O Último Pendragon escrita por JojoKaestle


Capítulo 4
Capítulo 4




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/310480/chapter/4

Panquecas. Eu amo panquecas. Há muito poucas coisas que realmente são capazes de me fazer esquecer ter sido perseguida até a quase morte e panquecas estavam no topo da lista. Arrastava a bicicleta ao meu lado, sentindo que o grifo, Merlin e Mordred iam se afastando com a proximidade crescente do Mundo das Panquecas. Eu sei, o nome pode até arrancar algumas risadas. Mas se comesse uma de suas especialidades iria se sentir mal por algum dia ter julgado o simpático cafeteria pelo seu nome. Era pequeno e aconchegante, com sofás no lugar de bancos e todo o aparato de som, karaokê e jogos que o tornaram o lugar favorito de muitos jovens. Não apenas para comer, mas também para simplesmente gastar o tempo ou ter alguns momentos bons com seu grupo de amigos. Também serviam o melhor chocolate quente da cidade. E tinham uma variedade tão grande e gostosa de cafés que faziam a vida de qualquer pessoa difícil na hora da escolha.

Meu estômago se fez presente quando o letreiro que mostrava (surpresa!) uma enorme panqueca coroada com molho de chocolate surgiu em minha frente. Com uma onda de decepção vi que ainda estava fechado. Pelas vidraças pude ver as paredes de tijolo cru que haviam sido adicionadas na última reforma para tornar o lugar ainda mais convidativo e as mesas limpas esperando por mim. Acomodei a minha montaria em uma das vagas dos porta bicicletas em frente ao cafeteria e não soube o que fazer ao certo. Os restos mortais do meu celular estavam no fundo do casaco e pouco ajudariam agora. Talvez fossem sete horas o que, para minha tristeza, significava que ainda levaria meia hora para o Mundo das Panquecas abrir. Coloquei-me diante da porta de vidro e encostei meu nariz na superfície fria, estreitando os olhos. Fabian, o extravagante proprietário que parecia estar sempre ligado à tomada não estava visível em lugar algum. Suspirando me virei e me deixei deslizar até o degrau, onde sentei apoiando os cotovelos nas coxas e o queixo nas mãos. Tentei não parecer tão miserável, mas a verdade era que tinha chegado perto demais de uma experiência de quase morte, quebrado meu celular e rasgado um dos meus casacos favoritos. E agora nem ao menos poderia comer uma simples panqueca.

Na rua as pessoas estavam a caminho do trabalho, escola, ou o que quer que fosse. Algumas que passaram me lançavam um olhar curioso, geralmente crianças, ou um de pena. Quero ver ser perseguido por um grifo do apocalipse e ainda parecer tão arrumado. Falei mentalmente para um homem de terno e maleta cujos passos apressados ainda ecoavam quando a porta atrás de mim foi subitamente aberta, me fazendo cair para trás.

– Só abrimos daqui a vinte minutos senhorita. – veio do alto e logo depois – Oh, eu sinto muito.

Abri os olhos para ver a pessoa cujas pernas estavam servindo de apoio. E então quis morrer.

– Desculpe. – balbuciei me afastando tão rápido que quase cai dos degraus.

O rapaz sorriu e para meu profundo terror saiu do cafeteria. Droga, ele é alto. E os cabelos eram ainda mais bonitos que no desenho.

– O nome é Gwynn. – disse, me estendendo a mão para me ajudar a levantar – E quem deve pedir desculpas sou eu, deveria ter te avisado antes de abrir a porta.

Tornei o contato físico o mais curto possível e bati as mãos no casaco. Não porque precisavam ser limpas, mas porque não sabia o que fazer com elas.

– Sim. Ah, Avina. – tentei sorrir tão agradavelmente quanto ele, mas era impossível – Então... Você é novo aqui.

– É tão aparente assim?

– Não! É que... Bom, eu gosto de panquecas. – olhei para um ciclista que passava muito devagar, mas isso não foi distração suficiente. Acho que Gwynn poderia sentir minhas bochechas queimando mesmo se estivesse a uma quadra de distância.

– Eu também. – ele disse. Era completamente diferente da imagem arrogante e desafiadora que criara em minha mente. E Morgan era o culpado. Passou as mãos pelos cachos castanhos e assumiu um tom mais sério – Não gostaria de entrar?

– Você disse que só abririam em vinte minutos.

– É, mas isso foi antes de fazê-la cair. E você parece ter tido uma manhã bem – parou alguns segundos para achar a palavra menos ofensiva que pudesse – movimentada.

