Fique escrita por Vanessa Fontoura


Capítulo 3
Capítulo 3 Babi


Notas iniciais do capítulo

"Naquele momento desejei ter o número de Eric para poder ligar e pedir desculpas pela reação exagerada de todo mundo pela nossa brincadeira. Mas eu não tinha".



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– what the hell is going on here? – dizia a voz estrondosa claramente distinguida do Sr. Johnson. – everyone is looking for you, young lady.

Eric me soltou devagar e olhou na direção do homem velho e robusto parado na soleira da porta, que certamente estava muito zangado comigo, pelo meu básico inglês acho que estavam todos procurando por mim.

– what they were doing? – continuou dizendo, depois olhou para as roupas de Eric no chão e disse desesperado – You're naked!

Acho que ele quis dizer que Eric estava nu. Achei que era a hora certa de usar uma das únicas palavras que eu tenho certeza do significado.

– sorry Mr. Johnson. – Falei. Eu queria dizer que não havíamos feito nada e que eu estava de roupas, todas elas. Contar tudo o que havia acontecido, mas quando o homem entrou na sala eu e Eric estávamos tão envolvidos no abraço que mil palavras não bastariam e meu vocabulário inglês não tem nem metade delas. – really, really sorry.

Eric segurou minha mão debaixo da água e isso fez eu me calar instantaneamente e olhar para ele.

– i'm sorry dad. – ele disse e então largou minha mão.

Ou eu estava completamente doida, ou o mundo estava completamente de cabeça para baixo. Dad? Pai? Isso mesmo? Ele era filho do Sr Johnson? Continuei com os olhos fixos nele, olhando atentamente cada próxima palavra que ele fosse dizer. Mas fui interrompida por meu pai que acabara de entrar na sala enlouquecido.

– Babi?

Suspirei. Haveria muito a que explicar. Depois olhei para Eric, ele também teria muito a que explicar.

Meu pai estava me olhando como se eu tivesse feito algo terrivelmente desrespeitoso. Foi assim durante todo o caminho de volta pra casa, ele me dava pequenas olhadas pelo retrovisor, com as sobrancelhas unidas e depois trocava olhares com minha mãe. Eu nunca tinha me sentido tão mal ao estar perto da minha família. Meu irmão segurou minha mão, mas eu a larguei assim que meu pai me olhou pelo retrovisou novamente. Aquilo era estranho. Me deu a sensação de que ele estava planejando algo enquanto me olhava, e minha cara de ‘felicidade’ só estava dando mais motivos pra ele fazer o que ele estava pensando.

Depois que eu e Eric saímos da piscina, mal consegui dizer alguns “sorry’s” para o Sr Johnson por que ele simplesmente saiu da sala furioso com o filho, que eu nem sabia que era filho, para mim o único filho dele era o engomadinho que fala um português engaçado que estava em todas as outras festas que eu fui, o tal de Josh. Tanto faz.

Eu fiquei realmente com pena de Eric quando o Sr Johnson virou as costas e saiu. Ele ficou com a expressão mais triste que eu já vira em minha vida, mas me deu o terno dele e então eu e meu pai saímos pela porta dos fundos para que ninguém me visse molhada. Fiquei um tempão sentada no carro esperando meu pai voltar da festa, ele havia ido chamar minha mãe e Nando para que fossemos embora e explicar a sua saída para os outros sócios. Quando voltou não disse uma palavra sequer, ninguém disse.

Mal consegui dormir a noite, eu apenas conseguia ficar pensando. Eu não gosto de silêncio. Quando o relógio marcava 02h24min da manhã eu finalmente peguei no sono, mas não tive bons sonhos, na verdade eu sonhei que estava presa dentro de uma caixa de vidro no meio do calçadão e todo mundo parava para me olhar, mas eu estava sem ar, cada vez mais sem ar, e todos ainda estavam ali, me vendo morrer lentamente. Acordei as 4h com falta de ar e me sentindo pior do que quando eu fora dormir.

Levantei da cama e fui no banheiro tomar um banho, nenhum sinal de pessoas acordadas, a não ser o barulho da cozinha, por que nossa empregada já devia estar madrugando, como minha mãe manda. Eu nunca havia percebido o quão mesquinha era a minha vida até ontem a noite, quero dizer, nós não éramos assim, costumávamos ser uma família unida que saia para passeios simples nos fins de semana. Quando começamos a ser essa família fria que viajava para a Europa nas férias e ia a festas formais no feriado de 1º do ano?

Quando uma simples brincadeira adolescente se tornou tão rígida e fora dos padrões? Quero dizer, Eric só estava brincando, ele tem 19 anos, não pode ser tão sério ou envelhecerá mais cedo. E eu tenho apenas 17 e meu pai me faz carregar o peso do mundo nas minhas costas. Na verdade ele sempre fez, fico surpresa por nunca ter percebido isso.

Naquele momento desejei ter o numero de Eric para poder ligar e pedir desculpas pela reação exagerada de todo mundo pela nossa brincadeira. Mas eu não tinha. Então eu liguei para a única pessoa que não se incomodaria de ser acordada. Gabriel.

