Hotel 636 escrita por Roni Ichiro


Capítulo 1
Capítulo único




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         Era mais um dia comum na Brigada SOS. Yuki lia seu livro quieta em seu cantinho, Koizumi e eu disputávamos uma entediante partida de xadrez e Mikuru nos servia seu delicioso chá. Como sempre Haruhi estava fazendo sabe-se-lá-o-que e não havia chegado no clube ainda.

         Estava quase dormindo sentado até que uma forte batida na mesa me fez tomar um susto. Por um momento achei que Koizumi tinha me dado um xeque-mate, mas quando abri os olhos me deparei com o pequeno punho fechado de Haruhi ao lado do tabuleiro, cujas peças voaram para longe com o soco.

         - Olá, meus queridos membros ! – ela disse, animada como sempre. – Vocês não vão acreditar no que eu descobri !

         “Ah não, lá vai...”, pensei, já imaginando na próxima roubada em que ela iria nos colocar.

         - Algo muito interessante, eu presumo. – disse Koizumi, sorridente. Como sempre um puxa-saco.

         - Recentemente eu ouvi que os estudantes estão falando sobre um jogo de computador que é a nova sensação. – ela se direcionou até o quadro branco e escreveu com a caneta preta em letras garrafais o nome : “HOTEL 636”.

         - Sobre o que é o jogo, Haruhi ? – perguntou Koizumi

         Ela se virou para nós, com aquele sorriso perigoso que ela adorava estampar no rosto. Depois, se apoiando na mesa, falou :

         - Um hotel mal-assombrado.

         Mikuru logo estremeceu e segurou meu braço.

         - E o que é que tem esse jogo ? – perguntei, ainda entediado.

         - Ora, Kyon, é óbvio. – Haruhi cruzou os braços. – O jogo envolve fantasmas, espíritos e todo o tipo de assombrações, e de repente todas as pessoas da escola resolveram jogar ? Não acha isso muito...estranho ?

         Pisquei duas vezes.

         - Acho que tem alguma organização fantasma envolvida nisso que está fazendo uma espécie de lavagem cerebral nas pessoas.

         Ela não podia estar falando sério. Como sempre, tentando ver coisas malucas onde não existem.

         - E como poderemos comprovar isso ? – perguntou Koizumi

         - Jogando, é claro. – ela deu uma risadinha esperta.

         - J-j-jogando ?! – Mikuru gaguejou, apertando meu braço com ainda mais força – M-mas...

         - Haruhi, se me permite.. – Koizumi começou – Acho que se todos nós jogarmos não vamos conseguir comprovar nada. O ideal seria que um de nós jogasse enquanto outro observa sua reação, para ver se realmente tem alguma lavagem cerebral de fato.

         Os olhos de Haruhi se iluminaram.

         - Genial, Koizumi ! E eu já sei exatamente quem será nossa cobaia...

         E claro que não só ela, mas TODOS direcionaram os olhares para MIM.

         - O quê ? Por que eu ?! – perguntei, indignado.

         - Hm... – Haruhi pensou um pouco – Se não quiser posso por a Mikuru no seu lugar.

         - O QUÊ ?! – Mikuru estava hiperventilando, depois olhou profundamente em meus olhos, quase chorando – P-por favor, Kyon ! Não me faça ter que jogar esse jogo !

         Vi que não tinha escolha. Era isso ou teria uma ruivinha caída morta por causa de um ataque do coração bem diante de mim.

         - Está bem... - resmunguei

         - Isso ! -  Haruhi deu pulinhos – Muito bem ! Eis o que vamos fazer : Kyon, você vai entrar no site hoje e vai jogar enquanto eu fico no telefone ouvindo suas reações. Todos de acordo ?

         Que ótimo. O único que iria levar algum susto por causa dessas assombrações seria eu. Muito esperta, senhorita, Suzumiya, ficando só no telefone...

         - Sim ! – todos disseram, inclusive eu. De que adiantaria reclamar ?

- Dispensados ! – Haruhi bateu continência, pegou sua bolsa e bateu a porta.

Koizumi e Mikuru saíram logo em seguida. Aproveitei que estava sozinho com Yuki para perguntar a ela :

- Ei.

Ela levantou os olhos para mim.

- Já jogou esse jogo ?

- Não. Mas meu banco de dados permite que eu saiba exatamente como ele é.

- Então...? – esperava que ela pudesse me dar uma informação boa, sabe, só para preparar meu coração.

Ela me encarou sem expressão.

- Sabe se... – cocei a cabeça, atrapalhado – Dá muito medo ?

Ela pensou – ou pesquisou um pouco, não tenho tanta certeza – e disse, monossilábica :

- Sim.

Arregalei os olhos.

- Mas as fases... são... muito assustadoras ?

- Sim.

- Na sua opinião... como eu reagiria a esse jogo ?

Ela piscou.

- Não sei dizer. Tudo o que sei é que todos os adolescentes com características semelhantes às suas tiveram o mesmo tipo de reação ao jogo. Medo, horror e trauma.

