O Que É Amar? escrita por Hikari


Capítulo 12
Ponteiros quebrados.


Notas iniciais do capítulo

Olá, filhotes! Oh, quase ninguém veio me ver... mas obrigada pelos que apareceram, vocês são tão doces e gentis! Não demorei agora, não é?
Céus, estava tãaaao animada para postar esse capítulo que não pude mais esperar. Estou QUASE de férias, ainda tenho uma semana de provões, portanto vou dar-lhes um tempinho para lerem, okay? E o próximo vai sair mais rápido assim que ver que vocês estão acompanhando. (:
Boa leitura!



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Tempo presente, Manhattan.

Faltavam apenas algumas quadras até o Olimpo. A pressão a qual submetia em seu peito transportava a carga da altivez do edifício e do que abrigava-se dentro dele. Porém, por mais que tivesse a impressão de poder estender os braços e roçar com a ponta dos dedos em uma construção rudimentar do lar dos deuses, nitidamente os monstros não facilitavam que obtivesse algum descanso para realizar tal movimento que não seja manejar a espada em arcos e estocadas.

–Neil, recubra minha dianteira! –o berro estridente do gêmeo de Hermes ressoou pelo quarteirão vazio. As casas transpareciam escuras e gélidas, como se a própria Noite as houvesse engolido, ofuscando qualquer vestígio de vida. Com os recantos de sua visão, observou o pequeno Neil tentar empunhar sua adaga com o máximo de destreza na mão trêmula, assombrando um monstro – com a aparência de uma águia distorcida – mais pelos gritos ensurdecidos que provinham de sua voz do que com os movimentos frenéticos de seus punhos.

Holly não estava muito longe. Sua vantagem era o tamanho, ela conseguia esgueirar-se por entre o corpo dos monstros e contra-atacar de maneira ágil e habilidosa, embora não tenha completado seus doze anos ainda. Percy estava preocupado, não pois suspeitasse da capacidade dos pequenos em combate, porém eles não eram mais do que isso: pequenos, assustados e tentando sobreviver. Por que havia permitido que o seguissem, afinal de contas? Como pensara que poderia salvaguardar a todos eles? Podia tatear o peso da responsabilidade, e a culpa por ter permitido com que fossem atacados de tal maneira, quando a ansiedade havia cegado os seus sentidos.

Silena... ela confiava nele.

Ele impulsionou-se para frente, os punhos esbranquiçados do estrangulamento que mantinha na empunhadura da arma. Contracorrente era um fio cintilando em meio aos ares, cortando e rasgando, adquirindo peso e densidade, e então diluindo-se em leveza e vácuo. De onde surgiram tantos monstros? E por que salvaguardavam o monte Olimpo? Devia saber. O combate árduo retardava seus pensamentos, enquanto sua mente permanecia borbulhando em busca de soluções as quais poderiam desviar a atenção daquelas criaturas das crianças.

Sra. O’Leary estava ocupada despedaçando o pescoço das criaturas voadoras. A cada salto, fincando-se no chão, apareciam rachaduras e um tremor desequilibrava-o momentaneamente. Já acostumara-se a defender-se em solos instáveis, contudo essa situação não era a melhor alternativa para os principiantes no combate.

O doloroso toque de garras acionou uma ardência proliferou-se pelo seu ombro. Percy exauriu, obtendo um segundo para restituir a respiração perdida, e resguardar-se. Podia sentir o sangue escorrendo em suas costas, contudo não permitiu que aquilo o impedisse de movimentar-se. O que pensavam que eram? Não iam fazê-lo fracassar nessa missão. Não nessa, não naquele dia.

Com o canto dos olhos, captou um movimento brusco. Uma quimera saltou por uma brecha obscura e interceptou Holly, prendendo-a sob suas garras de leão. Holly debateu-se, e sua mão em punhos estava vazia, a lâmina redemoinhou para longe. Uma fumaça mórbida girava pelas narinas do monstro, engolfando a garota como uma névoa adquirindo densidade em meio a uma tempestade. Percy rangeu os dentes, sentindo sua pele esquentar.

Não.

Ele tornou os calcanhares, virando as costas para seus combatentes. Ele impulsionou-se para frente, e esgueirou-se entre os monstros, atacando-os furiosamente em meio a nocautes rígidos e ligeiros, aproximando-se da quimera, a qual desfraldava as três mandíbulas – leão, cabra e serpente. E antes que conseguisse acertar a quimera, um peso propulsionou-se sobre seu tórax, e ele ouviu um crepitar nítido ecoar. Um latejar inchou-o, e sucumbiu a uma pungente dor a qual desorientou-o.

