A Última Eternidade escrita por Halina


Capítulo 1
Capítulo único


Notas iniciais do capítulo

Alice: Quanto tempo dura o eterno?
Coelho: As vezes apenas um segundo.
Lewis Carroll (Alice no País das Maravilhas)



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/302974/chapter/1

Eu a vi em meio aos passageiros do último trem do ano, desembarcando na estação ao som dos fogos de artifício. Alguns corriam para os braços entes queridos, Marlene correu para os meus. Seu longo cabelo encaracolado balançava atrás de si e havia em seu olhar aquela ferocidade que, quando se trata dela, também pode ser chamada de felicidade. Estava usando o mesmo vestido vermelho vinho que usou na primeira vez que nos beijamos, três anos atrás, e era como se vestisse com ele toda uma época de sonhos insanos e beijos acalorados. Parou a poucos metros de mim, seu peito subindo e descendo no ritmo de sua respiração acelerada, fixou seus olhos nos meus e um sorriso que começou na ponta dos seus lábios se espalhou por seu rosto até alcançar suas íris extremamente verdes.

— Eu senti a sua falta — ela disse de uma vez, como quem expira.

— Eu amo você — falei e me adiantei para abraçá-la.

Afundei o rosto em seus cabelos e inspirei aroma adocicado de canela e rosas que vinha deles. Alguma coisa se contorcia e estalava de modo doloroso em meu peito, mas um sentimento maior que era de pura alegria sufocava qualquer outra sensação que o ameaçasse. Às vezes eu ainda me surpreendia com a intensidade com que se pode amar alguém. Eu, Sirius Black, tinha medo do meu amor. Tinha medo do quão maior que eu ele podia ser, o quão maior que eu e Marlene juntos. Estava ali, crescendo às custas dos anos e esperando para engolir ou destroçar o que encontrasse.

— Feliz ano novo. — Depositei um beijo em sua testa. — Para onde quer ir?

— Para qualquer lugar — ela disse e riu quando beijei seu nariz. — Para todos os lugares.

— Ainda quer conhecer o mundo, Lene?

— Sim... Com você.

Sorri e puxei-a comigo. Lene não carregava nenhuma bagagem consigo, exceto sua bolsa de mão. Não iria ficar por muito tempo, viera apenas para passar o primeiro dia do ano e logo teria que voltar. O primeiro e o último dia do ano eram aqueles em que nos dávamos ao luxo de nos amarmos e esquecermos dos planos da Ordem e da fúria com a qual Voldemort transformava o nosso mundo em pedaços. Mas não podíamos fazer isso durante os que se seguiam. Quem ligava para os segundos e terceiros dias? Bem, eu ligava, desde que os passasse com ela. Ela montou atrás de mim em minha moto e segurou-se firmemente em mim quando levantamos voo. Fogos de artifício ainda estouravam aqui e ali e nós mergulhamos na noite em direção a eles, estávamos invisíveis aos olhos de qualquer ser humano que tivesse ficado no solo. Nada mais importava.

— Sirius, estou congelando — Marlene murmurou um tempo depois.

Ela estava usando um pesado sobretudo por cima do vestido, mas eu sabia que era muito mais frio ali em cima, então comecei a descer com a moto em direção ao solo. Com o passar do tempo, eu me tornara um tanto imune ao frio, devido às horas que gastava vagando sem rumo naquela moto. Estacionei em frente a uma construção de madeira e pedra, cheia de pisca-piscas em volta das janelas e da porta e com neve acumulada no telhado. Na placa se lia "Sweet Love Cafe" e eles ainda não haviam tirado nenhum dos enfeites de natal. Era um local visivelmente trouxa.

— Oh, não. Se eu entrar aí, toda a minha reputação estará acabada — Lene disse, tirando um par de luvas pretas de sua bolsa e começando a colocá-las.

— Que reputação? — inquiri, levantando uma sobrancelha. — De garota que não suporta romance? Você não me engana.

Ela me encarou com um sorrisinho irônico e imaginei se estava pensando no quão perdidas as nossas reputações estavam (porque, na realidade, eu também tinha uma a velar). Depois balançou a cabeça e se encaminhou para a porta de entrada da cafeteria, comigo indo logo em seguida. Nos acomodamos em uma mesa perto da janela, onde poderíamos observar os carros e os pedestres que ainda se movimentavam naquele primeiro dia do ano. Pedi um chocolate quente com marshmallows e Lene pediu um cappuccino com chantilly.

— Como vão as coisas em Paris? — perguntei, buscando por sua mão sobre a mesa. Ela percebeu a minha intenção em entrelaçou seus dedos nos meus.

— Ah, você sabe, o mesmo de sempre. A cidade é linda, Sirius, mas eu sinto falta de Londres. Parece que toda a beleza que eu vejo lá se perde quando me dou conta de que não tenho ninguém com quem compartilhá-la. Um dia fui até a Torre Eiffel e olhei para o lado a procura de um olhar tão maravilhado com o meu, mas não havia ninguém, só eu e meus vazios. E todo o trabalho que a Ordem me dá estão me deixando maluca, a cada dia o número de incidentes aparentemente inexplicáveis contra trouxas aumenta... — Ela suspirou e encarou nossas mãos. — Eu estou apavorada, essa é a verdade.

