POVSantana

Minha boca estava seca, como se eu tivesse engolido areia, todo o meu corpo doía e minha barriga ardia, abri meus olhos com dificuldade, sentindo minhas íris arderem com a luz, pisquei algumas vezes até que consegui concluir a ação e olhar em volta, papai estava ali, conversando com o médico que me atendeu, Nando lia uma revista sentado no sofá com Kay dormindo com a cabeça repousando em seu colo, mamãe estava ali, dormindo sentada em uma poltrona, passei meus olhos pelo quarto de hospital á procura de Brittany, mas nada, ela não estava ali, Nando levantou devagar do sofá e andou até mim cautelosamente.

- Ei... Como se sente? - ele perguntou devagar, no exato momento em que Jade entrou no quarto com um café na mão.

- Tudo... Bem. - falei, sentindo minha boca doer de sede ao tentar falar. - Com sede.

- Aqui, pega. - falou, me oferecendo o copo de água, que bebi rapidamente.

- Onde está... Onde está Brittany? - perguntei, ainda meio grogue, meu corpo estava pesado e meus olhos quase se fechavam involuntariamente pela luz logo acima da cama, mas eu precisava achar a loira.

- O pai dela praticamente a arrastou daqui, não queria ir de jeito nenhum enquanto você não acordasse, mas ela tinha que ir tomar um banho, trocar de roupa e comer alguma coisa, ela estará aqui logo. - falou Jade, revirando os olhos como se aquilo fosse ridículo e chegando perto da cama.

- Melhor dormir um pouco, Sant. - falou Nando, e eu apenas assenti levemente, sentindo as vozes e os sons do quarto ficando cada vez mais longe na minha cabeça e meu corpo passar para o estágio de sono inerte, daquela vez, meu sonho acabou trazendo um flashback da minha história com Britt que há muito tempo eu não lembrava.

MODE FLASHBACK ON

Era a casa dos Lopez no lago, eu e Britt tínhamos quinze anos, Brittany costumava passar os feriados conosco lá, o que era bom, já que depois da nossa primeira vez, nossos encontros se intensificaram, sexo se tornou uma coisa comum para nós, só que sempre era especial, porque eu a amava muito para deixar que fosse algo bobo.

Eu e Britt ficamos no quarto sozinhas, o único com segundo andar, então ninguém do andar de baixo ouvia nada, Nando ficou com Yasmin, sua namorada que mais tarde iria embora com sua família por causa de uma nova oferta de emprego do seu pai, Jade ficou em um quarto sozinha e Kayla, que na época tinha cinco anos, dormia com meus pais na suíte master.

A casa no lago era bem grandinha, tinha aquele aspecto rústico e uma lareira que ficava ligada á noite enquanto nos sentávamos á sua frente para contar histórias e esvaziar canecas de chocolate quente, na frente, ficava um lago enorme com uma queda d'água, nós costumávamos levar o jet-ski e o quadriciclo elétrico para lá, aprendi a pilotar o jet-ski aos sete anos, e o quadriciclo aos onze, aquela era a primeira vez que eu levara Britt para lá, mamãe e papai tinham levado Kay para um parque de diversões na cidade mais próxima, Nando estava pelo meio das matas se mostrando com o quadriciclo pra Yasmin e Jade tinha ido fazer uma caminhada.

Britt estava sentada na grama no terreno inclinado com os pés tocando a água do lago enquanto eu me preparava para subir no jet-ski, amarrando a chave no meu pulso e colocando o colete, olhei para outro que descansava em cima da cadeira e sorri.

- Quer que eu te ensine? - perguntei, olhando para ela, que estava sentada na grama com os dois braços apoiando o tronco.

- O que? - perguntou, jogando uma mecha de cabelo que caía no olho para atrás da orelha e me olhando com curiosidade.

- A pilotar, não é tão difícil, aposto que você aprende em um instante. - falei, fazendo menção de pegar o outro colete, meu pai deixava que eu pilotasse o que fosse aonde fosse, contanto que usasse os acessórios de segurança.