– Não o termo que eu usaria. – disse enquanto o seguia. A atmosfera do cafeteria me abraçou assim que passei da soleira da porta. De alguma forma o ar parecia consistir em cheiro de panquecas, bolos e chocolate quente. Joguei o casaco sobre um dos sofás e estava a caminho dos jogos de tabuleiro (para quê não sei, já que é meio desafiador jogar um deles sozinha) quando Gwynn gritou da cozinha.

– Você não vem? - quis saber. Pude ouvir barulho de utensílios de cozinha que abafavam sua voz. Segui o som e o encontrei num aposento enorme, totalmente de azulejos brancos. Bancadas compridas estavam carregadas de panelas, frigideiras e todo tipo de utensílio que deixaria Jodie morrendo de inveja.

– O que está fazendo? - perguntei encostada à porta. Cruzei os braços, observando-o mexer algum tipo de massa em uma grande batedeira. Provou-a, jogou mais essência de baunilha em seu interior e ligou a máquina novamente.

– Panquecas. – ele disse, voltando sua atenção para mim. Havia amarrado um avental sobre o uniforme e parecia saber o que estava fazendo – Provavelmente não são tão boas quanto as de Fabian, mas não ouvi nenhuma reclamação até agora.

– Então é o novo cozinheiro. – falei, assombrada com o tamanho das panelas que estavam empilhadas sobre um dos balcões. Quantos litros de chocolate quente eram possíveis fazer em apenas uma delas?

– Na verdade não. – Gwynn me tirou dos cálculos – Apenas atendente. Garçom se quiser ser mais formal. Brian, meu primo, costuma trabalhar aqui. Ele quebrou a perna e está com três semanas de licença.

– Brian? - Dianne não iria gostar muito da novidade. Menos um cara para iludir entre seus sorrisos e gracejos.

Gwynn anuiu, transferindo uma quantidade de massa para a frigideira sem deixar um terço se perder no caminho como acontecia comigo quando ajudava Jodie no café da manhã.

– Caiu da escada. Mas está tudo bem. – acrescentou com pressa – Apenas terá que parar de zanzar de um lugar pro outro por alguns dias. Você disse que seu nome era Avina?

– Sim, meio estranho mesmo.

Gwynn desviou o olhar da frigideira para mim, seus olhos escuros sorriam tanto quanto seus lábios.

– Não foi por isso. Eu acho que conheço seu irmão.

Morgan. Se tivesse falado qualquer coisa sobre nossa infância para Gwynn o mataria. Ou aquela vez em que delirei sobre monstros que só seriam exterminados com a dança da chuva executada por todos da casa debaixo do lustre de cristais. Explicar que estava sobre efeito de febre e nada mais tinha se mostrado realmente constrangedor para qualquer cara com quem Morgan tinha uma conversa que ultrapassava vinte segundos.

– Um rapaz de cabelos escuros, talento para arte e gosto por contar histórias constrangedoras sobre a irmã mais nova? Deve ser Morgan.

– Na verdade ele só mencionou que você era incrível. – riu da minha cara estupefata e salvou uma panqueca de queimar – É o melhor da turma de desenho na qual, bem, fico parado e tomamos alguns cafés. Ele é muito simpático, seu irmão.

Tinha que ser, com o objetivo que tinha. Pensei, guardando o sorriso. As panquecas que Gwynn pousou sobre bancada em minha frente estavam deliciosamente marrons e quando fiz menção de pegá-las me interrompeu.

– Ainda não. – falou, voltando-se para uma panela que fumegava desde que tinha adentrado a cozinha. Foi para ela que Gwynn se dirigiu com uma concha grande que foi mergulhada no interior e lá ficou enquanto me olhava com olhos brilhando de humor – Adivinhe. – veio o desafio.

Fechei os olhos, me concentrei no cheiro que impregnava o ar. Foi quase fácil demais.

– Chocolate. – murmurei, ouvi seus passos se aproximando e abri os olhos.

Era mesmo chocolate. Molho de chocolate que era derramado sobre as panquecas quentes e que parecia tão bom que a água começou a se acumular em minha boca. Infelizmente meu estômago também achou que era hora de mais uma performance.

– Certo, bem a tempo. – disse Gwynn enfiando o prato em minhas mãos – Vá na frente, acho que Fabian está abrindo a porta de trás. Já trago seu chocolate quente.

– Como sabe?