Ouviu o rugido de Sra. O’Leary, e com um dos olhos cerrados, conseguiu erguer uma pálpebra e evidenciar, com alívio, a quimera distorcer sua atenção para o acontecimento. A pressão tornou-se mais gélida, e seu pulsar acelerou-se. Ele encarou com a visão turva um tumulto de pelos escurecidos. Suas mãos tremiam, e ouviu o tilintar de sua cimitarra ao desabar ao seu lado. Por que sentia-se tão leve? Sua respiração estagnou assim que a navalha dentro de si torceu-se em seu pulmão direito.

Era isso? Ele limitava-se a isso? Tão perto, e tão longe. Tudo parecia um fio, prestes a romper-se. Podia ouvir a risada de Silena, aquela última risada, doce e retumbante, aquela demonstração a qual agarrava-se tão firmemente. Como seria seu herói? Como conseguiria ser? Era fraco... tão fraco. Como pôde deixar de cumprir tantas promessas? Não fora capaz de proteger Annabeth, a sua Sabidinha. E agora perdera a sua pequena, a corujinha.

–Percy! –ouviu fraquejo um sibilo sussurrante. Grunhiu quando aprofundou dentro de si a pungente dor lancinante cuja intensidade tirava-lhe o fôlego. Chamas o chamavam para seus braços sulfúricos, e como dizer não? Elas imploravam... embebedando seu sangue com o calor frívolo, acobertando-o de medo. Oh, sim. Aquele medo que há tanto tempo sentira.

Silena, sua pequena princesa. Como a abraçaria dessa maneira? Já perdera a esperança. Mas por quê? Por que agora? Teria de sufocar tudo o que o aguardava? Lembrava-se quando havia saído para uma missão quando sua garotinha tinha apenas quatro anos. Ela fincara-se a frente do chalé 3, com a cabecinha apoiada nos braços enfraquecidos de sono, e o esperara. Noite, e dia. Recusava-se a adentrar, e recusava-se a ser retirada de onde estava. Pois Percy a havia assegurado que voltaria, que ficaria bem, e que a aconchegaria nos seus braços mais uma vez. E ela prometeu que ficaria naquele mesmo lugar pacientemente aguardando-o, e que nunca iria abandoná-lo pois confiava que ele retornaria novamente para carregá-la. Percy encontrou-a em um amanhecer, quando o sol lhe banhava a pele, seu rostinho adormecido marcado de lágrimas, os lábios separados infimamente. Recordava-se com clareza o sorriso e o calor da filha ao enroscar os braços ao redor de seu pescoço, murmurando que estava atrasado em meio a soluços gorgolejantes.

Naquele dia, ele prometera que nunca mais iria deixá-la esperar. Ela desabrochara um dócil sorriso de lado, e seus olhos acreditavam nele. Ela nunca deixava de acreditar. Será que teria de quebrar mais uma promessa?

Não.

Reunindo o máximo de energia o possível, esgotou as suas forças para agarrar o que o transpassara. Não era uma navalha, porém não deixava de ser familiar a seu tato. Ele levantou as pálpebras tremulantes, e a figura bruxuleante a sua frente tomou formas sólidas e concretas. Respirar era doloroso. Mover-se era doloroso. Continuar a perseverar era doloroso. Contudo, o que o estilhaçaria mais do que tudo seria abandonar a sua pequenina na desesperança. Ela acreditava por ele, ela confiava nele por eles dois. E isso bastava.

–Por que tem de sempre ser um minotauro? –a sua risada cortou sua respiração, porém o sorriso permaneceu em seus lábios ao vagarosamente recuar um passo, os cabelos aderindo-se a pele fervendo, suor e sangue mesclando-se em um gotejar inesgotável o qual pingava em sua roupa. Contudo ele não se importou. Não incomodava-se mais. –Por que você tem sempre de intrometer-se em meu caminho, besta abominável? Maldição.

Com uma estancada final, arrancou-se dos chifres do minotauro, o qual perfurara acima de seu quadril. Ele tentou estagnar o sangramento com a mão tingida de escarlate, e vislumbrou sua energia esvair-se de seu corpo. Conseguia parcamente manter o equilíbrio. O solo não firmava-se sob seus pés. O minotauro enrijeceu-se, aprumando as costas e granindo um berro infindável. Percy fechou os punhos, e tentou caminhar um passo em direção a sua espada. Contudo, tropeçou e seu calcanhar instabilizou-se. Antes de decair-se no chão, entretanto, o dorso caloroso de Sra. O’Leary sustentou-o.