Engoli em seco. Era hoje que eu morria.

- O-obrigado.

Yuki assentiu com a cabeça, pegou sua bolsa e saiu. Eu e minha curiosidade.. se não tivesse perguntado nada a ela pelo menos não iria para casa só pensando no horror que me aguardava !

Haruhi foi extremamente pontual. Vinte minutos depois que cheguei em casa – dando tempo para eu lanchar e trocar de roupa – ela me ligou e ordenou que eu ligasse o computador. Não podia discutir, então mesmo tremendo de leve, fiz o que ela disse.

Entrei no site e me cadastrei. Fiquei um pouco apreensivo porque logo no primeiro clique apareceu uma cara esquisita berrando no canto da tela. Respirei fundo, precisava ficar calmo. O jogo nem havia começado e eu já estava suando.

-Haruhi, tem um problema. Não tá indo. –quase sorri ao ver a tela mostrando um aviso em vermelho

- Não ? Como assim ?

         - Aqui diz que o jogo só funciona depois das seis da tarde. – olhei para meu relógio, eram cinco e meia. Agora qual era a razão disso ? Pra deixar o pobre jogador com mais medo ainda ? Pra impedir que ele possa pelo menos recorrer à luz do sol como conforto ?! Que absurdo.

- Então muda o relógio do seu computador. – droga. Por que ela tinha que pensar em uma solução ?!

 - Não, se não posso jogar, não jogo.

 - Me parece que você tá com medo... – ela riu

         - Não estou ! – protestei, irritado

Mas era óbvio que eu estava morrendo de medo. Quase me borrando nas calças. Não tive escolha. Para minha infelicidade, o servidor do jogo era burro o suficiente para acreditar que o tempo passara magicamente, e o site permitiu que eu entrasse. Era a hora. Não podia voltar atrás.

         - Conseguiu ? – ela perguntou

         - S-sim... – balbuciei.

Um vídeozinho de introdução começou, mostrava uma pessoa acordando em um quarto de hotel todo sujo e quebrado, murmurando umas coisas típicas de personagem estúpido de filme de terror. Ele abriu a porta de seu quarto – imbecil ! Quando se está num lugar desses você não caminha em direção à morte certa ! -  e saiu em um corredor escuro.

“Já não começou muito bem...”, pensei, aflito.

 Andei com o mouse em direção ao corredor até que me deparei com uma espécie de fumaça fantasmagórica negra vindo em minha direção fazendo um som muito sombrio. Já me desesperando, fiz meu personagem correr até a única coisa que eu achei que o salvaria, uma porta.

Não desgrudei do telefone. Aparentemente agora estava em um banheiro sujo e escuro. Narrei meu trajeto até então para Haruhi.

         - Ah, não parece assustador.

         - Pois é... – mas me arrependi de tirar conclusões precipitadas. Uma mulher vestida de empregada apareceu bem lá atrás, limpando alguma coisa. E claro... ela era loira. Todos os pelos do meu corpo se arrepiaram.

         O estranho era que nada acontecia. Já estava lá parado há uns dois minutos e nada daquela empregada fantasmagórica vir me atacar.

         - Você não tem que matar ela ou algo do tipo ? – Haruhi perguntou, depois de eu narrar o que estava acontecendo.

         - Acho que sim, mas não tenho nada. Só uma câmera fotográfica.

         - Uma câmera ? Estranho... – depois de alguns segundos botando aquela mente perturbada para funcionar, ela chegou à seguinte conclusão : - Tira uma foto dela pra ver o que acontece.

         - O quê ?! – sem ofensas à dona loira, mas não queria ter a imagem dela guardada comigo para sempre, porque mesmo de longe ela já estava me dando muito medo.

  Respirei fundo e cliquei na máquina, mas me arrependi logo em seguida. Estava quase fechando a janelinha do jogo quando a criatura voou na tela, berrando e mostrando sua cara horrenda. Deus, e o som estava ligado ! Não aguentei e dei um berro escandaloso de susto, deixando Haruhi praticamente surda.

- Tira mais uma foto, Kyon ! Tira ! – ela percebeu que eu estava sem ação -  Senão você morre !! TIRAA !!

Comecei a clicar freneticamente com o mouse e tirei quase um book inteiro daquela mulher. E ela morreu. Ufa. Um ataque cardíaco a menos.

         - Pronto... – falei, arfando – Próxima fase.

Desci umas escadas e entrei num quartinho – também, todo sujo e desarrumado e com uma iluminação um tanto fraca -  que tinha um bebê. Uma musiquinha de ninar tranquilíssima tocava. Me acalmou totalmente. A fase parecia fácil. Conclui que deveria passar pelo quarto sem acordar o bebê, porque eu conheço filmes de terror, e aquele ser que você mais deve evitar se quiser sobreviver é sempre a criança.