– Intuição? - riu e me empurrou gentilmente para fora da cozinha. Era verdade, podia ouvir Fabian cantando Mozart no corredor lateral. Se é que era possível cantar Mozart – Na verdade Morgan comentou entre um café e outro. Reclamou que nunca encontrara alguém que o acompanhasse em todas as canecas de café que tomava. Você vê, eu prefiro chá.

As panquecas estavam deliciosas. Ouvi Fabian e Gwynn trocando algumas palavras na cozinha. Se o proprietário não havia gostado da atitude do rapaz não deixou transparecer, o que confirmava a minha hipótese de ter algum bônus com ele depois de me empanturrar com panquecas e bolos em seu estabelecimento por tantos anos.

– Ah, Avina. Bom dia! – me cumprimentou quando veio deixar todas as mesas brilhando – Um pouco mais cedo que de costume.

Balancei a cabeça com a boca cheia demais para responder. Sorri para o homem de meia idade enquanto corria para girar a placa da porta para “aberto”. Na verdade não tinha escrito nada, apenas havia um prato cheio de panquecas gordas desenhadas, no verso estava o mesmo prato contendo apenas migalhas. Fabian era baixo e magro, o que eu achava impossível por estar boa parte do dia rodeado por coisas deliciosas. Sua ascendência italiana estava em seu sotaque, sua maneira barulhenta e bom humor que parecia nunca se esgotar, por mais que o dia estivesse difícil. O irmão havia rompido a sociedade há dois anos e levado boa parte dos empregados, o cozinheiro e grande parte dos lucros. Fabian gritara alguns insultos que eu não entendera, fechou o lugar por uma semana e depois reabriu comandando a cozinha. Agora apenas Brian permanecera da equipe original e um aviso colado no vidro convidava novos trabalhadores a serem testados. De alguma forma aquilo não parecia estar funcionando muito bem, porque cada vez que eu vinha comer Fabian me falava sobre como era difícil encontrar alguém de confiança nos dias de hoje. Apenas anuía, torcendo para que não percebesse como não fazia a mínima ideia dos grandes desafios empreendedores que enfrentada. Precisava de alguém com urgência para substituir Brian, mas ainda assim Gwynn deveria ter passado por um interrogatório minucioso antes de receber sua aprovação.

Aprovação que era mais que merecida. Se Gwynn era metade atendente como era bom em cozinhar Brian talvez tivesse problemas quando voltasse. Ou talvez Fabian o mantivesse num posto fixo. Era sobre isso que eu pensava, em como seria legal ver Gwynn todas as vezes em que visitaria o lugar quando o rapaz surgiu com uma grande caneca de chocolate quente e creme.

– Aqui está. – anunciou pousando a bebida em minha frente – As panquecas estão razoáveis?

– Na verdade – sussurrei para que Fabian não ouvisse (que não era um grande desafio já que assobiava alguma parte da 5ª sinfonia de Bach). Gwynn teve que chegar mais perto, a curiosidade estampada em seu rosto. E havia também expectativa. Senti-me como um importante crítico gastronômico. Como o de Ratatouille. Tentei parecer tão séria quanto – Acho que Fabian pode ter problemas se algum dia resolver abrir seu próprio negócio.

Gwynn se afastou com um sorriso humilde, mas pude ver que o elogio o agradara.

– Se apenas ser bom com panelas garantisse sucesso... E você não pode afirmar isso, ainda não provou meu creme brulee.

– Posso não ter provado – enfiei mais um pedaço de panqueca em minha boca, o molho de chocolate estava realmente perfeito. Fazia difícil parecer elegante enquanto comia a maior quantidade possível a cada garfada – Mas cresci com a melhor cozinheira do mundo. Creme brulee é uma das especialidades de Jodie.

– Jodie. – mencionou, juntando as grossas sobrancelhas – Morgan disse que ela tem mãos de fada. Talvez seja melhor retirar o que disse. Sou apenas um assistente.

– Tarde demais. – mergulhei o último pedaço no tiquinho de molho que quase havia conseguido escapar – Vai ter que pagar pelo que falou.

– Pagar?

– Sim. – me voltei para o chocolate quente. Quase podia ouvir minha treinadora chorando de decepção – Poderia cozinhar algum dia. – depois me dei conta do que falara e quase me engasguei – Eu quero dizer, para nós. Para mim e Morgan. Gostamos de sobremesas francesas.