Ao levantar a pesada cabeça mergulhada em ruídos imaginários, enxergou além de Holly abismada, e da quimera enfurecida, Isaac compelir, assustado, um membro cortado de um monstro para longe. O membro deslizou pelo ar por um tempo, e repentinamente foi arremessado para a direção contrária, como se houvesse colidido em uma barreira elétrica. Percy arqueou as sobrancelhas, e fracamente, tentou pôr-se de pé com a mão livre cambaleante na cadela infernal, e estreitando os olhos, enxergou por um lapso de segundos, tão sutil que poderia ter imaginado, o oscilar do ar contornando uma cúpula ao redor do prédio.

–Sra. O’Leary. –murmurou baixinho, sua respiração acelerada e a mão cerrada apertando de maneira ríspida o sangramento. –Leve-nos até a porta de entrada. Rápido.

Não sabia o que raios havia visto. Se era o que pensava. Se, de fato, poderia haver alguma chance de ter realmente enxergado o que vislumbrara. Porém tinha de tentar. E não restava tempo para ponderar a respeito do assunto. Agarrou-se no pelo da cadela infernal, e içou-se lastimosamente para suas costas, sentindo a cruciante dor esmagando-o. A velocidade fê-lo afogar-se, sentiu um mal estar embrulhando seu estômago e o sangue fluir em sua mão. Fechou os olhos a fim de não encarar a vertiginosa paisagem a sua volta, e quando voltou a abri-lo, piscando repetidamente, estavam no saguão. Dentro do prédio. O silêncio ensurdecedor pisoteando sua audição, e a ausência de monstros mandando-lhe um sinal de alerta que suplantou sua fraqueza. Ele correu os olhos ao redor.

Neil encontrava-se em um recanto, encolhido, as pernas tremulando vigorosamente. Isaac encontrava-se na entrada, as mãos grudadas na superfície envidraçada, observando. Holly encontrava-se ao seu lado, as mãos pairando acima de seu machucado, com os olhos dourados iridescentes preocupados, focalizando algo. A cadela infernal latiu e ele tentou levantar-se, obtendo uma pontada aguda em seu cerne. Holly sobressaltou-se e obrigou-o a deitar novamente.

–Aguente mais um pouco, Percy. –ela encorajou, mandando-lhe um suave porém incapaz sorriso de alento. Enquanto ela retornava a ocupação, percebeu que não havia ninguém nas poltronas, ou na bancada. Onde estava o porteiro? Onde estavam as almas sôfregas? Ele grunhiu incomodado quando a pressão que impunha-lhe prorrompeu uma explosão de tormento assim que notou Holly apertando uma atadura improvisada envolta do fluxo de sangue. –Prontinho.

Percy trincou os dentes, tentando amenizar a lamúria que provocava escapar de seus lábios. Ele empurrou-se para cima, com o auxílio da filha de Íris, e forçou seus passos para a porta. Isaac recuou, oferecendo-lhe o espaço. Ele abriu a porta e observou boquiaberto os monstros tentando avançar, imóveis, e berrando palavras ininteligentes. Eles não conseguiam ultrapassar aquela fronteira. Havia acertado? De fato, algo estava protegendo o Olimpo.

Mas... por quê?

–O que nós vamos fazer? –ouviu o timbre em decadência de Holly. Conseguia analisá-la por trás de seus ombros. Os cabelos prateados estavam bagunçados, e ela os havia prendido em um coque frouxo. Seu rostinho angelical estava sujo de fuligem e lama, e podia detectar sangue seco em seu antebraço, embora ela tentasse escondê-lo. Percebendo o que Percy fazia, ela virou-se de lado e encarou-o com olhos faiscando, violetas.

Percy franzindo as sobrancelhas, andou passou meticulosos para trás, reticente. Ela havia se ferido, Neil transtornava sua mente em reclusão em um canto e Isaac era demasiadamente precipitado, Holly conseguia coordenar o que ele fazia com uma eficiência inquestionável. Ele nunca cogitara em levá-los adiante, contudo, a situação acentuara-se nesse ponto. Não conseguiria protegê-los se aparecesse algo mais a frente, e de qualquer modo, a barreira segurava os monstros e portanto estavam seguros o suficiente naquele saguão.

–Vocês ficam aqui, não vou demorar. Eu estou indo para o Olimpo. –seus passos aquiesceram na entrada do elevador. Seus olhos pousaram onde o porteiro deveria estar sentado. Um livro descansava em seu lugar. Percy tateou o local onde havia sido atingido. Ainda sentia o gosto familiar em sua boca, aquele mesmo gosto que a ambrosia adquiria quando seu paladar o apalpava. Holly havia achada o estoque com ele e deveria tê-lo esgotado. Esperava que o elevador funcionasse, sem necessitar de algum cartão.

