O Que É Amar? escrita por Hikari


Capítulo 7
Rompimento.


Notas iniciais do capítulo

Ooi, filhotes. Saudades de vocês. (:
Desculpe-me a demora... ultimamente tudo anda bem corrido por aqui e quase não parei em casa essas semanas. Felizmente, consegui vir postar hoje. Eu tentei de tudo para apressar meu atraso, mas eu tenho problemas eu escrever capítulos rapidamente e eu sinto muito por isso. Sinto muito mesmo. Não queria ter demorado...
Muito obrigada por todos que esperaram. Muito obrigada por todos os comentários que me mandaram e as mensagens que me enviaram (nunca recebi tanto carinho por uma fanfic, e aprecio muito a ajuda de vocês). Muito obrigada a todos que favoritaram e muito, muito obrigada mesmo para todos que me aguentam em demorar tanto para aparecer.
Espero que gostem, boa leitura.



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Rachel estava confusa.

A mente turva e anuviada, com os pensamentos girando em torno de um círculo atordoado e impossivelmente vazio, gritos e sussurros entoavam em sua cabeça como música clássica, capazes de fazê-la desmaiar com um único toque a mais, pressionando-a em um furacão de temerosas e aparvalhadas suposições e previsões alarmadas. Profecias estonteantes deixavam-na cansada e atarefada. Sua cabeça parecia estar sendo arremessada dentro de um liquidificador e depois mesclada com especiarias para fazer um belo banquete.

Rachel tentava ao máximo calar todas as vozes dentro de si. Mas elas eram teimosas, e não tinha sombra de dúvida da capacidade delas em levá-la de volta para aquele aterrorizador mundo dissolvido e diluído na espessa camada do irreal misturando-se ao real. Era onde sempre era levada ao ter que recitar uma profecia; contudo, ao contrário das outras, dessa vez, ela tinha consciência do que acontecia. Sabia o que estava acontecendo.

Porém, também, não devia deixar de dar valor a outro integrante desse seu grupo “oracular”. Ao seu lado, concentrado fitando a garotinha, estava o deus do sol. Em seu colo, havia uma bacia com água morna, onde Rachel mergulhava o seu pano, torcendo-o para retirar a abundancia da umidade antes de colocá-la cuidadosamente sobre a testa da pequena Silena, a qual estava adormecida em um sonho incrivelmente longo e submerso em uma profundidade inacreditável. Rachel sabia que não deveria incomodá-la. Afinal, são nos sonhos onde resolvemos as questões mais importantes, onde encontramos respostas inacabadas. Portanto, para que trazê-la de volta para esse mundo sem cor?

Percy e Annabeth haviam saído, de qualquer jeito. Ela merecia de algum descanso. Assim como aqueles dois.

“Será que eles não podem parar de se afligir por um mísero instante?” pensou, milésimos de segundos antes de lançar o pano de volta a bacia abastada de água e empertigar-se para olhar a frente onde revelava um rosto preocupado e sonâmbulo de um garoto de dezessete anos totalmente descontrolado. Ela poderia muito bem ter caído para trás pelo susto causado a imagem subitamente desenhada a sua frente ou gritado alguma praga. Mas não o fez. Ela já sabia de sua visita inoportuna e inesperada. Quando se tem um Oráculo dentro de si era possível pressentir algo do tipo aproximando-se. Rachel suspirou, tendo o conhecimento exato do horário correto para preparar-se para lhe contar sobre Silena ainda estar em seus sonhos inacabáveis.

Em relação a imagem, era nítido do movimento onde-quer-que-ele-esteja. Por trás apareciam multidões, todas passando apressadas pela rua. Ele aparentava estar em beco pela rua fechada e as pedras enegrecidas ao lado, com três latas de lixo organizadas na extremidade. Ele parecia ter saído de um vulcão, os cabelos bagunçados para cima e os olhos correndo pela imagem a fim de ver a pequenina e ter a vã esperança de encontrá-la ali de pé mostrando a língua para ele. Rachel não precisava ter o Oráculo dentro de si, porém, para poder saber disso. Não fazia nem quinze minutos desde quando Percy saíra para ir à sua escola (embora ter muito reclamado e protestado, não venceu a discussão de poder faltar naquele dia) e ele já havia mandado mensagens de Íris cinco vezes, cada uma ordenando poder ver Silena para assegurar-se de ela estar bem. Rachel imaginava como ele chegaria a tempo de passar pelos portões do colégio – se é que já não estavam fechados.

—Ela está melhor? – perguntou o rapaz, inclinando a cabeça para frente, com a inútil intenção de enxergar alguma paisagem a mais. Rachel rolou os olhos e deixou-o recair sobre a figura deitada na cama, agarrando o cobertor como se fosse um véu que a prendia naquele mundo, Rachel imaginou o que ela pensava (será que Silena sonhava que poderia flutuar para longe sem aquilo encobrindo-a?). A miúda forma encolheu-se, como se sentisse estar sendo observada, e virou para o lado oposto, soltando um enorme e leve suspiro.

—Sim. –Rachel respondeu, voltando-se para a imagem ondulante e vivaz. Ela deu um sorriso com o canto dos lábios, tentando transmitir-lhe um reconforto. –Não se preocupe. Ela ficará bem. Mandarei notícias caso ela despertar.

Percy respirou, transparecendo sua frustração sem ter o menor temor de escondê-la. Rachel compreendeu sua agitação. Embora sabendo sobre os segredos da garota – não só por intermédio próprio, é claro – era completamente capaz de entender a dor que o rapaz sentia naquele momento, mesmo ele mesmo não tendo conhecimento de quem Silena realmente era. Depois de um tempo sem recitar uma palavra, ele prosseguiu:

—E Annabeth? Ela já voltou?

Rachel pôde perceber o ar ao seu lado mudar para um clima mais pesado, tenso. Olhando de esguelha, Rachel enxergou um Apolo de sobrancelhas arqueadas, curvando-se para frente para encarar mais de perto a garotinha. Ela ficou com vontade de rir. Ele, o próprio deus sol, preocupando-se com uma garotinha de seis anos de idade? Era quase cômico, considerando que eram raros os tormentos desse especifico ser integrante da divindade.

Virando-se para a tela novamente, notou Percy impaciente, os olhos esbugalhados em busca de respostas. Rachel sacudiu a cabeça, negando. Seus pensamentos estavam a mil, trotando, correndo, colidindo com barreiras e tropeçando em pedras, quase sempre sem chegar a lugar algum.

—Eu pensava que ela estaria com você... –comentou desnorteada, sem entender o porquê a loira não o encontraria sendo os dois inseparáveis. Podia ter certeza de ter escutado alguma discussão do lado de fora da cabana de seu pai, onde ela os hospitalizara, na noite passada. Ou seria apenas uma impressão sua? Não sabia direito o que esperar. Ou o que queria esperar.

Percy focou o horizonte distante, o olhar incerto e vago. Rachel sentiu uma pressão em seu estômago e pôde prever um novo alarme. Porém, ao fechar os olhos e centralizar o seu objetivo, tudo o que ela viu foi uma escuridão conflitante, sem fim e sem um destino decisivo. Sua cabeça começou a rodar e rodar e Rachel finalmente desprendeu-se da momentânea visão deslumbrante e desconcertante. Como se perdesse a gravidade, sentiu-se nada mais que um minúsculo e insignificante grão dentro de um planeta impressionantemente indesvendável. E tão rápida e repentina que a sensação chegou, ela desapareceu e Rachel estava novamente sentada a frente da cama de Silena, que dormia ressonante, com Apolo ao lado, o qual deixou escapar uma enorme e relaxante respiração contida quando ela revirou-se e voltou a posição original, de frente aos dois, o rostinho ingênuo respondendo a imagem da pura inocência e mansidão apenas ao olhar, a boca semiaberta puxando e soltando o ar de maneira regular e singela, as bochechas coradas, com o rosado alastrando-se em seu rosto, colorindo os lábios de Silena. Os fios loiros encaracolados de seu cabelo marejavam a sua volta, a testa grudando uma pequena quantidade dourada dos cabelos em sua pele, dando a transparecer um pesadelo incomodante. Era claro como cristal a semelhança da filha com os pais, e Rachel ainda estava perplexa com tudo isso. A mente voltou a borbulhar com as vozes novamente e não percebeu já ter passado um bom tempo em silêncio até que Percy trouxe-a de volta.

—Ela acordou? –alguém perguntou ao longe. Tudo parecia difuso naquele momento. Nada parecia real. – Rachel...? –a garota escutou Percy chamá-la, mas apenas depois da décima vez dito seu nome que ela virou-se para a imagem, agora tremulante e praticamente sumida. A ruiva balançou a cabeça, de modo tácito e indeciso.

A imagem estava fraca e logo tornou-se apenas um borrão diante dos olhos de Rachel enquanto a mesma ainda a olhava, refletindo sobre suas palavras para medi-las e dizer que tudo estava bem. Falar isso para Percy a respeito de Silena era a mesma coisa que falar com uma planta. Ele precisava estar ao lado da garotinha para assegurar-se de ela estar completamente e perfeitamente em pleno estado racional e saudável. Por isso, passou por sua cabeça que as palavras simples já bastavam. E antes que desaparecesse o garoto por completo, Rachel pôde ser capaz de pronunciar:

—Já disse. Não se preocupe. Ela está em boas mãos.

E após dar uma piscadela brincalhona e confiante, a imagem dissolveu-se no ar, deixando apenas o contorno difuso da imagem do rapaz fazendo uma careta desconfortável. Era óbvio a sua vontade de poder voltar para perto da garotinha, porém, ele não abriu mais a boca e assim a imagem tremulante completamente diluiu-se ao vento refrescante que visitou o trio anormalmente disposta naquela mesma sala. Rachel pensou com sarcasmo que deveriam ter esse tipo de reunião sempre: uma garota mortal abrigando o Oráculo, com uma garotinha de seis anos de idade viajante do tempo e filha dos heróis do acampamento meio-sangue e um dos doze Olimpianos agindo de uma maneira totalmente peculiar e curiosa.

