Nosso Pequeno Amuleto escrita por Loly Vieira


Capítulo 3
Aproveite as oportunidades, HORÓSCOPO.




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-Conhece o diretor August? – Ele voltou a pegar mais alguns algodões e eu consenti. Aquele homem me adorava, principalmente minha presença. Minha presença na sala dele. – Meu pai.

-Uau – torci os lábios. Pegadinha do Silvio Santos que o diretor tinha um filho como aquele.

-A outra enfermeira se aposentou. Enquanto ele não acha nenhuma outra, eu estou aqui substituindo.

Eu quase me levantei para bater palmas da ótima decisão do nosso excelentíssimo diretor.

-Mas e o trabalho lá na clínica ?– Ele pegou mais um algodão.

-Estou trabalhando a manhã aqui e a tarde lá.

-Hm, movimentado.

-Eu gosto do que eu faço - ergueu os ombros e depois os suavizou. - Acho que isso é o mais importante.

Balancei a cabeça que sim.

-Esteja feliz porque não quebrou o nariz, mas foi uma pancada e tanto.

-Hã... Eu ainda não sei o seu nome.

-David. – ele estendeu a mão e eu a espalmei, rezando pra que a minha não estivesse molhada.

-Íris.

-Então, Íris... Eu posso arranjar autorização para você ir pra casa.

-E porque você faria isso? – ergui uma sobrancelha. Tenho um pé para trás em relação a tudo, é uma das minhas características.

-Estava apavorada com a ideia de ter o nariz quase quebrado.

-Isso não combina muito com meu histórico escolar, desculpe.

- Não estava parecendo muito convencida da bolada não ter sido proposital. O melhor a ser feito era ir pra casa.  – Tentou novamente. Eu sorri.

-É uma ótima desculpa – Sai da maca com um pulo. Minha cabeça rodou por um segundo.

-Vou pedir para que peguem seu material. Qual é sua turma?

Ele saiu com o telefone nas mãos, o que me permitiu descobrir um pouco mais sobre sua pessoa. Não, não abri gavetas nem nada do tipo. Mas bisbilhotei cada cm² daquele lugar, até parar na mesa de madeira polida. Um porta-retrato, apenas. Adivinha? Virado para o outro lado.

Será que era a esposa? Noiva? Namorada? Enrolada? Tico-tico-no-fubá?

Me aproximei como quem não quer nada da mesa. Mas assim que estava pronta para desvirá-lo, o cachinhos de chocolate voltou. ABORTAR A MISSÃO! VOLTA PARA A POSIÇÃO INICIAL.

-Já estão trazendo seu material – Eu pulei no mesmo lugar ao ouvir aquela voz rouca proferindo palavras gentis de novo. Meu coração pulou, deu uma cambalhota e ainda decidiu brincar com minha cara e bombear todo o sangue até minhas bochechas. – Você está bem?

-Tô ótima - limpei a garganta. Opa. Disfarça fazendo cara que teu boletim escolar tá uma beleza. - Obrigada. Sabe... Por tudo... David.

Eu não sei se vocês já sentiram algo parecido mas... Já tiveram a sensação de querer conhecer a pessoa, que seu sexto sentido apitou escandalosamente? Hey, essa pessoa pode ser importante!

Você só não cria um vínculo porque... Bem, criar um vínculo com as pessoas não é algo muito fácil.

-Quem sabe a gente se vê de novo?

Ele afundou as mãos nos bolsos do jaleco branco, um sorriso educado esticando em seus lábios.

-Não fiz mais do que aprendido na faculdade.

-Desde quando aprende a ser simpático na faculdade? – Eu tinha voltado a pensar alto?

Ele riu. Não tendo chances de responder por que a porta da enfermaria tinha acabado de receber leves toques. Meu material foi entregue.

-Já vai? – Assegurou-se e eu balancei a cabeça. – Não quer ligar para sua mãe, primeiro?

Minha mãe nunca iria sair do seu atarefado trabalho como corretora de imóveis para vir me pegar na escola por algo tão não próximo da morte.

-Ela é muito ocupada.

-E seu pai?

Abri minha boca para balbuciar algo mas nada saiu de lá. Fechei.

-Morreu. – Fui objetiva. Eu esperava que ele me fitasse com o tão famoso olhar cheio de compaixão, mas ele seguiu normalmente a conversa. 

 -Eu posso te levar em casa... Se quiser.

Ergui uma sobrancelha, um tanto quanto desconfiada. Lembra? Um pé quase indo e outro totalmente atrás. Sempre.

-Acho melhor não.

-É só uma carona. – Insistiu.

-Sabe o que é? – Eu dei vários passos até ele. Olhando diretamente em seus olhos castanhos. – Tem certeza que seu pai nunca falou de uma “garotinha infernal que vive aprontando por aí”?

Foi a vez dele de franzir o cenho.

-Pois é isso que ele anda falando por aqui. Eu não preciso de mais confusão pro meu lado.

-E nem eu quero pro meu. Ser funcionário substituto não é lá essas coisas – admitiu. – Mas tem algumas vantagens.  

-Que horas acaba o expediente? – interroguei.

No meu horóscopo vinha dizendo para eu aproveitar todas as oportunidades, ok?

O pequeno detalhe era que eu não lia horóscopo. Mas dá ultima vez que eu li, dizia isso.

-Daqui a... – Olhou para o relógio de pulso – Duas horas. Saímos um pouco antes do sinal tocar e vamos pelo estacionamento dos funcionários.

Estava adorando essa vida de 007.

-É só você ficar quieta caso alguém chegue.

