Não sabia há quanto tempo estava ali, do outro lado da rua, observando. A mãe de Gabe havia saído, e seu pai, Mitzrael, se preparava para sair. Gabe parecia entediado.

"Filho..."

"Não fale comigo pai. Eu... eu não quero brigar mais com você e com mamãe." ele falou de modo suave. "Mas não posso falar com vocês agora. Estou... estou triste. Quero ficar sozinho. Por favor."

Sem dizer palavra, Mitzrael saiu de casa e o deixou só. Sheba observava a tudo. Ainda em sua forma spectral, entrou na casa, pelas frestas das portas. Não pretendia fazer nada. Somente queria ficar perto, ver se estava tudo bem.

Mas sentiu o cheiro de Jezebel no ar. Ela estivera ali. Provavelmente tentando iniciar uma briga entre Gabe e Mitzrael. Sheba ainda não podia dizer porque a briga fora encerrada e ela fora embora. Jezebel jamais deixaria uma briga dessas para trás, muito menos se intimidaria com a presença de Sheba.

Ela parou de pensar em todas essas coisas quando olhou para Gabe. Ele estava desolado. Sentado no sofá, olhar perdido, parecia deprimido. Não se movia, apenas respirava.

Tomando cuidado de não olhar nos olhos dele, Sheba ficou à frente dele, observando suas feições. Então, viu seu rosto mudar.

Ele estava como se tivesse acordado de um transe, estava ansioso. Olhou em volta, procurando algo. Respirou fundo. Levantou-se do sofá.

Então ele disse.

"Sheba."

Sheba ficou atônita, por um momento nem mesmo a fumaça que a envolvia se mexeu. Ficou sem saber. Será que ela tinha se deixado perceber?

"Sheba. Eu sei que está aqui."

Como? Como ele podia saber?

"Eu sinto o desespero invadir esta casa neste momento, um desespero diferente, conhecido. Eu posso sentir que você está aqui, então não me deixe falando sozinho como um idiota. Eu vou achar que estou ficando louco."

A intenção de Sheba era apenas checar Gabe, ter certeza que ele estava bem, e protegê-lo de Jezebel. Mas saber que Jezebel esteve ali a deixou vulnerável, e agora, Gabe sabia de sua presença. Negar um pedido dele seria diabólico, e sua natureza queria isso. Mas ela percebeu, tarde demais, que o amava.

A única maneira de aparecer para ele e se preservar era através de um portal. O melhor que conhecia, naquele momento era um espelho.

Formou-se, materialmente, atrás do espelho da sala, e chamou-o.

"Estou aqui."

Ele virou-se e olhou-a, diretamente nos olhos.

E nada aconteceu. O portal impedia que a magia entre anjos e demônios acontecesse através do espelho. Ele correu para ela, e tocou o espelho com as mãos. Sheba repetiu o movimento.

"Gabe."

"Sheba. Eu senti tanto a sua falta!"

Sheba sentia o fogo do inferno queimá-la. Mas também sentia algo diferente queimando o local onde deveria haver um coração negro. Amor. Como isso podia ser possível?

"Eu também."