Rachel recostou-se na cadeira dando um alto e evidente suspiro de cansaço. Poderia muito bem cuidar da pequena sozinha, e estava dando certo até Percy e Annabeth obrigarem-na de deixá-los entrar noite passada. É claro, não poderia culpá-los, mas com eles por perto, não poderia ter a liberdade de curá-la com os métodos mais simples e eficazes. A sorte, fora que pudera deixá-los longe o bastante para Apolo fazer seu trabalho com sucesso. Lembrava-se muito bem da noite passada, e de como tudo desenrolou-se após ela.

“Rachel guiou-os até uma casa isolada, perto daquele mesmo parque. Percy ficou perplexo diante daquela casa aparentemente ‘comum’ que Rachel os havia assegurado de estar levando. A tal clamada casa tinha quatro andares, feita de madeira rebuscada e uma iluminação impecável. Com duas garagens, ela era larga e com janelas claras e enormes deixando o cômodo praticamente feito de vidro. Dentro, ela era quase como um palácio dos tempos modernos, o chão recoberto inteiramente por tapetes, e apenas algumas poucas áreas com assoalho cintilante e escorregadio. Rachel fê-lo depositar a pequena garotinha em um sofá por perto – o mais próximo – e ela afundou no tecido reconfortável e agradável do couro macio e estufado.

—Saiam. –ordenou a voz ecoante da ruiva, enquanto corria para buscar panos e água morna, assim como um novo par de roupas e curativos dentro de um armário na cozinha. Ao voltar, deparou-se com a mesma imagem de antes, os dois adolescentes com as feições perturbadas ajoelhados perto da garota, Annabeth murmurando palavras tranquilizantes (apesar de não ter certeza sobre Silena estar ouvindo-a) e Percy passando a mão sobre o rostinho suado e transtornado da garotinha. Rachel encaminhou-se nervosamente até eles, empurrando-os para o lado a fim de abrir espaço e derramar os seus curativos e afins ao chão, para limpar e cuidar da garota. Sabia exatamente o que fazer. Mas com os pais, a princípio ignorantes a respeito de suas identidades, da pequena por perto não poderia realizar nenhum ato. Aos vozes gritantes dentro de si teimavam em repetir a mesma coisa.

Ela tem que salvá-la.

E considerando o estado da pequena, a quantidade de sangue perdido e a recém batalha a qual Silena foi sujeitada, tinha de apressar-se. Conseguia sentir o peso e a textura da ambrosia e o recipiente de tamanho razoavelmente pequeno do néctar dos deuses em seu bolso e em sua mão cerrada, escondida diante de tecidos de cores variadas para ninguém vê-los.

Rachel virou-se novamente para ambos, agora fitando-a desconfiados.

—Andem. Saiam. –reiterou sua ordem, fazendo um gesto para a porta que teriam de passar, subindo alguns degraus até chegar ao espaço aberto e amistoso. Eles não se mexeram. Rachel ficou agitada, por fim, acabando a pegar mais um pano e rasgando-o para poder estancar o sangramento que agora vazava do curativo improvisado de Annie. Ela molhou-o na água e enroscou-o novamente na mão de Silena, retirando o pano encharcado de seu braço. Disfarçadamente, ela conseguiu despejar uma gota do néctar no pano antes de pressioná-lo contra o ferimento. Poderia não ser de muita utilidade, mas talvez também poderia ajudar de alguma forma. Rachel impaciente, encarou-os com os olhos faiscando. –Saiam, agora. Eu cuidarei dela.

E vendo a imobilidade de Annie e principalmente de Percy (que parecia totalmente estático), Rachel levantou-se e levou-os até a porta. A loira não parava de tentar resistir, virando a cabeça para olhar Silena com uma agonia absurdamente transparente. Rachel sentiu-se mal por ter que enxotá-los de perto da pequena criança dos dois, mas sabia que não tinha escolha. As vozes berravam para ela fazer o que se devia ser feito. Uma lista complicada e duvidosa, completamente confusa, mas ela apenas obedecia as palavras, sabendo que agia corretamente. Era isso, ou não se atrevia a pensar no que poderia ocorrer.

‘Me desculpem’ pensou tristemente levando-os para fora e podendo enxergar a dor nos olhos verdes e cinzentos do casal, desentoados e sem saber o rumo certo a se tomar. Percy deu um passo a frente quando Rachel tentou fechar a porta, e ela pode contemplar o sofrimento nos verde-mar dos iridescentes olhos fitando-a.

—Por favor. –sussurrou, rouco. Ela pode notar que mesmo sem ele saber quem Silena realmente era, Percy sentia uma forte ligação com a garota. Atrás de seus ombros, Annie abraçava sua própria cintura, como se estivesse caindo em um poço desolado e vazio cheio de incertezas. Era palpável a sua frustração e degradação. Seu rosto empalidecera ao olhar para Rachel, esperando a resposta.

A ruiva mordeu o lábio inferior até sentir o gosto metálico do sangue escorrendo para sua língua. Desviando o olhar, ela sacudiu a cabeça, e fechou os olhos, escutando com clareza a voz de Delfos: ‘Volte... Não os deixe segui-la’. Abrindo novamente os olhos, Rachel percebeu ter recuado alguns centímetros para trás, longe de Annie e Percy. Ela balançou a cabeça, negativamente e murmurou um baixo ‘Desculpe’ antes de fechar totalmente a porta e descer as escadas rapidamente, quase escorregando pelos degraus forrados com tapetes delicados.

Assim que chegou ao andar debaixo, deparou-se com a pequena suando frio, a respiração pesada e instável, sendo puxada dos pulmões com dificuldade causando um ruído estrondoso, suas mãozinhas fechavam-se atormentadas e o rosto estava completamente desprovidos de uma cor sequer. A criança parecia morta, se não fosse seus movimentos repelidos e incessantes.

Rachel correu através da sala, percorrendo a distância com facilidade. Ela jogou-se contra o chão, caindo de joelhos, e tentou conter a pequenina o máximo possível em sua única presença. Embora ela não tenha força o suficiente para expeli-la para longe, Rachel temia poder machucá-la.

Ao pousar a mão no tórax da princesinha, pode sentir a fragilidade dos órgãos internos. A ruiva prendeu o ar involuntariamente e deslizou a palma por Silena sentindo os ossos quebrados. Ela pensara que todos os acontecimentos não causaram tanto prejuízo, mas ao estudá-la agora... Não poderia nem mesmo ter imaginado o estrago que o Minotauro havia feito nela.

—Oh, não... –murmurou mais para si mesma do que para qualquer um. Seus olhos queimavam de desespero e as mãos trêmulas buscavam algo para aliviar a dor da garota. Podia sentir com culpa os contornos da ambrosia, mas tinha receio de usá-la. Está bem, o Oráculo dentro de si podia ter um pressentimento um tanto estranho em relação a princesinha, porém, o que aconteceria se ela estivesse interpretando de um modo incorreto? Não poderia se dar ao luxo de enganar-se dessa vez.

—Você não deve ignorar tão rapidamente seus instintos, Rachel. –a ruiva sobressaltou-se e derrubou no carpete uma boa dose de seu unguento. Ao seu lado, em um lampejo de luz cintilante apareceu Apolo, encarando-a repreensivamente. Ótimo, tudo que precisava.—pensa, fora de si e tentando guardar o máximo do unguento que era possível retirar do tecido grosso.

Apolo suspira com desconsolo, meneando a cabeça como se acabasse de ver seu próprio filho desobedecendo uma ordem dada repetidas vezes. Rachel fecha a cara e torce o nariz, sentindo as vozes suscitando uma grande agitação incorrigível. Rachel bem que queria poder mandá-las ficarem quietas, porém, sabia que se o fizesse só acarretaria mais reclamações e dor de cabeça.

—O que você faz aqui? –pergunta voltando ao trabalho, tentando desprezar a presença da cura dos deuses. Sua cabeça estava tão cheia, parecendo que um enxame de abelhas e vespas haviam resolvido fazer uma festa particular bem acima dela, que não conseguia processar e pensar com coerência e proeza. Tudo o que dava atenção, no momento, era a imagem conturbada de um fio corrompido, cortado e transtornando todo um futuro completamente dúbio. Se aquela garota se fosse, sabia exatamente que algo improvável era capaz de acontecer. Um buraco se formaria e Rachel não conseguia mais enxergar nada. Apenas um imenso vasto de escuridão.

Apolo bufou, descrente. Dando-lhe um sorriso apático, o deus do sol aproximou-se da garota inconsciente.

—Por que todos me fazem essa pergunta? –reclamou com descaso, então afastando todos os medicamentos de Rachel para longe, ele ajoelhou-se e estendeu a mão para a ruiva aborrecida. –Acho que não temos muito tempo, certo?

Rachel ficou com os olhos fixos no rosto de Apolo, analisando-o minunciosamente. O deus parecia arrasado, como se houvesse recebido um golpe sorrateiro e ainda houvesse sido empurrado para uma cascata em plena força total. Estudando suas feições, percebeu-as tensas, os músculos retesados. O rosto taciturno. Nunca pensou que o veria daquele jeito. Embora tivesse a responsabilidade e o peso de manter todo o futuro salvo em suas costas, considerando-o o próprio deus da profecia, ele era completamente desleixado e despreocupado em relação a isso. Poderia preocupar-se em seu interior, mas não aparentava por fora. Rachel não saberia dizer se isso era realmente a verdade ou se era apenas uma encenação para não deixar as outras pessoas ao seu redor mais inquietas. A ruiva o via como uma divindade relaxada, controlada – na maioria das vezes, pelo menos –, provocador e que poderia deixar qualquer espécie feminina de queixos no chão. Mas algo estava diferente nele. Rachel inclinou a cabeça levemente para o lado. A mão estendida de Apolo tremia quase imperceptivelmente e o olhar dourado dele era um poço profundo enquanto mantinha a visão na pequenina.

Apolo notou com certa impaciência o vacilo de Rachel. Ele chacoalhou a mão e finalmente virou o rosto para enxergá-la.

—Vamos, não fique parada aí. –resmungou a contragosto. Rachel quebrou sua linha de raciocínio e balançou a cabeça para voltar a si. Ela sabia o que ele queria. Hesitante, retirou a ambrosia do bolso e esticou o braço para entregar-lhe tanto a ambrosia quanto o néctar.