Olhei para ele apertei os dedos ao redor da caneca, ignorando o fato de estar quente demais. Açúcar tem o efeito de álcool sobre você. Havia comentado Dianne uma vez depois de uma tarde de rodízio em uma sorveteria. Sim, tem. Quando convidara Felix para sair da primeira vez havia precisado de um pequeno monte Everest de doces e era tanto açúcar em meu corpo que não havia conseguido dormir depois. Ou talvez fosse ansiedade. Lembrar de Felix não havia sido exatamente útil porque por mais adorável que Gwynn fosse, não o conhecia. Poderia ser um daqueles caras idiotas que eram todos sorrisos e simpatia até conseguirem o que querem de você. Dianne havia caído nas mãos de um desses e nada me convenceria de que sua atitude de flertar com tudo que se movia não era um reflexo de proteção. De ter sempre situação sob controle e as pessoas em suas mãos. Naquela noite que parecia às vezes tão longe e noutras ter sido ontem ela chorara em meu colo até não ter mais lágrimas em seu corpo. Nunca havia visto alguém sofrer tanto e aquilo deixara marcas nas duas. Nunca mais havíamos tocado no assunto, mas às vezes ainda posso ver as cicatrizes em suas ações. Lembrar disso dissolveu o sorriso em meu rosto e fez com que eu torcesse para que Gwynn recusasse.

Pareceu considerar por alguns momentos, depois anuiu.

– Acho que vai ser divertido. Talvez eu possa ligar para você e confirmar um dia livre?

– Ah, sim, sobre isso. – nada de grifos Avina – Eu cai da bicicleta no caminho para cá, você sabe, as ah... Ruas irregulares. E meu celular meio que não sobreviveu.

Pude ver em seus olhos que não acreditara na história, mas o rasgo em meu casaco e os arranhões nos cotovelos estavam aí para isso. Arrumou as coisas da mesa e guardou o dinheiro que eu tinha separado.

– Bom. – disse, erguendo a mão em despedida – Acho que terei que oportunar Morgan mais um pouco.

– Pode fazer isso. – concordei, jogando o casaco sobre o ombro e encontrando uma pressa que não tinha um minuto antes.

Quando pus os pés para fora do cafeteria tomei um momento para respirar fundo. Okay, isso foi um pouco melhor que o esperado. Imaginei o que Morgan acharia de tudo isso. Provavelmente riria, depois tentaria ser o padrinho do nosso casamento. O pensamento me fez rir sozinha e afastou a apreensão das horas anteriores. Nem saber que enfrentaria a ira da minha mãe quando voltasse para casa foi suficiente para tirar o bom humor que me preenchia. Grifos assassinos, panquecas e olhos escuros que sabiam sorrir. Era uma combinação estranha para o início de um dia. Mas uma combinação que dera certo.

–-x—

Madame Catherine não estava em casa. Joguei meu casaco no cabide de entrada e quase atropelei Jodie no caminho para o banheiro. Esperava conseguir me limpar antes que qualquer pessoa me examinasse.

– Avina! – Jodie exclamou, não fui capaz de me desvencilhar de suas mãos rápidas que envolveram meu ombro – Espere! Estávamos morrendo de preocupação!

– Meu pai deve ter ido trabalhar, Morgan nem ao menos acordou e o carro de Catherine não está na garagem. – enumerei – Não precisa se preocupar Jodie, está tudo bem.

– Lady Catherine teve um compromisso importantíssimo. – falou a cozinheira com lealdade – Algo sobre reuniões das mulheres da alta sociedade e a preparação do churrasco de caridade da semana que vem.

– Não é um churrasco sem carne assando na grelha, o cheiro da gordura enchendo o ar e nem quando a única coisa que há para comer são chás, champanhe e outras coisas que mais caras que o salário de qualquer trabalhador decente Jodie.

– É por uma boa causa. –falou convicta – Mas deixou um recado para você: está de castigo, nada de sair novamente hoje.

– Anotado. – falei, livrando-me de suas mãos gentis e comecei a subir as escadas.

– Vina?

Parei no meio das escadarias, sentindo que a bomba viria agora.

– Sim Jodie?

– Não está se envolvendo em brigas de rua, está querida? - o seu tom era tão preocupado que não fui capaz de rir da maneira como tive vontade.

– Jodie? Claro que não! – sorri – De onde vocês tiraram isso?

– Aparece em casa toda machucada dois dias seguidos e foge de tudo e todos... O que te faz parecer?

– Foi minha mãe que a mandou perguntar, não foi?