- Eu não sei, não me dou muito bem em coisas desse tipo. - ela falou, olhando para as mãos em seu colo.

- Tem ALGUMA coisa que você não é boa? Ah, vamos lá, vai ser legal, você não vai cair!

- Tudo bem, mas você me segura, ok? – ela perguntou, pegando o colete e vestindo por cima de sua blusa de alcinha amarela e shorts de tecido florido.

- Não vou deixar você cair, Britt. – falei, sorrindo da fofura dela.

Dei as coordenadas básicas sobre onde ligar, acelerar e como dobrar, ela sentou no banco de couro cinza e eu segurei seu braço para subir também, mas quando coloquei o pé na base para me sentar, ainda me apoiando em seu braço, calculei mal meu peso e o Jet-ski se virou levemente, nós duas soltamos um gritinho agudo enquanto eu jogava meu pé para o outro lado e o veículo voltava a se equilibrar, nós duas rimos por alguns minutos.

- Aqui, aperta isso pra ele ligar. – falei, encaixando a chave na ignição. – muito bem, agora, com muita calma, você aperta o acelerador, bem devagaaaaar! – não deu tempo de terminar de falar, ela arrancou com tudo para o outro lado do lago.

- Diminui! Britt! Diminui! – eu gritava, vendo que íamos bater na outra margem do lago.

- Eu não consigo! – ela gritou, enquanto ainda íamos muito rápido, ela virou o guidon de uma vez e o Jet-ski raspou na água na direção do outro lado, onde tinha a queda d’água que não era tão grande, mas tinha pedras e podia ser perigoso.

- Solta o botão! Britt! Solta o botão! – eu gritava, me agarrando forte á sua cintura enquanto ainda íamos em direção á queda d’água.

- Emperrou! Emperrou! – ela gritava.

- Pula! – gritei de uma vez.

- O que? – ela tentava virar, mas já estávamos muito perto da queda d’água e estava começando a descer.

- EU DISSE PRA PULAR! – gritei de uma vez, saltando de cima do Jet-ski direto na água gelada do lago, senti a água bater em mim quando ela me seguiu, a chave da moto aquática estava amarrada em seu pulso, então ele desligou instantaneamente e desceu a queda d’água suavemente.

Nos olhamos por alguns minutos antes de começar a rir feito duas loucas por meia hora, até que paramos ao mesmo tempo e eu nadei devagar até ela, envolvendo seu pescoço por meus braços e lhe dando um selinho, sorrimos juntas e eu fiquei admirando seus olhos azuis e sua pele branca.

- Quer tentar de novo? –perguntei, mordendo o lábio e olhando para o outro lado, onde estava a casa, com medo de meus pais chegarem e nos verem tão próximas.

- Não mesmo, que tal você ser a minha piloto? – ela perguntou e eu sorri mais.

MODE FLASHBACK OFF

Acordei novamente e minha boca ainda estava seca como se tivesse engolido ainda mais areia, dessa vez, antes de conseguir focalizar minha visão ouvi sussurros e senti uma mão macia cobrindo a minha.

- Ela acordou?...Porque não me chamaram?... Claro que eu viria... Tudo bem, pode ir. – era Britt, eu conheceria aquela voz em qualquer lugar, balancei minha cabeça levemente, tentando focalizar para ver seu rosto embaixo daquela luz, eles estão tentando chocar um ovo ou coisa assim? Isso é muito forte!

Finalmente consegui focalizar, tinha duas figuras no quarto, Nando estava com Kay adormecida em seu colo e conversava com Britt, que estava deitada com sua mão sobre a minha e olhava para o rosto de Nando, nenhum dos dois percebeu que eu tinha acordado, fechei os olhos de novo para ouvir o resto da conversa.

- Tudo bem, Nando, eu fico com ela, vai deixar a Kay em casa. – disse Britt, e eu ouvi passos pesados e a porta batendo fracamente, abri os olhos devagar, e encontrei Brittany com uma careta preocupada mordendo o lábio inferior nervosamente.

- Britt? – perguntei, piscando algumas vezes para focalizar minha visão.