Apolo agarrou ambos os objetos e recolheu-se para junto de Silena, apoiando a mão no tórax da garota e murmurando algumas palavras em grego antigo. Uma luz suave e dourada tomou conta do aposento. Rachel sentou-se nos calcanhares e relaxou os ombros, deixando-os cair em uma postura nada ereta, encantada pela rapidez que Silena se compunha e da respiração vagarosamente voltando ao normal, inspirando e expirando regularmente. Estava, ao mesmo tempo, fascinada e assustada por toda a revelação que obteve das vozes gritantes que lentamente se acalmavam e iniciavam sua jornada sussurrante de palavras segredadas em sua mente. Observou Apolo curar os ferimentos de Silena com precisão, e tão rapidamente quanto somente ele poderia fazê-lo. Achou cômico o momento quando ele preparou o néctar em um copo e ajeitava um canudinho para a garota tomar e supôs muito sensato (e um tanto triste por não poder realizar) a ideia de ter uma câmera por perto para poder gravar a paternidade de como Apolo, com delicadeza, colocava-a meio sentada e encaixava o canudo nos lábios de Silena, a qual, sem abrir os olhos, contraiu os lábios e torceu o nariz, estranhando por um momento ao sentir uma gota do líquido derramar em sua boca, e com o incentivo de Apolo (murmurando incansavelmente ‘Vamos lá, criança. Beba’), ela tomou o copo inteiro, soltando um longo suspiro de alívio ao acomodar-se novamente no sofá com o auxílio do deus.

Rachel ficou um bom tempo fitando a garota, notavelmente melhor. Silena havia adquirido o tom corado nas bochechas novamente e a cor rosada nos lábios, as pálpebras não mexiam-se desconfortáveis como se ela estivesse tendo um pesadelo – igual a antes estava, o pano enrolado e apertado na palma da mão de Silena parecia intocado, mas a mão não estava mais com aquela aparência morta e fria. Rachel aproximou seus dedos da palma da pequenina e, contendo os tremores ansiosos da sua própria mão, desenrolou e retirou o pano enroscado entre a pele de Silena. A mão da garota estava incrivelmente incólume, como se nada a houvesse infligido. Rachel arfou, surpresa e passou a ponta dos dedos pela pele da garota. Ela estava macia e sem nenhuma cicatriz de um dia haver um enorme e grosseiro buraco na palma.

—Eu devia ter dito para ela ter mais cuidado. –Rachel escutou o deus recriminar-se, sacudindo a cabeça de um lado para outro. A ruiva sorriu, radiante.

Colocando o braço da pequenina de encontro ao corpinho miúdo da criança, ela arrumou-a com um cobertor, cobrindo-a, a qual havia pegado em seu quarto. Silena parecia indefesa e frágil ao dormir, com os olhos cerrados e a expressão tenra, pacífica e melodiosa atenuando-se no rosto delicado da filha dos heróis.

Pensou se deveria chamá-los, e por isso, virou a cabeça a fim de perguntar se Apolo poderia cuidar da pequena garota para observar se não há nenhuma mudança de comportamento, mas não era necessário. A forma divina havia sentado de pernas cruzadas e contemplava a garotinha atentamente, com uma concentração que nem mesmo uma mosca ruidosa poderia fraquejar.

A ruiva mordeu a língua para não rir e levantou-se, caminhando na direção da escada para subir e abrir a porta, para permitir a entrada do casal. Imagens e cenas adornavam e carregavam ideias amplas na cabeça de Rachel, algumas tão certeiras quanto um tiro de principiante em uma arma de profissional e outras tão ridículas quanto um pato tocando violino, porém, ainda criando raras suposições razoavelmente prováveis que ela nunca iria conseguir se esquecer. Rachel tropeçou em um degrau enquanto distraia-se e tentava não gargalhar alto para que Apolo não a ouvisse e olhou com o canto do olho para baixo, onde o sofá que a criança dormia mostrava a pequena revirando-se incomodada em seu leito, e um deus não muito contente com o olhar aflito ainda fixo na figura pequenina do sofá.

Rachel expirou o ar pela boca, aliviada por não ter de receber uma bronca do ser divino pelos seus pensamentos. Aprumou-se na escada e, com a mão no corrimão, terminou de subir os degraus com cautela.”

Apolo remexeu-se inquieto em sua cadeira, era como se o móvel fosse pequeno demais para seu corpo. A água da bacia rodopiou, balançando de um lado para o outro até parar em círculos concêntricos. O pano deixado ali dentro agitou-se ligeiramente na água em movimento, e Apolo mal notou quando um pingo do líquido derramou-se em suas vestes simples de um adolescente comum – jeans e camiseta amarelo alaranjada (como se ele fosse um, Rachel pensa ironicamente).

Rachel apertou as mangas da blusa de frio larga que usava. Olhou para fora e notou a neve, branca e limpa, adornando os telhados das poucas casas ao lado. Flocos grandes caiam do céu, impregnando-se no chão, hospitaleira para qualquer um pisar, escorregar e espatifar-se ao cair dentro do enorme abraço saudoso do inverno. Rachel bofou, desgostosa. O clima indefinido e desregulado estava começando a atenuar-se, e uma leve chama de desconfiança surgiu na lareira de seu interior.

A ruiva olhou pelo canto de olho Apolo, Rachel disfarçando sua postura e curvando a cabeça em direção ao chão. Não era exatamente algo necessário e extremamente proposto a se fazer, mas mesmo assim, decidiu prevenir. O deus estava na mesma posição, porém, com um único movimento, decidiu que o chão seria mais confortável para se sentar e pousando a bacia de água ao seu lado, ajoelhou-se e continuou a fitar Silena com um ar tensionado e estudioso. A cada respiração da criança, ele arqueava uma sobrancelha, e quando Silena expirava longamente como um inacabado suspiro ele inclinava a cabeça para o lado. Rachel abafou a risada e desviou o olhar para a janela novamente.

O sol estava suspeitosamente escondido. Oculto por um tempo longo demais. Geralmente, nunca havia pensado que nevaria em uma época dessas. Muito menos que a neve ficaria um bom tempo pairando pelas redondezas. Flutuando preguiçosamente pelo ar cansado e sedento por raios fulminantes do calor que só o astro maior poderia dar. Porém, parecia que ele não queria sair da caverna de nuvens onde houvera se abrigado.

Rachel pensou o que estaria acontecendo, e se deveria perguntar algo para Apolo, ao seu lado e tão facilmente de alcançar. Poderia ter alguma relação com o Olimpo? Ou Apolo só quis brincar e se divertir com a reação espantosa das pessoas? Desde quando poderia nevar no verão? Até onde a moça sabia, os climas eram definidos por ali. Bom, pelo menos a maior parte do tempo.

Ela balançou a cabeça, espantando os pensamentos. Não devia se preocupar com coisas bobas assim. Afinal, Apolo estava bem ali, saudável e um quarto por cento normal. Talvez fosse apenas sua cabeça.

“Se essas vozes não pararem, não vou conseguir ficar de pé por muito tempo.” Resmungou para si mesma a ruiva, fechando os olhos com força para tentar amenizar a dor latejante no topo de sua cabeça.

Sentindo um movimento por perto, ela semicerrou os olhos, abrindo-os em fendas estreitas para ser possível espiar ao seu redor. Apolo estava levantando-se, erguendo seus braços no alto e se espreguiçando, adicionando um suspiro exausto. Ele abaixou a cabeça e encarou a bacia, talvez com preguiça demais para abaixar-se e agarrar a forma cilíndrica abastada de água, ou talvez refletindo se deveria tirá-la dali ou não – caso Rachel fosse ralar com ele mais tarde.

A ruiva fechou os olhos novamente e respirou fundo. Apoiou as costas nas costas da cadeira e pressionou-as firme para se esticar e tirar os membros adormecidos da sonolência. Por fim, pôs-se de pé em um pulo e arregaçou as mangas da blusa de frio, ao tempo de direcionar-se até a bacia, alvo de tantas inquisições de Apolo. Pegou-a com as duas mãos e a acostou em seu quadril, sustentando a maior parte do peso da água em seu corpo, com as duas mãos na extremidade oposta.

—O que foi, Al? Está velhinho, huh? –brincou com um sorriso zombeteiro estampado na face. Alargando o sorriso diante a expressão fechada de Apolo, soltou uma breve risada sarcástica. Mas que ironia.

Apolo bufa com descrença e levanta o queixo, aristocrático. O brilho em seus olhos parece tornar-se uma fulgurante luz dourada que poderia cegar qualquer um que encarasse as duas esferas diretamente – o que, por experiência própria, Rachel não o fez.

A ruiva passou por ele, conferindo-lhe uma leve estocada com uma colisão esbarrada do ombro no tórax de Apolo. A água pingou em sua camiseta com a brusca agitação ao deslocar-se de repente. Apolo olhava-a mal-humorado e seguiu-a enquanto a garota depositava o objeto na pia da cozinha, com o máximo de cuidado que pudera reunir.

O deus mandou-lhe um sorriso maroto, envolto em uma pitada de escárnio. Estendendo o braço e colocando um dedo dentro da água na bacia, ele aguardou, mantendo o sorriso costurado em suas feições.

—Ei, ruivinha? –ele chamou quando a garota estava guardando os remédios nos devidos lugares debaixo de um balcão. Rachel virou-se depressa, batendo a cabeça com um baque ecoante no armário acima de sua cabeça. Sua expressão estava pintada de fúria. Quando foi abrir a boca para retrucar e reclamar sobre o apelido, a água borbulhou e crepitou, com um ruído de vapor, esquentando-se. Em seu ápice, o líquido estalou e gotas salpicaram para fora, fervendo como gotículas de lava emanadas de um vulcão em erupção. Como em câmera lenta, uma delas – ponderadamente grande – mergulhou em direção do braço nu de Rachel, beijando-lhe a pele e queimando a área do pouso disfuncional.

Rachel recuou com o sentimento repentino em sua pele exposta e acabou esbarrando no balcão e chocando-se com o armário acima pela segunda vez. A ruiva praguejou alto e logo depois cobriu uma das mãos na boca, lembrando-se da pequenina no sofá descansando com serenidade – não era uma boa hora de acordá-la. Com a outra mão livre, ela acariciou a lateral da cabeça, onde houvera sido a mira da madeira resistente e forte.

