Assassinato Na Royal Opera House escrita por Dreamer


Capítulo 3
Breu




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Sherlock não comemorava o seu aniversário desde que saíra da casa de seus pais. O fato de não receber bem presentes desencorajou sempre esta atitude dos mais próximos. De certa forma, ele sempre encarara presentes como uma forma de bajulação ou de interesse próprio velado. Não que estivesse errado...

Não entendeu porque numa data como esta, esquecida até por ele mesmo, Irene decidiu aparecer.

Ainda estava no meio da confusão na plateia. Os funcionários do ROH, àquela altura, já deviam ter arruinado toda a cena do crime...

.o.

John acordara no meio daquela noite. Havia se condicionado a isso, de certa forma. Ficara pensando, depois daqueles momentos maravilhosos com Sarah, que queria vê-la dormir.

Era um desejo que alimentara durante a guerra. Imaginava que a maior sensação de paz que poderia ter, se algum dia saísse daquele lugar, era ver alguém amado dormir. E nunca pensou, quando a viu pela primeira vez, naquela entrevista de emprego no hospital, que chegaria a amá-la tanto...

Tirou a mecha de cabelo loiro da frente do rosto dela e ela se moveu. Cócegas, imaginou. Ela entreabriu os olhos e sorriu para ele. Nada poderia arruinar aquele momento...

Um som característico soou no quarto.

—É o seu telefone? —perguntou ela, sonolenta.

Ele tomou a sua nuca com uma das mãos e encostou sua testa na dela:

—Desculpe por isso, ok?

Ela sorriu e deu-lhe um rápido selinho. Virou-se na cama e voltou a dormir.

John se levantou da cama e foi até a calça que estava jogada no chão. Tirou o celular do bolso dela e viu todas as mensagens que perdera nas últimas seis horas.

"Venha ao ROH. SH".

"Venha ao ROH, houve um assassinato. SH".

"Você precisa vir AGORA! SH".

Vestiu-se o mais rápido quanto pôde.

.o.

"Ok, então não era um encontro", raciocinava John consigo mesmo, dentro do taxi. "Eu devia ter previsto isso...".

Já beirava meia noite e havia poucos transeuntes na rua. A plateia foi retirada do teatro pela polícia, tarefa que durou mais de quatro horas.

A única complicação foi um homem em especial que se recusava a deixar o teatro. Após três ligações para Lestrade, deixaram que Sherlock ficasse nas dependências, mas foi apenas quando chegara da Scotland Yard que pôde avançar na cena do crime.

John entrou sem grande problemas, já que logo de início se deparou com Donovan. Evidente, ofensas à parte... ("Deixou o seu namorado vir ao Ballet sozinho? Brigaram e ele veio se deliciar é?").

—Sherlock, o que aconteceu? —perguntou quando chegou ao palco, após muito se perder na gigantesca casa de Ópera.

Ele estava parado, com as mãos unidas, observando o centro do palco. O cenário fora deixado como estava no final do primeiro Ato. O gelo seco há muito havia se dispersado. Elevou o seu olhar para John. Não precisou de mais de um segundo para entender porque não havia atendido os seus chamados ou respondido suas mensagens. Deu passos em torno daquele centro e apurou seu olfato. Parecia haver um cheiro no ar que ele conhecia muito bem, mas era difícil de identificar, misturado com o cheiro de gelo seco como estava. Fez um muxoxo e separou as mãos.

—O corpo já está no necrotério, vamos para lá. Eu conto o que aconteceu no caminho.

.o.

E Sherlock contou. Mas, omitindo convenientemente qualquer informação sobre Irene. Para todos, ela ainda estava morta.

Molly puxou o cadáver na gaveta do necrotério.

—Eu ia começar com ele amanhã de manhã—disse e tentou controlar seu bocejo, sem sucesso.

John se perguntou se Sherlock nunca, realmente, se sentira mal por se aproveitar tanto da atenção daquela moça.

Sherlock avançou no corpo que desejava ver há horas. Estava vestido para o seu número, seus pulsos estavam marcados, mas não mais amarrados. A corda grossa ainda envolvia o seu pescoço. Ele a cortou e percebeu que a marca mais profunda que havia tinha sido produzida por uma corda muito mais fina.

—O que acha, John?

—Morte por asfixia—disse, seguro.

—Ele foi suspenso no palco, mas já estava morto. Uma reprodução do que foi de fato a sua morte: enforcamento. Mas o que o matou foi uma corda muito mais fina... E da mesma espessura usada para amarrar os seus pulsos, para que não conseguisse reagir durante o seu assassinato.

—Deve ter sido muito estranho toda aquela música enquanto o corpo era suspenso... —comentou John.

Sherlock o encarou e em seguida fez um sinal para Molly, ela se espantou e foi logo pegar uma espátula e uma placa de vitri. Ele raspou a superfície do ferimento da garganta e dos pulsos e colocou o conteúdo avermelhado sobre a placa.

—No que está pensando? —perguntou John.

—Obrigada Molly, é tudo o que eu preciso.

