Skyfall escrita por Fitten


Capítulo 43
Capítulo 43 - Epilogo


Notas iniciais do capítulo

Então gente, esse é o último capítulo antes da segunda temporada, só estou providenciando a capa para começar as postagens. Conto com vocês na próxima temp.



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Mãe, pai...

Enquanto escrevo essa carta, estou tentando me convencer a não descer até a rua e caçar algum mendigo desafortunado, embriagado demais para desconfiar que perdeu alguns goles de seu sangue enquanto jazia inconsciente em alguma sarjeta.

Até agora tive êxito, quase todas as noites vou para a cama depois de um suculento naco de bife mal passado e batatas. Gosto das batatas, e gosto ainda mais de acordar mais um dia sem sangue em minhas mãos. Tem sido difícil, vocês sabem, viver tão perto deles todo o tempo, especialmente você pai, que conhece o sabor maldito.
Me desculpem por não me despedir, acho que eu não estava muito consciente de minha decisão até tê-la tomado. Mesmo assim, ainda não me arrependo de tê-los deixado. Era preciso, apenas quero que entendam isso.


Quando saí de casa aquela noite - parece que foi a mil anos - com Jake nos meus calcanhares e papai querendo matá-lo, bem, eu não sabia o que estava fazendo, nem onde iria chegar com meus planos idiotas. Acho que pensei que poderia salvar o mundo. Eu era tão tola, tão inocente... O quê quero dizer é que, as coisas já não são como eram, eu não sou mais a mesma. Nada mais será como costumava ser. E por hora, a única coisa que posso dizê-los é, eu sinto muito, mas não posso voltar, não ainda. Tudo pelo que passei, tudo que vi, todas as coisas que fiz... Mãe, pai, eu não posso simplesmente voltar para casa e fingir que nada daquilo aconteceu. Não posso continuar de onde tínhamos parado, por quê eu não sou mais aquela Renesmee, sua doce, inocente e desprotegida filha que nada sabia da vida, e nossa vida, especialmente, têm sido um tanto dura comigo ultimamente. Mas não vou me queixar, pois minha sorte têm sido melhor que a de muitos outros.
Espero que entendam. Como eu poderia voltar para nossa bela casa, para nossa pacata cidade, e retomar uma vida que já não sei viver? Um vida que não cabe mais na pessoa que me tornei.
Como eu posso me sentar numa sala de aula repleta de humanos e fingir que não quero secar todos eles? A verdade é que nós não somos nem podemos almejar ser normais, e isso é exatamente o quê nossa família têm feito ao longo de muitos anos, fingir ser humanos com uma dieta diversificada. Isso é mentira, e eu não posso mais. Não consigo passar meus dias mantendo as aparências, especialmente agora. Se nada disso tivesse acontecido, talvez eu ainda fosse ingênua o bastante para viver a vida de vocês, talvez... Mas agora, hoje, eu não posso ignorar o que somos, o quê sou, e eu não sou humana, apesar de tudo. Esse coração que bate em meu peito pode parecer humano, mas não é.
Acho que já devem imaginar que Jake não vai ficar feliz quando souber dessa minha decisão, e agora me arrependo de tê-lo trazido comigo. Isso foi um erro. Novamente o mesmo. Acho que não herdei sua nobreza, pai, ou tampouco seu altruísmo.Bem, estou tentando consertar isso. Logo pela manhã, quando ele acordar, provavelmente a ligação dele chegará antes desta carta, mas então eu estarei longe. Não foi nem um pouco digno, ou fácil, mas tive de deixá-lo dormindo num quarto de hotel. Eu fugi no meio da noite, não teria forças de dizer adeus, não para ele, e provavelmente ele não teria permitido mesmo assim. Ele vai me procurar como um louco, mesmo lendo o bilhete que deixei no bolso de sua calça, ele vai me procurar, e espero que eu tenha que me esconder apenas dele, por isso essa carta está sendo enviada desde já. Por favor, não venham me procurar. Preciso desse tempo sozinha e preciso honrar com algumas promessas que fiz...
Se virem Jacob, digam a ele que eu o amo. Sei que minhas atitudes não são muito convincentes, mas estou fazendo isso justamente por quê o amo demais.
Sei que vocês entendem.
Nós passamos essas quatro semanas sem rumo, dormindo em hotéis baratos - espero que papai não fique consternado em saber que sua filhinha já partilhou da cama dele algumas vezes – e comendo comida ruim, tão ruim que eu preferiria mastigar as botas velhas de Charlie ao invés daquilo. O que quero dizer é que não foi para isso que resolvi não voltar para casa, eu não pretendia perambular pelo mundo sem rumo, não faz sentido permanecer fugindo de mim mesma e das coisas que aconteceram, e ainda por cima arrastar Jacob comigo. Bem, agora eu sei onde devo ir e sei que preciso deixá-lo seguir sozinho.
Não me entendam mal, mas eu não os direi aonde vou, espero que entendam e respeitem minha decisão.
Por favor, digam a Alice que sinto saudades, assim como sinto de todos, e que lamento por tudo, mas especialmente por não estar ao lado dela agora. Não pensem que não lamento ter de me afastar, mas acreditem, eu tenho. Ademais, preciso de tempo para entender esse novo poder, ele ainda me assusta, e não pretendo deixá-lo me controlar.
Eu sei o quê vocês diriam agora, "não é seguro ficar sozinha", "nós podemos ajudá-la a controlar esses poderes." Tenho certeza que seria mais fácil com vocês, mas seria a coisa certa a se fazer agora? Quero dizer, quando Aro mandou a guarda atrás de mim, eles me levaram enquanto eu olhava em seus rostos. Vocês todos estavam lá e mesmo assim aconteceu. Se eu não for capaz de me proteger sozinha, mesmo com toda proteção de vocês, algum dia alguém vai vacilar, e eu não vou ser capaz de fazer nada. Se eu não controlar essa coisa dentro de mim com minha própria força, o quê eu vou fazer? Se eu não puder me manter viva sozinha, então talvez eu mereça mesmo morrer.
Não me entendam mal, não quero ser rude, mas a verdade é essa, e ela não se tornará mais doce para que eu possa saboreá-la com prazer. Isso é real, é tudo que temos, toda nossa vida. É tudo com que eu terei de lidar agora.
Nem todos têm um final feliz, muito menos nós, que nunca temos um fim de fato. Nós somos imortais, nossas dores, nossos medos, nossas lutas, são imortais também.
Quisera eu que nunca tivesse provado o sabor do sangue humano, ou tirado a vida de alguém. Quem dera eu não tivesse essa sujeira em minhas mãos. Mas eu vi todas essas coisas e vivi os horrores que nossa espécie pode provocar.
Eu lutei com todas as minhas forças, e mesmo assim, eu não pude salvar as pessoas que eu amo. Agora eu sei que o destino de seres como nós nunca encontra o felizes para sempre das histórias que vocês me contavam antes de dormir.
Afinal, eram só histórias, não é, e isso é real. Nós somos reais.
Parece irônico que os humanos não acreditem em nós, que nos achem seres mágicos, que eles almejem tanto ser como nós. Mal sabem eles que nossa imortalidade nada mais é que uma maldição e uma busca eterna. Mas agora preciso continuar a minha própria busca, já disse tudo que vocês precisavam saber. Espero vê-los em breve.