A garota lançou um olhar incrédulo e maldoso a Apolo que tentava emudecer as gargalhadas, falhando ao ter seu corpo fadado a espasmos de risos descontroláveis. Ele mantinha os ombros encolhidos e uma das mãos no cotovelo do braço oposto, enquanto a mão desta tentava servir como barreira aos sons de sua boca.

—O que foi isso? –Rachel perguntou, rabugenta. Saindo de perto da bancada inimiga, aproximou-se dele ameaçadoramente. Apolo deu alguns passos para trás, tornando a expressão mais leve e descontraída. Abaixou ambos os braços e cruzou-os na frente do peito, os olhos voltando a serem glóbulos brincalhões e divertidos e o sorriso de uma criança na qual acabara de aprontar em sua rua.

—Foi mal. Talvez minha velhice tenha deixado minha mão, por engano, cair dentro da água. –ele levantou os ombros, um sorriso puxando-se para o lado, não tão inocente. –Ops.

Rachel teve de se conter para não cair para cima dele e arrancar aquele sorriso de escárnio à força. Contou até trinta antes de responder, a expressão mais suave e a pele mais fria.

—Foi só uma brincadeira. Você não deveria levar as coisas tão a sério, garotão.

Apolo anuiu, aprovando a nomeação ganha. Aumentando o sorriso, ele comentou, com animação:

—Assim está bem melhor, ruivinha.

Rachel deteve-se no lugar. Contendo sua fúria pelo apelido, ela deu uma longa respiração ruidosa e olhou por trás do ombro do grandão; a sala agora estava completamente limpa, seus pais nunca descobririam que alguém ao menos pisara ali. Bom, a preocupação com os pais era de menos, eles não se importariam, de qualquer jeito. O sofá mostrava-se para a frente da TV e da lareira, deixando para Rachel assistir apenas a parte traseira da mobília. Na extremidade, um cacho dos cabelos encaracolados de Silena aparecia, caindo pelo apoio de mão e deslizando pelo ar, balançando-se ao vento fresco que adentrava pela janela semiaberta. Apolo seguiu seu olhar, desnorteado.

—O que foi? –perguntou, confuso, meneando a cabeça e intercalando o olhar entre Rachel e o sofá por tantas vezes que a ruiva pensou que o “garotão” não conseguiria andar mais de pé sem cambalear e trombar na parede.

Rachel ficou um tempo observando-o, enquanto ele ficava cada vez mais atordoado. A anormalidade voltava aos poucos conforme o tempo passava e Rachel mantinha-se quieta, calada, sem responder sua pergunta. Então, chacoalhando a cabeça rapidamente, a expressão tornou-se serena e tranquila. Em sua cabeça, começou: ‘haha, pensou que eu não notaria, garanhão?’.

—Nada. –a voz da ruiva saiu naturalmente normal, o que fez Apolo ficar mais curioso do que nunca. Rachel caminhou em direção a pia e agarrou uma caneca do armário debaixo. Enchendo-o com leite, depositou a caneca dentro do micro-ondas e ajeitou os minutos para esquentá-lo – dois minutos e meio, para ser mais preciso. Pensou se Apolo poderia fazê-lo mais rápido, mas descartou a ideia rapidamente. Não queria mais nenhuma experiência com os “dons microondanizados” de Apolo. Melhor prevenir, e não arriscar ser queimada novamente. Até que não era tanto tempo assim, pelo menos.

Apolo fez uma careta e mostrou a língua para ela, logo dando as costas para a mortal. Rachel deu uma risada sarcástica abafada e imaginou a influência que a criança de Percy e Annabeth atuava nele, deviam passar um bom tempo juntos. A ideia a divertiu.

O micro-ondas apitou, avisando o tempo finalizado. Rachel abriu a portinhola e catou a caneca, com cuidado. Pegando-a pela extremidade, no lugar exato onde não relaria na superfície emanando o calor extremo. A caneca fumegava e Rachel ansiosamente rasgou o saquinho de chocolate, pegando uma colher ela despejou dentro da caneca quatro colheres de sopa dentro do leite puro e misturou-o até dissolver. Enfeitou a caneca com um canudo médio para beber devagar – quando, na verdade, ela nem o usava frequentemente. Esticando-se até o balcão atrás, agarrou o potinho de chantilly com o dedão e o mindinho, e uma sacola de marshmallows com o indicador, o do meio e o anular.

Depondo o potinho e a sacolinha de marshmallows na mesa, ao lado da caneca, ela virou a caneca para uma posição mais agradável de se utilizar, agarrou o potinho de chantilly e afastou-se ligeiramente do balcão, estendendo o braço e pressionando o botão central; a espuma soltou-se de dentro do potinho, pondo-se em cima do leite quente, espalhando-se gotículas da branca espuma para todos os lados.

Assim que fez seu trabalho, colocou o potinho novamente na pia, causando um suave estridente ruído. Alcançando o saco de marshmallows, abriu-os com indelicadeza e suspendeu três no ar, entre seu polegar e indicador, estudando-os com um olho fechado e outro aberto na luz artificial da casa. Colocando-os na caneca, deixo-os boiando e foi experimentar.

O gosto estava doce e cremoso, do jeito como gostava. Se não houvesse queimado sua língua, poderia ter aproveitado e degustado mais do líquido pelando, mas infelizmente, uma interrupção a impedira e interrompera seu momento de tranquilidade.

A campainha tocou, Rachel que estava com o canudo afundado na boca assustara-se e pulou, os dedos deslizaram e pararam no fundo da caneca, onde parecia ter saído de um forno vivo. A ruiva gemeu e grunhiu, soltando a caneca no ar e sacudindo a mão freneticamente ao seu lado, recuando grandes passos quando a caneca desabou no chão, alastrando pedaços de vidro, milhares gotas de leite quente, marshmallows e creme pelo piso limpo. Rachel pigarreou com a voz sufocada, o canudo ainda preso entre os lábios.

A campainha repetiu o som alarmante. A ruiva olhou para cima, em direção a porta, carrancuda e deu um grito não mudo distinguível:

—Já vou!

E então, sentindo-se gosmenta e suja por ter-se impregnado do leite em sua roupa de frio, ela disparou pela casa, correndo nos degraus e não se importando em virar a cabeça para fitar Apolo, que deveria estar achando graça da situação. Rachel dirigiu-se a porta, mordendo o canudo nervosamente. Escutou de longe gritos e berros, protestantes, reclamantes e retrucando-se reciprocamente. A ruiva franziu a testa, em dúvida. Quem seriam?

Agarrou a maçaneta e girou-a, abrindo a porta precipitada. Deparou-se com uma cena anormal, assustadora e totalmente avassaladora que abalou-a de tal forma que depois de dez segundos parada, olhando-os e escutando as discussões grosseiras, ela boquiabriu-se e o canudo escorregou de sua boca, caindo ao chão, sem causar ruído ou um único sequer movimento brusco que poderia chamar atenção do casal que praticamente testava a força do timbre de cada um.

Ali a sua frente, levantando os braços, gesticulando, berrando, revidando e faltando pouquíssimo para tirar cada um as respectivas armas e arrancar do solo um para cima do outro estavam as duas últimas pessoas que ela pensaria encontrar brigando, em oscilação e desconfortavelmente em descontrole, em rompimento de suas cordas aparentemente inquebráveis.

Percy e Annabeth estavam basicamente criando a terceira guerra mundial. E Rachel não tinha ideia do que fazer para parar e separar os dois.

***

Apolo saíra da cozinha um tanto zangado.

A passos duros e fortes ele acomodou-se no canto do sofá, onde as perninhas pequenas da garota Silena não conseguiam atingir. Por isso, Apolo sentindo falta de algo, aproximou-se da garotinha sonolenta e levantou suas perninhas com cautela, arrumando-se ali debaixo e apoiando as perninhas em seu colo. Silena continuava a dormir serenamente, como se nada houvesse acontecido.

—Bom, criança. –suspirou pesadamente, levando uma das mãos para o rostinho angelical que resfolegava, cansada, em seu sonho. Apolo tirou com carinho um cacho da testa da criança, que expirou um ar leve e refrescante na pele do deus, que sorriu compadecido, um sorriso que não tardou a desmanchar-se por uma preocupação altruísta. –Sinto muito. O momento está chegando, e temo não poder estar aqui para ajudá-la.

Como se respondessem a sua voz, as perninhas de Silena se reviraram, inquietas e os pezinhos realizaram um movimento circular disforme. Apolo tocou a ponta dos dedos e correu-os pelo calcanhar da garotinha, que traçou um sorriso hilário nos lábios e soltou uma risada trêmula pelo nariz, ao suspirar, virando a cabeça para o outro lado.

Segurando em sua mão o pezinho da pequena, ele fechou a palma e observou o membro da garotinha desaparecer por seus dedos. Ainda admirava-se ao encontrar um ser tão pequeno e frágil, que necessita de cuidados, como uma pura criança era, tão sorridente e divertida, uma bela companhia para ele – pensava, imaginando as lembranças que a garotinha proporcionara nos últimos seis poucos anos de sua vida.

—Espero que consiga realizar com sucesso seu trabalho, pequena. Desejo-lhe boa sorte.

Então, Apolo escutou os passos apressados e violentos de fora. Os gritos tornaram-se mais agudos e agitados, transformando palavras em meio a confusão dilacerante da discussão intrigante e conturbada. Apolo fechou os olhos e sacudiu a cabeça em desaprovação. Depois, escutou a campainha e um som de um objeto estilhaçando-se no chão. Brincou uma última vez com o pé da garotinha e, com o mesmo cuidado, tornou a levantar a perninha de Silena e arrumá-los ao sair.

Sentiu a pressão em sua mente, reprimindo-o e recriminando-o. Os deuses estavam furiosos com sua decisão, mas tampouco ele ligava. Olhou para a janela e notou a falta do calor do sol, de seus raios. Sua força estava enfraquecendo-se, e ele sabia que deveria se apressar.