—Oh! Ok.

Ele e John foram rapidamente ao laboratório.

—John, é uma boa pista saber com que tipo de corda ele foi enforcado—respondeu tardiamente.

Colocou o conteúdo no microscópio, retirou-o e começou a fazer uma série de experimentos para analisar as substâncias daquela amostra.

John encostou-se à bancada, quase pegando no sono, quando Sherlock riu:

—Tinha que ser! Tinha que ser!

—O que?

—Veja, John, na amostra tinha uma quantidade de ferro, alumínio e breu.

—Alumínio e breu?

—Breu! Foi o cheiro que eu não consegui identificar no palco por estar misturado ao odor do gelo seco. É cheiro de breu!

—Aonde quer chegar?

—Apesar da taxa de ferro ser alta não seria o suficiente para justificar! Alumínio dá uma pista, mas não uma certeza... Mas, breu... John, breu é o que todo o instrumentista de cordas passa na crina do seu arco¹ para tocar. Com o uso, o breu fica impregnado nas cordas do instrumento.

—Você está dizendo que alguém o enforcou com uma corda de violino?

—Não, seria muito fina e curta. O que usaram para matar esse homem foi uma corda de contrabaixo! Precisamos voltar ao ROH!

.o.

O policial não se conformava de ter que deixar aquele homem passar novamente:

—Mas, aonde vocês querem ir agora?

—Quero ver todas as salas onde ficam guardados os contrabaixos. E o fosso.

O homem os guiou pelos corredores e camarins infindáveis até as salas corretas. John, mesmo cansado, murmurou:

—Não precisa estar aqui o contrabaixo. O músico pode tê-lo levado para casa.

—Sim. Mas é improvável. Amanhã o mesmo espetáculo seria realizado... Os contrabaixistas costumam deixar seus instrumentos no teatro, neste caso. E, nosso homem o deixou, senão chamaria muito a atenção dos outros músicos. Nenhum assassino quer chamar atenção.

—Ok... É só procurar um contrabaixo que esteja sem uma corda certo?

—Se o assassino teve tempo, ele teria colocado uma corda nova no lugar. É fácil de identificar, ela será mais clara que as demais, sem manchas ou marcas amareladas de breu.

Fácil não era. Para os olhos de violinista treinados que tinha Sherlock, cada instrumento ali possuía uma identidade. Um instrumento jamais seria igual a outro. Já para John, que no máximo estudou clarineta na escola, todos aqueles contrabaixos pareciam idênticos.

"É tão lindo te ver dançar... IA". Fechou o celular rapidamente. John estranhou que recebera uma mensagem. Lestrade não mandava mensagens. Seu irmão não mandava mensagens. Só eles dois trocavam mensagens.

—Sherlock...

—O que?

—Hoje você veio para um encontro. Não veio?

—O que te faz pensar isso? —rebateu com sua voz impassível.

—Não veio?

—Terminei desse lado. Veja se não adormece antes de terminar a sua parte. Vou começar a ver a sala ao lado.

Contaria a John em outras circunstâncias... Mas, nunca contara que Irene sobreviveu. O que ainda não seria prudente de se fazer.

Entrou na sala seguinte, ao menos mais vinte contrabaixos estavam ali. Meteu-se no meio deles e, em seguida, percebeu a porta se fechar. Ele se virou e Irene veio em sua direção. Sem pensar duas vezes, ela o empurrou, prendendo-o contra a parede:

—Espero que tenha apreciado o meu presente de aniversário para você. Eu ia ficar fora do seu caminho por todo o tempo, mas não consegui. É simplesmente tão lindo ver você dançar...

Ele a observou.

—Não está conseguindo me ler? Uma dica: eu não matei aquele homem.

—Isso é evidente.

—Sim! Mas, a pergunta que está em sua mente é: o quanto eu estou envolvida. O quanto eu aprontei dessa vez...

Ela avançou sem aviso e, na ponta dos pés, alcançou os seus lábios e roubou-lhe um beijo. Ela esperou alguns segundos depois daquilo. Ele disse:

—Está na hora de se esconder.

—Porque? Quer fazer um joguinho? —perguntou ela, encantada com a ideia.

—Não é isso. Alguém vai abrir aquela porta em menos de quatro segundos.

Ela se afastou e se encolheu no canto da sala, atrás de alguns estojos de instrumentos. John entrou na sala:

—Ok, sem cordas faltando ou cordas novas naquela sala. Eu chequei tudo, duas vezes. Como anda aqui?

Sherlock a percebeu fazer um sinal: o que procuravam não estava naquela sala.

—Vamos para a próxima—respondeu, passando por ele para fora da sala.

—Sherlock...!

—O que?

—Você está usando batom!

A marca dos lábios de Irene permaneceu sobre os de Sherlock:

—É evidente que não—retrucou, sem demonstrar seu desconserto.

.

.

.

.

.

[1] - todo arco de instrumento de cordas (violino, viola, violoncelo ou contrabaixo acústico) é feito crina de cavalo preso a uma parte fina e longa de madeira.


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