Final Destination 4: Case 180 escrita por VinnieCamargo


Capítulo 9
Capítulo 9


Notas iniciais do capítulo

Enfim, aqui estou.
The end is coming.
Não sei quando o próximo capítulo sai.
Estou adorando todos os reviews.
Leiam e comentem.



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São uma e meia da tarde. Resumindo: vim até a escola esperando faiscar um tipo de flashback nostálgico e não consegui.

Pois estou atormentado demais com o que estou vendo. Emery quase morreu com os pulsos cortados numa máquina estúpida e Carol a salvou. E isso injeta no meu sangue mais uma dose de morte, listas e destino.

Emery pode estar viva. Espero que eu descubra isso logo.

Eu quero ir embora. O pensamento de ir embora, estar em casa, atinge minha testa como um dardo. Não tem conversa, não tem jeito, preciso ir embora.

Um pedaço grande da minha mente quer fazer tudo isso ir embora.

Às vezes me pergunto se isso tudo seria mais fácil para Carol ou Will. Na realidade alternativa em que um deles vive, e eu e outro alguém está morto...

E talvez, mesmo se Emery não tivesse a visão, Carol sobreviveria.

Mas infelizmente, por mais que eu me esforce, eu não consigo esticar essa minha linha de raciocínio em que Carol sobrevive sem a intervenção de Emery.

Merda.

Guardo o notebook na mochila e desço as arquibancadas com pulos cuidadosos. Está começando a ventar e eu sei, é apenas o começo da chuva. É mais uma tarde chuvosa em São Paulo.

Atravesso o pátio e de relance observo alguém sumindo na entrada da escola. Lanço outro olhar para o estacionamento e vejo um carro diferente ali. Bom, tem mais gente na escola. Melhor eu dar o fora o quanto antes.


XXXXXXXXXXXXXXXX


Ergo o braço esquerdo e aceno. Checo novamente o letreiro do ônibus e tenho a certeza que preciso que esse é o ônibus que vai me levar de volta pra casa.

Minha casa não é muito distante daqui. Mas eu realmente não quero tomar chuva. E eu também não quero molhar e consequentemente queimar o meu notebook.

É uma vontade, um medo estranho, daqueles que não fazem sentido no meio do caos, mas o que eu posso fazer?

O motorista acena e para no ponto. Eu subo no ônibus e saco duas notas de dois reais amassadas no fundo do bolso da minha calça. Então eu pago o cobrador carudo e dou uma boa olhada nos assentos a escolher.

O ônibus está vazio. Ah, isso é ótimo. Acho que a televisão faz as pessoas acreditarem que os ônibus em São Paulo se movimentam com pessoas penduradas nas janelas e se equilibrando no teto, mas isso não é tão verdade assim.

O ônibus começa a se movimentar, e esse sou eu, o cara alto e desgraçado, mochiludo e pernudo que não sabe andar num ônibus em movimento.

Aos pulos e tropeços, desabo sentado num banco vazio. A senhora do banco de trás me lança um suspiro indignado e volta a olhar pela janela.

Acho que estou visivelmente horrível.

Tiro a mochila e coloco-a no meu colo. E numa imitação perfeita da senhora de trás, eu exprimo um olhar indignado pra vida e olho pela janela também.

Gotas de chuva deslizando pelo vidro não fazem nada além de acentuar a tristeza que paira sobre o subúrbio melancólico que estou atravessando. E é um dia muito calmo, por sinal.

Um dia muito calmo para os paulistanos.

No fundo eu sei, minha mente está devastada, mas totalmente preparada e vacinada para mais um tipo de surpresa sádica por hoje. Estarei pronto se esse ônibus resolver fazer um looping.

E nessa esperança doce e violenta, eu suspiro.


XXXXXXXXXXXXX


São três da tarde agora.

Não, eu não sou um relógio. Apenas estou um pouco preocupado demais com o tempo.

Oh, o tempo. Tão sem controle. Tão imprevisível.

Tão rápido.

Sem controle e rápido podem significar quase a mesma coisa, se ambos forem considerados por um ponto de vista similar ao meu. Não ter controle e ver ou acompanhar as coisas acontecendo rapidamente simplesmente se encaixam num tipo de esquema na minha mente.