Escutou novamente a campainha e uma dor aprofundou-se no fundo de seus olhos. Sentia eles chamando-o para o Olimpo, e obrigou-se a apressar-se. Escutou o grito de Rachel e seus passos apressados. Ele aproximou-se do rostinho de Silena, curvou-se e depositou um beijo na testa da garotinha.

—Vou estar esperando-a. Sei que vai conseguir. –murmurou em seu ouvido, a pequena franziu a testa em seu sonho e remexeu-se ao notar o afastamento do deus quando este aprumou-se, endireitando as costas e concentrando-se no Olimpo. Era hora de ir.

Em um lampejo reluzente, Apolo mandou um último olhar entristecido para Silena e desapareceu, sumindo no véu para dentro do aconchegante, porém no momento, não tão caloroso, Olimpo.

***

Silena lentamente recobrava a consciência letárgica, e cada vez que seus esforços para voltar tinham sucesso, ela sentia-se estranhamente mais entorpecida, seu corpo estava leve como uma pena – como se não pesasse nada – e ao mesmo tempo pesado como uma âncora – como se carregasse todos os agouros do mundo.

A garota tinha uma forte impressão de não estar tocando em uma superfície sólida. Muito menos em alguma forma líquida. Era como se flutuasse no ar, mas isso ela sabia que era impossível – afinal, o tio de seu pai, Zeus, “não deixaria nenhum descendente de alga entrar em seu reino”, segundo suas palavras. Então ela teve outra impressão. Era como se seu corpo pairasse em volta de águas profundas. Logo, ao seu redor, pôde sentir no seu âmago a textura e movimento fluído da água suave e a corrente brincando e fugindo de seu tato, para após apenas voltar e lamber seus dedos com a sensação quente e fria misturando-se e formando-se em um só. Era a mesma maneira familiar que o mar a saudava e se divertia com ela.

Vagarosamente, conseguiu semicerrar os olhos, permitindo que uma brecha de luz adentrasse em suas pupilas, no alcance de sua visão, causando um breve incomodo pela repentina claridade fortemente cintilante, na qual rapidamente se passou e dissolveu-se para um diminuto e reduzido detalhe inconveniente e ignorado por ela.

Piscou momentaneamente os olhos para se acostumar a boa iluminação e conseguiu mantê-los abertos por um longo tempo regularmente confortável, fitando e observando a sua volta assustadoramente escura, embora acima de sua cabeça houvesse um facho de luz, o qual aumentava seu tamanho até virar uma faísca resplandecente, extensa e abrangedora que a abrigava em seus braços.

Suas suspeitas se confirmaram corretas. Estava, sim, debaixo d’água. Submersa, pôde enxergar o sol borrado do outro lado, tremeluzindo pelas turvas redes de água impedindo-a de nitidamente observar a paisagem afora além das silhuetas vagamente delineadas, apenas sombras dançando a sua frente.

A pequena garota tentou se mexer, e seus movimentos saíram lentos e imprevistos. Seu deslocamento era pesado e complicado, e por isso, Silena desistiu de tentar mudar sua posição. Imóvel como uma rocha, Silena moveu a cabeça de um lado para outro, tentando achar uma brecha para escapar da paralisia forçada. Sorrindo abertamente, satisfeita por sua busca, enxergou ao longe um grande e cartilaginoso animal, perseguindo um grande número de peixes douradas e incandescentes.

Um tubarão. Perfeito.

Silena, com certo esforço inflexível, levou as mãos para frente de sua boca e ajeitou os dedos entre os lados de sua boca, esquadrilhando-a na área definida e assoprou. Um assovio chamativo e mudo soou pelas ondas de água, com uma frequência constante. A pequena esperou, aguardando a carona chegar.

Em um sacudidela rápida, o tubarão virou-se, encarando-a com seus olhos negros, pequenos e circulares. Como uma conta de colar do acampamento meio-sangue.

Várias bolas de ar escaparam da ponta do corpo do tubarão quando este espirrou ao olhá-la e identificá-la e Silena riu pelo seu jeito desajeitado. O peixe cartilaginoso mergulhou na água, disparando para cima da garota e Silena se preparou para o impacto não recebido. A água estremeceu ao seu redor e a turva e cálida luz resplandecendo de cima tremeluziu, conflitante, quando o tubarão brecou e estancou a alguns centímetros do corpinho da garota, que conseguiu posicionar-se em uma posição meio sentada, encarando-os com os grandes olhos verde-mar intensos e faceiros enquanto soltava um sorriso esbranquiçado ao ver o tubarão sacudir a calda como um cachorrinho abanando o rabo ao ver seu dono.

“Duck! Você está aqui, garotão.” Silena transferiu seu pensamento para ele através das ondas passando pela atmosfera. Duck, o tubarão, soltou mais uma dúzia de bolhas na água, inclinando o focinho para frente e acariciando com afeto o rosto de Silena, que gargalhou harmoniosamente.

Silena ergueu sua mão e bateu com leveza e amor no focinho empolgado e farejador de seu Duck. “Será que você pode me fazer um favor?” perguntou a garota, suavemente, enquanto encostava sua testa acima dos olhos do tubarão, que fixava seu olhar na criança, ansioso pelo resto. “Você poderia me levar para a superfície?” gentilmente sua proposta foi feita, e com esperança aguardou quando o tubarão refletia e aderia suas palavras em sua consciência.

Então, ela afastou seu rostinho a alguma distância do animal, que anuiu a cabeça, movimentando para cima e para baixo, com firmeza e determinação, nadando calmamente para frente e mostrando à pequenina a sua barbatana dorsal.

Silena sorriu, agradecida, e segurou com delicadeza a macia e escorregadia barbatana que o tubarão lhe oferecia, e após enganchar-se nele, o animal impulsionou-se e lançou-se para cima, em direção a superfície cristalina e ensolarada. Não demorou muito tempo até que a pequena conseguisse enxergar mais detalhes do mundo afora, os contornos das pessoas indefinidas movimentavam-se com mais vigor acima de sua cabeça, e ela sentiu um sentimento alegre e impaciente aflorar de seu peito, ansiando a descobrir a identidade daqueles sujeitos e o que eles estavam realizando – será que poderiam incluí-la também?

Duck apertou o passo – ou melhor, o nado – e logo Silena pôde jogar sua cabeça para trás, enchendo seu pulmão com o ar de fora e sentindo o vento leve e inundado de odores infusos adentrando em suas narinas. Não podia sentir-se melhor, os ferimentos antes acrescentados em seu corpo não doíam mais, muito menos aparecia em sua pele, a fatiga e o cansaço o qual a acometera momentos antes de desmaiar pela perda de sangue estava totalmente desaparecida e a cabeça dolorida e confusa havia se clareado como uma boa limpeza geral em seu chalé poderia causar a respeito de seu humor e raciocínio, era como se visse outro mundo, outra realidade.

Ainda segurando com firmeza Duck, ela olhou ao seu redor. Estreitou os olhos para poder enxergar melhor a paisagem, e pôde visualizar o horizonte de uma praia, a sua beirada estava um casal rindo e correndo um do outro. Silena sorriu, entusiasmada. Será que poderia juntar-se a eles?

Com o auxílio de Duck, ela aproximou-se da beirada, a parte mais rasa do mar. Até que Duck não pôde mais aproximar-se considerando a profundidade da água o envolvendo. Silena compreendeu e assentiu, aceitando seu estado de modo racional. Beijou o topo da cabeça achatada dele, e agradeceu com um murmúrio doce, assegurando-o de sua segurança – e notando sua capacidade de movimentar-se novamente – despediu-se do amigo a quem tanto a ajudava e Duck soltou mais meia dúzia de bolhas pela boca antes de deslizar pela água, afundando-se dentro do mar.

Silena acompanhou-o com o olhar até ele desaparecer pela água turva. Então voltou-se para a praia e percebeu o casal ainda gargalhando, uma moça alta e de cabelos longos e cacheados, claros como o dela e um rapaz alguns centímetros maior que a outra, com os cabelos negros e rebeldes, perseguindo-a enquanto a moça gritava algo, ainda rindo cheio de divertimento.

A garota aproximou-se vagarosamente, sem fazer barulho na água ao deslocar-se. Ainda mantinha-se seca e aquecida, contudo podia sentir a temperatura da água ligeiramente e ela embalou-a como um cobertor confortável.

Enquanto aproximava-se, ela arquejou ao se dar conta de quem assistia. Eram seus pais. Mais jovens e vivos, rindo um do outro e despreocupados, como se nada mais existe, apenas ambos e seus olhos. Silena parou metodicamente, e logo, estava imóvel no mesmo lugar, relaxada e mais alegre impossível. Decidiu-se não achegar-se mais. Queria apenas observá-los. Dessa vez, sem atrair a atenção para si mesma. Queria poder vê-los juntos, como um casal feliz e unido, como se nada no universo pudesse separá-los.

A pequenina caminhou silenciosamente para o lado, onde permitiu ser engolida pela água por inteira, ocultando seu corpinho miúdo e autorizando somente o topo de sua cabecinha a ficar sobre o mar, onde poderia observá-los com tranquilidade e escutar suas conversas irregulares.

—Isso não é justo! –gritava sua mãe, com um traço maroto esboçado em seus lábios, assim como em suas feições enrubescidas e realizada – como se nada mais importasse para ela. Percy, a somente alguns passos de distância, riu alto e percorrendo o que faltava para chegar até ela, prendeu-a em seus braços, aninhando-a para perto de si enquanto passava seus braços ao redor de sua cintura por trás e a abraçava fortemente, levantando-a do ar e roubando-lhe o fôlego e a voz ao tilintar de sua risada passar por entre seus lábios, fazendo-a sacudir os pés, espalhando gotículas de água pelo ar, os raios de sol batendo em sua forma líquida arredondada e refletindo por várias camadas, hipnotizando Silena que estudava tudo em completa admiração, boquiaberta.

—Sim. É sim, sabidinha. –seu pai falou no ouvido de sua mãe, que tentava escapar de seu aperto acomodável. Annie sacudiu a cabeça e passou seus dedos pelo braço de Percy, que afrouxou o aperto, permitindo a Annabeth escapar de dentro de seu abraço e virar-se a sua frente, empurrando-o e achando graça de sua expressão desconformada ao descobrir-se enganado.

