Jogos Vorazes por Cato escrita por AmndAndrade


Capítulo 13
Capítulo 13 - Urgência


Notas iniciais do capítulo

Esse capítulo é o maior, e o meu preferido! Leiam com carinho!



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Clove está apoiada na lateral da Cornucópia e eu beijo-a desesperadamente quando o hino começa a tocar. E então, como algo sempre acontece para quebrar o momento, a imagem de Marvel aparece no céu. Em seguida, uma garotinha do Distrito 11 que não pode ter mais que doze anos. Marvel a matou.

E o segundo canhão foi pra ele.

Sinto Clove engolir em seco e interromper o beijo bruscamente.

– Uma hora aconteceria – digo, e percebo que estou um pouco rouco.

Ela vira a cabeça para o lado, escapando da cerca de meus braços que a deixava entre eu e a Cornucópia. Cruza os braços e observa o céu com passos lentos, enquanto eu fico ali esperando mais.

Maldita Capital!

Coloco a mão em seu ombro, mas ela não se move. Ela finalmente se vira, com o olhar preocupado.

– Não adianta muita coisa o que estamos criando, a essa altura – ela diz, e eu compreendo na mesma hora. Embora não queira compreender.

Finjo não ter ouvido o que ela disse.

– Vamos dormir. – Puxo-a para o acampamento, que está um pouco mais vazio essa noite. Não quero pensar em quem será o próximo a deixá-lo, embora seja um pouco impossível não fazê-lo.

Sinto que Clove está ignorando – ao menos tentando ignorar – o pensamento pelo modo com que ela se aninha em meu braço para dormir. Está confortável. Não acendemos fogueira naquela noite, limitando-nos a dividir um saco de dormir grande que estava em uma das mochilas que levamos para a mata. A temperatura está confortável para mim e creio que para Clove também. Penso que ela está dormindo quando seu indicador começa a desenhar formas aleatórias em minha camiseta. Coloco o nariz em seu cabelo e aspiro. Não tem cheiro de fumaça nem de morango. Tem cheiro de mata, de natureza. Ela deve ter lavado antes de eu acordar.

Antes de acordar, suspiro e vejo que seu dedo paira no ar enquanto ela espera meu peito subir e descer. Éramos cinco antes de eu acordar. E agora somos dois. Penso em como Glimmer morreu e penso na garota de quem mal lembro o nome – mas acho que é Greesen –, caindo ao ataque das teleguiadas. Penso em quantas lágrimas devem ter se derramado em toda Panem nesses últimos dias. Em cada caixão branco em que uma criança vai ficar pra sempre, graças a mim. Penso em Marvel cantarolando no lago mais cedo, e que agora está indo de volta pra casa. Talvez ele tenha tirado a sorte grande em não ficar pra ver o final dessa bagunça. Talvez...

– Cato – a voz baixa de Clove me tira de meus pensamentos.

– Sim? – respondo um pouco alto demais.

– Não faz sentido que façamos o que estamos fazendo agora. E ninguém vai se lembrar – ela praticamente sussurra a última parte. Permaneço em silêncio. – Mas é importante que o façamos. Porque é uma coisa que ninguém pode fazer por nós.

Tenho a impressão de que já ouvi algo parecido antes. Mas se sim, nunca fez tanto sentido.

– Então... – ela continua. – Não faça o que você fez hoje. Nunca mais.

– Não farei – prometo, apesar de não saber por quanto tempo serei capaz de manter a promessa.

– Não quis gritar com você. – A palma de sua mão agora repousa sobre meu abdômen. Incrivelmente pequena. – Eu só... – Ela olha para o meu rosto. Eu não havia percebido, mas estava olhando pra ela esse tempo todo. – Não entendi. Não entendi você saindo, não entendi alguém fazendo... – Ela escolhe as palavras. – Qualquer maldade com você. Entender até entendi, mas não quis acreditar.

Você não entendeu e eu não suportei.

– Não precisa pensar nessas coisas agora – digo e suspiro mais uma vez. – Entendi o que você quer dizer. Mas agora dorme. Amanhã é um novo dia.

– Certo. – Ela se encolhe ao meu redor, quase como um feto. – Boa noite, Cat Cato.

Observo-a por alguns minutos. Sei que ela já dormiu.

– Boa noite, Cat Clove.