Contudo, ao movimentar seu pé a frente, um puxão fê-lo retornar. A mãozinha de Holly agarrava a barra de sua camiseta, e cabisbaixa, ela impedia-o de prosseguir. Um sorriso compadecido invadiu o rosto de Percy, seus olhos verde-mar perscrutando o violeta azulado da pequena. Ele virou-se, deparando-se a frente dela. Agachou-se a fim de alcançar sua estatura. A mãozinha despencou ao lado do corpinho contraído da garota, e ela elevou-o para o nível do coração. O filho de Poseidon depositou suas mãos nos ombros da filha de Íris e ela desviou o olhar, as bochechas estufadas e avermelhadas, emburrada.

–Isso não é justo. Se viemos com você, que possamos ir até o fim. Você está machucado e se for sozinho... –tentou argumentar, porém a voz foi perdendo-se ao gélido ar do saguão, tornando-se oco e insubstancial. Percy suspirou, com a tonalidade mansa, intercedeu.

–Holly, estrela. Vocês não podem continuar. Tenha paciência, está bem? O tempo irá vir quando você vai ser capaz de fazer muito mais do que eu. Mas você também está ferida, e não posso arriscar que aconteça algo com vocês. Aqui vocês estarão seguros, e logo eu volto. Já passei por mais perigos do que este, confie em mim. –ele desarrumou os cabelos longos e presos da garota, e tocou em seu nariz franzido ao postar-se novamente de pé. –Eu confio em você, que manterá os garotos a salvo.

Percy contemplou os gêmeos de Hermes, Neil e Isaac. Eles lhe lembravam dois filhos de Hermes o qual haviam contrastado sua vida, o que fez uma nostalgia encher seu peito, preenchendo-o com memórias do passado. Ele sacudiu a cabeça, e posicionou-se no elevador. Antes das portas deste fecharem-se, ele piscou para Holly.

–Posso contar com você?

E encontrou-se sozinho novamente. Não havia músicas orquestradas no elevador, como usual. Muito menos quaisquer sincronias, ou batida. Algo estava errado. Muito errado. Seus pés cronometravam, os números reluziam, passando depressa. 500º andar.

Ele desceu com o tilintar do elevador. O Olimpo estava irreconhecível. Não era como se houvessem destruído o que encontrava-se por lá. Porém, a atmosfera era densa mesclada com uma escuridão que o ar absorvia. Havia sombras rodeando todos os cantos, e enviando-lhe calafrios. Não havia sequer uma respiração assombrando o local, com exceção a dele. A pontiaguda dor em seu quadril extenuou-se, pungente, alastrando-se pelo seu corpo, e ele sustentou-se no mais próximo ponto de apoio o qual encontrou.

O que estava havendo?

As portas de bronze, as quais abriam-se para a sala dos deuses, encontravam-se intactas com seu brilho característico. Héstia devia estar lá, não é? Ela poderia revelá-lo o que havia ocorrido. E o seu fogo iria esquentá-lo, oh sim. Seus ossos retraíram-se com o sopro enregelado e indiferente que nocauteava o corpo de Percy. Ele arrastou-se para frente, obrigando seus membros dormentes a agirem. Não demorou para que atingisse as portas, embora para si, haviam se passado dias.

Estava demasiado enfraquecido para escancarar as portas do salão. Sacando Contracorrente do bolso, tentou usá-la como meio para submeter a porta a seus comandos. Contudo, quando descansou-a e utilizou-a para estabilizar-se, analisou a porta e desistiu. Como se utilizando a força fosse obrigar as portas de Zeus abrirem-se.

Com a mão direita, impeliu-a a recostar a palma sobre seus adornos, e contorná-los com a ponta dos dedos. Ela lhe trazia lembranças, lembranças do que foram, do que são. E uma eletrizante tontura fê-lo recuar alguns passos, agarrando o ferimento em seu quadril, o qual formigava friamente. As portas reluziram um clarão, e Percy imediatamente tampou os olhos com os braços. Uma lufada atingiu-o, perpassando sua pele.

Após alguns segundos, ele deslizou-a para baixo, libertando sua visão mais uma vez. Aproximou-se do salão, os passos hesitantes, porém determinados. Seus olhos ainda estavam acostumando-se, tentando adaptar-se a súbita aparição de luminosidade. Um zumbido invadiu sua audição, e ao piscar repetidamente, clareou o que antes encontrava-se enevoado, fincando seu olhar no centro da sala dos deuses.

Sua respiração estancou, sua mente circulou em assombro, ele esquecera-se momentaneamente de seu ferimento, e por um segundo, pensou que havia morrido.

***

Tempo passado, Manhattan.