—Você nunca vai mudar, Cabeça de Alga. –reclamou, recuando algumas passadas e impondo as mãos atrás das costas, entrelaçando suas mãos para poder conter sua vontade irremediável de pular em Percy, desequilibrando-o e derrubando-o na água. Percy arqueou a sobrancelha, com desafio em seu rosto.

—Não vou, huh? –aproximou-se de sua Annie, ao mesmo tempo que esta retrocedia invariavelmente, quase tropeçando em seus próprios pés.

—U-uh. –emitiu com o fundo da garganta uma negação e seus olhos cinzas brilharam de expectativa ao tempo de seu Percy ultrapassar sua distância razoavelmente curta.

—Então, você já deve saber o que irei fazer agora, certo? –perguntou, traiçoeiro, o rosto indefinidamente brincalhão como o de um golfinho em treinamento. Annabeth rolou os olhos, e antes que respondesse, Percy arremessou-se contra ela e ambos tiveram uma breve resistência antes de Annie ser derrubada direto no mar mais fundo –perto de onde Silena escondia-se e causando diversas ondas que empurrara-a para longe. Annie sentiu, a princípio uma água gelada cobrindo-a até a cabeça, que fê-la tremer os dentes.

—Percy! –resmungou assim que apareceram para fora da água, Percy ria de Annabeth e de sua surpresa, e a loira empurrou-o para o lado e insuficientemente equilibrada, caindo com estrondo juntamente ao rapaz, que logo emergiu ao mesmo tempo da loira, ambos rindo descontroladamente, a um necessariamente curto espaço entre seus rostos, as ondas quebrando-se e passando por eles, fazendo-os dançar a água.

Silena sentiu-se atraída pela energia vibrante de ambos os pais, e sorrindo nadou parcamente até uma certa proximidade deles, podendo escutá-los sussurrando um para o outro. E sorriu diante da cena. Sua feição tornou-se radiante e, de repente, era como se ela fosse uma intrusa no mundo dos dois. Era uma sensação reconfortante descobrir uma época na qual o pai ainda tinha um brilho diferente no olhar, aquele brilho de sua paixão e determinação com Annabeth. Embora ainda o visse em seu olhar quando a observava, sabia que não era a mesma coisa. Ela era sua mãe, a mãe que perdera e que Percy sentira escorregar de seu alcance. Seus olhos verdes resplandeciam, misturando-se aos cinzentos experientes e esperançosos de Annie.

—Será que eu poderia pedir algo a você, minha corujinha? –perguntou em tom baixo Percy, apoiando sua mão na lateral do rosto de Annabeth, e acariciando as bochechas coradas da filha de Atena com o dedão. Annie sentia seu coração disparar como poucas vezes acontecia, ou para ser mais precisa, quando ela estava com o Cabeça de Alga, ou, é claro, quando via uma aranha em seu chalé.

—Sim? –pediu a loira para prosseguir, cobrindo as mãos de Percy com as suas e franzindo a testa ligeiramente a fim de tentar desvendar o que o garoto queria lhe dizer. Os olhos do rapaz faiscaram, expressivamente brilhantes.

—Você poderia me responder uma pergunta? –retornou, mordendo o lábio inferior e arqueando a sobrancelha para uma Annabeth desconfiada, a qual assentiu de imediato. –Você se importaria de ter alguém como eu ao seu lado por longos, e longos anos?

Annabeth riu, a feição moldando-se para uma inacreditável e distintamente carinhosa. Os olhos cinzentos pareciam trocar mensagens silenciosas entre os verdes marítimos e apertando a mão de Percy, ela sacudiu a cabeça enquanto colava sua testa a dele.

—Eu pensava que já havia respondido essa pergunta, Percy. –sorrindo abertamente ela inspirou profundamente antes de continuar: -Não importa quanto tempo se passar, eu sempre, sempre vou querer você ao meu lado.

—Até em momentos difíceis? Iremos superar qualquer obstáculo, juntos? –Percy deu um sorriso enviesado, agradecido pela resposta que obtivera de sua Annabeth – a qual agora passava seus braços em torno do pescoço de Percy e o abraçando como se não o quisesse soltar nunca mais.

—Até nos momentos difíceis. Você sabe que sim, nós sempre conseguimos passar por qualquer coisa juntos. Não se lembra, Cabeça de Alga?

Imagens das lembranças dos anos de quando era mais novo e passava por suas adversidades dos primeiros anos do acampamento, com Annabeth e seu melhor amigo Grover, refletiram pela mente de Percy, vívidas e claras, nítidas como a água cristalizada. Annabeth pôde ver nos olhos do companheiro a saudade que as lembranças o tragavam, e conseguia compartilhar aqueles sentimentos. O verde e o cinza encontraram-se novamente, na linha entrelaçada e amarrada a um nó firme que com o passar do tempo os dois formaram.

—Como me esqueceria? –retrucou brandamente o rapaz, e logo depois: -Obrigado, Sabidinha. –com a expressão desnorteada de Annie, ele continuou: -Por estar aqui.

Annabeth ficou com vontade de rir, porém, ao invés disso, seu sorriso alargou-se e, sem conseguir se deter, ela aproximou seu rosto do dele até nada mais os separar, selando seus lábios nos dele, sentindo o cheiro marítimo de sua pele. Silena, ainda estudando cada um dos dois, rapidamente movimentou suas mãozinhas para frente dos olhos, tampando-os por um segundo antes de abrir um espaço entre seus dedos para espiar entre as fendas estreitas. “Ops, mamãe e papai realmente se amam, mas suponho que não deveria ter visto essa cena agora”.

Annabeth afastou-se e empurrou Percy assim que pudera ver em seus olhos os traços sonhadores. Não devia deixar as coisas fáceis para ele, fizera uma promessa, não é? Pois bem, tinha que cumpri-la.

—Adivinha? –perguntou entusiasmada, batendo os pés para manter-se acima da superfície da água. Percy mergulhou e desapareceu de seu campo de visão. Annie ficou momentaneamente apavorada. Sabia que não deveria ter entrado no mar com ele por perto. Vai saber o que esse cabeção tinha na mente.

E um segundo depois, ela sentiu-se sendo erguida do ar. Abafou um grito e agarrou desesperadamente o apoio mais perto: os ombros do rapaz que a levantava da água, colocando-a em seus braços ainda imerso na água, ali, ele não sentia completamente nada de seu peso original.

—Ei! –reclamou olhando para os lados e sendo quase engolida pela onda, se não fosse o rapaz tê-la puxado para cima, ele próprio submerso pela água saudosa. Silena fez um nado cachorrinho por cima da onda, perto dos pais, e quando estava no ápice da onda, pôde observar ao longe, no horizonte do mar pacífico, a paisagem era deslumbrante e soube de imediato onde estava.

—Okay. Você adoraria fazer um bolo azul para mim? –brincou Percy, olhando-a por cima enquanto a tinha ajeitada em seus ombros. Annabeth curvou a cabeça para baixo e fitou-o nos olhos, de testa franzida e expressão mal-humorada.

—Você só pensa em comida, Percy?

O rapaz comprimiu os lábios, fingindo estar embaraçado e antes de Annie continuar, porém, foram interrompidos.

—Percy! Annabeth? –Silena escutou uma voz conhecida, e virando a cabeça bruscamente para frente, encontrou sua avó, Sally Jackson, com um avental e os cabelos soltos, esvoaçando na brisa marítima. –Eu fiz cookies, vocês vão vir?

Silena queria muito gritar um “sim” berrante, mas conseguiu se refrear a tempo, enterrando o rosto debaixo d’água e impedindo-se de responder pelos pais que mal sabiam dela estar ali a pouca distância deles. Percy trocou uma olhadela com Annabeth e abriu a boca para responder-lhe:

—Já vamos, mãe!

E então, quando Sally sorriu e acenou para eles uma última vez, adentrando no chalé da família, Percy abriu um sorriso misterioso e pulou, olhando para a água com um assombro forçado.

—UMA ARANHA AQUÁTICA! –gritou, causando um sobressalto por parte de Annabeth, que soltou um grito estridente e desequilibrou-se de seus ombros, caindo com os braços abertos para dentro da água, espirrando-a para todos os lados. Percy caiu para trás, ofegante de tanto dar risada, Silena, segurando o máximo que podia a gargalhada, acabou não aguentando, e estourou-a de dentro de si, imitando os movimentos do pai. Annabeth emergiu puxando longos tragos de ar, os pulmões parecendo explodir. Não por causa de ter caído repentinamente, mas sim pelo susto do alerta do rapaz.

—Onde? Onde?! –gritou, debatendo-se na água, e só depois de cinco segundos notou como o moreno agia, e fechou uma carranca assustadoramente assassina. Percy e Silena engoliram o que sobrou de sua risada no mesmo instante, esvaindo os sorrisos com a mesma rapidez. –Por que raios você fez isso?

Percy engoliu em seco, Silena recuou para baixo da água e agradeceu por sua mãe não saber de sua presença ali.

—Hãm... Porque... –gaguejou indefinidamente. O que poderia dizer?

—Você faz ideia no que se meteu? –Annabeth aproximou-se gradualmente, o rosto furioso e envergonhado pela situação em si.

—Eu... em uma briga entre os filhos de Ares? –chutou Percy, choramingando por dentro. Enquanto Annabeth chegava mais perto do rapaz, este tentava achar alguma forma evasiva de sair daquele aperto. Resolveu trocar os papéis. Ele ultrapassou os passos que faltavam para chegar frente a frente de sua corujinha e pegou suas mãos fechadas em punhos, prestes a arrancar até ele. –Ei, adivinha?

—Isso não vai resolver as coisas, Percy...

Sem deixá-la terminar, o rapaz inclinou-se e pousou um beijo na bochecha corada de irritação da filha de Atena, que imediatamente estancou em suas emoções, surpresa. Sussurrando quase baixo demais para Silena escutar, o moreno disse, com o timbre constante e gentil.

—Eu te amo, minha sabidinha.