– Sua mãe. – disse num tom que censurava a forma como havia falado – Apenas compartilhou suas preocupações sinceras comigo Avina. Ela se preocupa tanto, você nem ao menos reconhece.

– Eu reconheço sim! – cortei, sentindo a raiva transparecer no tremor em minha voz – Reconheço todas as vezes em que grita comigo, despeja suas frustrações sobre minhas costas ou simplesmente decide me deixar de castigo como se fosse uma criança de cinco anos no lugar de tirar algum tempo de seu dia e sentar com sua filha para conversar!

– Avina – tentou de novo, mas eu estava farta. Farta de minha mãe usando-a como mensageira e preferindo me ignorar a falar comigo por mais de cinco minutos. Ou de mostrar interesse em qualquer coisa que eu fizesse que estava tão longe de suas ideais para uma filha quanto era possível.

– Não Jodie. – falei, lembrando que não era dela que eu tinha raiva. Voltei a subir as escadas e acrescentei sobre o ombro – E não, eu não vou ficar em casa.

Podia sentir seus olhos preocupados me seguindo, mas não me importei. A ducha quente foi agradável, mas perto da irritação que sentia não era nada. Despejei alguns remédios sobre os cortes novos, ignorando o ardor o máximo que podia. Enfiei-me dentro de um dos meus jeans confortáveis e usados demais e puxei uma blusa branca sobre a cabeça. Mais tedioso impossível. Minha mãe diria, mas eu não era minha mãe. Passei os dedos pelos cabelos molhados até que estivessem apontando para todas as direções possíveis e puxei uma das minhas jaquetas escuras do armário. Resolvi sair antes que Jodie desse por minha falta ou Morgan acordasse, porque não estava a fim de falar de Gwynn agora.

Dez minutos depois estava estacionando minha motocicleta em frente ao prédio de Dianne. Era um exemplo perfeito de prédio residencial londrino. Algumas décadas de idade, imprensado entre construções que pareciam ser irmãs siamesas. Puxei a chave do bolso de minha calça e subi os quatro lances de escada correndo. Dianne diz que sou a esportiva da dupla, mas quando cheguei diante de sua porta estava arquejando. “Dianne Strauss” lia a plaquinha recém-trocada. O nome de Peter havia sido cortado, claro. O tapete estendido na frente da entrada mostrava um filhote de cachorro colocando a língua para fora, limpei minhas botas nele e girei a chave.

– Dianne, cheguei! – me anunciei mais por costume que necessidade.

O apartamento era pequeno e uma bagunça tão grande que fui tomada pelo impulso de começar uma nova arrumação instantaneamente. Mas sabia que Dianne não gostava, defendia que acrescentava certo charme e mesmo que não concordasse tinha que admitir que o lugar era muito confortável. Abria as cortinas da sala de estar quando ela entrou com os cabelos envolvidos em uma toalha e a escova de dente na boca.

– Chedo. – ela criticou em meio à espuma que se formava em sua boca.

– Eu sei. Mas ficar em casa é impossível. E já que você não faz nada pela manhã mesmo...

Tentou dizer mais alguma coisa e quando percebeu que não era muito intimidador ficar cuspindo espuma de pasta de dente a cada palavra colocou a mão livre na cintura e me lançou um olhar raivoso antes de desaparecer no corredor. Dianne tinha a minha idade e os olhos castanhos mais bonitos que já havia visto. Bom, até hoje. Era alta e reclamava estar sempre cinco quilos acima de seu peso ideal. Para mim ela era perfeita. Quando voltou seu cabelo comprido cor de avelã estava solto, pregado às suas costas e cheio de umidade. Poucas pessoas haviam visto Dianne sem maquiagem e uma vez ela tinha me dito que seus próprios pais não viam seu rosto limpo desde que fizera treze anos. O pircing em seu nariz encontrava seu gêmeo em seu umbigo, coberto por um pullover alguns números grandes demais.

– Então – disse, largando-se no sofá ao meu lado – Problemas no paraíso?

– Se aquela casa é o paraíso temos um sério problema. – respondi para lhe arrancar um sorriso.

– Eu sei, eu sei. Você arruinou o meu sono de beleza. Não consegui mais fechar os olhos e resolvi começar as preparações para a tarde mais cedo que o normal.

– Você sabe que é linda. – falei cansada, estendendo minhas pernas sobre o seu colo – Leon terá perdido a grande chance de sua vida se não cair aos seus pés.

