Foi tudo tão rápido que Lucy mal viu os braços do espírito se enroscando nela e jogando-a para longe,  no meio das árvores. Sua última tentativa de acreditar que aquilo era só um pesadelo bizarro tinha acabado de acabar. A dor física nos sonhos, por mais lascinante que seja, nunca é tão intensa quanto na vida real. E agora ela sentia como se sua espinha dorsal tivesse se partido ao meio.

Arfando e desesperada, a maga correu o mais rápido que pôde por entre as árvores para ver se conseguia ao menos se esconder daquele monstro que tinha tomado o corpo de sua velha amiga. Mais uma tentativa em vão. Depois de dar dez passos, um dos braços escamosos puxou-a pelos cabelos e enfiou seu rosto no chão.

Agora também com o rosto inchado e dolorido, Lucy não sabia o que fazer. A mulher-serpente veio a seu encontro mais rápido quase que na velocidade da luz, e ela conseguiu escutar um grito vindo de onde ela antes estava :

- Acabe com ela !

Serpentarius parou a menos de dois metros da maga, empurrando seu corpo frágil para o tronco de uma árvore, para garantir que ela não teria caminho nenhum para fugir. Juntou suas duas mãos em formato de um triângulo e começou a reunir toda a energia celestial possível. Aquele ataque seria certeiro.

- Serpentarius... – Lucy disse, com a voz fraca, o corpo todo queimando de dor – Não faça isso, por favor...

Os olhos dourados do espírito continuaram inexpressivos. Ela parecia um cadáver que havia voltado à vida por meio de alguma magia negra. Morta ou não, ela continuava aumentando sua aura mágica que em pouco tempo reduziria todo o local ao seu redor a cinzas.

Mesmo com o medo arrepiando até seu último fio de cabelo, Lucy também estava fascinada. O tempo havia passado muito mais rápido para ela, então aquela evolução de Serpentarius era realmente impressionante para ela. A de Marco também era. Se isso acontecesse há sete anos, o rapaz já estaria desmaiado.

Marco. Sua personalidade amável e altruísta fora totalmente apagada pelas trevas que enegreceram seu coração.

- Como deixou isso acontecer... ? – Lucy perguntou, olhando fundo naqueles olhos sem vida - Logo você, que tinha tantas esperanças para que Marco se tornasse um grande e bom mago ! Parecia tão dedicada para que um dia isso acontecesse !

O queixo do espírito tremeu levemente ao ouvir isso, mas ela manteve sua pose firme.

- O que está esperando ?! – a voz masculina que se aproximava disse – MATE-A !

- Serpentarius... – Lucy repetiu, agora com um pouco mais de esperança. Ela estava...hesitando em atacá-la ? Será que suas palavras estavam começando a fazer efeito ? – No fundo você não quer fazer isso. Talvez nem Marco queira fazer isso ! Podemos encontrar um jeito de curá-los !

As mãos de Serpentarius começaram a tremer. De fato, algum impacto estava sendo causado sobre ela.

- Não deixe que ele cometa esse erro terrível ! Por favor, Serpentarius ! Me dê uma chance ! Dê uma chance a si mesma !

E como um flash, um brilho surgiu nos olhos do espírito. Foi rápido e curto, mas o suficiente para iluminar o coração de Lucy.

De repente, quando ela estava prestes a desfazer o triângulo com as mãos, uma luz cegante dourada atravessou a barriga da moça, lançando-a para trás com toda a força. Com o coração quase saindo pela boca, Lucy estreitou os olhos e conseguiu identificar uma silhueta por entre as árvores. Lágrimas caíram de seu rosto quando percebeu que era um gigante leão.

- REGULUS IMPACT ! – o espírito por trás da forma daquele animal emitiu um ataque de suas mãos que impediu que Serpentarius conseguisse contra-atacar.

Quando viu a mulher-serpente caída no chão, tentando levantar com dificuldade, Loki correu até o tronco onde Lucy se apoiava, e ergueu-a nos braços.

- Desculpe a demora.

Lucy sorriu e tocou a bochecha do rapaz com uma de suas mãos machucadas, e sussurrou :

- Como você conseguiu...?

- Podem tirar suas chaves de você, mas não podem tirar você de mim. – ele deu um sorriso orgulhoso. – E além do mais, Marco pode ser até poderoso, mas o resto de sua guilda não é tão assustador quanto parece.

- Mas... E o mestre da guilda ?

