O Mapa Cor-de-Rosa escrita por Melanie Blair


Capítulo 31
Ar




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Suspirei. O exterior visto da charrete há muito que não modificava. Ou, se modificasse, não era o suficiente para despertar a minha atenção para observá-lo de novo. Ainda assim, quando a escolha se resumia a, ou responder às tentativas de estabelecer contacto com Raúl ou mirar, com falso interesse, árvores, não me demorava a favorecer as aborrecidas plantas.

O dono do orfanato finalmente percebeu que não lhe seria fácil conseguir uma palavra vinda da minha boca, independentemente do assunto que propusesse falar. Ou pelo menos, era isso que eu pensava.

– Há certas coisas no nosso contracto que temos de esclarecer.- começou ele.

Talvez fosse este o único assunto que me pusesse em alerta. E ele sabia-o.

Virei-me na direção dele:

– Que coisas?- perguntei.- Eu já fiz a minha parte, só falta tu fazeres a tua.

– Estás enganada.- respondeu-me.- Eu apenas disse que tinhas que te confessar como culpada. Ainda tens o tempo indeterminado para cumprir a tua sentença. Comigo, é claro.

Inspirei e expirei, procurando paciência.

– O que tenho que fazer, então?- perguntei.

– Bem, em resumo, tudo o que eu te disser para fazer.- explicou.- Porém, além de coisas que tens de fazer, há também coisas que estão te interditas.

Voltei a olhar para o exterior, não impressionada. Claro que haveria regras. Havia sempre regras…

– Por exemplo,- começou.- Não podes estabelecer qualquer contacto com a tua família ou com os teus amigos. E muito menos com aquele ruivo indisciplinado.

– O quê?- gritei. Eu compreendia, em parte, o porquê de ele querer isto. Mas e o meu irmão? E Christian?

– Além disso, não podes falar com qualquer tipo de imprensa. O caso foi encerrado e nada pode ser feito em relação a isso.

Esta regra pouca mudança trazia ao meu mundo. Mesmo que pudesse, nada revelaria à imprensa. Os meios de Raúl e a sua devastação por onde quer que passam…

– Mas então porque é que contrataste tantos repórteres para estarem presentes na audiência? Porque deixaste que tantos fotógrafos tirassem fotografias nossas a sair do tribunal?- perguntei.

Ele gargalhou.

– Como sabes Esmeralda, eu sou um homem com uma certa reputação. Sou conhecido como culto, paciente e até poderoso. Mas isso não quer dizer que um pouco mais de atenção e popularidade magoe.

– Além disso,- continuou.- Preciso que também me considerem um homem com compaixão. Afinal de contas, salvei uma mulher do destino terrível que é ver o mundo por detrás de umas grades.

Era verdade. Ninguém saberia a verdadeira razão pelo qual eu me autoproclamei culpada. Ninguém saberia porque Raúl preferiu levar-me para o orfanato invés de me deixar a apodrecer na prisão.

Para todos, eu seria apenas uma rapariga que não conseguiu aguentar o peso da consciência. Para todos, a atitude de Raúl não seria mais do que uma das muitas demonstrações do grande e carinhoso homem que é.

– Se soubessem a verdade…- suspirei.

– A vida é engraçada, não achas?- gargalhou ele.

Assim, continuou a referir regras até à exaustão (dele e minha): não posso falar com ninguém dentro do orfanato (e ninguém pode falar comigo); de dia podia fazer o que quisesse (até sair do orfanato, com a permissão dele, desde que, novamente, não estabelecesse contacto com ninguém), mas a partir das oito da noite, imprescindivelmente, tinha de estar no orfanato.

– Não te quero manter como prisioneira.- explicou ele.- Adoro o que a liberdade te fez.

Pegou numa mecha do meu cabelo e cheirou-a:

– Este teu cheiro… O cheiro a rebeldia, a insatisfação… é inebriante.

Afastei-me dele, enojada.

– Sempre gostei de éguas difíceis de domar.- confessou, fazendo-me tremer de horror.

A charrete parou. Olhei, novamente, para o exterior. A floresta achou, finalmente, uma trave. Parou, e deu origem a uma mansão envergonhada, quase esquecida por entre a natureza. Depois desta, continuava, como se nada a tivesse travado antes.

Abri a porta da charrete. Queria fugir àquele ambiente erótico, sensual, enjoativo que se esfumava dentro da carruagem. Assim que senti um ar puro, fresco a percorrer-me, embebedei-me dele. Respirei o mais rápido possível, numa tentativa fraca e mal pensada de armazenar o ar em qualquer cubículo que coubesse no meu corpo. O resultado foi o completo oposto. O ar, para qual tanto me esforcei, saiu, entre a tosse que me abalou.

Raúl, como sempre um cavalheiro, ajudou-me a levantar. Assim que me viu em melhor estado, colocou a mão na minha cintura e movimentou-se em direção ao orfanato. Em frente da porta, encontravam-se os empregados, alguns conhecidos outros por conhecer, como se à nossa espera estivessem.

Ofereceram-nos as melhores vénias que podiam dar. E sem nada a dizer, abriram, por pura cortesia, a grande entrada para aquele que foi, continua e se calhar será o meu maior pesadelo.

Antes de colocar o pé direito no tapete de boas-vindas, respirei novamente o ar puro do exterior. Algo me dizia que eu precisar dele. Até sentir saudades do não cheiro dele.


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Notas finais do capítulo

Boas entradas pessoal!
Entrem com o pé direito, não no orfanato, mas sim no novo ano! Espero que tenham muita saúde, sucesso e montes de amor.
Encontramo-nos em 2015!



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