Ao escutar isso, Silena sentiu seu coração aquecer-se ao observar os pais juntos daquele jeito, e então, sentiu-o ser esmagado, uma dor dilacerante tomando conta de seu corpo e sua mente perturbada. Eles deviam estar juntos agora, se ela não tivesse causado tudo aquilo. Seu pai poderia estar com sua mãe, caso ela não houvesse nascido daquela maneira e a matado. Eles... eles podiam ser uma família feliz. Não poderiam?

Silena sorriu com pesar no coração para o casal que apostava corrida em direção ao chalé de Long Island e pôde sentir a pressão em sua cabeça, indicando-a de sua partida. Com leveza no coração deixou-se levar, dissolvendo-se do espaço e tumultuando-se em sua consciência pesada novamente. As palavras breves e distantes que ainda ecoavam em seu ouvido a faziam ponderar.

Eles nunca tinham de estar separados. Nunca.

Não podia deixar de se culpar por ambos não estarem mais unidos, como havia visto alguns minutos antes. Eles se amavam, havia sentido aquilo com nitidez e forma concreta. E tinha certeza que seu pai nunca a esqueceria e sempre se recordaria dos momentos em que esteve com a rainha, porém, sem poder estar novamente ao seu lado, e sentir seu calor perto do dele.

O que ela fizera? Estaria ela sendo egoísta ao voltar no tempo e poder ter a benção de se encontrar com a sua mãe que nunca a conhecera e poder passar um tempo com ela? Enquanto seu pai estava em seu tempo, sem ser possível reverter a situação e tendo de lidar com a falta de sua mulher que ama tanto?

Naquele instante, Silena foi tragada em uma imensidão de dúvidas, rodopiando e cortando sua mente. Sem saber o que fazer, ou o que pensar. Não podia alterar o passado, sabia disso. Queria poder continuar com sua mãe, mesmo sendo impossível. Queria que seu pai estivesse com ela, que nada daquilo houvesse acontecido. Fios emaranhados prendiam-se em lacunas dispersas de sua mente, e ela não saberia distinguir qual passo daria em seguida.

Mas uma coisa estava claro para ela.

Ela nunca devia ter existido.

Olimpo, Tempo Passado.

O Olimpo estava em caos.

Gritaria para um lado, berros para o outro, o fogo de Héstia ali encontrado apagando-se, tremeluzindo-se e enfraquecendo enquanto a discussão transformava-se cada vez mais árdua, cada vez mais rígida e grosseira. Cada qual deus argumentando seus contraditórios comentários, e causando uma tremenda dor de cabeça em Apolo, o qual estava ali ao lado, sendo acusado dentro de uma jaula infindavelmente menor do que ele poderia couber, e mantinha-se encurvado enquanto ficava sentado, seguindo cada um de seus irmãos e parentes dizendo suas opiniões – que para ele, não eram tão agradáveis assim, desde que todas intimidavam-no para cada vez uma situação pior, oprimindo-o entre uma pedra pontiaguda em um poço profundo e escurecido.

Héstia insistira e obrigara a eles deixarem-na ao lado do deus do sol, a deusa do lar mantinha uma fogueira ao lado da jaula, e ela aquecia-se a sua frente, ao mesmo tempo em que pressionava suas mãos em seus ouvidos para tentar abafar a euforia, a afobação.

—Não, eles não podem ficar assim. –Héstia em sua forma de uma garotinha com o vestido simples e amarronzado, inclinava-se para frente e para trás, jogando seu corpo em um balanço constante e indefinido. Apolo olhou-a com melancolia, ele não estava em seus melhores estados, ou em seus melhores dias. Após ter visto a pequenina, não pudera mais superar a pressão imposta pelos outros Olimpianos, e fora puxado diretamente para a sala onde agora estava acorrentado e acanhado. Sua figura já não brilhava mais com o fulgor de antigamente, não tinha forças para manter o calor do sol nos céus, e principalmente, sua energia se esvaia rapidamente, conforme era infringido a diversas recriminações e séries e punições severas por ter desobedecido ordens, mais mentalmente quanto fisicamente.

Apesar de tudo, Apolo esticou o braço e passou-o pela grade da jaula, agarrando a mão de Héstia com caridade e consolo. A deusa ergueu o olhar e lentamente relaxou os membros rígidos, deixando-o cair e apertando a mão do parente com força. Apolo agradecia internamente, precisava de um pouco de sua tranquilidade e paz familiar, além de uma brecha da esperança, para poder continuar sano.

—Não fique assim. Logo isso vai passar. –garantiu o deus a ela, com convicção, embora ainda houvesse certo anseio dentro de si, algo minúsculo que bem poderia ser menosprezado e escondido. Tinha que seguir de acordo com o que ele sabia que era o certo. E, por enquanto, tudo encaixava-se como planejado.

Héstia hesitou, apreensiva, e então lembrou-se de com quem falava e tranquilizou-se. Iria ficar bem? Se ele dissera... Bom, talvez fosse verdade, não é?

Mas isso, porém, não a impedia de sentir o aperto e o pesar em seu coração. Sua família estava praticamente em frangalhos. E tudo que sobrara, fora a sanidade do próprio acusado. Como ela poderia manter aceso as chamas do lar e do carinho familiar se a própria de sua família, o coração do centro de tudo, não permanecia firme e forte, resistente a qualquer dúvida ou ressentimento?

—Não! Eu sei o que vocês estão planejando; e não vou deixar que me coloquem em último lugar novamente! –Hades ribombou sua voz pelo Olimpo, levantando-se de seu trono provisório e elevando seu queixo, com autoridade. –Já mandei meus monstros para a garota. Não vou deixá-los vencer dessa vez.

Apolo suspirou pesaroso e revirou os olhos com descaso.

—É, e fez um ótimo trabalho, admito. Ah, só me explica: como uma menininha de seis anos de idade poderia aspirar contra você? Me diz? –Apolo murmura baixinho, mal se dando conta que estava falando em voz alta seu pensamento de mal gosto.

Todos voltaram-se para ele, Hades com um brilho de desafio cheio de ira contra ele, Atena franzindo a testa, tentando ligar os pontos de sua história, Poseidon com a postura ereta e o ar sério, seguindo a discussão e mantendo-se calado, imerso em seus pensamentos, Ártemis tentando defendê-lo mandou-lhe um olhar de julgamento, como se dissesse “você quer uma mãozinha, ou não, irmão?”, Hermes coçando a cabeça com o caduceu de sua autoria o qual o simbolizava tentando acompanhar a conversa ao mesmo tempo que recebia diversos sibilos dos comentários de suas duas cobras enroladas ao redor de seu pertence, Ares encarava toda a discussão com entusiasmo e empolgação perversa no olhar zangado e em chamas, faltando a ele apenas a pipoca para transformar toda aquela briga em um programa de televisão, Deméter contradizia Hades, como normalmente, porém estava por si só, querendo apenas no fundo de seu âmago voltar para suas plantações, Hefesto estudando-o como se ele fosse uma recém-chegada ferramenta de trabalho, tentando desvendar suas intenções e suas engrenagens, Afrodite olhando-o com desaprovação, pensando em sua antiga aparência como uma bem melhor do que a recente e imaginando o que poderia fazer para aperfeiçoar sua forma, Dionísio arqueando as sobrancelhas, surpreso por de repente tudo ter se desenrolado com um simples mal entendido e Hera de braços cruzados, frivolamente encarando Apolo com uma severidade inata, prendendo-se a imagem de seu filho ter desobedecido ordens planas e simples e que deveria certamente pagar pelo que fizera. Zeus, no trono principal, batera com força o punho no apoio de mão, gritando com ordem em seu timbre:

—Basta!

Todos estremeceram e se encolheram em seus assentos. Hades, relutantemente, sentou-se novamente, ainda com o olhar completamente abastecido de uma fúria praticamente incontrolável. Zeus deu um longo suspiro, frustrado e arrebatado.

—Será que vocês não podem ficar um minuto em silêncio?

Ninguém respondeu. Ares traçou um movimento rápido com os braços ao esconder de seu líder um pacote cheio de cruas sementes de pipocas prontas a serem estouradas (ele acabara de lembrar que Apolo estava na jaula e não poderia fazer a sua pipoca amanteigada como era de sua vontade). Atena remexeu-se no assento, lançando um olhar de esguelha, duvidoso, ao deus preso. Apolo sentindo uma pressão em si, circulou ao redor com sua visão periférica e notou a presença de Atena examinando-o com cautela e incerteza, sustenta o olhar até que a deusa franze a testa e volta-se a Zeus, que recomeçou a falar, aproximando-se a passos retumbantes e ecoados pelo salão em direção a Apolo, que sente Héstia apertando sua palma com uma força que não imaginava ela possuir em sua forma de garotinha – até lembrar-se exatamente de suas capacidades.

Parando a frente da jaula, Zeus encarou-o por cima, de certa forma aristocrático e severo como um tanto inseguro e condolente. Embora tendo-o enganado e escondido as últimas “novidades”, Zeus poderia afirmar sua sequência de preocupações em relação ao seu parente. Afinal de contas, seu filho não parecia estar vivendo o presente no momento – algo que era totalmente aceitável considerando quem ele era. A questão é: onde raios ele poderia estar, então? Zeus já estava quase exaurido de tanto dever e responsabilidade nesses dias (bem, quando não estava?), e a curiosidade e receio, acrescentados a desconfiança, se elevaram ao descobrir que o seu filho mais poderoso houvera trazido alguém do futuro ao presente – uma criança. Uma criança na qual ninguém sabia ser suas reais intenções. Afinal, seria mesmo uma pequenina criança ingênua? Pouco acreditava nisso.

—O que você está escondendo de mim, filho? –curvou-se para mais perto da jaula em seus pés e olhou-os profundamente nos olhos, tentando desvendar sua máscara intimidadora. Apolo não sentiu-se amuado, nem recuou. Segurou a mão de Héstia com mais determinação e sentiu o ser calor familiar fundir-se ao seu; não queria mentir à ele, mas também não poderia dizer-lhe o que já houvera previsto. Essas eram as regras.

—Não estou escondendo nada, pai. Nada no qual o senhor deveria se afligir no momento. –acabou por fim dizendo, lembrando-se dolorosamente das memórias injetadas em sua mente, incalculavelmente sombrias e inevitáveis caso não fizesse algo necessariamente bom para impedir o decorrer.

