Nosso Pequeno Amuleto escrita por Loly Vieira


Capítulo 5
Debaixo da cama é seguro.


Notas iniciais do capítulo

"Imagina o quão estranho seria se tudo estivesse em perfeita sintonia?"



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-Ís – chamou-me baixinho a garota. – ÍS?

-Oi?

-Tudo bem? – certificou-se.

Os óculos escuros escorregando do nariz.

-Tudo – garanti. Sorrindo ainda surpresa.  Cuidadosamente analisando as feições de seu rosto. Quanto de David havia nele? O mesmo modo de franzir o cenho, talvez.

-Esse é o Nick – Lílian me apresentou, estendendo-me seu coelho – E o nome dois dele é por causa do Nick do Jonas. Você gosta de Jonas Brothers?

-Lógico – na verdade eu não gostava.

Ela sorriu largamente. Tomou novamente o coelho das minhas mãos. O pescoço flexível demais do animal de pelúcia tombou para o lado.

-Papai não me deixa colar as fotos deles no meu quarto. - Então se aproximou um pouco, cochichando em seguida. - Mas eu colei debaixo da minha cama. Só o Nick sabe. 

Eu ri. Desejando apertar as bochechas rosadas da garotinha.

-Lily? – chamou uma voz rouca. Olhei para cima. David nos fitava meio inseguro.

-Papai – chamou de maneira mais fina e contente. Enlaçou o pescoço do homem com os curtos bracinhos. Ele fez cócegas no corpo miúdo dela e a segurou no colo. Nenhuma aliança nos dedos, foi impossível não procurar.

-Como tá o Nick?

-Ele tá ótimo pai – revirou os olhinhos miúdos. – A gente já pode ir pá casa? – pediu, bocejando e encostando a bochecha no ombro do pai. Acomodando-se ali.

-Vamos pequena.

Por um momento eu me senti totalmente boba com o que vi. Como David conseguiu ultrapassar qualquer característica que eu tinha o empunhado ou imaginado para ele.

Mas olha no que eu tinha me metido.

~*~

-Obrigada – falei meio incerta quando chegamos enfrente à minha casa. Disse tchau a Lílian e seu coelho me acenou também. 

-Desculpa a demora – David falou quando eu já estava distante duas passadas. Ele estava minimamente debruçado no vidro do passageiro.

-Desculpa pela grosseria.– Sorri torto. Ele balançou a cabeça num consentimento.

-Até...

-Outro dia – completei. Comprimi os lábios e acenei enquanto ele dava a partida no carro. Entrei em casa e como o esperado ela estava vazia, subi as escadas já tirando os tênis.

Liguei o notebook e troquei meu uniforme pela roupa mais confortável e desleixada do meu guarda-roupa. Cliquei no Google e digitei “doença infantil com pupilas esbranquiçadas”. E foi assim, entre vários links, que eu descobri que o Retinoblasmota era um tipo de tumor e o principal câncer ocular infantil. Na maioria das vezes, quando a pupila esbranquiçada é caracterizada nos dois olhos, significa que tal doença é hereditária.

Cliquei em “imagens” e me arrependi. Vários olhares tristes miravam a máquina, crianças com algum estado avançado e outras ainda tão miúdas que mal sabiam o porquê de tantas luzes estarem miradas a ela.

-Íris! – Um berro lá de baixo me fez pular e fechar o notebook com agressividade como se estivesse vendo algum tipo de macumba online para mandar para a garota da minha turma. Mirei por uma fresta da janela. Lá estava Daniel com os braços cruzados contra o peito. Ele parecia irritado, mais do que irritado talvez.

-Desce e abre a porta... Por favor – essas últimas palavras foram acrescentadas só para tentarem suavizar o tom imperativo das outras.

Eu obedeci, não sei ao certo porque eu parecia tão obediente a cada palavra sua.

-Dan...

-Não venha me chamar “Dan” – grunhiu. – Você sabe muito bem o que anda fazendo Íris.