 

Com amor, sua filha
Renesmee C. Cullen

 

***

Eu mentiria se dissesse que estava resoluta em partir, que me sentia corajosa diante da perspectiva de não ver minha família e meu Jacob durante um longo tempo, mas eu não tinha escolha. Tinha que terminar o que comecei, e tinha que me acostumar a não pensar mais em Jacob como meu. Eu o estava deixando afinal...

Naquela mesma noite eu tinha estado nos braços dele, o homem que amei desde quando nem sabia o quê amor significava, e enquanto eu queimava de desejo sob o corpo dele, minha mente não conseguia abandonar as lembranças dos últimos meses. Agora, quando raramente eu conseguia dormir, eu tinha pesadelos, e isso, somado a sede constante, me deixava acordada quase constantemente.

Na maior parte do tempo, estar com Jacob era a única coisa que me mantinha sobrea, inteira. Agora, porém, eu teria que me virar sozinha.

Eu pensava muito em Alec também, não havia como pensar em tudo que passei com os Volturi sem me lembrar dele, ou de Willian. Mas eu ainda não conseguia pensar sobre tudo aquilo sem sentir minha cabeça rachar, então eu apenas tentava não pensar.

Alec agora era o governante do novo império Volturi, aquele que zelaria pelas leis de nosso mundo, um mundo de sombras e sangue que se estendia muito além de vampiros e metamorfos, e eu era apenas uma mestiça, perdida nas brumas que encobriam nossa existência da humanidade. Alec e eu nunca estivemos mais distantes um do outro, e eu precisava tirá-lo de vez de meus pensamentos. Eu acreditava realmente que Alec seria um bom líder para nosso mundo, um líder melhor que Marcus, muito melhor que Aro. Ele teria de ser forte agora, nosso mundo estava um caos após a queda do domínio de Aro. Em todos os cantos do globo, os imortais estavam agitados. Os noticiários humanos relatavam quase diariamente novos ataques, assassinatos, seqüestros, desaparecimentos... Eu confiava em Alec para repor a ordem, mas sabia que demoraria algum tempo ainda para que os imortais reconhecessem um novo líder.

Liguei para Rosalie uma semana após ter partido. Meus pais estavam caçando naquele dia, e eu me senti aliviada por não ter de dar-lhes explicações que eu não tinha naquele momento. Rose foi compreensiva comigo, nós conversamos durante algum tempo, ela me contou como estavam as coisas em casa, disse que sentia minha falta, que me mandaria algum dinheiro, então eu agradeci e desliguei. Sentia-me estranhamente covarde naquela ocasião, tinha medo de pensar por quê estava fazendo aquilo.

Agora, porém, eu entendia.

Enquanto selava a carta endereçada a meus pais, eu ouvia passos apressados subindo as escadas da pequena pensão na qual me hospedara. Acompanhei os sons do salto contra o assoalho puído enquanto me levantava da poltrona velha em que estava. Guardei o envelope no bolso do casaco e caminhei até a porta. A noite estava fria em Amsterdã, e minha visita tremia sob o pesado casado de cashmere, enquanto cruzava apressadamente o corredor estreito e escuro. A taboa do assoalho rangeu em frente ao número vinte e três.

Quando abri a porta, ela entrou depressa, trêmula de frio. Examinei seu rosto pálido sob as luzes amareladas do quarto. Lavínia estava mais magra desde a última vez que a vira, há cinco noites atrás, parecia abatida e nervosa. Ela atravessou o quarto sem dizer palavra e depositou uma mochila pesada sobre a cama. Olhou em volta, estava ansiosa.

– Trouxe o quê lhe pedi? - Perguntei, enquanto trancava a porta e ia ao encontro dela. Eu estava tentando deixá-la mais confortável, mas não estava funcionando muito bem.