Acho que Carol precisou ter muito saco pra aturar alguém como eu.

Estou sentado na minha cama. Ouço minha mãe – de fato tagarelando com as amigas – no andar inferior de casa.

Está chovendo pouco lá fora, vejo da minha janela. E eu ainda não estou pronto pra continuar o footage.

Estou tendo um tipo de ideia estúpida na minha mente e não consigo afastá-la. Acho que vou ter que embarcar nessa ideia. Sim.

Embarcar numa ideia é uma expressão estúpida.

Estou apenas esperando o led alaranjado do meu notebook ficar verde para indicar que a bateria está completamente carregada, pra dar o fora de casa novamente.

Com meu carro.

Estou ansioso. Estou morrendo de ansiedade, e isso é comum em qualquer pessoa. Parece um livro de suspense que você morre de ansiedade e quer ir até o final. É tipo um filme...

Basicamente é um filme.

Eu me prometi que não iria repensar em um fato. Mas simplesmente não resisto em repassar essa teoria súbita.

E se isso for um projeto de Rafa? Rafa já havia aparecido com projetos de curtas antes, inclusive havia até gravado algumas coisas com Will. Talvez Rafa tenha aproveitado o gancho da explosão pra bolar um tipo de história de terror.

E se no último DVD, Rafa entrar numa casa e todos os mortos se levantarem sorrindo, revelando que isso tudo que eu vi é falso?

É uma esperança, não é? A parte das janelas se abrindo com o vento não faz sentido.

Não que o resto faça, mas pelo menos o “resto” tem um tipo de explicação mais plausível.

Não.

Pois eu realmente não ouvi falar de mortes estranhas nos últimos dias. E eu saberia.... E Carol não me contou nada e...

Ah, estou overthinking.

De fato eu gostaria que isso fosse verdade.

Mas a alegria da verdade não seria suficiente pra amenizar o meu estado de putez com a vida.

Aliás, mesmo se todas essas mortes forem fakes, qual será o sentido de ficar feliz se eu enterrei Will e Carol? Se as pessoas que mais me interessam... estão definitivamente mortas?

Tento me distanciar do pensamento que me conduz a um nível de loucura onde o funeral foi falso e que o mundo está me enganando.

Estou overthinking demais.

A luz do led deixa o tom laranja e acende num verde.

A bateria está pronta.

Eu também.


XXXXXXXXXXXX


Fiz um trajeto longo em 50 minutos.

Não quero precisar assistir a isso quando a noite cair.

Não quero chegar à parte em que Carol morre no vídeo com a lua lá fora.

Isso pode soar poético num nível dramático, ou fresco num nível primitivo, mas a verdade é que eu sou um banana. E pela primeira vez em anos, estou com medo da noite.

A chuva parou.

Estou no local onde o clube costumava ficar.

Essa era a ideia insana que tive e estou fazendo valer.

Não estou me arrependendo, só estou com a sensação de que não precisava ter vindo até aqui para continuar os DVD’s.

Deus... Esse terceiro DVD vai levar a vida inteira pra acabar...

Tudo que posso ver são escombros. E não, nenhuma viga enferrujada, nenhum pedaço de concreto, nenhum tijolo quebrado reproduzem os ecos da morte que talvez uivem pela noite.

Ouço um silêncio mortal.

Achei que já tinham limpado isso aqui. Deus, isso aqui não traz nenhum tipo de lembrança horrível pra vizinhança? Para as pessoas que passam aqui diariamente? Prefeitura de São Paulo... caramba vocês.

Ainda sinto o cheiro da fumaça. Ele está bem escondido, atrás de camadas de poeira, cinzas, de chuva e de sol que os dias trouxeram e levaram, mas ele ainda está aqui e ainda pode ser sentido. Quase como estivesse lutando pra sobreviver.

Mas por quê?

Há um canto do clube que costumava ser o bar. E por mais estranho que pareça, ele ainda está inteiro com um telhado bonitinho. E é pra lá que vou acompanhar o fim do terceiro DVD.

Pelo menos esperar que ele acabe.

Estar aqui pode soar imundo. Estar aqui pode soar inútil. Estar aqui pode soar um tipo de automutilação.