Sentia meu rosto corado. Odiava receber sermões por isso fugia tanto deles. Daniel adentrou a casa quase me empurrando para o lado.

-Eu não ia usá-los como antes! – tentei me defender. Sendo que isso só era verdade porque o tempo não permitiu.

-Você quer que eu acredite? – Ele bagunçou os cabelos. Jogou minha mochila no sofá da sala, local onde eu jogaria se estivesse adentrado a casa com ela a minutos atrás.

-Além do mais o David ficou com os remédios e...

-Como você sabe?

-O quê?

-Como você sabe que ele ficou com os remédios se quando eu peguei sua mochila ele já tinha me dito que você tinha ido embora?

Isso era um tipo de encruzilhada? Minha mãe tinha mandado ele ali?

Brinquei com meus dedos, não tinha uma desculpa boa para ser argumentada ali.

-Você ainda por cima pegou uma carona com o cara? – Daniel quase gritava com a voz sarcástica. – Isso não é contra as normas?

-Ele só me deu uma carona, Daniel!

Riu. Não foi bem uma gargalhada, mas sim como uma risada meio irônica.

-Quantos anos você acha que eu tenho, Íris?

-Você está brigando comigo por causa dos remédios ou porque eu peguei uma carona com o enfermeiro do colégio?

Ele rangeu os dentes, travou o maxilar e franziu o cenho. Era sua típica cara de contrariado que eu conhecia muito bem, obrigada.

-Ele veio direto pra sua casa? - Eu o encarei torto.

-Pensei que eu deveria mandar na minha vida.

-É só uma pergunta.

Cruzei os braços.  Ele era tão manipulador...

-Não.

-Está vendo? - exasperou com os braços.

-...Paramos numa creche antes. Para pegar a filha dele.

-Você está aprendendo a mentir, só falta uma mentira melhor elaborada.

Levantei-me com um pulo parando a meio passo de distância de Daniel. Podia sentir seu hálito quente e sua respiração acelerada pela ira. Segurei seu queixo e forcei que ele olhasse em meus olhos.

-Pergunta se estou mentindo agora. - Arquei uma sobrancelha desafiadoramente.

Seus olhos cor de mel quase me fuzilaram, tentaram achar qualquer brecha de mentira que eu deixara passar. Mas nada eles encontraram. Nem faísca de um erro ou mentirinha boba.

-Eu gosto quando você se preocupa comigo. Mas há um grande abismo entre se preocupar e querer controlar cada passo meu.

Soltei-o e cruzei os braços.

-Você tem razão. – Ele pareceu ceder. Os ombros relaxaram e os olhos suavizaram. – Eu só não quero que as coisas se repitam.

Sentei na beirada do sofá, sorrindo-lhe de uma maneira que desejava ser tranquilizante. Daniel sentou ao meu lado. Apoiei a cabeça em seu ombro. Eu sabia do que ele estava falando quando dizia “coisas se repitam”.

-Você viu que a Larissa termin...

-Olha Daniel, eu to um pouco cansada. Que tal você ir pra sua casa e eu pra minha cama? – sugestionei.

Encarou-me torto. Mas com um empurrão solidário ele não teve muitas escolhas.

-Só vim entregar a mochila.

-Obrigada por isso – sorri já tocando a superfície fria da maçaneta de ferro.

Olhou rapidamente em volta como se certificasse que não tinha ninguém mesmo ali dentro. Abri a porta.

-Mande lembranças a Larissa e sua mão dolorosa, diga a ela que e eu e meu nariz sentimos muito. 


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Notas finais do capítulo

Nem demorei, tá vendo? Quem vai me dar um pedaço de chocolate?
Vocês têm alguma frase favorita? Estou colecionando algumas frases ~dá pra se colecionar frases(?)~ e acabo que que só vivo pegando alguns trechos de livros que já li.
Obrigada mais que demais para Marina, MissJulia e a Luu Amorim ~seja bem vinda a mais uma~ ♥
Vocês já sacaram o nome da fic, certo? hahaha