Mas a musiquinha parou de repente. Pensei que meu som tinha dado pau, mas não. Falei para Haruhi que no canto da tela um medidor oscilava de branco a vermelho.

- Então se o medidor ficar vermelho o bebê acorda. E você só não pode deixá-lo atingir essa cor. Simples. –ela falou.

         É. Parecia simples. Mas eu sabia que de alguma maneira o jogo ainda iria me sacanear e me fazer tomar um susto ainda maior, para eu borrar as calças de vez.

Fiquei passando o mouse pelo quarto bem devagar e suavemente, e não é que deu certo ? Estava chegando na porta, todo contente que estava prestes a sair, mas aí foi quando o infeliz do bebê não satisfeito em ter acordado, pulou em cima de mim gritando com uma cara muito assustadora. E o que eu fiz ? Gritei como uma garotinha, claro.

         - Ok. Acho que ele acordou. – Haruhi falou, e por estar ouvindo sua voz mais distante, deu para ver que ela afastou o telefone do ouvido para que eu não estourasse seus tímpanos.

Porcaria de fase difícil ! A droga do bebê acordava TODA HORA ! Fiquei um tempão tentando pisar naquele chão que nem uma bailarina, mas não importava o que eu fizesse, aquela criaturinha demoníaca pulava em cima de mim ! Me deu vontade de ligar o microfone e começar a cantar a música que minha mãe cantava para mim quando eu tinha três anos de idade só para aquela porcaria dormir. Se bem que do jeito que eu cantava, era capaz do bebê ficar ainda mais fulo da vida e me estrangular do que dormir tranquilamente.

Depois de muito, muuuuuuuito esforço e força de vontade, passei de fase.

- Finalmente ! – Haruhi comentou. Que raiva. Não era ela que estava passando pela noite mais assustadora da vida dela, era ?! E ainda ficou impaciente com as minhas dificuldades ?! Quanta injustiça !

         Entrei em outro quarto e me deparei com um homem magro, cabeludo e com uma cara medonha se debatendo em uma camisa de força. Com o coração quase saindo para fora, olhei para o lado e vi que tinha um espaço onde eu deveria digitar uma sequência de números. Uma voz estranha sussurrava umas palavras soltas, mas não consegui entender o que elas significavam.

         - Devem ter alguma coisa a ver com esse código. Presta atenção, o que a voz tá falando ?

  Tentei ao máximo entender o que era aquilo, mas a imagem daquele louco se debatendo estava captando minha atenção.

         Fechei os olhos e consegui ouvir com mais clareza. Digitei os números nos espaços, crente que estava livre daquela fase, mas não deu certo.

- Conseguiu ?! – Haruhi perguntou

Não respondi, a tela simplesmente ficou toda preta. Meu Deus, TODA PRETA. E apareceu uma mão. Aquela quantidade de sustos seguidos estava começando a me fazer delirar, porque tudo o que eu pensava era que queria fechar o jogo pensando que a mão ia me sugar pra dentro do computador. Mas lembrei que já era um sério aluno do ensino médio e já não acreditava mais nessas besteiras.

 Mas confesso, quase chamei minha mãe.

Bom,passou mais um tempo de sustos, gritos e desespero, mas finalmente consegui chegar na última fase. Graças aos céus ! E essa fase mostrava meu personagem saindo do hotel ! Eu estava livre ! Nunca mais teria que lidar com aquelas criaturas bisonhas outra vez ! E de uma certa forma foi até bom eu ter tido coragem de ir até o final !

         - Nada de lavagem cerebral, Haruhi. – estava tão feliz que nem

fiz nenhum comentário irônico com aquela obsessão dela.

         - Bah, que chato. – ela bufou. – Enfim, o que está acontecendo agora ?

         - Agora estou aqui saindo desse hotel bizarro e entrando em um carro. – me endireitei na cadeira - Peraí, peraí, tem alguma coisa no retrovisor.

         Cheguei mais perto da tela para ver. Pra quê...?

- AAAAAAAAAAAAAAAHHHHHH !!!!!!!!!!!

Depois de ter visto o bicho mais feio do jogo no retrovisor que conseguiu ganhar da loira, do bebê e do maníaco na camisa de força, todo o meu orgulho e bom senso foi por água a baixo. Furioso com todo o trabalho que tive para acabar nisso, soltei os cachorros :

         - NÃO ACREDITO ! Haruhi, sua maldita ! Me obrigou a gastar minhas tarde jogando essa porcaria do inferno que vai me traumatizar pro resto da vida ! Desgraçada, só por causa da sua obsessão por coisas loucas eu tive que sofrer durante esse tempo pra acabar assim !! Não vou mais conseguir ir ao banheiro ou segurar um bebê !! MALDITA !

Ops, ela desligou o telefone. Ela não ia deixar aquilo barato. Depois de achar que tinha me livrado dos sustos, assumi que iria levar um bem pior no dia seguinte. Loira do banheiro é fichinha perto de uma Haruhi Suzumiya com raiva.


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