–Fiz uma meta com meu papai. Creio que conseguiremos transpô-la, logo. –Silena comentou, um sorriso edificando-se sobre seu rostinho delicado e pequeno. Ela mantinha os passos a frente, as mãozinhas unidas atrás das costas, os cabelos ricocheteando e seguindo pela linha da medula. Annabeth fitou-a, a postura destemida e confiante. Meta?

–E qual meta seria esta, pequenina? –a voz soou frágil, e Annie apertou o passo, alcançando a lateral da garota. Silena ergueu o queixo, subindo o olhar para o céu esbranquiçado, impregnado de desoladas escolhas, em uma névoa espessa, recobrindo toda a extensão azulada. Ela direcionou as mãos para cima, e tentou alcançar com a ponta dos dedos o infinito.

–Nós iremos perseguir o sol. –o som repleto de brandura admirou ao mesmo tempo que surpreendeu Annabeth. Com o canto dos olhos, ela examinou a feição compenetrada da criança. Seus traços eram vigorosos, e era como se segredasse a filha de Atena um acordo que fizera com o mais precioso sigilo cumprido.

Silena apressou o passo, adentrando em uma trilha diferente a qual Annabeth normalmente decidia ser conduzida. O trajeto distinto o qual escolhera era desconhecido a filha de Atena, embora acreditasse que conhecia mais da cidade do que a pequena criança. Contudo, não discordou em segui-la, confiando indiscretamente na pequenina, sem conseguir compreender o porquê.

–Perseguir o sol? Do que você está dizendo? –o recanto de seu lábio verteu-se e ela reteve uma risada, contudo Silena não retribuiu o emblema. Ela recolheu os braços esticados e empoleiro-os na altura do coração, trazendo-os para perto de si, aninhando-os consigo, como se desejasse proteger algo que houvesse encasulado.

–Sim. Assim que ele se pôr. Nós iremos persegui-lo, naquele aparente infindável horizonte, até por fim alcançá-lo e ele não ter mais onde se esconder. –embora o timbre seja minúsculo o ingênuo, a determinação era bravia, engolfada de coragem. Era como se houvesse abandonado a sua camada de inocência, e houvesse sido obrigada a ter crescido abruptamente. Do mesmo jeito que ela sentira...

–Você, de fato, tem um estrondoso apreço pelo dia, não tem? –tentou aproximar-se dela e abraçá-la, pois parecia distante, indefesa. Contudo, seus braços não moveram-se, inaptos a deslocar-se, pesados e moldados pelo frívolo vento, o qual aparentava amarrar seus braços em um aro de ferro.

A garota manteve-se ereta, os braços traçados atrás das costas, encarando o que a acobertava com os olhos mergulhados em expectativa, como se visualizasse o que havia por detrás daquelas nuvens, o som sintonizado da brisa tingindo suas bochechas avermelhadas. Annabeth permaneceu ao seu lado, emudecida, contemplando sua cintilante feição, aguardando a resposta com longanimidade. Ela havia mudado desde quando a viu pela primeira vez, embora tenha se passado apenas alguns dias. Ou será que era apenas sua perspectiva curta em relação à pequena? Havia a visto pela primeira vez naquela mesma semana, porém não deixava de obter de dentro de si o calor, o afeto, a doce harmonia da nostalgia de conhecê-la por toda a vida.

–Ele nunca esquece do meu aniversário. –o sussurro da pequena intensifica-se em sua brandura e singela luz a qual transmitia interinamente através do coração de Annabeth. Suas palavras ecoaram em sua cabeça, emendando seu sentido. Aniversário? Quem? Embora não a compreendesse, tentou agir como se houvesse entendido. Obtinha a superficial sensação de que ela não estava especificamente dirigindo-se a ela. Porém, a quem mais poderia estar?

–E, aliás, quando o será? –ela sorri condescendente, talvez, depois de todo o imprevisto, ela poderia preparar algo especial e memorável para ela, no único dia o qual ela consideraria seu, com o orgulho genuíno de uma criança.

–Daqui um dia. –Silena encolheu os pequeninos ombros frágeis como os de um passarinho, abaixando a cabeça, envergonhada. O cachecol ao redor de seu pescoço deslizou, ligeiramente, libertando sua feição preocupada, os lábios repuxados para um recanto tímido, o nariz, de maneira quase despercebida, franzido. Annabeth arqueou as sobrancelhas, intrigada. Um dia? Era como se fosse aquelas minúsculas pétalas florescendo o branco almofadado, impregnado de uma maciez discreta, dos dentes de leão. Aqueles doces fragmentos de um inteiro, todos flutuando e pairando pelo ar, procurando em afiada determinação um lugar esperançoso, fluindo pela corrente, apenas deixando-se levar. Era como se ela diluísse-se em meio a um todo maior. Faltava apenas um dia.... contudo, aparentava faltar anos. Anos? Ela sacudiu a cabeça.