– Tem certeza?

Estendi o antebraço sobre meus olhos para bloquear a claridade. Senti o sono me encarar através da escuridão e foi necessário que Dianne desse uma tapa em minhas pernas para que me lembrasse de responder.

– Claro que sim. – murmurei – Você sabe o que também é incrível? Panquecas.

– Se você começar a falar de guloseimas de novo eu juro que te jogo por aquela porta.

– Não são guloseimas! São comida nutritiva e que me fará crescer forte e determinada.

– Para os lados, você quer dizer.

– Se continuar a ser tão chata não vai descobrir quem eu encontrei hoje. – e não, eu não contaria do grifo. Ainda.

Dianne pediu desculpas dezenas de vezes e ofereceu uma massagem, mas recusei enquanto ria da curiosidade que a comia por dentro. Contei do Mundo das Panquecas e de Gwynn. Ela ouviu tudo com tanta atenção que até sua postura mudou. Pediu para que detalhasse o rosto do rapaz, o tamanho de suas mãos e se as panquecas eram realmente gostosas. Perguntou também se o havia insultado sem querer e quase gritou quando comentei o convite de cozinhar para mim e Morgan. Mesmo sendo para três pessoas Dianne preferiu tomar como jantar romântico em que só nós dois estaríamos presentes.

– E você não o agarrou antes de se despedir?

– Dianne. – falei em tom minimamente sério – Okay, ele é simpático, gentil, sabe cozinhar muito bem, tem aqueles olhos –

– É bonito. – lembrou-me Dianne.

– Sim, e é bonito. Mas isso não significa que devo me jogar em cima dele. – ignorei o comentário dela e toquei no ponto que me deixava insegura – E também existe Felix. Ontem ele tocou na Pollux, aquele pub movimentado no fim da avenida do parque? Paul me contou quando quis visitá-lo e o falou de uma forma... Não sei, era coisa combinada há uma semana, por que não me contaria?

– Por que esqueceu? Por estar envolvido nos ensaios? Você sabe como ele fica ausente quando tem uma grande apresentação.

– Ausente até demais. – comentei, puxando as minhas pernas até o queixo para abraçá-las.

– É um tom de “não sei por que estamos juntos de qualquer forma” que estou ouvindo?

Suspirei. Queria contar sobre o grifo e a bruxa do metrô. Sobre Merlin. Queria de verdade. Mas poderia exigir que Dianne acreditasse em minhas palavras se fosse verdade que aquelas coisas só apareciam para mim? E, claro, o grifo de bronze pareceu bastante real no momento em que me perseguia, mas será que realmente existiu? Existiu. Murmurou uma parte de mim existiu e quase nos matou. Mas naquele segundo, com Dianne me encarando com curiosidade e um pombo descansando no parapeito da janela tudo aquilo parecia tão... Distante.

– Eu não sei Dianne. É que são tantas coisas acontecendo ao mesmo tempo, eu não sei como –

– Hey – ela interrompeu, estendendo as mãos para segurar as minhas – Eu sei como as coisas podem ser difíceis às vezes. Mas você pode conversar comigo. Sempre, você está cansada de saber. Agora, o que dissemos sobre um segundo café da manhã? Posso não ter os ombros largos ou sorriso hipnotizante de Gwyynn – ela cantarolou, levantando-se do sofá - Mas acho que ainda conseguido fazer ovos mexidos e torradas.

A segui até a cozinha imaginando quantas pessoas tinham a sorte de ter alguém como ela em suas vidas. Também cheguei à conclusão sobre o que havia pensado durante todo o dia: era hora de fazer uma visita a certo mendigo lunático. E se as coisas aconteceriam naquela tarde como eu imaginava também tiraria de uma vez por todas a dúvida de estar enlouquecendo ou não. Não tinha muita certeza de onde encontrar Merlin, mas sabia de um lugar onde começaria a busca. E talvez tivesse mais sorte dessa vez porque seis olhos enxergavam melhor que dois.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

Here u go.
Eu decidi que postaria uma vez por semana, mas como vocês podem ver isso pode levar a capítulos mais ou menos. Não sei se compensa, talvez vocês podiam dar uma opinião e me ajudar a resolver isso? Ou não sei... Enfim. Bjs bjs e até a próxima.

ps. ah, então o dia de O Último Pendragon é domingo, se tiverem curiosidade para saber os dias das outras histórias que ando escrevendo fiquem à vontadji. :)



Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "O Último Pendragon" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.