- San? Que bom que você acordou. – falou com sinceridade, chegando mais perto da cama.

- Britt? Você lembra da casa do lago? – perguntei, olhando em volta e tentando ao mesmo tempo entender porque colchões de hospital eram tão duros.

- Claro que sim, Sant, eu me lembro daquela vez que a gente resolveu fazer bolo de chocolate e acabou virando uma guerra na cozinha. – falou, abrindo um sorriso tímido.

- Humm... Lembra quando eu tentei te ensinar a pilotar o jet-ski e o botão quebrou? – perguntei, sorrindo levemente, eu já conseguia ver tudo claramente e não me sentia mais tão tonta.

- Lembro, San. – ela disse, e nós ficamos vários minutos só nos encarando antes que ela falasse de novo. – Como se sente? – Perguntou e eu sorri, já era a segunda vez que alguém me perguntava isso.

- Eu me sinto... Anestesiada.

- Você me deu um baita susto! Pensava que fosse morrer ou sei lá. – ela falou, revirando os olhos e eu sorri, parece que alguém está passando muito tempo com a Drama Queen Rachel.

- Eu também, mas foi só uma apendicite, graças a deus. – falei, encarando as bolsas de soro ligadas nas minhas veias com desânimo.

- Eu liguei para Quinn e ela disse que ia chamar o clube do coral para vir te ver.

- Ela prometeu que não ia deixar a Hobbit cantar? – perguntei, fazendo uma cara de nojo, já podia até ver a Berry no pé da cama cantando sobre como é bom estar vivo em uma daquelas músicas feias da Broadway.

- Talvez ela cante Fly dos Jonas Brothers ou desafine em Climb de novo. – disse a loira, rindo, e eu a acompanhei com menos entusiasmo, com medo de doer se eu me mexesse muito por causa da cicatriz na minha barriga.

- É melhor do que cantar “Papa, can you hear me?” – afirmei, e nesse momento, Jade abriu a porta com um copo de café na mão. – Nossa, mana, pega leve no café, isso daí não é água não. – avisei, e ela fez uma cara de “você acha que eu me importo?”, lançou um olhar de nojo para Britt e se jogou no sofá que tinha ao lado da porta, isso mesmo, nada de “nossa, maninha, que bom que já acordou.” Ou “Você está com dor? Quer que eu chame a enfermeira?” ou “Oi, Britt, quando ela acordou?”, ás vezes Jade me deixava tão irritada!

- O que? Podem continuar com as conversinhas idiotas de vocês, finjam que não estou aqui. – ela falou, desbloqueando a tela de seu iphone e começando a digitar no What’s App.

Eu e Britt trocamos olhares compreensivos e ela limpou a garganta com uma tossida pra lá de falsa, acho que queria dizer “fala alguma coisa antes que ela estranhe.”

- Humm... Britt você falou com o Artie? – perguntei, apesar de realmente não querer em nenhum momento saber nada sobre Artie que não envolva tortura e esfolamento.

- Pouco antes de você acordar, ele vem junto com o clube do coral te ver. – falou, parecendo um pouco envergonhada.

- Quando eles vêm? – Perguntei, sem conseguir evitar o bocejo que escapou por entre meus lábios, deviam ser os medicamentos fazendo efeito.

- Ahm, só de noite, você quer dormir um pouco? – ela perguntou e eu assenti fracamente, me deitando de lado e ajeitando a cabeça no travesseiro.

- Um pouco, mas to com fome, pode trazer sanduíche de peito de peru da lanchonete para mim? Eu ainda posso comer, né? – perguntei, a olhando com os olhos um pouco arregalados e fazendo beicinho, aquele era o típico charminho para conseguir o que quero.

- Ah, claro, pode sim, relaxe um pouco enquanto vou buscar pra você. – ela pediu, e eu assenti de olhos fechados, me perguntando se conseguiria acordar quando ela voltasse e sentindo minhas pálpebras pesarem enquanto caía no sono novamente.

Dessa vez não tive sonhos, e quando acordei, o clube do coral tinha vindo me ver