– são quatro e meia, o que você quer? – ele disse, sempre tão compreensivo.

– conversar?

– por quê? É feriado.

– tecnicamente...

– ta! Não começa com suas coisas tecnicamente faladas. O que foi Babi, por que ta me ligando a essa hora?

– preciso te atualizar das ultimas 24 horas. – falei enquanto mexia em uma mecha dos meus cabelos.

– certo, o que aconteceu de tão interessante desde que a gente se viu ontem? – perguntou depois de um bocejo.

– pronto pra ouvir? Por que eu estou pronta pra falar.

– fala logo, antes que eu desligue e vá dormir.

Comecei falando da agitação entre meus pais quando cheguei em casa depois da praia. Que eles nunca estiveram tão estranhos arrumando tudo e pensando no que iam falar na festa. E depois contei sobre a festa em si, que estava um saco e que eu conheci um garoto.

– um garoto? Tinha que ter macho envolvido.

– não, não é isso, posso terminar de falar?

– pode.

Continuei a história, contando a ele os meus sentimentos e o que aconteceu, no fim a única coisa que Gabriel disse foi:

– uau! Você realmente caiu na piscina com um cara pelado e foi encontrada agarrada nele pelo pai dele? Isso definitivamente te fez ter minha total atenção.

– e tem mais, o pai dele é o chefe do meu pai. Quando meu pai nos viu ele ficou furioso, me mandou ir pro carro e não disse uma palavra até agora. Eu tenho a terrível sensação de que ele vai fazer algo estúpido comigo. Meu pai nunca agiu assim. Ele sempre foi tão compreensivo. – suspirei. – ah, Gabriel estou com medo.

– medo do que exatamente? – perguntou.

– eu não sei. Medo.

– você já parou pra pensar que tudo isso é culpa desse tal de Eric?

– não. Isso não é culpa dele. Quero dizer, em parte é, mas nós não fizemos nada, e ninguém acredita na minha palavra. E estão agindo como se ele tivesse violado minha honra e agora nós teríamos de nos casar. Ai meus deus! Será que é isso que meu pai está pensando?

Gabriel riu. – não seja paranoica. É claro que não é isso que ele está pensando. Apenas fica calma e espera seus pais virem falar com você.

– eu não consigo esperar, você sabe que eu não consigo. Não sei como eu vou fazer quando eu tiver um bebê. Eu provavelmente vou enlouquecer e começar a falar que nem uma doida e...

– hey, para de surtar. Apenas espera.

– ta! Obrigada por me ouvir e me ajudar. Amo você, beijos.

– também amo você, sua maluca. Beijos.

Logo que desliguei o celular, levantei da cama dei uma penteada nos cabelos e vesti meu biquíni e algo que fosse fácil de tirar por cima, eu tinha que ir tomar um banho de mar enquanto a praia ainda estava vazia.

Nem pensei, me despi tão rapidamente que minhas roupas ficaram espalhadas pela areia, ninguém na praia, alguns pescadores mais além e alguns corredores na orla, apenas eu e o mar. No primeiro mergulho eu tive certo medo de me deparar com algum tubarão, tenho isso desde que vi o filme Mar Aberto, mas depois de estar completamente envolvida pela água gelada do oceano eu me senti bem.

Mergulhei por mais uns cinco minutos e fui me sentar na areia. O meu celular marcava cinco horas em ponto, talvez o sol já fosse surgir no horizonte. Me peguei por um momento sentindo a falta de Eric. Pensei então em caminhar até o condômino dele, pela praia, acho que dava para fazer isso. Eu precisava vê-lo e falar com ele também. fiquei ouvindo músicas de cantores como Jack Johnson e John Mayer para descansar meu cérebro até que na música Half of my heart eu finalmente estava na praia atrás do condomínio de Eric. Era bem fechado, havia uma portinha que devia ser do acesso dos moradores e muitas palmeiras e pedras envolta dos muros. Ele provavelmente não saberia se eu estivesse ali ou não, então apenas me sentei na praia, observando os primeiros raios do sol. Quando percebi, eu estava dormindo.

– Babi, acorda. Babi.

Senti uma mão cutucar meu ombro e então eu abri meus olhos e enxerguei o garoto dos cabelos pretos e olhos bem grandes e castanhos me olhando, no início pensei que fosse uma miragem, mas não, era Eric.

– oi. – eu falei.

– o que você está fazendo deitada aí? – ele perguntou coçando a nuca.

– nada. – respondi tirando a areia do meu cabelo. – que horas são?

– sete horas. – respondeu. Ufa, menos mal, pensei.

– o que você faz acordado há essa hora?

– eu estava meio sem sono, então pensei em correr um pouco, mas uma caminhada na praia pra mim estaria ótimo, se eu tivesse companhia. – disse ele com um leve sorriso de cantos de lábios.

Dei o mesmo sorriso – é claro. A propósito, não quero voltar pra casa tão cedo. Estava pensando em fugir, você aceitaria?

