O Mapa Cor-de-Rosa escrita por Melanie Blair


Capítulo 24
Apetite




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/315305/chapter/24

Se me perguntarem porque aconteceu e como aconteceu, eu só vos direi que não sei. Talvez seja o facto de a minha alma ser piedosa ou, ainda, a possibilidade de eu ser totalmente ingénua. Talvez tenha sido o meu desejo de acreditar que ela não era, de todo, má pessoa. Não importou a falta de provas, ou de algo que pudesse comprovar a veracidade da história dela. O único resultado foi, apesar de tudo isto, o desenvolvimento de uma amizade entre mim e Lynn.

E é graças a esta (e às suas aulas de sobrevivência) que eu ainda estou inteira. Talvez tenha sido graças a Lynn que eu não me meti em sarilhos. Pelo menos não dos grandes.

– Eu sei que não parece grande coisa…- começou ela, referindo-se àquilo que parecia uma sopa (que mais parecia um lago poluído com vários fluidos industriais), aquilo que supostamente era o meu almoço.- …Mas na ausência de melhor, é o que temos de comer.

Enquanto pensava se deveria ou não morrer à fome, olhei novamente para a mesa da frente. Para a mesa onde olhares furtivos e violentos me eram lançados.

– Não lhes ligues.- recomendou Lynn.- O que elas querem é que tinham medo. Aquelas cadelas conseguem farejar o medo de longe.

Talvez nem se lembrem mas quando cheguei a este local, ao proteger uma inocente, acabei por (aparentemente) escolher as piores pessoas com quem me envolver. Aparentemente, acabei por violar princípios que devem permanecer cumpridos. É a isto que eu chamo a um começo com o pé direito!

Aparentemente, a prisão feminina era regida por um grupo de prisioneiras veteranas que se apelidavam a si próprias de “família real” daquele sítio. Estas esforçavam-se em “manter o ambiente o mais estável possível”, sendo a palavra “estável” sinónimo de “manter as coisas como elas queriam, e apenas como elas queriam”. Quem fosse contra esta doutrina, tal como aquela pobre rapariga, sofreria os mais desagradáveis castigos.

Em condições normais, este regime de ditadura não duraria muito tempo. Apenas uma queixa ou uma intervenção dos guardas pô-las-ia nos seus devidos lugares. O problema é o seguinte: estas mulheres já conhecem todo o tijolo, todo o canto escuro desta prisão. Tal como conhecem os desejos dos homens da força de intervenção. Tal como conhecem as melhores maneiras de os subornar: dinheiro, uma carta para a família, certos favores, e até uns momentos sozinhos na casa de banho com certa prisioneira. Tudo valia neste jogo de subornar o suposto insubornável. Assim, era fácil perceber a inércia, o cruzar de braços, dos guardas (e das outras prisioneiras, com medo) perante as insolências destas garotas.

E foi desta forma que percebi que podia estar metida em grandes sarilhos. Afinal, se elas decidissem atacar-me, ninguém viria a meu resgate. E tudo por causa do meu desejo em ser “heroína” e proteger aquela rapariga. Tudo por causa de as ter contrariado. Tudo porque não as deixei castigar “devidamente” a outra prisioneira. Às vezes gostava que a minha alma fosse mais egoísta e que deixasse os assuntos dos outros para…os outros.

Porém, e com todos estes pensamentos a concorrem a atenção do meu pobre encéfalo, não sentia medo. E, se algum (pouco) sentia, não estava arrependida do meu ato perante a cena de violência com que me deparei. Afinal, se fosse eu a ser constantemente esmorrada, agradeceria à alma que se apiedasse de mim e que me tentasse ajudar.

– Não te preocupes.- disse-me Lynn, enquanto remexia mais uma vez a sopa.- Elas, antes de atacar, costumam mandar um ultimato, uma sentença de morte.

Continuou:

– Enquanto não a receberes, podes respirar tranquila. Fica tranquila.

Tentei desfitar as rainhas do mal e mostrar um sorriso falso.

– E que tipo de ultimatos são esses?- perguntei, pouco interessada.

– Depende.- respondeu.- Depende do principio derrubado e da quantidade de criatividade da família real. Normalmente utilizam técnicas de susto. Se assustarem a presa, já estão a um passo da vitória. Uma presa assustada é frágil e facilmente levada a cometer suicídio.

Tremi.

– Que técnicas utilizam?- questionei Lynn.

Ela encolheu os ombros.

– Normalmente pragas. Formigas na cama, carraças nas roupas, traças, grilos, gafanhotos…

Enquanto Lynn se ocupava a descrever todos os planos de ataque, remexi o meu almoço mais uma vez, à espera que um desespero por comida, que a fome, me abalasse. A colher tocou em algo maior e mais pesado que um legume ou cabelo das verruguentas cozinheiras. Trouxe o suspeito à superfície da sopa, deparando-me com…

– Ou até ratos.- terminou a minha colega.

… uma ratazana morta em decomposição.

Lynn ao perceber aquilo que eu tinha encontrado no meu almoço, empalideceu.

– Como isso.- disse-me. Então esta é a minha sentença de morte… Ouvi risos abafados vindos da mesa da frente.

Tentando não vomitar, levantei-me, levando a sopa infectada comigo, até às sorridentes. Ao conseguir captar a atenção das minhas predadoras, baixei o prato, colocando-o mesmo à frente dos narizes delas. Assim que elas cheiraram o cheiro de alho misturado com ratazana morta, disse-lhes, com o maior dos sorrisos:

– Bom apetite!

Virei-lhes as costas e encaminhei-me para a saída da cantina. Lynn seguiu-me.

– Sabes o que acabaste de fazer?- perguntou-me, chateada.

– Deixa-me adivinhar.- disse-lhe.- Acabei de desperdiçar uma boa refeição?

Ela deu-me uma pancada suave na cabeça.

– Não parva.- resmungou-me.- Acabas-te de assinar a tua sentença de morte! Acabaste de lhes dar a autorização para te atacar.

Fitei-a.

– Foste tu que me disseste para não ter medo, não foste?- perguntei-lhe.

– Nunca te disse para as ameaçares!- gritou-me.

– O que preferias que eu fizesse?- questionei-a. – Preferias que eu chorasse e que lhes pedisse piedade?

Lynn calou-se, esperando a minha explicação:

– Eu não sou esse tipo de rapariga. Eu vou mostrar-lhes que comigo não brincam, que não irão sempre conseguir o que querem… Não lhes tenho medo!

Comecei a encaminhar-me para a minha cela, quando um guarda aproximou-se e atou-me os pulsos.

– O que se passa?- perguntei-lhe. Será que a “família real” já fez das suas?

Porém, inesperadamente, o homem disse-me:

– Tens uma visita.

E guiou-me para a sala das visitas.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!




Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "O Mapa Cor-de-Rosa" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.