resolvo esse grilo!

–Não, dendeca... – respirei fundo – eles têm razão. Eu já abusei muito do fato do Kanon ter aceitado me cobrir esses dias e da folga que o chefe me deu.

–É... Vendo por esse lado. – ela se levantou e me abraçou – mas você só vai zarpar depois que tomarmos aqueeeele banho.

–Eita tentação, viu!

Nem preciso comentar que ficamos duas horas debaixo do chuveiro quente, das quais apenas 25 minutos serviram para o, de fato, banho. Ao sairmos do banheiro, ela ainda queria mais, porém eu tive que bloquear, afinal eu não tinha mais forças para nada. A pior parte foi me vestir. O smoking de Kanon estava impregnado com cheiro de cigarro, whisky e do perfume de Fedra. Eu ia ter que fazer muita hora extra no Carlo pra pagar a lavanderia. Fedra, por sua vez, trajou-se de um vestido azul marinho com estampa de flores brancas, calçou uma típica sandália grega e prendeu os cabelos molhados em forma de coque. Olhei para ela e sorri:

–Tá rindo do quê, Quadradão? – perguntou, com sua tradicional rispidez, acendendo um cigarro.

–Nada em particular... Só lembrei que, na sexta, a senhorita apareceu para me buscar no Carlo de lenço no cabelo e óculos escuros, com o único intuito de que eu não a visse sem maquiagem... Agora veja só você, Lindeza: cabelo molhado e preso, uma beca tipicamente caseira e nenhum sinal de maquiagem.

–Quer calar a boca? – tirou uma das sandálias, jogou em minha direção, porém eu a segurei no ar. Com esse gesto tive certeza que ela era a mulher da minha vida – Sinta-se privilegiado por me ver assim... E, devo acrescentar: belos reflexos.

–Obrigado. São anos de prática desviando dos objetos atirados pelo Kanon – ri e fiz sinal para que ela se sentasse. Ela o fez sem titubear e eu, no melhor estilo príncipe encantando, fui calçar-lhe o pé – E essa sandália? É difícil ver esse modelo hoje em dia.

–Ah, eu comprei em um vilarejo chamado Rodorio, lá perto do lugar que costumo pegar vocês. – suspirou – segundo os relatos do meu avô, esse vilarejo fica ao redor do Santuário de Athena.

–É... O Pathernon fica por ali mesmo...

–Não falo do Pathernon, amore mio. Eu falo de um Santuário secreto, aonde os Cavaleiros treinam e aguardam a volta da Deusa Athena.

–Desse fato eu não sabia.

Mentira, eu sabia até demais. Sabia tanto que não sei como não comecei a suar quando ela citou Rodorio e o Santuário. Caçava em minha mente algo para mudar de assunto, quando fui salvo pelo gongo:

–Hey, seus tarados?! – Agnes nos chamou, milagrosamente batendo na porta antes de abrir – Só vim avisar que tem um desjejum tamanho família nos aguardando na varanda.

–Obrigada por avisar, Agui – Fedra falou, se levantando. Nessa hora Anúbis entrou saltitante e pulou sob a dona – Oi, meu príncipe! Sentiu saudades? – afagou-lhe o pelo e virou o olhar para mim – Vamos, Saga?

–Sim... Quer ajuda pra descer, Agnes.

–Tranquilo, Quadradão. – sorriu – O Shu tá me esperando na ponta da escada.

A loira não exagerou quando disse que o desjejum era tamanho família. Quando chegamos a varanda, um cacetão de comida estava sob a mesa redonda de vime: sucos, café com leite, pães salgados e doces, frios, tiras de carne de cordeiro, frutas, mel e iogurte. Era uma grande mistura grega e italiana. Claro que nos esbaldamos, afinal não tínhamos costume de comer todas aquelas coisas. Entretanto, tínhamos que correr contra o tempo e Shura fez o favor de recordar:

–Bom, meninas... O desjejum foi ótimo, mas nós realmente temos que ir.

–Ah... Tudo bem, né? – Fedra falou, acendendo um cigarro e servindo-se de uma xícara de café. – Vemos vocês quando?

–Na quinta ou na sexta – respondi, chutando por alto – Apareçam lá no Carlo, depois das quatro.

–Apareceremos às duas horas! – Sofia falou – assim aproveitamos o almoço.

–Falou e disse, Ternurinha – Aiolos respondeu, com um sorriso meio amarelo – Agora vamos. Ou vamos acabar virando Fettuccine!

Demos cada qual um beijo em suas garotas e, assim que tivemos certeza que o portão foi fechado, saímos correndo em disparada. Não sei se foi efeito das seguidas noites na “disco inferno” – como diziam aqueles dois goiabas –, mas quase não conseguia acompanhá-los. Tive que parar umas duas vezes para recuperar o fôlego.