– Sim. - Respondeu ela, aproximando-se da janela. Lavínia estava evitando olhar para mim, e estava com tanto medo que mal conseguia controlar os tremores em sua voz. Ela fitou o céu, dando as costas para mim. Cruzou os braços sobre o peito tentando se aquecer, um gesto inconsciente que os humanos tinham para se protegerem de um perigo próximo. Passava um pouco da meia-noite e deveria estar fazendo uns cinco graus negativos, o quê era bem aceitável para aquela época do ano. Me sentei novamente na poltrona no outro extremo do quarto e fiquei observando-a, deixando minha mente vagar pelos acontecimentos dos últimos dias...

Lavínia veio até mim três semanas após eu ter deixado Montepulciano, e na ocasião, eu e Jacob estávamos em Londres. Foi um belo susto vê-la em minha porta naquela manhã, uma humana me seguindo...

“Você tem que me ajudar" - disse ela, e desmaiou em meus braços. Nevava muito naquela noite, pensei que Lavínia estava doente ou algo assim, mas na manhã seguinte ela acordou e já se sentia melhor. Disse que precisava falar comigo a sós. Mandei Jacob comprar algo para ela mastigar e então Lavínia disse: "Você tem que me transformar”

“Você está louca?" - eu disse a ela.

“Não, não! Escute. Eu posso ajudá-la a encontrar Aro.”

“E quem disse que eu o estou procurando?" - Blefei.

“Você não quer vingança? Não quer fazê-lo pagar pelo que fez a você e a sua família?

Por favor, me escute. Willian não está morto, nós podemos trazê-lo de volta, e a seu tio também." Pensei que ela tinha enlouquecido, o quê seria nada além do esperado para uma humana que passou por tudo que Lavínia havia passado, humanos em geral não suportariam conviver com as coisas que ela sabia, nosso mundo estava além de sua compreensão, por isso tínhamos que nos omitir. Entretanto, mesmo julgando-a fora de si, eu não pude deixar de sentir aquela força estranha que me acompanhara nas últimas semanas arranhar as paredes do meu cérebro. Era como um fogo sendo atiçado, um fogo que eu tentava conter arduamente a cada dia.

“Você deve isso a ele” - Acusou-me ela, quando eu não respondi. "Ele arriscou a vida por você, para ajudá-la. E ele nem mesmo te devia isso." - Enquanto falava, o desprezo e a mágoa cintilavam nos olhos de Lavínia.

“Willian está morto" - Falei, tentando ocultar o peso da culpa que eu sentia, tentando usar a máscara da frieza que nós imortais tínhamos naturalmente.

“Ele não está morto, e se você me der a imortalidade, nós podemos encontrar Aro e..."

"E como acha que vamos encontrá-lo? Se fosse tão fácil assim, muitos de nós já o teriam encontrado e queimado até o último fio de seu cabelo. O que a faz pensar que vai ter mais sorte que todos os outros? E pelo amor de Deus, a única coisa que Aro pode nos dizer sobre Willian é o que já sabemos. Que ele está morto." - Lavínia não sabia, mas a vontade que eu sentia de ir atrás de Aro aonde quer que ele e Jane houvessem se enfiado era quase tão grande quanto meu desejo de acreditar que havia ainda alguma esperança para Willian e Jasper. Mas eu não podia me prender à essa esperança, eu já estava suficientemente enforcada com o desejo de vingança, não podia me afundar ainda mais. Eu tinha que seguir em frente, se eu deixasse aquela esperança me contaminar, eu ficaria como Alice. Rosalie havia me contado que Alice não permitiu que ninguém enterrasse Jasper, nem ao menos tocá-lo ela permitia. Alice levou o corpo dele para Forks, e o estava mantendo deitado numa cama, onde trocava-lhe as roupas, penteava seus cabelos, conversava com ele como se a qualquer momento, Jasper fosse despertar de um sono tranqüilo. Eu não posso descrever o que senti quando ouvi Rosalie dizer aquilo. Minha pobre Alice... E agora Lavínia estava se perdendo na mesma ilusão.

“Lavínia." - Eu disse a ela, ponderando minha voz. - "Você tem que deixá-lo ir. Eu sinto muito pelo que aconteceu, mas não há nada que eu ou você possamos fazer. Acredite, eu tenho que me controlar a cada minuto para não sair numa busca imprudente atrás de Aro e Jane. Não há nada que eu queira mais que fazê-los pagar."

"Não mesmo? Você não quer poder ficar com ele para sempre, sem se preocupar se alguém virá tirá-lo de você?" - Lavínia sustentou meu olhar, ela estava realmente decidida sobre aquilo. Mas não importava o quê ela dissesse, mesmo se eu pudesse, Willian nunca me perdoaria se eu tirasse a vida dela, se eu a deixasse mergulhar naquele poço sem fundo que era nossa existência.

"Não se trata apenas de vingança." - Ela continuou. - "Se trata de trazê-lo de volta. Você acha que me fará mal tirando minha humanidade, mas eu já estou perdida. Minha vida acabou no instante que me trouxeram o corpo dele." - As lágrimas vertiam dos olhos dela e escorriam por seu rosto, eu podia sentir o cheiro salgado enquanto observava as gotas pingando nas roupas dela. Não havia nada que eu pudesse ter dito naquela hora que a tivesse feito se acalmar, ou mudar de idéia. Me senti impotente, fraca, incapaz de ajudar a mulher que Willian amou, incapaz de dar à ela uma chance de vingá-lo.