Ele riu e então começamos a andar a beira do mar, molhando nossos pés com as ondas que iam e vinham sem parar. Foi calmante, a companhia de Eric era boa e algumas de suas histórias de calouro na faculdade eram muito engraçadas, mas chegou um ponto na conversa que eu tive de perguntar o porquê de ele não ter me dito que era filho do chefe do meu pai.

No início ele chutou uma concha e ficou olhando para a areia como se não soubesse por onde começar, mas depois colocou seus olhos amendoados em mim e suspirou.

– eu tenho um irmão. – disse. – mais velho, mais experiente. Quando a gente era pequeno, era ele quem batia nos caras grandes na escola, lá na Inglaterra. Nós éramos mais do que irmãos, nós éramos ligados. Mesmo com a grande diferença de idade entre nós fazíamos tudo juntos. Só que ele entrou no colegial, e eu ainda estava na sexta série, nos distanciamos um monte. E então nossos pais se separam. Não sei se você sabe, mas minha mãe é brasileira.

Discordei com a cabeça.

– ela é. Com a separação, minha mãe quis vi para o Brasil visitar os pais dela. Então...

– você veio com ela. – terminei a frase. Franzi a testa e perguntei – mas e o seu irmão?

– você conhece meu pai. Ele não dá pontos sem nós. Logo que Josh entrou no colegial meu pai já tinha feito a fusão das empresas aqui no Brasil então ele meio que começou a pôr ou impor suas ideias na cabeça do meu irmão e Josh preferiu ficar com nosso pai. Eu e minha mãe viemos morar com meus avós que moram no sul, mas aí ano passado, minha mãe faleceu.

– sinto muito, Eric.

– tudo bem, eu amava muito ela e fico me segurando bastante nesse sentimento que era recíproco. Quer sentar? – perguntou.

– ok.

Nos sentamos na areia macia um pouco mais longe das ondas e continuamos a conversa.

– continuando... Como eu era menor de idade no início do ano passado, eu tive que ir morar com meu pai, mas eu não estava muito contente com a ideia, então eu fui um pouquinho rebelde. Saia cedo e voltava tarde, bebia muito, essas coisas. Até que eu consegui entrar na faculdade. Eu e meu pai tivemos uma conversa séria e eu prometi que não faria nada de estúpido de novo.

– acho que ontem à noite você fez. – eu disse.

– fiz. Duas na verdade. A primeira foi não ter dito que eu era filho do chefe do seu pai e a segunda foi ter te puxado pra piscina. Eu queria ter dito, mas não quis que você não fosse você mesma comigo, só por que eu era filho do chefe. – falou, dei um meio sorriso. – Aposto que seu castigo está sendo grande.

– não. Eu não sei se estou sendo castigada, meus pais não falam comigo desde ontem.

Ficamos olhando o oceano por alguns instantes, o silêncio era bom. Dava pra ouvir as primeiras pessoas começando a acordar e algumas já saindo de casa, talvez para viajar. Senti os olhos de Eric pousados em mim e me virei para ele, que continuou me olhando.

– me sinto péssimo por ter te colocado em uma situação ruim com seus pais. O meu não acreditou que nós não tínhamos... – ele se interrompeu. – ele não acreditou em mim.

Senti subitamente minhas bochechas corarem então desviei o olhar. Fui surpreendida quando Eric segurou minha mão, foi quase como levar um choque elétrico olhei para a mão e depois para os seus olhos.

– sabe, na Inglaterra, as pessoas costumam sair quando querem conhecer uma a outra. Encontros.

– aham.

– você quer sair comigo? Digo, um dia, talvez. Isso se você não ficar de castigo pro resto da vida! Ai meus Deus eu sou um idiota. – disse Eric largando minha mão e olhando para frente.

Dei um sorrisinho e segurei sua mão novamente.

– Eric. É claro que eu aceito sair com você. Como típicos britânicos. Nós vamos a um encontro com direito a dividir um milk-shake, comer porcarias, talvez assistir um filme...

– passear de mãos dadas, caminhar descalços na areia, dar um beijo de despedida. – disse ele. Sorri com os lábios acompanhando o mesmo sorriso dele.

Meu coração começou a acelerar quando nossos dedos involuntariamente começaram a se enroscar uns nos outros e nós sem ao menos desviar os olhos um do rosto do outro. Umedeci os lábios quando percebi que ele estava olhando diretamente para eles.

– e se... Supostamente nós estivéssemos em um encontro agora, o que você faria nesse momento? – perguntei.

– eu supostamente te beijaria. – respondeu rápido.

– e eu supostamente corresponderia. – rebati.

Inclinei a cabeça um pouco mais perto e ele tocou meu rosto, desenhando a curva das minhas maças. Sorri com todos os dentes demonstrando a felicidade que eu estava sentindo. Por um momento fiquei meio receosa, tentando entender como eu estava tão atraída, mas pra que entender se sentir era bem melhor?

– e supostamente o beijo seria assim. – o ouvi dizer antes que nossos lábios se tocassem criando em mim um universo de expectativas que eu ia saber mais tarde seriam todas apenas expectativas.



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