Alice notou um clima de tensão entre todos ali presentes. Ninguém estava ali porque queria, pareciam estar sendo forçados. A única pessoa que parecia "contente" com a ideia era Sarah. Nem mesmo a Rainha Vermelha parecia animada com a ideia de poder lutar pelo trono novamente.

- Não precisamos fazer isso – Alice disse baixinho. Sabia que Sarah a ouviria.

- Você deveria usar a cabeça para pensar e agir o quanto antes do que ficar assistindo aos seus amigos morrerem – soou a voz de Sarah. Alice levantou a cabeça e a viu fitando-a com um sorriso malicioso.

Alice olhou para os lados e notou cavaleiros vermelhos e brancos lutando entre si. Não parecia ter sentido toda aquela guerra se toda a confusão era entre ela e Sarah. Alice precisava arranjar um jeito de acabar com tudo aquilo sem sair perdendo. Tinha que encontrar uma forma que matar Sarah sem se ferir. Talvez sair sem ferimentos fosse impossível, já que Sarah era uma parte dela, mas tinha que arriscar.

Foi quando o Chapeleiro avançou para duelar com o Valete que Alice tomou uma iniciativa. Para sua surpresa, Sarah veio em sua direção ainda trazendo o mesmo sorriso. Sentindo-se nervosa, Alice começou a apalpar seu vestido em busca de alguma arma e tomou um susto ao notar uma adaga na mão de Sarah. Agora entendia a razão daquele sorriso maligno: estava preparada para matá-la.

- Não vai fazer isso – disse Alice. – Estou em desvantagem.

- Melhor assim, vai ser mais rápido – retrucou Sarah, com os olhos brilhando de excitação, segurando a adaga com mais força.

- Se podia ter me matado antes, por que não o fez?

- E perder a oportunidade de fazer isso aqui? – Sarah abriu os braços e olhou ao redor. Alice pensou em correr quando Sarah virou-se de costas, mas, além de se inútil, seria covardia. – Por favor, Alice, posso matá-la enquanto seu País das Maravilhas se acaba em guerra. Eu não perderia essa oportunidade por nada!

Espere um pouco, Alice disse em pensamento, torcendo para que dessa vez Sarah não ouvisse, mas acreditava que ela pudesse ouvir.

- Essa adaga... – ela disse baixinho, olhando fixamente para o objeto – está na minha mão – e como num passe de mágica, foi o que aconteceu, a adaga desapareceu da mão de Sarah e surgiu na mão de Alice no mesmo instante. Por mais incrível que pudesse parecer, a expressão de Sarah não mudou tanto.

- Parece que está começando a entender as coisas, Alice.

Alice fez um pouco mais de esforço para se concentrar. E agora, como iria conseguir matar Sarah sem se ferir o bastante para chegar bem perto da morte?

Acredite, Alice. Só funcionará se acreditar. Dessa vez não foi a voz de Sarah, o que fez Alice sentir-se mais confiante. E apesar de nunca ter matado alguém...

... Alice deu dois passos a frente, esqueceu-se de tudo que acontecia a sua volta e, juntando todas as suas forças, ergueu a mão que segurava a adaga na altura do peito e acertou em Sarah. Logo após sentir o impacto, Alice fechou os olhos para não sentir dor, acreditando que estava machucando apenas Sarah, não ela. Alice apertou bem os olhos e repetiu para si mesma que não era ela.

Uma pontada de leve ela sentiu no peito, e foi se intensificando à medida que aprofundava a adaga e Sarah, que agora transformara seu grito em mais nada. Seus olhos perderam o foco e ela caiu no chão, sangrando. Seu vestido estava encharcando-se, ganhando um tom mais escuro de vermelho. Ela estava morta.

A dor no peito de Alice foi se intensificando, estava cada vez mais difícil respirar. Forçando cada vez mais a respiração, Alice sentiu-se tonta e caiu no chão, ao lado de Sarah. Para aliviar a queda, o Chapeleiro chegou a tempo de pegá-la em seus braços. Naquele instante todos haviam parado a causa de toda a confusão acabara de morrer e Alice, bem, estava bem próxima disso.

- Alice! – ele chamou, tentando reanimá-la desajeitadamente, sacudindo-a pelos ombros.

Logo foi se formando uma multidão em volta deles. O Chapeleiro começou a ficar desesperado e não sabia bem o que fazer. A Rainha Branca o fitava triste, não sabia como ajudar.

Num ato desesperador e involuntário, o Chapeleiro a beijou. Não sabia o que o tinha levado a fazer aquilo, mas naquele instante parecia a coisa certa a se fazer. Seus lábios tocaram levemente os de Alice e então ele a abraçou, chamando seu nome sem parar.

- Chapeleiro – soou a voz fraca de Alice fazendo-o sobressaltar-se e arregalar seus olhos úmidos de lágrimas. Imediatamente abriu um sorriso quando viu que a garota estava viva.

Alice o abraçou com força e ele fez o mesmo.

- Você sabe a diferença entre um corvo e uma escrivaninha?

E no mesmo instante, todos desataram a rir. Não podiam deixar de demonstrar a felicidade de ver Alice viva. Enquanto isso, Sarah jazia rodeada de seu próprio sangue.

- Acho que precisa descansar – disse a Rainha Branca. – Precisa nos contar tudo depois.

Sem se opor, Alice levantou-se com a ajuda do Chapeleiro e então seguiram ao castelo da Rainha Branca. Alice precisava de muitas horas de sono antes de esclarecer tudo.