"Lavínia, eu não posso fazer isso. Primeiramente por quê Willian jamais me perdoaria se eu te tirasse aquilo que ele mais amava e zelava em você. E mesmo que eu desrespeitasse a vontade dele... Eu sinto muito, mas você procurou a imortal errada. Eu não sou venenosa, sou uma mestiça, tenho sangue humano correndo por minhas veias, não sou capaz de criar outros imortais." - Enquanto falava, eu sentia um sentimento estranho crescer dentro de mim, como se de repente eu lamentasse por algo que até então eu julgava ser uma bênção, não ser capaz de criar outros imortais, de propagar nossa doença. De alguma forma eu sempre me senti menos pior com o fato de eu ter nascido como qualquer ser humano, e não apenas ter sido criada. Claro, excluindo-se o fato de que eu quase matei minha mãe para vir ao mundo, mas tecnicamente, ela estava morta mesmo.

Observei os olhos dela se tornarem irredutíveis. Lavínia tinha um brilho estranho escondido por trás daqueles olhos grandes, ela tinha uma convicção intransponível, dura como rocha. Era uma humana forte, naquele momento eu entendi por quê Willian se apaixonara por ela. Tanta fragilidade, tanta delicadeza convivendo com uma personalidade sólida e decidida. Uma humana singular, de fato.

''Ness, nós podemos fazer isso." - Ela sussurrou.

''Como?" - Perguntei, exasperada e cansada de tentar fazê-la entender o absurdo que ela estava me propondo.

''Você não sente? Não consegue sentir isso em mim?" - Ela pegou minha mão. Me sobressaltei com aquilo, mas deixei-a levar minhas mãos até seu rosto. A pele dela queimou sob minhas palmas, ela fechou os olhos. - "Não sente isso?"

Eu estava intrigada demais com aquele pequeno gesto para ter percebido algo a princípio, e honestamente não sei bem o quê senti quando a toquei. Ela parecia ser o quê era, uma humana, frágil e delicada como todos os outros, talvez até mais. Mais suave, mais delicada, como uma pequena flor de pétalas frágeis, e exalava um perfume igualmente bom e sutil. E quanto mais eu me aprofundava na percepção dela ali, tão perto, mas eu podia sentir como se meu corpo estivesse se fundindo ao dela.

Afastei minhas mãos dela, sobressaltada.

''Você sente também." - Ela disse sorrindo.

"O quê é isso? Essa...sensação?" - Perguntei, ainda sentindo nas mãos o calor e as lágrimas dela.

"Willian disse que vocês imortais, podem sentir quando um humano é talentoso, mas nem todos sentiram, Aro não sentiu."

"Talentoso." - Repeti, tentando encontrar em minha mente alguma referência, alguma coisa que sabia ter ouvido em algum lugar. Meu pai uma vez me contou que nunca pôde ler os pensamentos de minha mãe quando ela ainda era humana, ele disse que tinha a haver com o poder que ela desenvolveu posteriormente. Um escudo mental.

Pensei sobre aquilo por um instante. Lavínia estava me dizendo que ela seria talentosa também se se tornasse imortal. Mas isso não era certo, e também não mudava nada.

“Willian deve ter lhe falado sobre a relatividade dos poderes que um imortal pode vir a desenvolver, não é?" - Ela não respondeu. "Eu nasci com o dom de propagar meus pensamentos na mente de outras pessoas, tinha de tocá-las para lhes passar meus pensamentos, muitas vezes deixava de me comunicar com palavras por causa desse... hábito. Porém, agora, eu recentemente descobri que posso também tirar pensamentos e memórias de outras mentes. Entende o quê quero dizer? Nós nunca sabemos ao certo com o quê estamos lidando, nossos dons não são como nós, imutáveis. E você pode muito bem ser apenas...Sensitiva a nós. Não significa que você possa vir a desenvolver um dom."

"Como acha que te encontrei?" - Disse ela, sem dar ouvidos ao que eu estava falando.

"O quê?" - Perguntei.

"Como acha que eu, uma mera humana, foi capaz de encontrar uma vampira e um...transmorfo, aqui, no meio de Londres?" - Eu não tinha resposta para aquilo, e por hora, queria pensar que Lavínia contava com alguma ajuda e com muita sorte.

"Eu posso ver vocês. Vocês são invisíveis para os olhos do mundo, mas não para os meus. Foi assim que encontrei Willian. Ele não te contou?"

Nas horas seguintes, Lavínia lançou-se num monólogo detalhado sobre o quê ela pensava ser um potencial dom. Segundo ela, tudo começava com um pressentimento, uma sensação. "Um pressentimento tênue de onde vocês se escondem, de onde vocês querem ir, onde gostam de estar, quem são realmente." - disse ela.

Enquanto ela contava sobre o dia em que encontrou Willian, eu ponderava sobre tudo aquilo.

"Estava chovendo muito àquela tarde, e eu vinha sonhando com ele há dias, mas naquele dia em especial, eu senti que deveria ir ao parque. Saí debaixo de chuva e perambulei durante algumas horas, estava com frio e encharcada, mas não conseguia abandonar minha busca, sabia que ele estava ali, em algum lugar. Mas por fim, se Willian não tivesse permitido que eu me aproximasse, eu jamais teria sequer visto seu rosto. Foi assim que nos conhecemos." - Assenti, enquanto observava as mãos dela se contorcerem sobre o colo.

"Você é uma rastreadora." - Falei por fim, e estava quase cem por cento certa daquilo. Se Lavínia se tornasse uma imortal, ela com certeza desenvolveria poderes de rastreamento, mas isso não aconteceria, não através de mim.