Mas foda-se, o cérebro é meu e eu faço dele o que eu quiser.

Sei que estou me arriscando. Sei que se existe uma fita amarela indicando “se afaste”, significa que você deve se afastar. Mas também sei que não estou em nenhum tipo de lista da morte.

Retiro meu notebook da mochila e com a outra mão dispenso o excesso de cinzas sobre o balcão.

Aqui vamos nós.


XXX


Há um clarão muito distante. É um clarão contínuo. A câmera tenta tenta e tenta obter o foco e me revela um abismo muito alto. Um abismo de vento... Distante no abismo, eu vejo o topo de prédios residenciais e ao horizonte existem muitas montanhas.

E o clarão distante não é nada além do sol.

E num estalo, minha mente reconhece o local.

É o pico gelado.

O pico gelado é um local para turistas, mas não descrito como tal pois é proibido.

Mas você não pode viver no meu bairro sem ir ao pico gelado.

O pico gelado cheira a eucalipto, e é um cheiro maravilhoso.

É um tipo de ritual, um point obrigatório. É uma montanha muito alta que fica localizada na parte mais desabitada do meu bairro. Contudo, do pico gelado você pode ver muito além do meu bairro. Você pode ver o horizonte.

E não importa o quanto sua vida esteja uma merda desgraçada, você vai se sentir vivo e livre no pico gelado.

Não é tão gelado como o nome indica. Não é tão pontudo como um “pico”. É apenas um grande abismo que alguém com titica na cabeça achou que o nome combinava.

A montanha é rodeada por árvores e plantações, mas existe uma estrada de terra muito íngreme feito pelos carregadores de eucalipto que sobem e descem a montanha de minuto em minuto em época de corte de madeira.

Não é um local perfeito pra sociedade. Ele é perigoso, pois não possui cercas. Um escorregão vadio e você cai e morre. Alguns jovens sobem para usar drogas, pois simplesmente estão noiados demais pra procurar outro local pra fumar que não seja a esquina de casa em que podem ser flagrados pelos pais.

Mas todas as vezes que subi com Will e Carol, foi pra comemorar alguma coisa.

As matrículas na faculdade. As boas notas nas provas do governo. Meu carro.

E de fato eu entendo porque o grupo esteve lá.

Eles precisavam sentir-se bem.

Eles...

Droga, eu me lembro, eu estive lá. Eu estive lá nesse dia... Mas Rafa não estava gravando... Ou estava?

Rafa não costumava ir com a gente. Na verdade ele nunca tinha ido, pelo menos quando estive junto... Provavelmente.

A imagem do abismo para de se mexer repentinamente e percebo que a câmera foi posicionada no chão, ao lado de Rafa.

Eu apenas sei que Will e Carol estão ali.

- Eu salvei Emery – Carol diz num suspiro nervoso. - Ela ia ter o braço cortado, sei lá...

- Sim, você a salvou. – Rafa diz, e eu vejo uma nuvem de fumaça se distanciando do local em que Rafa está. Ele estava fumando, e a cada detalhe que a câmera me revela, eu me lembro de mais e mais como foi. – Mas salvar alguém não interfere na lista. Eu li sobre isso. Apenas passa para a próxima pessoa...

- E quem é a próxima pessoa? – Will pergunta.

– Pode ser um de nós. Pode ser aquela... Angela.

Sim. Tem aquela Angela. Tinha me esquecido totalmente.

Carol suspira profundamente.

- Se a gente escapar disso, - Rafa diz – tenham certeza de que vai virar filme.

- Ah, - Will exclama irônico, - eu adoraria ver pessoas conhecidas morrendo num vídeo...

É o que estou passando agora, Will.

- Sinopse boba, - Carol diz de canto.

- Na verdade,– Will volta, - eu ainda não sei... como é que não pensaram nisso antes? Seria divertido.

- Bem do tipo que o Vini iria gostar, - Rafa completa.

É Rafa, estou absolutamente adorando.

- Falando no Vini,– Carol diz – ele deve estar chegando.

Carol havia me ligado naquele dia. Ela disse que queria colocar a conversa em dia, pois não tínhamos nos encontrado muito após a noite do acidente.

