Wasteland escrita por americangods


Capítulo 4
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Mav lembrou das histórias do velho Toombs quando viu o primeiro deles subir a escada. Ele se arrastava e era lento, como nos contos do velho bêbado. Aparentemente era burro também, desprovido de nada mais que um esboço do que foram os seus instintos um dia. Metade da cara estava desaparecida e ele tinha uns quatro ou cinco buracos de bala no peito. Já havia sobrevivido há alguma agressão antes, e talvez até tivesse aniquilado seu agressor.

- I-isso é um zumbi? – Gaguejou a moça. Ela se escondeu atrás de Mav.

- Não, isso é um zumbi mutante. – Virou-se para a moça. – Há uma diferença entre eles. Os verdes são mutantes e podem ser mais lentos ou mais rápidos que os zumbis normais. Depende da quantidade de radiação a qual ficaram expostos.

Ela só assentiu, mas não compreendeu uma palavra sequer. Mav afundou as mãos no casaco e retirou dele alguns objetos. Eram dois, um em cada mão. Dois revólveres grandes e prateados. A sua polidez era quase hipnótica, e eram as únicas coisas não empoeiradas que a moça vira desde que acordou. O rapaz engatilhou apenas um deles e com a maior calma apontou para o zumbi.

- Você tem algum problema com morte, gore, desmembramentos, etcetera? – Perguntou antes de apertar o gatilho.

- Ahn? – Ela respondeu. Mav entendeu aquilo como um não.

Ela tapou os ouvidos e fechou os olhos. O barulho da arma era estrondoso, devia ser de um calibre muito alto. Perdeu o momento que cabeça e pescoço eram separados do resto do corpo apodrecido. Ouviu o barulho seco da cabeça caindo no chão, e quando a viu rolando, teve de segurar para seu estômago não virar do avesso.

- Vamos! – Ele comandou. Ela ficou parada. – Vamos. – Ele repetiu, mais calmo.

- É perigoso! – Ela afastou-se de Mav.

- É óbvio que é. Mas é pior ficar aqui. – Guardou uma das armas e deu a mão pra ela. – Ou você vem agora, ou eu te deixo aqui. – Torceu para que ela aceitasse sua proposta.

Ela relutou, mas eventualmente acabou seguindo o pistoleiro. Mas não segurou na mão dele. Não queria parecer mais debilitada do que já estava, e não entendeu porque exigiu isso de si mesma. Talvez fosse um dos traços de sua personalidade, talvez fosse só uma imposição do momento. Preferiu acreditar na primeira alternativa, embora esse orgulho todo não fosse de seu agrado. Não havia problema nenhum de aceitar a ajuda de um estranho, pelo menos naquelas circunstâncias. Tendo ele delicadamente injetado adrenalina na sua jugular ou não.

Mav também não parecia ser muito paciente, apesar de deixar escapar uma simpatia aqui e ali, inclusive dando a mão para ajudá-la a descer as escadas. A moça não conseguia entender bem ele. Era como se hora se importasse com o bem estar da amnésica que o acompanhava, e no momento seguinte, simplesmente jogava-a para o lado para conseguir uma boa posição de tiro. Ele fez isso duas vezes no percurso.

Chegaram ao térreo, e mais um monstro foi abatido. Já eram quatro no total. Quatro tiros disparados. Quatro vezes que ela cobria os ouvidos e fechava os olhos. Só via o corpo jazido no chão e com um grande buraco de bala numa região qualquer. Não dignou-lhes o olhar quando passaram pelos corpos semi-decompostos. Apenas virava o rosto para a direção contrária, sentindo-se enojada o bastante com o odor deles.

Viram uma luz no final da recepção, era a porta de entrada. Uma sombra se fez nela e Mav deu mais um tiro. O zumbi caiu no chão mas não morreu. Começou a se arrastar na direção deles, e o rapaz teve de descarregar a ultima munição daquela pistola para se certificar da morte dele. Parou, mirou, e apertou o gatilho. A cabeça dele explodiu há poucos metros dos dois. Dessa vez não teve como a moça não olhar. Nunca tinha presenciado uma cena parecida. A cabeça simplesmente partiu e foi para lados diferentes. A expressão que o monstro tinha quando levou o tiro permaneceu, agora em dois locais diferentes aquela boca aberta e apodrecida jazia no chão.

Ela não se conteve, desabou sobre Mav e também levou-o ao chão quando segurou numa das peças de sua roupa. Ele recuperou o equilíbrio rápido, e aproveitando que nenhuma ameaça estava nas proximidades, ajudou a moça a se levantar, pela terceira ou quarta vez naquele dia. Já estava se aborrecendo com essas dramatizações exageradas dela. Tentou ser um pouco mais delicado que das outras vezes, mas desistiu na metade do caminho. Segurou-a pelos antebraços e colocou a moça de pé num piscar de olhos.

Ela olhou para Mav com aquela face magra, pálida e abatida. Os olhos verdes pareciam perder a cor a cada minuto que passava, apesar de ainda manterem um estranho brilho. Nunca tinha visto isso em ninguém. O rosto pareceu mais esbranquiçado que o normal, os olhos reviraram e ela começou a fazer uns sons estranhos.