O dia seguinte foi o que mais descobri coisas sobre ela. Limitamos-nos a caçar animais e formar um estoque razoável de comida, com direito a frutas e raízes. Seu pai tem uma espécie de marmoraria e sua mãe dedica o tempo que tem a Mart. O dia se esvai e a noite começa a cair. Enquanto cozinhamos um coelho na fogueira, falamos sobre casa. Ela começa a dizer qualquer coisa e em seguida para, observando o fogo como se ponderasse sobre falar ou não.

– Que foi?

– Nada. – Está claramente mentindo.

Não quero parecer infantil, então simplesmente dou de ombros. Mas o silêncio que se segue é desconfortável.

– Qual a coisa mais idiota que você já fez? – rompo o silêncio, surpreendendo-a. Uma outra coisa que aprendi nesse tempo é que se você não falar, ela não fala.

A não ser que esteja irritada. E quando ela está irritada, ela fala muito. Até demais.

– Quando eu tinha uns doze anos – diz depois de alguns segundos – morávamos ao lado de uma mulher que tinha um papagaio verde muito bonito. Muito bonito mesmo. Ele vivia em cima de um coqueiro, mas certo dia empoleirou-se em cima do muro. Eu juro que achei que ele estava preso! – Ela sorri e eu me sinto idiota por querer encaixar o indicador em suas covinhas. – Então peguei a vassoura com o intuito de colocá-lo de volta no coqueiro. Mas acabei derrubando o papagaio no quintal da outra vizinha.

– E por que isso foi tão idiota? – pergunto.

–Porque a vizinha tinha dois cachorros enormes. – Ela sorri. – Pobre papagaio.

– Ela deve estar escutando você dizer isso agora. – Sorrio para ela.

– Sim. Deve me querer morta nessa arena! Desculpe, senhora Dailly! – Ela inclina a cabeça pra trás quando ri, mas sei que não estou sorrindo.

Não, Clove. Ninguém poderia querer isso.

– E a sua coisa mais idiota?

– Uma vez coloquei fogo em casa – digo, e me lembro instantaneamente dos Doze. É provável que o Conquistador tenha morrido enquanto estive apagado, uma vez que enfiei a espada num lugar bom. – Queria brincar de bombeiro e ao colocar fogo num sofá, o fogo se espalhou pela casa inteira. Caius quase me matou, já que eu estava sob sua responsabilidade enquanto minha mãe fazia compras.

E então noto que ela se enrijece quando eu o menciono.

– Era dele que você queria perguntar, não é? – digo sem pensar.

Ela baixa os olhos. Está claramente envergonhada.

– Ele era seu irmão, não é?

– Ele é meu irmão – corrijo, num tom ríspido que não consigo controlar. Vejo que ela está ainda mais envergonhada.

– Que falta de tato. Desculpe.

– Ele deveria ser um Carreirista – ignoro sua fala e prossigo. – Mas não quis jogar. E se não quis jogar, não quis mais viver – completo, encerrando o assunto.

– Desculpe por ter gritado com você naquela noite – ela diz.

– Clove, uma coisa não tem nada a ver com a outra. Quando eu achei Caius pendurado nos fundos da nossa casa, eu sabia que a culpa não era de ninguém mais. Não era dele, também. É diferente de eu ter cegado seu irmão...

– Não estou dizendo que é igual – ela me interrompe. Odeio quando ela faz isso. Estou olhando fixamente para o coelho que está quase passando do ponto quando ela contorna a fogueira para se ajoelhar na minha frente. Evito olhar para ela. – Estou dizendo que agi de forma impulsiva quando despejei tudo em cima de você. Sinceramente, eu me senti ferida quando vi o estado de Mart. E eu não me importava com você até aquela noite. Até pensar no quanto teria me doído se o mundo o tirasse definitivamente de mim.

– Por que diabos você está fazendo isso, Clove?

– Porque agora eu me importo. Importo-me sobre ter sido tão grossa e não quero que você se sinta culpado mais. Agora que te conheço melhor, voltaria no tempo se pudesse. E não gritaria de novo.

Em certas circunstâncias, ela está certa. Mas tenho minhas dúvidas em relação a cegar Mart se pudesse voltar no tempo. Se não o houvesse feito, não teríamos a relação que temos hoje.

– Eu gostaria que você gritasse – deixo escapar antes que possa me conter. Cale a boca, Cato.