E então eu peguei meu carro e fui. E definitivamente, ela não me botou a par de todos os detalhes dos últimos dias.

- E então, - Will diz, - vai contar pra ele ou não?

Um silêncio da Carol.

- Eu tenho medo de acabar colocando ele no meio da – ela para, incapaz de falar – da coisa.

- Eu concordo com você,– Rafa diz.

Você não concorda em nada Rafael.

- Sabe,– Carol diz, - eu pensei de vir aqui pois só tenho memórias boas desse local. E eu sei que quando eu fico triste, eu me lembro de algo bom e a... a dor melhora.

- E está funcionando? – Will questiona.

- Pra você está? – ela questiona de volta.

Presumo que Will balançou a cabeça negativamente.

- Também não, - Carol diz desanimada. – Mas Vini vai chegar em breve, quem sabe ele não ilumine meu humor.

- Ah, – Rafa exclama, - o amor! Pra que se preocupar com a morte, você tem o amor do Vini no coração!

Carol ri meio descrente com tudo.

- Cale a boca, - Will diz rindo. – Você é só um ciumento do caralho.

- Vela eterna, acho que o ciumento aqui não sou eu... – Rafa diz maliciosamente.

Will e Carol? Minha mente faz as contas num borrão. No way.

- Como assim? – Will exclama. – Cara, ela é quase minha irmã. Ela é tipo minha cunhada.

- Estou brincando,– Rafa devolve. – Só brincando.

Ouço um som de motor roncando e meu coração reconhece aquilo como meu. É o motor do meu carro.

Estou chegando.

Sim, estou chegando.

- Rafa,– Carol diz baixinho, - desliga.

- O quê?

- Desliga.

Eu não entendi esse lance da Carol. Mas a expressão dela deve ter sido muito convincente, pois a tela escureceu.

E Rafa realmente desligou a câmera.

Pause.


E agora que não estou mais assistindo, posso me lembrar com clareza.

Eu desci do carro e andei calmamente em direção aos três. Que sorriam. Acho que se eu soubesse do sofrimento dos três no dia em questão, eu choraria.

E então eu sentei do lado de Carol e a beijei. E foi um beijo longo e intenso, que só terminou quando Will e Rafa começaram a jogar pedrinhas na gente. Os cabelos loiros dela balançavam docemente com o vento.

E então eu perguntei como cada um estava indo. E eles me disseram que estavam bem, além da explosão. E eu não percebi que eles estavam horríveis por dentro. Estavam machucados e desconsertados.

Não percebi que havia algo além da explosão.

Rafa parecia o mais brilhante de todos. Ele ainda mantinha aquele olhar vitorioso que sempre carregou no ensino médio. Aquele olhar bem-sucedido e curioso, como se estivesse pensando quais ângulos de câmera usaria quando fosse filmar uma cena do tipo em um futuro filme. E pelo que assisti até agora nas filmagens, Rafa foi o cara que mais sofreu.

Chuva de sangue.

Will estava pensante. Will costumava falar muito mais do que eu, mas quando resolvia ficar pensante, ele apenas ficava. Era um tipo de crosta, um manto que ele carregava sobre si de vez em quando e parecia incapaz de ser tirado. Ele olhava para o abismo consecutivas vezes, e eu achei que fosse um tipo de nervosismo pós-explosão. Mesmo isso acontecendo alguns dias depois. Agora me dou conta que talvez Will estivesse pensando em se jogar? Pensando no que poderia fazer com o tempo que lhe parecia escasso?

Carol parecia conformada. Ela concordava o tempo todo com o que eu estava dizendo, e isso me machuca muito agora. E relembrar do olhar dela naquele dia... está dilacerando a minha camada de gelo.

- Você tá linda, - eu tinha dito.

- Eu tô nada, - ela sorrira balançando a cabeça, - eu estou com olheiras.

E fazer isso não é parte de mim, mas eu lembro que encarei o rosto dela e não vi olheira nenhuma.

- Pare de procurar minhas olheiras! - ela havia exclamado.

- Eu não achei nenhuma - eu dissera sem pensar.

E ela sorriu concordando.

Dou conta agora de que Carol me ligou naquele dia esperando que eu fosse lá e entendesse. E perguntasse o que estava acontecendo.

Quero morrer.