Silena desperta de seus pensamentos inchando-se de assombro, observando a mãe com minuciosa atenção. O que ela estaria pensando? Gostaria de saber. Seu pai costumava dizer que Annabeth vivia em um labirinto manuseado de engrenagens, girando e funcionando vigorosamente, constante e incessante. Ela desejava conhecer como ela via o mundo. A visão da pequena desceu para as mãos de sua mãe. Elas estavam entrelaçadas, tremendo, imperceptíveis, de frio.

Silena abriu um glorioso sorriso. Como se uma fechadura houvesse se aberto, depois de um longo, longo tempo mantida trancada.

–Vamos, Annie! Dessa maneira nós nunca chegaremos lá! –esticou o braço e agarrou uma das mãos de Annabeth, impulsionando-a para frente, ao mesmo tempo que acelerava seus passos, arrancando neve das botas, ativando a energia que armazenava em sua corrente sanguínea. Seu riso proliferou-se pelo espaço razoavelmente vazio, onde apenas as duas corriam, e logo foi possível escutar a gargalhada rítmica de sua mãe.

–Calma, calma, princesa! Estou indo. –e então suas mãos soltaram-se, e os braços frenéticos de Silena oscilavam ao lado de seu corpinho, enquanto tentava içar-se para frente, e para frente, e para frente. Contudo, o que ela pensava? Suas perninhas eram ágeis, porém sua mãe havia anos de treinamento para desenvolver tal habilidade, além das experiências que tivera as quais Silena apenas tinha a oportunidade de sonhar acordada, sonhar como aqueles flocos de neve caindo, esfregando-se no ar, e perseguindo o horizonte, caindo constante, contínuo – assim como desabrochavam a imaginação de Silena ao pensar nas aventuras da mãe.

Ela olhou para o lado, e os olhos cinzentos de sua mãe focavam-se ao longe, rindo e sorrindo de uma maneira reluzente, cujos olhos ardentes e sutis dos raios do sol que espreitavam por entre as nuvens lânguidas, observando-a, porém sem transmitir uma única palavra. Não era preciso. A pequena vislumbrou os flocos caindo do alto de um infinito céu sem fronteiras, e inundou sua visão com o sorriso reluzente da mãe, gelado pelo frio combatendo contra o pesado impulso que investiam. Gostaria de poder ser assim todos os dias. Poder correr com ela, ouvir o sino de sua risada, ser acordada com aqueles brandos olhos sábios que a confortavam.

Seus pés foram diminuindo a velocidade, e finalmente estancaram. Suas botas estavam semiafundadas no travesseiro branco. O manto que acobertava nitidamente sua realidade fragmentou-se, e ela voltou ao estado alerta ao qual momentaneamente deixara-se abandonar. Percy sempre a dizia para resguardar a si mesma, incessantemente. Recordava-se de todos os momentos que fora descuidada. E não foram poucos. Ela sentia algo. Algo movimentando-se, algo vigiando-a.

Seu pescoço torceu e o vento sacudiu a paisagem, silvando. A brancura terna trasbordava de todos os lados, os dois pares de passos mergulhados na neve contrastavam a trilha pela qual seguiam. Ela concentrou-se em todos os recantos que podia encontrar, tentou ouvir, tentou perceber. Não apenas seu pai, porém Quíron a ensinara a alcançar tal capacidade. Ele a levava em todas as manhãs dos fins de semana para a floresta do acampamento. Mostrava-a o que se ocultava no transparente, no invisível. Ela ansiava por ter aquelas aulas, semana após semana. E sentia-se como se houvesse retornado naquelas mesmas práticas que Quíron a provava.

Silena assombrou-se, retesando os ombros, recuando, quando um pássaro alçou voo e curvou o galho de uma árvore, permitindo assim que o amontoado de neve congelada escorresse e colidisse com o chão, arremessando gotículas gélidas em sua pele. Ela tentou esquivar-se, e seu corpo tornou-se subitamente maciço e fatigante em seus movimentos, seus pés acorrentados em uma densa camada de aço. Dirigiu seu olhar para seus pés e acompanhou suas pernas lentamente respondendo a sua ordem, o joelho dobrando-se em profundo cansaço. A sensação insaciável que a consumia achegava-se gravemente nela, a sensação de desespero, de perigo, de uma prisão interminável...