Tentei pensar em formas de desencorajá-la, de fazê-la entender que aquele possível poder não significava muita coisa, não contra Aro e Jane.

"Isso não é algo muito especial em nosso mundo, todos nós em geral somos bons rastreadores, é natural em nossa espécie seguir rastros. É assim que nos alimentamos, que nos protegemos, que nos mantemos longe de problemas." - Lavínia esboçou um sorriso e concordou.

"É verdade. Vi o quê aquele Demetri podia fazer, era um poder incrível, mesmo com meus palpites vagos foi difícil para Willian e eu sairmos do rastro dele e não funcionou por muito tempo tampouco." - Estava começando a pensar que Lavínia estivesse finalmente vendo a lógica em tudo aquilo, que talvez eu pudesse fazê-la desistir, afinal. Mas aquilo não durou muito tempo, e ela, novamente, me surpreendeu com algo totalmente inesperado.

“Mas será que Demetri podia ter vislumbres das mentes que seguia? Será que ele podia ver através dos olhos de sua presa?" - Ela me encarou, eu sustentei aquele olhar. "Acontece quando estou dormindo. Eu vejo flashes, imagens borradas, lugares que nunca vi ou estive em minha vida. E é como se eu estivesse lá, vendo-os com meus próprios olhos. Foi assim que te encontrei. Eu vi Notre Dame quando você esteve em Paris, vocês foram até lá não foram? Eu vi a Tower Bridge, várias vezes, e eu vi do alto. Você gosta de subir até o topo e observar a cidade."

E ela estava certa, eu estive mesmo naqueles lugares. Estivemos em vários lugares durante aquelas semanas, eu e Jacob. Cada dia eu queria estar mais longe, em algum lugar que me fizesse esquecer aqueles dias em Volterra, mas como era possível? Como aquela simples humana podia se conectar naquele nível com nossas mentes?

Minha mente dava voltas com tudo aquilo, e de súbito eu me peguei pensando no que poderíamos fazer com um poder daquele alcance, ampliado e melhorado pelo veneno que eu não tinha. Eu realmente pensei como seria fácil encontrar Aro, arrancar dele qualquer pista que me levasse a qualquer lugar mais próximo da cura, por que onde eu estava agora, eu nunca encontraria nada. Mas toda aquela conversa era para nada, afinal, eu não podia transformá-la, por Willian ou por minha própria capacidade, e ela precisava entender isso.

“Lavínia, você não pode contar isso para mais ninguém. Se algum imortal, qualquer um, tomar conhecimento do seu poder, eles não vão ter piedade. Se não te usarem como escrava para seu próprio uso, eles vão te matar, para eliminar de vez o perigo de uma humana que sabe sobre nós, e que pior ainda, pode nos localizar. Não fale sobre isso com ninguém e acima de tudo, não tenha a idéia ridícula de pedir a outro imortal que a transforme. Seu sangue é tão perigoso quanto suas idéias, e se um não te matar o outro com certeza vai."

"Mas você não me mataria." - Disse ela, os olhos derramando-se sobre mim.

"Não tenha tanta certeza disso." - Eu disse. "Olhe, podemos fazer um trato. Eu te ajudo a treinar e desenvolver seus poderes e quando nós encontrarmos Aro, eu lhe prometo que vou atrás dele e arranco qualquer informação que ele possa ter escondida naquela mente imunda." - Àquela altura eu já não tinha mais esperanças de fazê-la desistir, mas podia pelo menos tentar fazer com que ela fosse razoável e tirasse de vez essa idéia de imortalidade da cabeça. Mas Lavínia não cedeu...

“Você sabe que não é possível. Eu demorei três semanas para te encontrar e só consegui por quê sua mente é mais humana que imortal. Você acha que eu já não tentei encontrá-lo com minhas próprias forças? A mente de Aro é uma caixa lacrada e tentar localizá-lo é como me pedir para encontrar uma agulha no meio de uma floresta à noite. Ness, eu sou só humana, vou morrer de velhice antes de sequer chegar perto dele. A única coisa que tenho sendo humana é esse sentimento apagado, essa sensação que sempre me leva tardiamente para onde eu deveria estar, isso não é o bastante."

Não havia nada que eu quisesse mais que fugir daquilo tudo, não me restava muita esperança para nada, nem para terminar o quê eu havia começado, nem para salvar Willian ou Jasper, mas Lavínia mudou algo em mim naquela noite. Porém, eu ainda não tinha me dado conta disso, eu tinha o álibi de não poder transformá-la, eu estava me escondendo atrás disso, estava mentindo para mim mesma.

“ O quê quer de mim? O quê quer que eu faça? Eu já te disse que não posso fazer isso. – Todas as coisas que ela me disse trouxeram a tona tudo que lutei para sufocar naquelas últimas semanas, e sem que eu permitisse a mim mesma, eu senti lá no fundo uma luz, uma centelha de esperança em meio à escuridão em que eu havia caído.

