Argonautas I escrita por Argonautas


Capítulo 8
Renan Vieira




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Descobri ser um semideus aos meus nove anos. Era um dia comum naquela escola ruim, mas eu aguentava firme, pois no próximo ano eu iria para uma escola interna com grandes promessas de que as coisas iriam melhorar e que eu ia durar mais nela. Eu não tinha ideia de que aquilo aconteceria mais rápido do que eu imaginava.

Cheguei a casa após a escola, e tudo estava silencioso, o único som era de minha mãe cantarolando enquanto lavava a louça. Joguei a mochila no sofá e sentei-me a mesa.

– Hoje vamos jantar fora. – disse minha mãe enxugando a mão no guardanapo. Ela me olhou e sorriu.

Jantar fora significava pegar meia hora de estrada escutando música boa para comer coisas não saudáveis, mas que eu gosto. O que era ótimo para mim, ter um dia de criança normal completando nove anos.

Morávamos um pouco afastado do centro da cidade, numa casa enorme que meu avô deixou para minha mãe. Minha mãe criou-me sozinha, pois meu pai nos abandonou quando eu completei um ano de vida. Desde então não mais tive contato com ele, ela nem mesmo me falava dele. Parecia ter uma infinidade de segredos. Minha mãe trabalhava em uma biblioteca municipal, por muitas vezes ela me deixava ir com ela. A minha sessão favorita era a de mitologia. Eu ficava durante horas folheando os livros. Eu pouco frequentava a escola, pois eu era o que as Diretoras consideravam “um aluno problemático”. O que de fato eu era, porque eu tenho TDAH e porque coisas sem explicação já aconteceram comigo, coisas que me fizeram ser transferido varias vezes de escola. Minha mãe era uma seguidora da Wicca, então, sempre que coisas estranhas acontecem comigo culpam minha mãe, eu sinceramente não a culpo, pois ela sempre fez o melhor por mim.

Minha mãe passou por mim e bagunçou meu cabelo. Por ironia, aquilo era o ultimo carinho que eu receberia dela.

Houve um estrondo e um tremor derrubando varias coisas na cozinha. O som veio do quintal. Os vidros da porta dos fundos estouraram. Eu e minha mãe nos jogamos no chão para se proteger. A porta foi arrebentada e uma criatura descomunal colocou seu rosto para dentro, farejando o ar.

Fitando-nos com seus olhos laranja estava um dragão dourado, com as escamas que emanava calor e luz. Ele sibilou tentando passar pela porta, derrubando quase a parede toda. Eu e minha mãe corremos para a sala. Outra rajada de fogo e a chamas na porta não nos permitia sair. Minha respiração ficou profunda e pesada, meu coração acelerado. Meu instinto era proteger minha mãe. O piso inteiro se encheu de rachaduras e espadas e lanças brotavam da rachadura. O dragão sibilou abrindo as asas, derrubando tudo ao seu redor.

Minha mãe pegou uma das lanças e acertou o monstro no olho. Ele urrou feroz e tentou avançar, se espremendo pela porta, suas garras de ouro rasgando o piso e as paredes. A casa estremecia. Não havia para onde fugir. Segui meus instintos, peguei uma das espadas no chão e parti para cima da fera. A espada era repelida pelas duras escamas, mas eu continuava atacando e me desviando das garras e das abocanhadas. Ele me acetou com uma das patas e eu fui lançado contra a estante. Que tombou sobre mim, teria me esmagado se não fosse a mesinha de centro da sala. Por uma fresta vi o dragão vim ao meu encontro com a boca aberta e o fogo se movimentando no fundo de sua garganta. Então um lampejo bronze passou pelo pescoço dele e ele recuou se contorcendo e chiando. Vi minha mãe com a espada em mãos. Houve uma explosão de fogo, e eu perdi os sentidos.

Dai em diante tudo foram fleches de memoria. Um bater de asas pesado, eu pendurado de cabeça para baixo com algo áspero segurando meu tornozelo, uma cela escura de paredes de pedra, uma mulher me fazendo tomar um liquido que parecia fogo puro, uma mulher de vestido florido praguejando em grego e por fim um corredor de hospital extremamente claro.

Acordei assustado dentro de um carro, uma mulher de vestido preto dirigia. Eu fiz uma exorada de perguntas e a mulher manteve seus olhos fixos na estrada. “você terá suas respostas, acalme-se e escute.”. Ela me contou o que era um semideus, e que eu era um e dizia que por ela eu estaria morto, mas ainda não havia chegado há minha hora, eu ainda teria muito que provar. Ela falou que não conseguiram salvar minha mãe, aquelas palavras doeram em mim de uma forma inexplicável. Eu somente escutei e tentei organizar as coisas na minha mente. Tudo estava muito confuso.

“Não fique com esse olhar vazio. Não posso te dar todas as respostas, você chegara até elas sozinho, você é forte o suficiente para isso.” Ela se calou e eu fiquei tentado não chorar. Ela me deixou em um internato. Antes de ir embora ela chegou bem próximo, colocou a mão no meu ombro. “Eu não gosto de heróis, mas você tem algo diferente. Não me decepcione.” Falou e então me soltou e foi em direção ao carro. “Espera, qual seu nome?” perguntei antes que ela ligasse o carro. “Tisífone” ela falou, ligou o carro e foi embora.

Os primeiros dias no internato foram solitários, porem calmos. Mas com uma semana eu fiz ótimos amigos: Kayolanne uma menina muito inteligente, William um amigo de Kayolanne que não gostava tanto assim de mim, eu sentia medo emanando dele. E Anibal que era meu colega de quarto e com pouquíssimo tempo se tornou meu melhor amigo.