Ouviu a voz da mãe, ininteligível, dizer-lhe algo, e assim que empregou seu empenho em virar-se para fugir, todo o aglomerado de sentidos que haviam sido abafados, ardilosamente retornou. Suas costas foram pressionadas para frente, com um ardil golpe, e o equilíbrio esvaiu-se de seu corpo. Suas pernas, como se houvessem despertado de um sono o qual o debilitara, ativaram-se, compelindo-se para frente. E antes que conseguisse captar o que a envolvia, o solo parou de girar e Annabeth encontrava-se na sua frente, suas mãos sustentando-a firmemente nos ombros, seus olhos focalizados em seu rosto, em uma exasperada preocupação. E conseguiu ouvir o que ela dizia, como se a barreira que intercedia o som de atingi-la houvesse desvanecido. A pressão desapareceu. Contudo o calor fulgurante em sua nuca permaneceu. Ainda estava sendo vigiada.

Por quem? Pelo quê?

–Silena! O que houve? O que você viu? O que está acontecendo? –o bombardeamento das perguntas propulsionou-se sobre a mente sensível da garota, e Annabeth arrependeu-se por precipitar-se. A cor pálida de seu rosto estava retornando a tonalidade rosada usual, e seus olhos piscavam-se, confusos. Ela cambaleou ao tentar estabilizar-se sozinha, e Annie abraçou-a, embalando o corpinho gelado da pequena em si. Ela manteve-se assim por um instante, e Annabeth teve a impressão de seu narizinho fungar, contudo assim que tentou ver o seu rostinho, Silena afastou-se, o emblema novamente estável, saudável.

–Desculpe-me... foi apenas uma tontura. Já passou. –a criança agarrou sua mão trêmula e impeliu-se para frente mais uma vez. –Vamos? Já estamos atrasadas.

O interior de Annabeth agitou-se, instigada. Ela escondia algo. Claro, sempre notou isso. Porém, algo a remetia a analisar mais efetivamente o que era. Não podia deixar algo desfeito. Algo estava acontecendo. Mas por que não queria contar à ela? Silena encontrava-se com uma postura diferente a qual partira. Estava com medo. Queria confortá-la, queria que a pequena confiasse nela para que pudesse compreendê-la e ajuda-la. E então percebeu.

Não iria conseguir sem ele. Silena precisava dela, e ela precisava de Percy para que ambos pudessem tranquiliza-la novamente. Um de seus piores defeitos era o orgulho, contudo ele a lapidara e ensinara como diluí-lo, e talvez com ele, conseguiria consertar o que havia sido bagunçado.

Cabeça de Alga...

Conseguiria fazer o que devia ser feito? Hesitava, ponderando sobre o que havia realmente acontecido. Teria de pedir desculpas. Deixar o orgulho afundar no abismo como aprendera, e humildemente buscar o que procurava no início do processo, mesmo que não o havia enxergado nítida e claramente no primórdio dos tempos.

Conseguia fazer isso. E não estava sozinha, afinal de contas. Nunca esteve.

Annabeth encara seus olhos verde-mar profundos de tonalidade bela, sagaz e, de certa forma, enobrecedora, fazendo-a parecer mais velha do que realmente é, demonstrando e refletindo o potencial que poderia – e iria – revolvê-la e torná-la. Gostaria de poder vê-la crescer, desenvolver-se e amadurecer-se. Queria poder acompanhá-la em seus momentos árduos e aflitivos, dá-la conselhos quando fosse mais velha, quando o turbilhão de seus pensamentos tumultuosos em um alvoroço desconcertante, em atrito, a fizessem entrar em equívoco contra si mesma, em divergências antagônicas, como saberia que passaria. Queria auxiliá-la agora.

Estranhamente, sentia-se interligada a ela, como se fosse uma parte de si a qual necessitava de proteção, mas que, embora tentasse, não conseguia ultrapassar a barreira sobreposta da pequena princesa, e o sentimento que aflorava sobre Annabeth colidia-se em uma peculiar sensação vazia e repleta de injustiça, como se alguém a estivesse roubado dela, retirado dela sua força vital.

–Annie? Você está bem? –a voz da pequenina a faz retornar de seus rodopiantes pensamentos. Ela encontra-se imóvel, as botas fincadas na densa camada de neve, com a mão de Silena apertando a sua. Annabeth esquiva seus olhos novamente para baixo, focalizando o rostinho da pequenina. Assente, tentando formar em seus lábios palavras as quais secamente relutavam em sair. Ao menos, enquanto prosseguia com a luta dentro dela. Quando acordara, uma sensação frágil e voraz apegara-se a ela. Uma sensação de fim. Um horrível, tenebroso, sortilégio de despedida. Uma torrencial força refratando-a para uma camada de envidraçadas couraças, preparadas e antepostas para recobri-la quando o momento chegar.

Que momento? Balançou a cabeça, uma comoção de sentidos mesclando-se dentro de seu cerne, enraizando-se em suas dúvidas. Não estaria ali para sempre. Silena não estaria ali para sempre. Será que era por isso que ela sentia medo, e escondia-o dela?

