A lua cheia iluminava o mar, que agora estava calmo, com ondas pequenas e brisa leve.

Do bote onde eu estava sentada, brincava com parte da minha cauda na água, enquanto respondia a uma enxurrada de perguntas dos marujos.

-Deixe-me ver se eu entendi; você não afunda navios ? Nem os pequenos ?-Thomas perguntou novamente

-Pela milésima vez, não. -respondi, revirando os olhos

-Mas consegue se quizer, não é ? -perguntou Antonny curioso

-Sim, mas não como nas histórias. O que eu faço é apenas prender a corrente do timão, fazendo-o bater em um recife e afundar- respondi

-Legal -disse Thomas sorrindo, escutando atentamente o que dizia

-Mas e aquele mito de que sereias pelo canto podem atrair os marinheiros para a morte ?-perguntou Lucius

-Isso não é verdade, é apenas histórias que marinheiros inventam...

-Então sereias não cantam ? -Jasper perguntou curioso

-Claro que cantam, apenas não do jeito que imaginam. Sereias viajam junto com grupos de baleias, e precisam se comunicar com elas, por isso “cantamos” por assim dizer, mas não é bem um canto...-expliquei

-Mas cante para nós mesmo assim -Jasper pediu

-Não, nem pensar -neguei

-Não teremos outra oportunidade como essa de ouvir uma sereia de verdade cantar, então cante -Antonny insistiu, juntamente com os outros, com exceção de Richard, que estava sentado sério em um canto, fitando o horizonte.

Era evidente que algo perturbava ele, inicialmente eu pensava que era o fato de ter perdido o navio e todas as riquezas, mas não era somente aquilo. Algo no comportamento do capitão era estranho, afinal, quando estava á bordo do Libertá, todos tinha medo dele e ele liderava com pulso firme os homens e a embarcação, agora no entanto, parecia estar completamente fora de seu ambiente, como se ao perder o posto que ocupava, havia perdido também parte de quem era.

-Não, eu já disse- neguei após eles insistirem novamente

-Se acabarmos morrendo á deriva no mar, você se sentirá culpada pelo resto da vida por não atender nosso último pedido...- disse Jasper

-Ninguém vai morrer. Pela manhã eu irei procurar outro navio, e guiar vocês em direção a ele, tudo dará certo, ninguém morrerá e em decorrência disso eu não precisarei cantar -disse decidida.

-Se você não cantar, nós vamos. -disse Antonny em tom de ameaça

-Isso era para ser uma ameaça ?-indaguei rindo

-Pode apostar -Lucius afirmou

-Então podem cantar vocês, porque eu não vou. -cruzei os braços

Antes que os quatro pudessem começar cantar algo, Richard os interrompeu irritado:

-Por acaso os senhores acham que isso aqui é um tipo de brincadeira ?! Nossa situação é bem séria e vocês ficam aí como se estivessem aproveitando a noite em um cruzeiro !- o capitão exclamou

-Por acaso ficar nersovo e descontar sua frustação em nós mudará nossa situação para melhor ?-Jasper indagou desafiador, fitando-o -Foi o que eu pensei...-ele disse, após Richard não responder

-Não me teste, Jasper ! -Richard exclamou irritado -Eu ainda sou o capitão aqui !

-Seu navio afundou, juntamente com seu posto -ele revidou -Você não passa de mais um homem aqui dentro...

-Os dois parem com isso !-disse Antonny sério- O que menos precisamos agora é desentendimentos

-Se não fosse por nós, você estaria morto agora! -Jasper exclamou, ignorando Antonny

-“Nós” ?! não existe “nós”. Solara me salvou e devo isso a ela, somente. Pelo contrário do que pensa Jasper, você não a controla, ela não é a sua “sereia particular”, que me salvou apenas porque você mandou ! Ela fez isso porque quiz ! E você sabe muito bem !

-Quem dera se ela não o tivesse salvo ! Você merecia estar morto agora ! É um homem cruel e um capitão pior ainda !- o pirata o acusou

-Ah, então agora eu sou cruel ?! Na hora de você aproveitar as riquesas que pilhavamos dos navios quando trucidávamos todos os homens á bordo, eu era um bom capitão, agora de repente não sirvo mais para liderar ?

-Não posso dizer pelos homens aqui, mas posso falar por mim mesmo ao dizer que nunca concordei com as matanças

-Deixe de ser hipócrita, seu verme imundo ! Você estava no navio, e somente por estar lá você concorda ! Por acaso antes de embarcar, você desconhecia o que fazíamos ali ?! Acredito que não... -Richard exclamou, nervoso -Eu não me arrependo de nada que fiz até hoje, e sei que os outros também não...mas e você Jasper, se arrepende ? Daria sua vida para trazer de volta qualquer um que já matou ?

-Não, não daria...-Jasper disse sério -Mas voltaria atrás se pudesse.

-Para que tudo isso, Jasper ? Para impressioná-la ?- Richard riu debochado, apontando para mim-Pergunte a si mesmo por que de todos os navios no mar, ela seguia logo o Libertá ... Por que ela nos salvou mesmo sabendo que não éramos os melhores homens que já navegaram nessas águas, e o mais importante, por que se arriscou a ser morta ao nos ajudar...

-O que está querendo dizer ? -indagou ele

-Pergunte isso a si mesmo...- capitão disse com um sorriso irônico, cobrindo o rosto com o chapéu para descansar.

Richard percebia que eu não me importava que eles eram piratas, na verdade, até atraia-me este fato. Mas Jasper no entanto, parecia querer se redimir por ser um. Não que eu fosse contra isso, mas apenas achava que ele estava tentando ser alguém que não era.

Acredito que o que Richard queria dizer, era que o que nos fazia tão próximos, era a crueldade que os movia que parecia me fazer querer ficar perto deles. Pode ser até contraditório, mas ele tinha razão. Esses piratas tinham alguma coisa que parecia me fazer querer ficar perto deles, em especial o capitão.

Os outros homens ficaram em silêncio em seguida, sem dizer mais nada, até Richard tomar a palavra novamente:

-Sabe de uma coisa, Solara ? -ele começou, levantando o chapéu e me fitando com o canto dos olhos -Eles tem razão em pedir para ouvir sua voz. Por que não canta para eu ouvi-la e dizer se é tão bela quanto eu acredito que deva ser ? -o capitão sorriu de lado, fitando-me

Pensei por alguns segundos, antes de assentir com a cabeça. Me sentia com vontade de atender ao seu pedido, não sabia ao certo porquê, mas queria cantar para ele.

-Pois bem, mas devo avisar que não faço isso há muito tempo...-os alertei

-Não importa, quero ouvi-la de qualquer maneira -Richard insistiu, lançando-me um sorriso

Jasper não gostou, fitando-me sério sem dizer uma palavra.

-Está bem...-concordei, não dando atenção ao seu olhar repreendedor, e começando uma melodia em seguida.

Ela era um canção triste, não tinha letra, porém fluía de forma melancólica conforme o tom da minha voz. O capitão não tirava os olhos de mim, enquanto eu cantava cada nota. Os marujos, pareciam impressionados, fitando-me com olhos atentos, assim como Jasper, porém ele mantinha seus olhos sérios nos meus. Eu desviava o olhar, tentando fazer com que os nossos olhares não se encontrassem, mas era inútil. Quando finalmente terminei a melodia, o capitão foi o primeiro a fazer um comentário:

-Como eu imaginei...linda. -disse Richard sorrindo, revelando seus dentes de ouro.