Há algo mais, algo que ela não diz. Sei que isso não é apenas um pedido de desculpas, sei que não é apenas uma análise filosófica aleatória. Estou feliz pelo modo com que estamos nos relacionando agora, mas tenho plena consciência do quanto isso é errado. Do quanto ter dois vencedores é impossível. E obviamente do quanto Clove tem que estar morta para que eu vença, e o quanto eu tenho que estar morto para que ela vença.

Ela sorri com tristeza e percebo que entendi certo. Ficamos nos encarando mais uma vez. Por que diabos eu não consigo encará-la por mais de um minuto sem sentir um impulso de agarrá-la? Ela me encara, os olhos vagando entre minha boca, meu tórax e meus olhos. Penso então em como será difícil despedir-me depois. Seja por bem ou por mal.

– Vou buscar algumas coisas na Cornucópia – digo, apenas como pretexto para me afastar. Quando estou dentro do chifre gigante, olho pra trás e vejo que ela ainda está na mesma posição, sentada sobre as pernas em frente à fogueira.

Bebo um pouco da água que purificamos mais cedo e despejo o conteúdo das duas mochilas no chão. Separo ovos, raízes, frutas e caça em pilhas diferentes. Em seguida ajunto tudo mais uma vez. Separo-os como aprendi na Academia – em ordem de essencialidade. Ajunto mais uma vez. Esse é um daqueles momentos em que alguma coisa te chateia e sua mente consegue manter o pensamento afastado caso você esteja fazendo qualquer outra coisa. Como cantar, por exemplo.

Ou separar alimentos, eu penso e enfio tudo de volta nas mochilas.

Está escuro quando a insígnia aparece no céu e o hino começa. Não há mortes hoje.

Óbvio que não.

Clove está absolutamente quieta do lado de fora. Possivelmente pensando. Eu nunca tive problemas com garotas. Sempre as tive quando quis, mas minha vontade nunca pareceu errada como parece agora. Também nunca me senti ligado a nenhuma delas como me sinto ligado à Clove. Nunca me preocupei com elas como quando me preocupei quando a vi caída entre as chamas, ou quando vi seu saco de dormir vazio.

Não quero matá-la, mas me sinto extremamente egoísta ao pensar que não seria tão ruim se alguém o fizesse por mim. Seria pior.

E então, os trompetes tocam e sou retirado de meus próprios pensamentos. É a voz do lendário locutor, Claudius Templesmith. Imagino que alguns tributos estejam com dificuldades de comida e ele vá nos convidar para um ágape, um “presente” dos Idealizadores que seria um banquete em algum lugar dali – o que não passa de uma desculpa para unir todos os tributos em um lugar para criar um conflito.

– Minhas sinceras congratulações aos seis tributos que restam! – Pela primeira vez em minha vida sinto nojo de sua voz. – Houve uma pequena mudança nas regras. De acordo com a nova regra, dois de vocês poderão ser declarados vencedores caso pertençam ao mesmo distrito. – Ele diz e sinto como se o mundo parasse. Reteso o ar em meus pulmões e é como se Claudius soubesse, uma vez que dá uma pausa pra que eu possa absorver a novidade. – Exatamente, dois de vocês poderão ser declarados vencedores se pertencentes ao mesmo distrito.

Os trompetes tocam mais uma vez e a voz desaparece, me deixando sozinho e um tanto perplexo. Ambos os tributos podem sobreviver. Se do mesmo distrito. Se vierem do Distrito 2. Como eu e Clove.

Clove.

Antes que eu recupere a respiração e me levante por completo, ela está na entrada do chifre. Sua respiração está ofegante e ela me encara com o mesmo choque nos olhos. Sua bochecha está corada e seus olhos fixam os meus por breves segundos, comprovando mais uma vez que não consigo encará-la por muito tempo sem o impulso de querer agarrá-la. Quando ela fala, sua voz está rouca.

– Você ouviu o que eu acabei de ouvir? – diz.

E antes que eu me dê conta, estou puxando-a para dentro da Cornucópia e desabotoando sua jaqueta.




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Notas finais do capítulo

Gente, aproveitando o final do ano e o natal, vocês podiam me dar uma recomendação né? HUAEHAUHEUAHEAU Que cara de pau! Pleeeeease?? (gatinho do Shrek)
HÁ! O PRÓXIMO CAPÍTULO VOCÊS VÃO AMAR!
Feliz ano novo o/ até ano que vem!!