Quando finalmente chegamos a entrada do Santuário, tivemos uma surpresa não muito agradável: a carruagem do Senhor Arles estava adentrando no local:

Pelas barbas do profeta! Agora danou-se! – disse, completamente atordoado, me escondendo atrás da carruagem – É agora que perco a cabeça e ainda levo a do Kanon junto.

–Nem tudo está perdido, irmãozinho. – Aiolos disse animado – O senhor Arles vai fazer uma vistoria pela parte baixa e, depois, vai subir pelas Doze Casas. Ele e o Coroa sempre fazem isso. Tudo que temos que fazer é correr... Correr o mais rápido que conseguimos por entre as colinas. O espanhol e eu ficamos em casa e você corre pó Salão do Mestre, faz a troca com o Kanon e inventa uma mentira sobre ele estar lá.

–Olha, Aiolos.... Às vezes acho que você é apenas um porra louca. Muitas vezes concluo que você é um goiaba completo, mas devo admitir que, apesar de um banana de mão cheia, você é um grande irmão de fé.

–Eu vou interpretar isso como um elogio, Quadradão. – respirou e olhou para frente. Nosso subcomandante já havia seguido em direção aos campos de treinamento – A hora é agora! No peito e na raça, chapas! Vamos lá.

Saímos em disparada pelas colinas. Sentia que, a qualquer momento, meu coração ia saltar pela boca. Aiolos foi o primeiro a nos deixar. Certamente, arrancou aquela roupa cafona de hippie e vestiu o uniforme. Shura foi em seguida e, este, como era mais sério, sabia que vestiria a armadura.

Enfim, avistei a sala do Grande Mestre. Esperava encontrar Kanon vermelho de raiva, mas até que ele estava aparentemente calmo. Foi então que reparei: haviam duas servas ao lado dele. Tive que improvisar:

–E aí, irmãozinho! – “kanonizei-me” – Olha só, todo a pampa com suas servinhas, beca elegante... Vai se acostumar à boa vida não, rapá!

–Kanon... – respirou fundo – Meninas, por favor... Deixem-nos a sós.

–Sim, senhor Saga.

As duas saíram sem se curvar. Uma até sorriu para mim e acenou. Na certa, um dos inúmeros xavecos de Kanon pelo Santuário. Quando ele teve certeza que elas estavam longe, seu semblante mudou totalmente. Ele não estava vermelho, mas sim roxo de raiva:

–Seu desgraçado Fêdapê! – ele sussurrou, indo pra cima de mim – Isso são horas?

Bicho, deixa o sermão para quando estivermos em Gêmeos! – interrompi – O Senhor Arles tá subindo aí. Vamos logo trocar de roupa.

Puta merda!

Saímos correndo para um dos aposentos. Rapidamente trocamos os trajes, mas é claro que ele notou que algo estava errado com seu smoking:

–Cigarro, Whisky, perfume de mulher e luxuria... – ele riu – esse smoking nunca ficou tão “cheiroso” assim.

–Cala essa boca! – repreendi, ajustando o elmo – Onde está a Marie?

–Lá atrás, com a Violeta.

–Com quem?

–Athena, cara... Ela a chama assim.

É o fim da picada! Tô Fodido... – Vou lá chamá-la e, você, volte para o Salão e siga o que eu falar, mora?

–Pode ficar tranquilo, irmãozinho! – ele abriu a porta – Não demora, hein. Sou péssimo no improviso.

–Relaxe – falei, saindo atrás dele. Antes que ele pudesse seguir seu caminho, o chamei – Hey, Kanon?

–Que foi? – virou o rosto.

–Valeu, chapa!

Ele fez um sinal de “jóia” e migrou para o salão. Eu, por minha vez, segui para o Templo de Athena, aonde a jovem deusa e minha sobrinha brincavam de pular corda:

–Eu vejo que estão se divertindo, mas chegou a hora de ir, Marie.

–Mas tio-... – ela fitou meus olhos e logo percebeu quem eu era. Sorriu – Tá... Eu só vou me despedir da Violeta.

–Tudo bem, mas seja rápida.

–Claro – a morena virou para a criança de cabelos lilases – Olha, Violeta. Eu não sei quando conseguirei voltar para brincar com você, mas quero que fique com isso. – falou, tirando uma barra de chocolate de uma bolsa de linho – deve estar meio mole agora, mas mesmo assim é gostoso.

–Obrigada, Marie.