- Marco se tornou o mestre da guilda. – a voz feminina ao lado deles disse em um tom assustador. Serpentarius conseguira se levantar, e agora suas mãos estavam novamente na posição triangular.

Loki colocou Lucy no chão e empurrou-a para que saísse do caminho. Uma serpente esverdeada gigante surgiu da aura de Serpentarius, e logo em seguida vieram os gritos :

- SERPENT CYPHER !!

- LION BRILLIANCE !!

E toda a floresta foi tomada pelas luzes ofuscantes e pelo vento com força semelhante à de um tornado. Lucy agarrou-se no tronco mais perto para não ser arrastada.

A energia liberada naqueles ataques era inacreditável. A batalha de poderes se traçava no meio dos dois espíritos, ambos empurrando com toda sua energia para conseguir derrotar o adversário. Aquilo gerou um desgaste tremendo, pois a força usada era imensa. Mas nenhum dos dois cedeu. Mesmo com os pés mal aguentando sustentar o peso do corpo, mesmo sentindo sua energia se esgotando, ninguém desistia.

Lucy pensava desesperadamente em um jeito para acabar com aquilo. Qualquer um que cedesse poderia acabar morrendo. Mesmo com Serpentarius tentando matá-la há momentos atrás, ela não podia acabar assim. Sua morte seria em vão, porque seu objetivo maior jamais seria alcançado.

A maga lembrou-se do brilho passageiro que surgiu nos olhos da moça ao mencionar que Marco precisava ser salvo. Ela precisava de algo ainda mais impactante que pudesse fazer com que Serpentarius acordasse e voltasse a ser o que era antes.

De repente, um lampejo de memória surgiu em sua mente, e tudo ficou claro para ela:

“Eu amo todos os meus espíritos. De verdade. E eles me amam também. Acho que isso é uma força muito poderosa.”

Como pudera esquecer das próprias palavras ? De qualquer forma, agora tinha a solução. Agora precisava de um jeito para chamar a atenção da mulher-serpente.

Convicta, ela largou o tronco da árvore, e depois de quase tropeçar, correu até a linha de batalha e parou a poucos metros de Serpentarius.

- Serpentarius ! Por favor me escute !

- Lucy, saia daí !! – Loki gritou do outro lado do campo, atônito.

Arriscando a possibilidade de ser atacada a qualquer momento, a maga gritou do fundo de seus pulmões :

- Se não parar, Marco nunca poderá ser salvo !! Eu sei que você ainda o ama !!

Aquelas palavras atingiram o espírito mais profundamente do que qualquer ataque celestial. Ela tossiu como se tivesse acabado de cuspir algo que estava há séculos entalado em sua garganta, e toda a sua luz esverdeada desapareceu. Loki parou o ataque assim que percebeu que a moça estava vulnerável, mas isso não impediu que ela caísse no chão, com as energias praticamente esgotadas.

Loki e Lucy correram até o espírito caído, que agora respirava com dificuldade.

- Lucy... – ela disse, o cenho franzido, as mãos trêmulas pegando as da maga. Agora ela tinha certeza que Serpentarius havia voltado, pois seus olhos, mesmo fracos, estavam em seu tom de dourado lindo novamente. – M-me.. Desc... – o nervosismo a impediu de continuar a frase.

- Não precisa dizer nada, pelo menos você voltou ! – Lucy apertou sua mão com força.

Mas a comemoração foi rápida, porque de repente, a silhueta de Marco surgiu das sombras.

- O que está acontecendo aqui ?!

Loki se preparou para atacar o mago, mas Serpentarius levantou-se usando toda a sua energia restante e se pôs na frente dele.

- Eu preciso fazer isso. Preciso parar o Marco.

Os olhos de Marco se encheram de ódio e indignação :

- Serpentarius, o que você pensa que está..?!

Mas os braços escamosos se enroscando no corpo dele impediram-no de terminar a frase. Jogado contra uma das árvores e com a expressão confusa no rosto, ele ordenou-a que o soltasse senão sofreria as consequências, mas ela não obedeceu, mesmo com o corpo doendo da maneira tão absurda como doía no momento.

- Marco... lembra que você sempre perguntava sobre a minha história ? Pois bem, agora chegou a hora de contá-la.

Os três arregalaram os olhos. Loki porque sempre carregou a sensação de que a conhecia do passado, Lucy porque estava surpresa de vê-la se voltando contra seu próprio mestre e curiosa para ter explicações, e Marco porque aquilo lhe trouxe uma avalanche de lembranças e dúvidas que ele havia optado por esquecer há anos.