— Em breve eu vou para lá e tudo ficará bem. — Eu disse. — Vou cuidar de você.

Ela levantou os olhos e engoliu em seco.

— Eu posso cuidar de mim, não duvide disso... — Deu um sorriso fraco. — Acontece que eu não quero.

Quando nossas bebidas chegaram, Lene ficou comendo chantilly com os dedos e roubando meus marshmallows. Enquanto a assistia rir e agir como se estivéssemos apenas passando um dia em Hogsmeade, fiquei pensando em como era fácil amá-la. Em tempos como aquele, eu duvidava que fosse possível sentir algo tão bom e leve como o que eu sentia. E talvez algumas pessoas possam dizer que o amor é essa coisa densa e pesada que arrasta tudo o que vê pela frente como uma avalanche, mas eu não pensava assim. Nosso amor era do tipo que podia misturar-se ao ar que respirávamos, que era notado sem precisar ser anunciado. E permanecia ali.

— Nós vamos viver para sempre, Lene — eu disse abruptamente.

Ela me encarou em confusão por alguns segundos, tentando compreender o significado daquela frase. Quando vi que havia entendido, pensei que fosse sorrir, porém sua expressão estava séria.

— Que bobagem, Sirius. A eternidade é uma piada. Ninguém da muito crédito ao que é eterno.

— Não precisamos de crédito. Não precisamos de nada.

— Céus, nós estamos realmente perdidos! — exclamou, depois sorriu de lado e roubou um gole do meu chocolate quente.

— Você está com um bigode — eu avisei.

Ela mostrou a língua e pegou um guardanapo para limpar os cantos da boca. Uma garotinha que não aparentava ter mais de quatro anos andou até a nossa mesa e perguntou para Lene com a voz sonolenta, apontando para o vaso de flores que enfeitava a nossa mesa:

— Você pode me dar?

— Claro — ela respondeu, pegando o enfeite e entregando-o para a criança.

— A sua varinha está aparecendo — a menininha disse e Lene soltou uma exclamação de surpresa ao ver que a ponta da sua varinha estava a mostra, saindo de um dos bolsos internos de seu sobretudo. — Tchaaau!

Assistimos enquanto a menina corria com o pequeno vaso de flores até uma outra mesa que já estava repleta de outros como aquele. Uma senhora de cabelos grisalhos sorriu ternamente para ela e pegou-a no colo, beijando sua testa. Lene suspirou ao meu lado, mas logo voltou a tomar seu cappuccino silenciosamente.

— Marion — ela disse depois de um tempo.

— O quê? — perguntei, confuso, e olhei para os lados para ver se alguma mulher conhecida chamada Marion havia adentrado no estabelecimento.

— Marion vai ser o nome da nossa filha. Ela terá os seus olhos, tenho certeza.

Sorri largamente. Ela queria ter filhos comigo.

Ela queria ter filhos comigo!

Como eu poderia não ser louco por aquela mulher?!

— E se for um menino? — questionei, tentando parecer meio indiferente.

— Henry.

— Ah, vamos embora daqui, Lene! Eu preciso beijar você!

Assim que colocamos os pés do lado de fora, eu vi alguns pontos brancos rompendo o breu da noite e caindo no solo. Marlene também viu, porque exclamou:

— Está nevando!

Ela rodopiou e começou a correr pela calçada. Corremos em disparada por um longo tempo, a minha moto esquecida para trás, junto com o resto do mundo. Marlene, que estava bem a minha frente, conjurou um guarda-chuva e parou para me esperar. Assim que a alcancei, puxei-a pela cintura e toquei seus lábios com os meus, sem saber como tinha conseguido resistir por tanto tempo. Ela jogou o guarda-chuva fora, sabia que não havia sentido em se proteger da neve. Envolveu meu pescoço com os braços livres e ergui seu corpo de chão por um tempo. Lene se afastou alguns centímetros e comecei e beijar seu pescoço para manter a minha boca ocupada.

— Me carregue — ela ordenou.

Deixei que pulasse em minhas costas e segurei com firmeza cada uma de suas pernas. Eu não ousaria negar qualquer coisa à futura mãe dos meus filhos. Depois recomecei a correr, sentindo minhas pernas um tanto doloridas, mas sem reclamar, porque não desejaria estar de outro modo.

— Encontre um hotel — Lene sussurrou em meu ouvido, o que apenas fez com que eu apressasse o passo.