As duas se abraçaram. Um abraço sincero e inocente. Depois, minha sobrinha veio para meu lado e, antes de deixarmos o templo, acenou para a deusa, que estava sentada em um degrau com a boca já melecada de chocolate derretido. Nos corredores, Marie virou o olhar para mim:

–Voltou quando?

–Acabei de chegar. – respirei – O senhor Arles já está quase aqui. Preciso que você mantenha o teatro. Seus chocolates estão em Gêmeos, fique tranquila quanto a isso.

Ela assentiu com a cabeça e continuou caminhando.

Finalmente estávamos de volta ao salão. No exato momento que sentei no trono, o senhor Arles entrou. Pigarreei e iniciei o teatro:

–Eu entendo, Kanon... Não tem problema, afinal, Marie também é minha sobrinha e-... Ah, senhor Arles! – levantei do trono, tirei o elmo e o reverenciei. Kanon e Marie fizeram o mesmo – Bem vindo de volta.

–Obrigado pelas boas vindas, Saga, Kanon e... Essa garota, quem é? Ouvi você dizer que é sua sobrinha... Acaso o Kanon não andou aprontando nada errado por aí, né? – debochou.

–Só se o K for o pai mais jovem da história, senhor Arles – ri, fazendo sinal para que ele ocupasse o trono do Grande Mestre – Marie é filha de nossa irmã, Salomé. Ela a enviou ao Santuário para que receba treinamento de Cavaleiro.

–Não é bem assim que-...

–Nós sabemos, senhor, mas Salomé sempre teve o dom de ler as estrelas... Ela as consultou antes de nos enviar Marie. Está no destino dela ser Amazona...

–Ah, claro... Agora me lembrei da irmã de vocês. Salomé de Pavão... Grande guerreira. Uma pena que tenha abdicado o Santuário depois que perdeu o marido – inspirou profundamente – Bom, mas a hora que cheguei, tive a leve impressão que você estava dando uma bronca no Kanon. O que ele fez dessa vez?

–Ah, nada de grave, Senhor Arles – respondi sob olhares tortos de Kanon – É que ontem o Carlo recebeu clientes especiais na cantina dele e, bem, acho que o senhor sabe que meu irmão tem uma permissão para ficar fora do Santuário e, vez ou outra, ele auxilia nosso estimado informante em seu estabelecimento.

–Sei, mas o que tem isso a ver?

–Tem a ver que o Kanon ficou até tarde servindo esses clientes e, como a Marie não podia ficar sozinha na casa de Gêmeos, ela ficou aqui comigo. Quando o senhor chegou, o K estava me pedindo desculpas por ter chegado quase agora. Pode ver que ele ainda está de smoking...

–É... – ele o mediu de cima a baixo – De smoking e com um odor característico de festa.

–Exatamente... Eu estava dizendo que ele não precisa se desculpar, afinal, por mais que Marie seja sua discípula, ela também é minha sobrinha.

–ESPERA UM POUCO! – ele exclamou, surpreso – Kanon será o Mestre de Marie?

–Segundo o que nossa irmã leu nas estrelas... Sim senhor – o próprio respondeu.

–Hm... – após um período de silencio com a mão esquerda apoiada em seu queixo, o subcomandante prosseguiu – Bom, não é que não confie na leitura de Salomé e nem na competência do Kanon, mas... Quando o Grande Mestre retornar, pedirei a ele que faça a leitura das estrelas. Até lá, Marie segue treinando com Kanon. Pedirei a uma das servas que providencie o uniforme e uma máscara para a garota.

–Máscara?! – ela finalmente quebrou o silêncio – Eu terei mesmo que usar uma máscara?

–Sim, senhorita... Além de estar começando o treinamento em uma idade cujo quais muitos já são cavaleiros, toda amazona deve ocultar sua feminilidade. Acho que sua mãe lhe advertiu disso.

–Sim... – respondeu cabisbaixa.

–Bom. Acho que, exceto por ter que parabenizar Saga pelo excelentíssimo trabalho no comando do Santuário durante esses dias, não tenho mais nada a dizer. Podem regressar a Gêmeos.

–E essas roupas, senhor Arles? – perguntei.

–Pode guardar com você. É um presente.

–Muito obrigado, senhor.

Após uma reverencia, deixamos o salão e migramos para Gêmeos. Passei por Capricórnio e Sagitário para ver como estavam aqueles bananas. Com tudo certo, voltei tranquilamente para minha morada, aonde fui obrigado a narrar para meu irmão porque estendi tanto o fim de semana.