Posso dizer que junto deles eu me sentia bem, exceto no verão quando eles iam para as suas casas e eu ficava na escola. Em um desses verões Tisífone me pegou na escola, e me ensinou alguns truques enquanto me contava sobre deuses e monstros. Ela disse que eu sempre teria armas antigas, bastava querer. Olhei para o chão e aos meus pés a espada de lâmina negra curva de fio de corte duplo, se materializou a partir de uma fina fumaça negra. Segurei-a nas mãos. Parecia feita sobre mediada para mim. Lembrei-me dos livros que já havia visto imagens dela. Era muito usada por egípcios e a denominavam de Kophesh.

Os três anos seguintes seguiram com normalidade, na nossa normalidade quero dizer, até que o verão de aproximou outra vez e mais outro acontecimento estranho nos fez fugir da escola.

“Para o acampamento meio-sangue” dizia Willian “O lugar mais seguro que existe para semideuses.” A viagem foi difícil, perdemos Willian no caminho, mas chegamos ao tal acampamento.

O que facilitou nossa chegada foi o fato de termos encontrado um labirinto subterrâneo que nos levou ao tal acampamento. A Recepção não foi muito agradável, mas acabamos sendo aceitos, e Quíron, o centauro, nos explicou algumas coisas e nos mostrou um filme de orientação. À noite Kayolanne foi reclamada, uma coruja apareceu em cima de sua cabeça, e ela foi mandada para o chalé de Atena. Anibal passou três dias junto comigo no chalé de Hermes, que acolhia campistas não reclamados. Mas na noite do terceiro dia um martelo em chamas apareceu flutuando em sua cabeça e ele foi mandado para o chalé de Hefesto.

Algumas semanas se passaram e logo Kayolanne saiu em uma missão e não voltou. E eu tive um sonho, nele Tisífone me contou que havia uma forma de trazer Kayolanne de volta. E que eu precisava ficar um tempo longe do acampamento. E bem, eu não queria estar ali e viver no chalé acolhedor. No meio da noite arrumei minhas coisas e iria partir sozinho, encontrei Anibal que também parecia estar indo embora. E junto criamos nossa missão de trazer Kayolanne de volta, fomos para o mundo inferior.

Lutamos contra a morte, literalmente, e devolvemos Kayolanne ao acampamento. Porem teve seus sacrifícios. A partir daí, eu e Anibal, passamos a viver fora do acampamento.

Nesse tempo fiz um amigo um tanto incomum. Não sei se você já ouviu falar de Pesadelos, não os sonhos ruins, mas sim os cavalos demoníacos. Consegui ganhar a lealdade de um, algo muito complicado, mas posso dizer que ele é incrível.

Lentamente alguns anos se passaram, e eu tive um sonho com Tisífone. Uma nova profecia veio à tona, com algo muito grande atrelado a ela, e ela me falou que eu seria importante para essa missão. Ela estava bem próxima de mim, em minha frente, as suas costas tudo parecia borrado e disforme. Estávamos em uma sala grande, com paredes de mármore negro, piso de bronze e o teto era apenas uma massa de escuridão. Atrás de Tisífone eu podia sentir a presença de alguém, uma áurea maligna e hipnotizadora. “Saia de minha frente.” Ordenei a Tisífone, ela comprimiu os ombros. “Mas...” ela tentou protestar. “Revele sua verdadeira forma e voe da minha frente.” Ordenei de forma forte e firme. Ela me olhou inquieta, então sua forma de senhora séria de terno preto foi se desfazendo, dando lugar a uma criatura com olhos vermelhos, boca repleta de presas amareladas, asas e garras de morcego cor de pele e enrugada.

Ela bateu as asas de couro e voou para o fundo da sala, o som das asas pesadas me foi familiar. Então tudo ficou nítido. Ela pousou atrás de um majestoso trono de ossos fundidos. Sentado no trono estava um homem alto vestido com mantos de seda negra e uma coroa de ouro traçado sobre os cabelos negros compridos até os ombros. Sua pele era pálida e cinzenta. Os olhos intensos e negros. “Hades, por que você mesmo não fala comigo?” falei olhando para o deus recostado em seu trono. “Primeiro, eu prefiro que me chame de pai.” Eu tentei protestar, mas ele levantou a mão como forma de impedir. “Segundo, assim é melhor para você.” Ele falava com a calma. Tive uma súbita vontade de estrangula-lo. “Você a deixou morrer e você nos abandonou, não espere respeito de minha parte.” Gritei, e ele me olhou de forma gélida. Tive a impressão que ele faria eu me juntar ao seu manto, como mais um rosto daquelas almas torturadas que tremeluziam nele. Mas ele abriu um leve sorriso, doentio. Um ar frio percorreu em toda sala. “Você vai compreender, um dia.” Disse Hades “agora volte ao acampamento, filho.” Uma mulher linda, de vestido vermelho de renda com flores entalhadas, entrou na sala. “É ele?” ela perguntou sentando-se no trono menor ao lado do de Hades. O que tinha um formato de uma flor negra decorado com dourado. Ela ajeitava a coroa de ouro na cabeça.

A rainha Perséfone tinha um suave aroma de jasmim. O que fez eu me sentir como se estivesse em um velório. “Sim” respondeu Hades sacudindo a mão. E o sonho se desfez em sombras. Acordei e me preparei para partir. Anibal veio me contar sobre um sonho que teve com Hefesto, seu pai avisava sobre algo muito importante, quase o mesmo que Tisífone me disse. Partimos naquela mesma noite, de volta ao acampamento meio-sangue.


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