Para onde ela iria? Por quê?

–Silena, onde estão seus pais? Onde está sua casa? Você está perdida? –sussurrou baixinho, em um silencioso suspiro, o corpo relaxando como se uma dor lancinante houvesse se destituído de energia e amenizasse seus órgãos, medindo seus ossos para poder encaixá-los em uma tumba, e contudo quando os dedinhos de Silena tocaram seu pulso, ela não pode senti-los. Uma corrente levou sua arfada, e ofereceram-lhe uma concisa resposta; era a luva, apenas a luva que trajava. Talvez fosse melhor conhecer algumas perguntas do que todas as respostas. E talvez, a sua sabedoria sanava-se em um mergulho de imprecisas águas de indagações.

Talvez não quisesse compreender a mensagem a qual detectara e sabia ser a resposta a qual ressoava em sua mente. Aquela resposta... uma resposta que desvanecia-se rapidamente, de forma leviana e fugaz, como as ondas transportando pequenos peixinhos desorientados, aprofundando-os novamente em seu abrigo, sufocando-os na imparcialidade, na correnteza da vida individual. Os olhos ingênuos e reluzentes da pequena contrastavam-se na brancura pávida que a envolvia, e em um lapso de segundos sua visão enevoou-se.

Ela embarcou novamente na caminhada, a cabeça abaixada, a respiração compactando-se a sua frente, como um bolsão de ar resfriado. Annabeth podia sentir a ponta de seus dedos enrijecendo-se, seus ombros tensionados, seus pés recusando-se a se mover. Porém, ela deu um passo, dois. No terceiro, as mãos da pequena escaparam de seu toque. Por um instante, era como se um fardo houvesse sido dissolvido, contudo era um fardo consolador, um fardo que firmava-a no solo, aquele peso que trazia-lhe o calor e o preenchimento de um vazio atemporal. Sem ele, era como se estivesse pairando em nuvens indistintas, cambaleando pelo ar e caindo... caindo em uma elevada altitude a qual sabia que seria impossível atingir. E o que faria? O que faria?

Seus calcanhares giraram, e antes que suas costas tornassem completamente para trás, ela sentiu o peso novamente. O peso frouxo, embora compacto, aquele calor amistoso de uma criança perdida e achada. No canto de seus olhos, observou esbaforida a pequena, seu rosto afundado em suas costas e suas mãos agarrando a borda de seu casaco, os punhos cerrados ao embalar seus dedinhos no tecido contra a pele de Annie. Os seus cabelos ricocheteavam suas costas, louros, dourados, fios salpicados com pequeninos recortes pálidos do gelo o qual aderia junto a ela – como uma armadura, uma capa de uma guerreira congelada. Congelada?

Congelada no tempo.

–Eu... eu... –suas palavras eram abafadas, e soavam longínquas. Ela meneou a cabeça, e aproximou-se de Annabeth, pressionando suas costas levemente. A filha de Atena deixou escapar um ruído estupefato, sua mão cobrindo o dorso da criança. –Não, não olhe. Por favor.

Ainda sem compreender, obedeceu-a tácita. Silena ergueu o rosto, impávida, com estrelas fulgurantes cintilando no centro de seus olhos, refletindo a determinação de seu coração cristalino. O cronômetro a sua volta regressava, esgotava-se, despedaçava-se. Ela tinha de correr. Correr, correr. Como fazia com seu pai. Como Percy costumava fazer. Ainda não. Não é o tempo. Não está no momento. Como Silena poderia saber? Tinha que estar.

Não era?

–Eu vou me esconder. Conte até trinta. –Annie tentou argumentar, grunhindo palavras jamais finalizadas. Contudo, Silena permaneceu-se firme, resistindo ao impulso de correr e não parar, nunca mais. Ela rangeu os dentes, os olhos fixos nas costas da mãe. –Você vai ficar aqui. E quando me encontrar... quando me encontrar, você faça a pergunta mais uma vez, está bem? Faça-a alto.

E então ela virou-se, com gotículas grudando-se em seus cílios e escorregando pelo seu queixo. Ela fechou os punhos firmemente, e correu.


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Notas finais do capítulo

Filhooootes, meu aniversário foi nesse domingo (15/06), querem me dar um presentinho atrasado?
Aqueles que já leram a série de A Seleção, POR FAVOR, ME DÊ SPOILER! Não consigo, simplesmente meu coração dispara de ansiedade! Não consigo parar de lê-lo, mas preciso saber antes: com quem a America Singer vai acabar no final? Por favooooor, me falem! Meu aniversário foi essa semana, pretty pretty please!
Amo vocês, nos vemos daqui a pouco! (;



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