“ Eu não sei o quê significa, mas estou me apoiando nisso para manter o pouco de esperança que tenho.” – Disse ela, respirando fundo, inspirando coragem. “Numa das vezes em que me permitiram ver Willian por alguns momentos, ele me falou de você. Me contou sua história, disse-me o tipo de pessoa que você era. Ele comentou, assim, meio de passagem, sobre o incidente com seu pai. Willian estava na vigília de sua família naquela noite, ele disse que pensou que você fosse morrer por causa do veneno. Me explicou que você era uma mestiça, metade humana, metade vampira, e que o fato de ser o veneno de seu pai, foi a única explicação para você não ter morrido.” – Escutei com atenção, mesmo não sabendo onde Lavínia queria chegar com aquilo. Ela continuou. “ Alguns dias depois, quando disse a ele que queria te conhecer, Willian disse que era melhor não. Eu fiquei surpresa com a relutância dele, afinal, ele parecia ter um grande apreço por você. Mas Willian nunca me deixou ficar próxima a outro imortal, era extremamente cuidadoso e inflexível sobre isso. Eu não entendia a preocupação dele com relação a você, já que você não era venenosa e tinha hábitos e maneiras bem mais humanos que os outros. Willian apenas disse que não era uma boa idéia, disse que um dia eu a conheceria, mas que nesse dia ele iria estar presente. Então ele falou algo que não saiu de minha mente todo esse tempo. Ele disse que não tinha certeza quanto ao veneno, não depois da mordida. ‘Ela está diferente’ ele falou.” – Lavínia me encarou, e parecia procurar em meu rosto a mudança que Willian descrevera.

“ Nessie, isso pode ser tudo, e pode ser nada, mas algo em mim me diz que talvez você possa fazer isso. E eu só te peço, apenas tente. Por Willian, por mim...”

Naquela noite eu me vi voltando no tempo e revivendo aquele momento em que tive que deter meu pai para não matar Jacob. Até agora, quando eu pensava naquela noite, eu não conseguia acreditar que meu pai chegara a tanto. Nunca tive a oportunidade de conversar com ele sobre aquilo, embora eu soubesse que a mordida fora acidental. Eu agi por impulso, sem pensar, não podia culpá-lo por aquilo. Aconteceu tão rápido, não houve tempo de pensar nas conseqüências daquilo. A cicatriz, um pouco abaixo no cotovelo direito, foi uma tentativa idiota de proteger meu rosto, quando me coloquei na frente de meu pai e o corpo dele se chocou contra o meu, naquela velocidade, nenhum de nós dois era capaz de parar.

Enquanto eu olhava para Lavínia e revia aquelas memórias em minha mente, eu tentava decidir se deveria levar aquela insinuação a sério ou apenas ignorá-la.

“ Está me dizendo que Willian achava que, a partir do veneno de meu pai, eu também me tornei venenosa?”– Parecia improvável, Lavínia assentiu.

É claro que eu não acreditei naquilo, era absurdo. Se o veneno estivesse fluindo em meu corpo, eu iria senti-lo, ademais, eu e Jacob tínhamos hábitos um pouco...selvagens quando estávamos juntos. Eu havia mordido ele vezes incontáveis, ele deveria estar morto há séculos se aquilo tivesse algum fundamento.

“ Há outra pessoa que pode nos contar mais detalhadamente sobre as suspeitas de Willian.” – Disse Lavínia, quando expressei meu ceticismo sobre aquilo. “Alec Volturi esteve tempo suficiente com ele para nos contar mais sobre isso. Além do que, ele te observa tão atentamente, que certamente fez suas próprias conjecturas.”

Alguns minutos mais tarde, naquela mesma noite, eu estava discando um número que esperava não discar tão cedo, um número escrito num pequeno pedaço de papel, colocado em minhas mãos com a promessa silenciosa de que voltaríamos a nos encontrar um dia.

Lavínia aguardava, ansiosa, enquanto eu ouvia as chamadas se sucederem sem nenhuma resposta. Porém, quando a voz suave respondeu do outro lado do fone, eu me senti secretamente feliz por ter uma boa desculpa que justificasse aquela ligação.

“Alec?”– Perguntei. Foi uma pergunta tola na verdade, algo para me fazer ganhar tempo. Quem mais ligaria para ele, afinal?

“ Pensei que nunca fosse usar esse número.” – Disse ele.

“ Tenho uma pergunta para lhe fazer.” – Falei. Ele esperou sem dizer nada, eu podia ouvir sua respiração fraca no outro lado da linha. Tomei aquilo como um consentimento.

“ Você estava presente no dia em que contei a Willian sobre a cicatriz em meu braço. Quero que me diga se Willian sabia de algo sobre isso, quero dizer, o quê ele pensava disso.” – Eu não sabia muito bem como perguntar aquilo a Alec, era estranho até para mim cogitar aquelas coisas.

“ Willian suspeitava que o veneno de seu pai tenha te mudado de alguma forma, mas não sabia afirmar nada com certeza.” – Disse Alec.

“ E isso é possível?”– Perguntei, temerosa.

“ Eu não sei dizer se é possível ou não. Não há como saber, você é única em sua espécie, nunca houve nenhum caso parecido.”

“ Mas o quê você acha?”– Eu havia escutado aquela explicação muitas e muitas vezes, nunca ninguém sabia o quê esperar de mim.

“ Acho que só há uma maneira de saber.” – Eu não estava disposta a testar aquela teoria em Lavínia, e ainda não entendia como eu poderia não ter matado Jacob se meus dentes estivessem cheios de veneno.

“ Eu posso te ajudar a descobrir. Venha me ver.” – Ele falou, quando o silêncio emudeceu os dois lados da linha. Naquele momento, creio que pela primeira vez a idéia de partir sozinha cruzou minha mente pela primeira vez. Acho que foi ali que comecei a entender que eu não poderia ignorar a realidade por muito mais tempo.

“Desculpe Alec, mas não posso. Obrigado pela informação. A gente se vê.” – Quando desliguei o telefone, tive que encarar os olhos escuros de Lavínia, que me fitavam com um brilho soberbo do outro extremo do quarto. Expliquei a ela meu impasse, ela pareceu se contentar com um talvez. Então Lavínia foi embora, me fazendo antes jurar que não desapareceria. Eu disse a ela que precisava pensar, e foi isso que fiz.