-Fique tranquilo – Peguei meu casaco na mochila a deixando aberta para que eu não esquecesse de colocá-lo dentro de novo. Era uma tática para pessoas esquecidas como eu, funciona. Larguei-a ao lado do sofá que era caracterizado com “sofá para acompanhantes” aproveitando para me jogar no próprio.

Ouvi uma risada sonora e ignorei o pequeno fato de ter outra pessoa na sala. Estava ganhando uma ótima oportunidade de dar um cochilo, era como raspadinha, podia ter ganhado uns 50 centavos mas eu iria lá na loteria e exigia minha merecida moeda.

Então eu acomodei o casaco para servir como travesseiro e sentei-me de maneira mais confortável, quase colocando os pés no sofá e por fim cruzei os braços. Talvez eu só precisasse de um descanso para que a sensação ruim que rondava meu corpo passasse.

-Não posso te deixar dormir, Íris.

Eu o fitei, fazendo um bico sem nem ao menos ter consciência de tal ato.

-E porque não?

David se acomodou no ombro do sofá do outro lado.

-Você sempre abusa da boa vontade dos outros?

-Minha cota de simpatia durou nos primeiros minutos que nos conhecemos.

-Posso retirar minha carona então?

-Sem reembolso.

David estalou os lábios num falso arrependimento.

-Aqui tem banheiro? – perguntei, a tontura já estava ficando desconfortável.

-Naquela porta. – apontou com o dedo indicador e seguiu até a prateleira de frascos estranhos.

 Apoiei as mãos na pia, inclinando o corpo suavemente até o espelho do banheiro. Balancei a cabeça e abri a torneira, molhando os pulsos para logo depois a testa e pescoço.

-Acho que ela machucou a mão – uma voz grave murmurou do outro lado da porta.

Meus ouvidos ficaram curiosamente mais atentos.

-Podemos dar uma olhada nisso – esse era o tom gentil do David.

-Aiin! – Tá, essa era a voz enjoada da Larissa.

Pera... Essa voz era da Larissa! Né que a vaca tinha machucado mesmo a mão? Macumba ou carma? Sabia que meu bonequinho de vudu uma hora iria funcionar.

-Você acha que quebrou, doutor? – A resposta demorou a ser respondida.

-Não. – Curto. Deveria ser uma rodela vermelha de 2 cm e ela chorando dizendo que estava quebrada.

Abafei a gargalhada com a mão. Diz que vai precisar amputar, vai David.

-Pode ir sentando na maca, se quiser.

 Passadas leves foram se afastando.

-Hey – opa opa mais uma voz no recinto. Colei a cabeça na porta, quase esperando desesperadamente para que o som fosse mais nítido. – Onde está a outra garota... A do nariz sangrando?

Daniel.

Eu até sairia do banheiro... Se eu não fosse tão medrosa.

-E porque o material dela tá aqui?

-Ela já foi – respondeu David. Pera, ele tinha mentido?!

-Então acho melhor eu levar.

-Não, tudo bem amanhã ela pega.

-Nós somos vizinhos. Eu entrego a ela. – Esse foi um ponto para o Daniel, senhoritas e senhores.

-Tudo bem então. – Rendeu-se o David. – Pode levar.

A mochila foi suspensa mas ouvi algo cair no chão. Parecia vidro. Um objeto pequeno. Meu coração apertou.

-Droga – xinguei baixo. Eu sabia que barulho era aquele. Droga! Um curto silêncio foi decretado. Alguém deve ter se abaixado e resgatado ele do chão.

-Ela voltou a fazer isso – a voz de Daniel parecia um tanto quanto decepcionada.

-São remédios antidepressivos? – Contestou David.

-São.

Ele vai dizer a minha mãe que eu voltei a tomá-los. Ferrou tudo. Quase batia minha cabeça na pia de granito agora.

-É melhor eu ficar com isso – disse David. – Para que ela não tenha a chance de pegar.

-Ela não iria conseguir isso de novo se eu ficasse com eles. – falou o cabeça dura.

-Estou fazendo isso pela saúde dos alunos dessa escola.  Esse tipo de remédio não é aconse...

-Faz tanta questão... Fica com eles – respondeu de má vontade. Fechando o zíper da mochila. – Eu não vou precisar deles para dar uma bronca nela.

Afastei meu corpo da porta. Desejando nem ouvir o que vinha a seguir. Sentei o mais longe possível da porta, completando meu papel ridículo, eu me sentei justamente no vaso. As mãos apoiando a cabeça que agora pesava.

Eu estava legalmente ferrada.

~*~

A maçaneta rodou e então eu olhei para o alto. O cara de cachinhos sorriu em minha direção, as mãos no bolso do jaleco. Talvez fosse uma mania dele. Ou talvez ele só estivesse escolhendo as melhores palavras para me dar um sermão adulto.

-Pensei que estivesse dormindo ai.

-Eu costumo dormir até em pé, mas aqui não é um dos meus lugares favoritos.

Ele sorriu e deixou a porta com passagem livre. David não citou o assunto e nem mudou a forma de agir.

-Vem, vamos embora daqui.


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Notas finais do capítulo

Já estava ficando com saudades de postar aqui.
E aí gente, quem teve a sorte de viajar e quem que, assim como eu, vai fazer o que faz em todos os natais desde o começo da vida? E agora ganhando menos presentes.
E muito obrigada a Marina, MissJulia e a Rosyangel. Comemorei com uma dança um pouco estranha cada comentário de vocês AUHUASHUAH
Espero postar ainda antes do Natal, mas se caso não aconteça... Feliz Natal para todos :)