Pegamos muita neve e vagamos por várias ruas de Londres que eu não conhecia até que eu encontrasse um hotel. Um ou outro fogo de artifício atrasado ainda estourava à distância quando entramos no quarto e começamos a nos beijar como dois loucos. Lene tirou a minha roupa com a rapidez de quem age pela última vez no fim dos tempos. Nem parecia que aquele era o primeiro dia do ano, parecia que os meses que estavam por vir já haviam se apagado e restara apenas aquele último dia, aquele último pedaço de eternidade. Não importa o quanto eu tente — nunca tentei realmente, nunca tentarei — não consigo esquecer do modo como o aroma de canela e rosas de Lene dominou todo o quarto, ou do toque de seus dedos longos em meu cabelo, ou de seus lábios entreabertos e de seu olhar banhado em desejo...

Depois de um tempo, quando já estávamos um tanto mais calmos, deitados sobre a colcha azul que cobria a cama do quarto de hotel, a qual nem nos demos ao trabalho de desfazer, eu disse:

— Lembra de quando você era fria e dura como uma geleira? Foi assim até o final do sexto ano em Hogwarts.

Marlene não disse nada e pensei que não fosse responder. Eu estava concentrado no modo como era louco por seus joelhos e pensando em como seria bom se pudéssemos ficar ali por anos quando ela falou abruptamente:

— Eu tive que escolher entre duas opções, sabe? Ou eu continuaria com a minha frieza inabalável e viveria livre, ou eu cederia e morreria de amor.

Ela virou o corpo na minha direção me beijou, segurando meu rosto com firmeza e colocando uma perna de cada lado do meu corpo. Puxei seu quadril na direção do meu com exasperação e ela mordeu meu lábio inferior com força.

— Ninguém vive para sempre, Sirius — suspirou e gemeu em seguida. — É por isso que não acredito na eternidade. Nós já estamos morrendo.

Nós já estamos morrendo, entende?

Era o primeiro dia do ano e nós já estávamos morrendo. Então por que eu ainda insisto em acreditar naquela ideia estúpida de que eu e Marlene viveríamos — viveremos — para sempre? Por que, mesmo agora, eu ainda acredito?

Nós estávamos morrendo com tanta intensidade... E agora... Não, não. Não morremos... Morremos.

Eu só espero, do fundo dessa minha alma apodrecida com o tempo e que se torna cada dia mais flácida e amarga, que a eternidade sobreviva à morte.

Então, menos de cinco horas depois, eu levei Lene de volta à estação. Ficamos abraçados até quase não haver mais tempo, então ela partiu, com um sorriso que não alcançava os olhos. Prometi que conheceríamos o mundo: eu, ela, Marion e Henry. Prometi que a faria o possível para me transferir para Paris ainda naquele ano. Prometi como qualquer tolo que se acha digno de prometer só porque é o dia primeiro de janeiro. O ano novo nos dá poderes incríveis e, não importa o quão velho aquele ano possa se tornar, ainda nos referiremos a ele como "aquele ano novo". Ah, se eu tivesse tanta sorte... Hoje já me tornei o velho Sirius. E Marlene? Ah, Marlene... Os olhos dela estavam tão vermelhos... "Não chore, Lene" eu queria dizer, mas ela já havia se afastado demais para ouvir.

Aliás, existem mais três coisas que eu gostaria de ter dito e nunca disse:

"Sim, eu confesso, fui eu quem roubou sua roupa durante o nosso quinto ano, enquanto você tomava banho no banheiro dos monitores... Não me arrependo, você fica linda só de toalha."

"Aquele vestido que você usou na formatura era um tanto chamativo, fiquei feliz quando finalmente tirou. Eu fiquei mesmo muito feliz."

"Não vá para Paris... Apenas não vá."

Não sei por que estou escrevendo isso agora. Deve ser porque são três e cinco da madrugada do dia primeiro de janeiro de 1996. O ano novo sempre me lembra de uma eternidade. Da janela do trem, Marlene havia gritado:

— Todas as minhas eternidades duram pouco. Mas elas nunca acabam.

— Até a próxima eternidade! — eu gritara de volta, tentando sorrir, mas sem conseguir realmente.












Mas não há uma próxima eternidade, não é, Lene?

Aquela foi a última.

Nós vamos viver para sempre.

Eu não gosto mais de marshmallows.

Nós vamos viver para sempre.

Feliz ano novo, outra vez.

Eu queria que você estivesse aqui... Você está?

Nós vamos viver para sempre.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

Não, não é ano novo ainda, mas vamos fingir por um momento que é. Afinal, é tudo férias de qualquer modo. Espero que tenha gostado da fanfic e ficarei muito feliz se tirar mais um tempinho do seu dia para deixar um review.
Algumas coisas importantes a serem lembradas:
1. Toda a família McKinnon foi assassinada em algum ponto da história que ninguém sabe ao certo.
2. 1996 é o ano em que Sirius foi morto.
3. A fanfic se passa, como você deve ter percebido mas não custa deixar claro, durante último encontro de Sirius e Lene antes dela ser morta.
Bem, eu sei que ficou um tanto romântica demais, mas é que não consigo tirar essa ideia da minha cabeça de que o cara que disse que aqueles que nos amam nunca nos deixam de verdade era um romântico incorrigível.
Beijos e queijos,
Hali.