Durante aquela semana, nem mesmo Jacob conseguia me fazer esquecer tudo que conversamos naquela noite. Eu tinha medo de beijá-lo, de tocá-lo como costumava fazer, tinha receio de dormir ao lado dele, de acordar na manhã seguinte e perceber que eu o havia matado. Aquela incerteza estava me torturando, então eu tive que fazer algo a respeito. Mas eu sabia, a única maneira de ter certeza sobre aquilo era fazer o que Alec havia sugerido.

Eu precisava cravar meus dentes em um humano e ver o que acontecia.

A idéia me aterrorizava, a simples possibilidade de não conseguir me conter quando o sangue inundasse minha boca. E então, após ver com meus próprios olhos o quê aconteceria, eu teria de matar, novamente. Mas eu não queria ir tão longe, não por algo assim. Não queria ter de matar apenas para ter certeza de algo.

Três dias se passaram sem que eu chegasse a uma decisão. Eu ia ver Lavínia todos os dias no parque, e todos os dias ela reforçava seu pedido. E eu negava, de novo e outra vez.

Cogitei tudo. Procurar Carlisle, ir até Alec, contar para Jake, desaparecer para sempre... Mas nada, absolutamente nada me parecia ser bom o suficiente ou ser a escolha certa a se fazer. Foram dias desesperados, sufocantes.

Porém, duas noites depois, tudo mudou.

Eu estava no alto da Tower Bridge, um de meus lugares preferidos, como Lavínia havia dito. A noite estava tão fria lá no alto, tão escura e silenciosa... Eu havia deixado Jacob no hotel, disse que ia dar uma volta, e estava lá, fugindo novamente de meus próprios pensamentos. Era por volta da uma da manhã e a ponte estava relativamente tranqüila lá embaixo. Eu estava num estado de inércia, completamente imóvel, respirando o ar frio, quando o cheiro avassalador me alcançou como um soco na cara. Sangue, quente e fresco, sendo derramado em algum lugar na noite. Próximo, tão próximo que eu conseguia sentir as últimas batidas do coração que o bombeava. Saltei na escuridão e comecei a seguir aquele cheiro. A cada passo mais próximo, eu podia ouvir gritos sufocados e golpes secos.

Onde a ponte alcançava a rua, estreitas vielas se abriam entre prédios e casas, e foi lá, entre as sombras dos becos que encontrei o corpo de uma mulher sangrando. Estava morta. O assassino ainda tinha a faca nas mãos ensangüentadas, e cheirava obstinadamente as roupas rasgadas da vítima que se embolavam em suas mãos. Ele a violentou e a esfaqueou.

Meu primeiro instinto, aquele que farejava o sangue quente e perfumado da vítima, foi obscurecido por um sentimento mais forte, uma sensação de descontrole que eu uma vez já havia experimentado. O ódio borbulhou dentro de mim, uma sensação obscura e tentadora de caçar aquele pedaço de merda.

Ele nem viu o que o atingiu. Eu o lancei de costas contra a parede de pedra e o ergui pelo pescoço. Enquanto ele sufocava, suas pernas balançavam inertes no ar e suas mãos agarravam meu pulso. Eu precisava matá-lo, eu queria aquilo, e nada do que meu pai ou Carlisle tivessem me dito naquele momento, faria minha decisão de matá-lo parecer injusta ou errada. Ele merecia morrer.

Estava quase terminado quando algo realmente tentador cruzou minha mente. Ele tinha apenas mais trinta segundos de vida e eu precisava de uma cobaia. Não pensei muito sobre aquilo, apenas cravei meus dentes no pescoço quente e pegajoso daquele parasita, enquanto abafava os gritos dele com minha mão. Não suguei nem sequer uma gota de seu sangue, ao invés disso, empurrei o máximo de saliva que consegui reunir para dentro de sua corrente sanguínea. Larguei-o no chão, se contorcendo e gritando desesperadamente.

Aproximei-me alguns centímetros de seu rosto grotesco e o olhei atentamente. Estava acontecendo, ele estava mudando. Após alguns minutos de pura exasperação e espanto, eu o tomei em meus braços e torci seu pescoço. Estava terminado, e eu tinha minha resposta.

Enquanto observava o corpo afundando nas águas escuras, sob as sombras da ponte, eu tentava decidir qual seria meu próximo passo. Então fui até Lavínia, e aqui estávamos nós.

– Tem certeza que o quê trouxe é o bastante? – Disse Lavínia, me despertando de minhas lembranças. Eu olhei a mochila estufada sobre a cama e assenti, sem dizer nada.

Ela se aproximou de mim, seus passos ruidosos faziam as taboas do assoalho rangerem sob seus sapatos. Sentou-se diante de mim, cruzando as pernas e abraçando uma almofada.

– No quê está pensando? – Ela perguntou.

– Precisamos terminar isso rápido. Jacob já deve estar me procurando e não vai levar muito tempo até nos encontrar. – Eu disse, desviando meu olhar.

– Sente falta dele não é? Sabe, ele poderia vir conosco.

– Não. – Falei, lançando-lhe um olhar seco. – Jacob estará melhor longe de tudo isso.

– Mas você estará melhor longe dele? – Ela insistiu.

– Não importa.

Em silêncio, eu procurava me desvencilhar das lembranças de nossa última noite juntos.

Mas era tudo o quê eu conseguia pensar... Na sensação do corpo dele junto ao meu, no cheiro que jamais me abandonava, no gosto, no calor, no sorriso, nos olhos. Tudo estaria lá, para sempre.