- Merda – Disse depois da loira vomitar em cima dele.

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A primeira coisa que ele fez foi abrir o porta-malas e jogar a jaqueta dentro. A loira se desculpou duas vezes. Mav esperou com ela quase um minuto fora do carro, segurando ela e empurrando a cabeça para baixo rezando para que se ela tivesse mais alguma coisa para botar pra fora, que fosse ali mesmo e não dentro do veículo. Algumas formas surgiam em distâncias longinquas, curiosamente nenhuma no horizonte. Zumbis, presumiu ele. Os últimos da área, concluiu. Podia desfazer-se deles sem maiores problemas, mas tinha agora que se preocupar não só consigo mas também com a loirinha e a mania dela de vomitar em qualquer lugar.

Olhou para o Sol. Ainda não devia ter passado do meio-dia. Saiu de Slum logo cedo pela manhã, visitou as construções que constavam no plano elaborado por ele e Rob e nada de útil nelas encontrou, com exceção de uma caixa de munições .22, do tipo que não conhecia ninguém próximo para realizar uma troca. Teria que levá-las aos mercados da cidade ou até em outras. Deixaram o hospital por último, pois além de ser o mais afastado era também o que teoricamente tomaria mais tempo do coletador.

Não foi bem isso que aconteceu. Contou pouco mais de dez ou quinze minutos desde que entrou no hospital, achou a loirinha e desceu com ela as escadas distribuindo tiro em alguns zumbis. Fitou a moça e percebeu que ela também lhe dirigia o olhar. Aquele olhar cheio de brilho mas sem cor alguma. Algo mais lhe chamou atenção. Não sabia o nome dela. Alias, nem a própria sabia. Mas independente disso precisava achar algum apelido ou coisa parecida para ela.

Como se percebendo ser o centro das atenções, ela empurrou Mav e foi para o outro lado do carro, na porta do carona. Ficou esperando que o outro a abrisse para finalmente entrar. Ele dirigiu-lhe alguns momentos de silêncio com o olhar e um sorriso idiota.

- Não tem mais nada pra botar pra fora? – Ela sabia bem ao que o rapaz se referia.

- Me deixa entrar logo nessa droga! Tem mais zumbis vindo! – Protestou, referindo-se às sombras já não tão longínquas.

- Eu só não quero ninguém vomitando no meu carro!

- Prometo não vomitar, mas por favor, vamos! – Pareceu-lhe um tom de súplica vindo dela.

Talvez fosse essa mesma a loirinha suplicando, e não apenas uma tentativa. Podia ser esse o jeito dela de fazê-lo, implorar, com um pequeno tom de ordem e um pouco de demanda. Mav quase riu e abriu a porta do carro. Entrou, destravou a outra e assustou-se com a velocidade a qual ela sentou no veículo. Encarou o coletador de novo, um semblante um pouco mais aliviado, mas com uma presente preocupação.

- Vamos logo! Eles tão chegando! – Apontou para duas formas humanas que capengavam em direção ao carro. Mav riu de novo.

- Agora que fica legal. Como você quer acabar com eles?

- Como assim? Sei lá, só me tira daqui, por favor!

- Você tem muito a aprender ainda, querida. Tem de entender que onde estamos, matar zumbis na maioria das vezes é a nossa única diversão. Então, o que vai ser? Atropelamento ou lança-chamas?

- Ahn? – Foi o único som que ela conseguiu produzir por um bom tempo.

O que ela presenciou em seguida foi o mais bizarro espetáculo que jamais imaginara. Mav girou a chave na ignição e acelerou com tudo para cima da dupla semi-rastejante à frente. Passou pelo primeiro, que voou capô acima, rolou pelo vidro e caiu atrás do carro. O veículo correu mais alguns metros antes de frear e girar na areia. Quando parou, estava de frente ao zumbi restante. Ele se aproximou do carro, e quando chegou próximo a um dos faróis, Mav puxou uma alavanca próxima da direção.

O carro ateou fogo no zumbi. Em chamas, ele andou em círculo. A moça jurou ouvir gritos dele. Não pareciam ser completamente humanos, pareciam uma mistura de algum animal com um resmungo muito alto e contínuo. A distância entre os passos dele ia diminuindo, e também o controle sobre seu próprio corpo. Uma hora, já completamente enegrecido por debaixo de toda aquela chama, ele por fim desabou no chão, imóvel. Só foi produzir um movimento, e por estímulo externo, quando o veículo amarelo passou por cima dele.

Toma, filho da p-- teve seu pensamento cortado assim que olhou para a moça no banco de carona. Ela levou as duas mãos à boca, a barriga contorceu por debaixo da camisola e o que Mav temia tornou a acontecer.

Quando chegassem à Slum, teria de providenciar novas vestimentas para a loirinha e uma limpeza de carro.


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Notas finais do capítulo

Waste realmente me surpreendeu, acabei dedicando mais tempo a ela do que Guardian nesses últimos tempos. Ainda tem mais dois ou três caps prontos da história para postar, faltando apenas a revisão :)