Zeus suspirou, exasperado e decepcionado. Esperava que Apolo pudesse revelar-lhe seus motivos, seus propósito; mas claro. Tinha de lembrar-se de sua individualidade. Ele anuiu tristemente e girou 180 graus, o tronco ainda não totalmente girado para a frente.

—Sendo assim, meu filho, não teremos outra escolha a fazer.

Zeus maneia a cabeça de forma conservadora para Hermes e Ares, os quais levantam-se desanimados. Hermes por ter a infeliz obrigação de levar seu companheiro para seu isolamento e Ares insatisfeito por não poder assistir a toda discussão com o complemento extra de uma Sprite e pipocas (se desse, um chocolate amargo também).

Porém, ao aproximar-se, Héstia ergueu-se de um pulo, ainda agarrada firmemente a mão de Apolo, como seu fosse um gancho impossivelmente difícil de se desgarrar. Sua forma pequenina e simples de uma garotinha transmitia um certo ar autoritário e repreensivo, além de um profundo sentimento de morbidez. Seus olhos estavam marejados como uma grande gota d’água e suas mãos, as quais carregavam uma chama quase apagada e extinta, tremiam enquanto iam de encontro ao coração.

—É isso o que vai fazer, irmão? –sua voz pronunciou-se, parcamente incrustada com um tom esbaforido e tenebroso. Seu timbre ecoou no ouvido de todos e repousou na cabeça de Zeus, que sentou-se formidavelmente em seu trono, encarando-a impetuosamente sem dizer uma palavra. Héstia franziu a boca, fechou o rosto e as sobrancelhas curvaram-se para baixo, ela deu um passo hesitante para frente, sem conseguir impedir-se, e um soluço escapou de sua garganta. Ela sentiu Apolo acrescentando uma pressão leve e suave em sua mão, deixando sua pele fria, pela ausência do sentimento cálido tão conhecido, novamente aquecida, o que fê-la fechar os olhos com força deixando escorrer uma lágrima salgada pela sua bochecha rosada e descer-lhe pelo queixo. Ela cerrou o punho, sentindo a força de que tanto precisava para continuar, abriu as pálpebras e os olhos flamejantes cravaram-se nos de Zeus, tempestuosos e conflitantes. –É isso o que vai fazer, mesmo? Você vai aprisioná-lo por medo?

Zeus não respondeu. O ar parecia ter parado, a brisa crepitava como se estivesse sendo atiçada para um grande fogueio, a fim de incendiar toda a construção. Héstia apertava o punho com tanta força que ela chegava a perder a cor, as mãos oscilando entre um tom avermelhado e fulgurante. Apolo abaixou o olhar, tentando trazê-la de volta para perto, tentando mandar a mensagem silenciosa de que ele não se importava, de que tudo acabaria bem. Mas não foi capaz. Não foi possível.

Em repentino clamor, Héstia abriu as mão cerradas e de frente a ela, seu fogo em sua lareira incendiou-se vinte metros acima, lambendo tudo ao que tocava, as chamas dançantes passaram para um escarlate assombroso e quando as labaredas reduziram-se, ainda ardendo aos seus pés e em seu braço postado ao lado de seu corpo como um membro perdido, Zeus viu sua irmã derramando as gotas com lamúria, incessantes, as quais secavam rapidamente pelo calor que a chama produzia. A deusa chorava. Não só por sua família, mas podia sentir seu peito rasgar-se na presença de uma família se decompondo. Podia sentir as revoltas, e ela não podia fazer nada. Sua família fragmentava-se, e sabia. Sabia que não era apenas a dela. Era um tormento em que ela era inábil de escapar.

—Por que você não me responde, irmão? Você está seguindo os passos de nosso pai? –por fim pôde murmurar, dando um sorriso fraco e sem emoção, as garras fortes do sofrimento envolvendo-a, como grandes e irreversíveis correntes de aço prendendo-a ao chão. Os olhos abaixaram-se e a última gota salgada caiu, enquanto ela própria desabava de joelhos ao lado da jaula onde Apolo se encontrava. As chamas lentamente apagaram-se, restituindo-se ao que eram antes. Chamas fracas e transluzentes, porém, agora, ela não era muito maior do que a palma de Apolo, e ele sentiu um grande desconforto em seu íntimo.

Ninguém se movia, ainda petrificados pela fúria de Héstia, a qual queimava em seus rostos e tornava-os conscientes da situação por onde passavam. Dionísio visualizava Héstia de modo complacente, tentando encontrar algo para ajudá-la, mas não o achando. Atena estreitou o olhar para Hera, que permanecia imóvel e destituída de uma simples mudança de postura.

Zeus por fim remexeu-se em seu assento. Abaixando a cabeça e virando-a ligeiramente para o lado ele suspirou, desgastado e nervoso. “Eu nunca serei como ele” pensou, de um jeito irritado e modesto. E em um murmúrio que trouxe todos em um choque, ele disse, em timbre bravo e pesado, alto o bastante para todos ouvirem:

—Levem-nos.

Hermes sacudiu a cabeça bruscamente para o lado, fitando Zeus que não demonstrava qualquer tipo de sentimento. Sua fútil forma de indiferença causava um massacrante espanto diante de todos. Mas eles não deviam se impressionar.

Héstia vagarosamente levantou a cabeça, a boca semiaberta de surpresa por sua resposta, olhou para o irmão com uma nova e renovada maneira. O ar esfriou, e a chama apagou-se após ter passado de um vibrante escarlate para um azul turquesa fraquejo.

Apolo tentou deter-se, mas não pôde permanecer quieto e imóvel daquele jeito enquanto a sua própria família o aprisionava e duvidava dele. E a Héstia. Como podem tê-la julgado de tal forma? Ela estava tentando ajudar. Só isso. Sentia-se culpado por ter de levá-la com ele. Não era assim que tinha de ser. Será que eles não entendiam? Será que eles não entendiam que ele tentava salvar a todos? Será que eram tão incapazes de confiar em seu próprio ser, no qual houvera recebido a devida especialidade para agir de tal modo? Por que não poderiam parar e escutar por um segundo? Será que eles eram tão egocêntricos, emproados e desdenhosos a ponto de subir-lhes a cabeça a ideia de alguém poder querer retomar seus tronos? Principalmente: uma garotinha de seis anos de idade praticamente vulnerável e desprotegida em que mal consegue se defender por conta própria ou manejar uma espada direito ao considerar suas mãozinhas pequeninas e o seu tamanho razoavelmente menor?

Apolo bufou, incrédulo. “Olha só quem fala” pensa, indevidamente. Ele agarrou as barras com a mão livre, causando um estrondo notável, chamando a atenção desejada do deus dos deuses. Ele mandou-lhe um olhar inconfundivelmente brando. Ele conhecia a mente atordoada de Zeus, apesar de tudo.

—O futuro é uma mancha indistinta e confusa, pai... mas às vezes nem ao todo indecifrável. Não é tão simples quanto você pensa, porém, ele sim vai ter um grande e complicado desfecho se acabar desviando um mísero centímetro do caminho. –Apolo fez uma pausa para ele absorver suas palavras, um tanto desordenadas e desajeitadas mas torcia para que ele entendesse. –Você quer isso?

Mais uma vez, ele não o respondeu. Então o olhar de Apolo recaiu a Poseidon, ao seu lado, quem o via com os olhos marítimos intensos. Apolo sentiu-se engolfado por uma onda imprevisível e agitada – e logo depois, sentiu a calma avassaladora tomar conta quando a onda virou um mar extenso e revolta de uma profunda e imensurável mansidão e paz absurda, nenhum vento a movia e consequentemente Apolo podia sentir-se novamente em seu estado de sempre, onde podia sentir o sol tocando em sua pele e trazendo-o energia excessiva. Mas agora, era um faixo frouxo da luz do sol, que atravessava as águas preguiçosamente.

E então, ele voltou ao Olimpo quando quebrou-se o contato visual. Quando Hermes e Ares arrastaram para sua jaula Héstia, a deusa cabisbaixa e sem o menor índice de escolha para relutar e revidar em entrar naquele apertado espaço. Apolo, porém, com as forças voltando fracamente para seus braços, arremeteu-se sobre a portinhola, mas antes de este poder chegar até lá, Ares a fecha ruidosamente e brutalmente, olhando-o vagamente, sem saber ainda ao certo qual lado escolher. Ao lado dele, na outra extremidade, Hermes estava condoído e extremamente indeciso.

—Desculpe-me. –murmurou compassado, tentando ocultar a dor em sua voz pelo que fazia.

Héstia abraçou suas pernas e fechou-se em si mesma, abaixando e escondendo a face entre suas pernas. Apolo olhou para sua irmã, Ártemis, que o acompanhava com o olhar. Ela levantou-se compenetrada com sua preocupação, mas Apolo balançou a cabeça e mandou-lhe um sorriso fraco. Antes de Apolo perder por completo a visão de todos, ele viu sua irmã virando-se furiosa para Zeus, mas racionalmente, ela apenas olhou para baixo e abaixou-se, pegando seu arco e encaminhando-se para a porta, onde ela saiu, lentamente transformando-se em apenas uma luz reluzente que dissolveu-se aos poucos.

Apolo respirou fundo e olhou para as próprias mãos. Antes de mergulhar na escuridão, cada um dos integrantes do Olimpo já haviam saído, da mesma forma, esvaecendo até não sobrar mais ninguém, a não ser Zeus, Hera e Hades. Três dos quais mantinham-se nos mesmos lugares, discutindo ferozmente.


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Notas finais do capítulo

Bom... eu já tenho o próximo capítulo pronto. E sim, não foi nesse que recebeu a narrativa especial que prometi a vocês, será no outro. Me desculpem de novo, o capítulo ficou muito grande e eu tive de dividi-lo, e o especial saiu no próximo.
Obrigada pelos que leram! Já disse que amo vocês? Eu fico muito feliz quando as coisas se assentam aqui, posso entrar no fanfiction e vejo que vocês, leitores, continuam comigo. Isso é muito especial para mim.
Reviews para matar a saudade?



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