Os dias foram passando. Na quinta, com a volta do Grande Mestre, Shura e Aiolos milagrosamente pediram uma permissão de saída, pois, segundo eles, queriam comer na Il Palazzo e dar uma volta. Mera desculpa para sair do Santuário sem levantar suspeitas, afinal tínhamos combinado de vermos as meninas. A fim de manter o teatro, Aiolos e Shura acabaram bancando os garçons naquele dia. Entretanto, nenhuma das nossas tetéias apareceu por lá. O resultado disso foi que, após o almoço, Carlo pegou algumas cervejas, colocou uma bolacha da sua musa Rita Pavone na vitrola, sentamos em uma mesa e uma “roda de fofoca masculina” teve início. Claro que, como era de se esperar, EU fui o assunto:

–Então quer dizer que o Saga ficou tão vidrado na ragazza Fedra que quase esquece seu dever de cavaleiro? – riu o italiano, acendendo um charuto, gesto estranhado por todos nós.

–Mas era de se esperar, chapa – acompanhou-o na risada Aiolos, que já estava na segunda caneca de cerveja – Afinal, foi a primeira vez do Quadradão, né? – deu uma cotovelada em Shura – E com um mulherão igual a Fedra, bicho, até eu ficaria quadro dias dentro de um quarto.

Falou e disse – concordou Shura, dando um tapa na cabeça do Sagitariano – cortesia pela cotovelada, seu fêdapê.

–Só que vocês estão enganados em uma parte – Kanon tomou a palavra.

–Ah é, irmãozinho? – perguntou o rapaz de cabelos dourados – Em que parte?

–Na parte de que o Quadradão era virgem...

–E como que um bunda mole igual o Saga não vai ser mais virgem? –Shura questionou, servindo-se da segunda caneca de cerveja – Conversa fiada essa sua, K!

–Isso aí, irmãozinho. O K tá achando que somos as dondocas que ele fica aplicando milonga nos embalos da granfinagem...

Ma io sono obrigado a concordar com esses dois... Impossível do piazza não ser virgem.

–Ah, qualé o pó, patota? Só porque o cara é um completo quadrado e bunda mole não pode dar um picirico? Eu digo que ele não é mais virgem porque eu fui o responsável pelo ato.

E esse foi o momento que o Kanon ficou com a cara encharcada de cerveja que espirrou da boca de Aiolos, Carlo e Shura, respectivamente. E tudo isso porque o paquiderme do meu irmão não sabe usar as palavras. Depois da devida chinelada, acendi um cigarro e expliquei direito:

–O Kanon diz que foi culpa dele porque, esta besta que atende como meu irmão gêmeo, encheu o caco com uma amazona no dia no nosso aniversário e combinou de se encontrar no lago com ela para ficarem de onda. Só que esse bocomoco ME mandou para o lago. Cheguei lá, a mulher voou em cima de mim e, bem... Eu não sou de ferrmoo, né?

–AAAAAAAAAAAAAAH – todos exclamaram após uma respiração de alívio.

A conversa seguiu até perto da hora de iniciar os preparativos para o jantar. Kanon e eu ainda ficamos ajudando o Carlo, porém Aiolos e Shura resolveram voltar para o Santuário, levando uma marmitinha para o Grande Mestre, a fim de agradar o coroa e conseguir permissão para sair no dia seguinte.

Apesar de estar envolto em uma roda de mentiras, eu estava feliz. Feliz em ter uma namorada, um emprego, a confiança do Grande Mestre... Só não sabia até quando isso ia durar.


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Notas finais do capítulo

Antes de mais nada, dicionário de gírias

Abacaxi = trabalho complicado
Chinfragem = passar-se por algo ou alguém que não é
Azulem = sumam
Confa = confusão
desligado = Aéreo
Bicho grilo = hippie
Pê da vida = puto
tamanho família = grande
cacetao = grande quantidade
Coroa = velho
Porra Loua = irresponsável
Mão cheia = perito no assunto
irmão de fé = amigo fiel
No peito e na raça = agir com coragem
beca = roupa
fedapê = filho da puta
sermão = bronca
fim da picada = algo ruim
Vidrado = apaixonado
Bunda mole = alguém que não faz nada errado
Milonga = conversinha
granfinagem = alta sociedade
qualé o pó = qual é o problema
patota = grupo
picirico = transa (não, não é um grupo de axé)
bocomoco = sujeito estranho/ excêntrico

++++
Bom, voltamos.
Desculpas não existirão, afinal eu (Myu) estava sem PC, a Madame Chanel estava nas terras do picolé (ou Camus, como preferir). O que pedimos é que continuem comentando e que tenham paciência, afinal agora as atualizações ocorrerão em menos tempo, se vocês também colaborarem.
Dulces Besos de Chocolate
PS: Feliz Ano novo



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