Na noite em que descobri que era capaz de criar um imortal, na mesma noite em que eu matara aquele homem, eu percebi que jamais poderia ficar com Jacob. Eu costumava desejar ser para Jacob o que Emily era para Sam, mas agora, isso jamais seria possível.

Eu nunca estive mais longe da felicidade como estava agora. Contudo, eu tinha uma chance de fazer algo de bom para as pessoas que eu amava, mas para isso, eu tinha que fazer uma escolha. Abandonar Jacob ou seguir na caçada de Aro e da cura para Willian e Jasper.

Eu não podia ter os dois, por quê isso implicava arriscar a vida dele, e eu jamais poderia escolher isso.

– Ness, você parece mal. Diga-me em que posso te ajudar. – Eu podia imaginar como eu estava parecendo para Lavínia, uma humana que estava prestes a ser submetida ao meu veneno recém descoberto. Porém, não conseguia encontrar palavras para tranqüilizá-la.

– Eu estou bem. – Falei. Ela me observou durante mais alguns minutos em silencio e disse:

– Ness, você não vai me matar, não é? Diga que vai se controlar. Diga que vai ficar tudo bem. Me prometa. – Me senti terrivelmente mal com aquelas incertezas, como se eu mesma não soubesse o quê esperar de mim.

– A única coisa que não eu jamais poderei lhe prometer é que não irei matá-la. Você sabia dos riscos quando me procurou. Já devia saber que não há como selar promessas como esta com gente como nós. – Lavínia olhou-me aturdida, eu sustentei seu olhar. Ficamos nos encarando por alguns minutos, cada qual imersa em suas próprias incertezas. Então ela se levantou e veio até mim, ajoelhando-se diante de minha poltrona, ela pegou minhas mãos e disse:

– Eu confio em você.

Eu fiquei observando-a em silêncio, olhando seus olhos castanhos e tentando imaginá-los vermelhos, enquanto me concentrava em sua respiração, nos seios subindo e descendo num movimento cadenciado, enquanto seguia o ritmo forte do coração dela. Ela cheirava maravilhosamente bem, e minha sede não pôde deixar de notar isso também. Pensei o quão difícil seria parar, o quão difícil seria me concentrar em lançar para o sangue dela a torrente acre do meu veneno, reunindo-o do fundo de minha garganta e trazendo-o para fora, para dentro dela. Com um pouco de sorte, em três dias Lavínia seria uma imortal, e nós começaríamos a caçada que foi interrompida pela morte de Jasper e Willian. E se houvesse alguma forma de salvá-los, eu encontraria.

Agora era ainda mais importante que tivéssemos êxito, e eu não estava disposta a falhar novamente.

– Está pronta? – Perguntei a ela, depois de vários minutos de silêncio, no qual permanecemos ali, de mãos dadas na escuridão.

– Estou. – Ela disse.

Na mochila, peguei os pequenos sacos de sangue sintético que Lavínia trouxera e os despejei um por um numa jarra.

– Vai ser o bastante? – Ela perguntou.

– Nas primeiras noites sim, mas logo eu terei de ensiná-la a caçar sozinha.

– É seguro fazer isso aqui? No meio de Amsterdã, onde há tantas pessoas, tantas...tentações?

– É a única forma de esconder nosso cheiro até que sua transformação esteja concluída. – Eu a encarei. – Não vou deixá-la atacar nenhum inocente. – Tranqüilizei-a. Lavínia assentiu, e deitou-se na cama, se acomodando entre as almofadas puídas.

Guardei o sangue na geladeira, teria que aquecê-lo depois. Separei dois sacos em uma gaveta.

– Esqueceu estes. – Lavínia apontou, enquanto tirava os sapatos.

– Estes são para mim. – Engoli em seco, pensando como seria difícil explicar aquilo para meus pais posteriormente. Mas, afinal, eu não tinha certeza se voltaria a vê-los.

Me sentei na beirada da cama e segurei a mão dela, ficamos ali durante alguns minutos, em silêncio, contemplando em silêncio o futuro incerto que nos aguardava. Daquela noite em diante, Lavínia só teria a mim e eu só teria a ela, e juntas nós mergulharíamos até o lodo, até onde Aro foi com seus planos, teríamos que nos perder naquela escuridão para ter a chance de voltar com alguma centelha de esperança. Era algo que valia e pena, a dor, a saudade de casa.

– Está frio. – Disse ela, se encolhendo junto a mim. Eu a segurei firme, me aproximando na escuridão que só era rompida pelas luzes fracas que entravam pelos vidros da janela.

– Essa é a última vez que sentirá frio, ou fome, mas em compensação vai sentir sede pelo resto da eternidade. Procure se lembrar de quem você é e por que escolheu este caminho, lembre-se dele quando a dor se tornar mais forte que você.

– Eu vou. – Disse ela.

Fechei os olhos, respirando as últimas lufadas de ar, eu precisava me lembrar de quem eu era também, embora soubesse que jamais seria a mesma depois daquela noite. Um capítulo completamente novo e desconhecido estava para começar em minha vida.

Cravei os dentes na pele macia, o sangue jorrou em minha boca. Lá fora, perdido na noite fria, um lobo uivou.

FIM


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Notas finais do capítulo

A continuação se chamará Nightfall e devo avisá-las a relação Jake/Ness vai esfriar bastante, mas em momento nenhum se esqueçam ESSA FANFIC É JAKENESS E NÃO IMPORTA O QUE ACONTECA ELES FICARÃO JUNTOS