E então eu perguntara algo assim: “animados pra faculdade?”.

E ambos os três responderam que sim.

Rafa foi o menos entrosado na conversa seguinte, mas estava empolgado em nos ouvir. Agora o mais engraçado foi, sem dúvida alguma, Will.

E ficamos discutindo sobre como iríamos nos encontrar várias vezes durante as aulas. E sobre como iriamos ficar enjoados de ver nossos rostos. E discutimos sobre as inúmeras horas que passaríamos juntos gravando filmes e fazendo projetos.

E de como o futuro poderia ser maravilhoso para os quatro.

E estou triste e feliz agora, pois falar do futuro os fez rir. Pois eles também acreditavam naquele futuro que estávamos comentando. Eles se divertiram imaginando o futuro.

E nunca irão vivê-lo.

Acho que ser condenado a viver um futuro esquartejado é minha sina atual.

Aí Rafa começou a me dizer sobre um projeto de filme, Carol chutou a perna dele, e eu só entendo o motivo agora. Ela ficou com medo de que ele me contasse aquilo que eles estavam passando como um filme. Então Rafa desviou o assunto e me contou sobre uma sinopse de um roteiro que estava pensando em começar. É um pós-apocalíptico bem original, e Rafa disse que gostaria que eu ajudasse na caracterização e ação.

E Will nos repetiu como ele odiava o cinema brasileiro e pretendia revolucionar com seu estilo próprio de comédia. O estilo de comédia de Will é similar a de um nerd americano que conseguiu pegar a medida certa de cada subgênero do underground do humor. Contudo, Will é brasileiro. Morou nos Estados Unidos, mas é muito brasileiro e também entendia as ironias tristes da população. Morar num país rico e morrer de fome. Coisas do tipo. Will sabia censurar. Sabia dosar. E era ele quem iria revisar nosso roteiro. Ele é que iria matar os clichês idiotas com seus diálogos originais.

Carol me contou sobre seus planos com fotografia. Ela iria pedir dispensa das aulas de fotografia da faculdade e iria começar outro curso avançado na área. Ela iria estudar os esquemas, as cores, os quadros, internas e externas, e disse que traria tudo aquilo que aprendeu por fora para o filme pós-apocalíptico de Rafa.

Carol sempre foi uma mulher muito a frente de seu tempo. Hoje em dia as mulheres estão totalmente em alta, eu admito, mas Carol era muito mais do que aquilo.

Ela sempre soube o limite entre ser mulher e o feminismo exagerado. Ela se vestia de seu próprio jeito, ouvia suas bandas, vivia como queria, e aquilo a separava de todas as outras garotas do mundo.

E ser diferente estava no sangue dela.

Ser diferente era uma grande parte do que a mantinha viva.

E foi isso que me fez apaixonar perdidamente por ela. E vice-versa, pois sou tão diferente quanto ela. Tão incomum. Tão raro.

Estou sorrindo feito bobo relembrando de tudo isso.

É, acho que posso morrer agora.

Mas eu falhei. Carol e Will falharam. Rafa falhou. E não importa o tanto de memórias boas eu tenha daquele dia, o martelo da dor sempre voltará e irá socar a mesa. Irá tirar tudo do lugar. Irá me ferrar.

Sinto minha camada de gelo derretendo. Ela está indo embora. E eu estou ofegante e abismado com minha capacidade de me agarrar nos poucos vestígios que sobraram dela.

Acho que sou forte demais.

E o que dói agora no meu peito, é que Carol não derrubou uma lágrima naquele dia.

E droga Carol, por que você não fez isso?


XXXXXXXX


Seco rapidamente as lágrimas que vieram. Retomei meu controle. Ainda preciso ser forte. Ainda preciso terminar tudo isso.

Play.

A câmera foi ligada num infravermelho. Está no chão novamente. Está de noite. Milhares de insetos estão zumbindo.

Seja o que for, estou vendo tudo verde. Existem dois olhos viciosos e brilhantes na câmera – queimando na minha alma, - e eu sei que é Carol com medo. A expressão de medo presa na luz da lente da câmera.

- Estou com medo Rafa, - Carol sussurra.

- Vamos tentar... – ele diz.

Existe uma pá. Existe um buraco no chão e um monte de terra amontoada num canto.

- Então vai você primeiro, - ela diz soluçando agora.

E isso corta outra fatia do meu coração.

- Tudo bem, - ele concorda com a voz trêmula. – Will, você me desenterra depois de dez segundos, tudo bem?

- Tudo ok,– Will concorda solene. Fora do frame também.

E eu me dou conta de que Rafa acabou de pedir para Will desenterrá-lo. Que merda é essa?

É outra tentativa de escapar da morte. Pois o lance do ritual não funcionou, eles tiveram certeza com a quase morte de Emery.

Mas que raio de tentativa é essa?

Minha mente encontra um tipo de sentido naquilo. Apenas mortos são enterrados. E se alguém é enterrado... e depois desenterrado... basicamente...

Rafa,

Você, ou seja quem for que te passou isso, forçou a barra. Forçou demais.

Eu sei que nem Rafa, nem Carol e nem Will morreram aqui. Mas ver isso... acaba comigo. Esse foi outro risco enorme. Entregar a vida de bandeja para a morte... Eles pensaram nisso?

Eu não tenho ideia de onde seja esse local. E eu respiro, tentando me acalmar.

Carol levanta-se do chão e afasta-se do local. Rafa suspira e entra no buraco.

- Eu não vou ter coragem,– Will diz soluçando. – Eu não vou ter coragem.

Eu não teria coragem, Will.

- Eu preciso de você aqui, - Rafa diz. – EU PRECISO! Pois eu não quero morrer aqui! Amanhã vamos encontrar a outra garota...

E essa garota é Angela.

- Tudo bem... – Will suspira.

Tudo bem? Tudo bem Will?

Carol começa a se afastar.

- Não Rafa. Sai daí!

Rafa começa a deitar-se no buraco. Agora ele desapareceu de vista.

Sim, isso está acontecendo.

Will pega a pá do chão com uma dificuldade aterrorizante. E tão lentamente, ele enfia a pá no monte de terra. E retira a pá com uma quantidade média de terra.

- SAI DAÍ RAFA! PARA WILL! – Carol está gritando.

E há um novo tipo de terror na voz dela. Eu nunca a vi assim antes...

Repentinamente, há um clarão no rosto de Will. E ele congela como se tivesse visto um fantasma.

- Merda! – Carol grita e desata a correr, saindo do frame.

- CORRE RAFA, CORRE! – Will joga a pá longe e limpa as mãos na roupa, decolando também.

- QUE MERDA VOCÊS ESTÃO FAZENDO AÍ? – Uma voz potente irrompe do meio do nada.

Rafa levanta-se do buraco num desespero mortal.

- AH... – a voz potente repete e praticamente desaba na palavra, e eu acredito que seja quem for, desmaiou ao ver Rafa levantando do túmulo.

Rafa agarra a câmera num gesto desesperado. E eu não vejo totalmente, mas ele saiu do buraco num pulo e está correndo também.

Will, Rafa e Carol simplesmente resolveram fazer esse tipo de ritual idiota no quintal de alguém? É isso?

- Você disse que esse lugar era abandonado!– eu ouço Will gritando entrecortado.

Rafa apenas continua correndo e gemendo, cansado, e eu vejo a luz da câmera clareando as folhas e matos, sendo constantemente atropelados pelos pés de Rafa.

- Will! – Carol grita.

E vem o som de algo de plástico sendo derrubado contra o metal. E eu reconheço isso pois li em um livro, é alguém atingindo uma cerca de metal com força. E eu presumo que seja Carol.

- Vem Rafa! – Carol grita novamente, e eu ouço outro som de plástico contra metal. Presumo que essa seja a parte em que Will atingiu a cerca.

A câmera sobe um pouco revelando um buraco numa cerca alta de metal. Rafa atinge a mesma com o mesmo som de antes e atravessa a abertura num piscar de olhos.

Não muito distante dali, Rafa desliga a câmera.


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Notas finais do capítulo

Enfim, eu planejei esse capítulo desde o início.
Eu tenho me esforçado pra lembrar de uma cena/diálogo que deveria adicionar no capítulo acima, mas não consigo. Anyway, enjoy.
Me digam o que acham. É.



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