O Feiticeiro Parte I - O Livro de Magia escrita por André Tornado


Capítulo 44
VIII.3 Inimigos.




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O vento era frio e desagradável, soprando em rajadas repentinas na madrugada quieta, cortando o silêncio. O Templo da Lua estava lá em baixo, envolto nas brumas brancas que se diluíam com os primeiros raios de sol. Era um conjunto de edifícios escuros, de linhas direitas e austeras, de vários tamanhos, uns aparecendo e engolindo os outros, todos juntos como se fossem cogumelos que tinham crescido abraçados. Diante da casa principal via-se um pátio ladrilhado, um muro alto delimitava o recinto num amplo retângulo.

- Chegámos – anunciou Piccolo.

Ao lado do namekusei-jin estavam Goku e Vegeta. Mais afastados, Trunks e Goten. Os cinco pairavam no vazio, a sentir o vento arrefecer-lhes o corpo, especialmente Vegeta que estava de tronco nu.

- O Templo da Lua – disse Goku. – Sinto a aura do saiya-jin lá dentro. Também a sentes, Vegeta?

- Sinto.

- Em breve saberemos quem é ele. De onde terá vindo? Pensava que tu e eu éramos os únicos saiya-jin puros em todo o Universo.

- Não olhes para mim com essa cara de espanto à espera que te responda. Neste assunto, sei tanto como tu.

- Está bem. Mas, de nós os dois, tu és talvez o único que o poderá reconhecer.

- Porquê? – O príncipe levantou uma sobrancelha.

- Bem, tu viveste uns tempos no nosso planeta natal, conheceste alguns saiya-jin

- Era uma criança na altura.

- Ou talvez o saiya-jin te conheça.

- Ou talvez te conheça a ti! – E Vegeta encarou-o com malícia. – Afinal, és a cara chapada do teu pai.

Goku coçou a cabeça.

- Hum… Mas isso não vai adiantar de nada. Nunca o poderei reconhecer!

- Ele vai apresentar-se, de certeza. Não nos deixará na dúvida, quererá que saibamos o nome de quem nos irá derrotar… E então saberemos quem raios é esse terceiro saiya-jin!

Piccolo interveio:

- Neste momento, o mais importante é Zephir.

Vegeta olhou para o namekusei-jin.

- Zephir é o nosso inimigo – continuou. – Foi o feiticeiro que convocou o saiya-jin e os outros guerreiros, é Zephir que teremos de eliminar.

Os três observaram novamente o Templo da Lua muito sérios e concentrados. Procuravam os vários espíritos que se agitavam lá dentro para os identificar e reconhecer a assinatura peculiar de cada um deles, ligando-a aos lutadores que iriam encontrar, dentro em breve, em cenário de batalha. Ao fim de alguns segundos, Goku disse:

- Sinto três grandes forças…

- São Julep e Kumis, os dois demónios. E o saiya-jin – confirmou Piccolo.

- Sinto outra mais pequena, quase insignificante.

- Deve ser Zephir.

- E muitos outros espíritos. Não sentem?

- Hai – concordou Vegeta.

- São auras diferentes daquelas que as pessoas emitem. Não é a energia de seres humanos. É a energia de seres…

- …das Trevas! – Completou Piccolo.

- São muitos. E têm algum poder de combate. Poderão ser um empecilho – concluiu Goku preocupado.

O namekusei-jin respirou fundo.

- Já sabíamos que Zephir é um feiticeiro muito poderoso e muito perigoso. Prepara-se para conquistar a Terra e sabe que não o pode fazer sozinho. Deve estar a reunir o seu exército.

- De seres estranhos – acrescentou Goku. – Como serão? Pequenos diabinhos?

- Temos de ter cuidado com ele – prosseguiu Piccolo. – Serve-se da magia do Makai, não sabemos que outros truques poderá utilizar.

- Ter cuidado com Zephir? – Vegeta cruzou os braços no seu típico estilo presunçoso. – Não passa de um reles feiticeiro.

- Não será assim tão reles, para se servir de uma magia poderosa, dominá-la e conseguir convocar o espírito de um saiya-jin. Sabe utilizar feitiços e mesmo que tenha uma força mínima e que não saiba lutar, conhece outros artifícios para se enfrentar aos adversários.

- Se estás com medo, podes ir embora.

Piccolo olhou-o de esguelha.

- Quando entrarmos no Templo da Lua, devemos manter a mente bloqueada para não nos deixarmos enfeitiçar. – Devolveu a farpa atirando acutilante – Especialmente tu!

Vegeta empertigou-se. Perguntou zangado:

- O que é que estás a insinuar?

- Isso mesmo que estás a pensar.

- Baka! Achas que vou voltar-me contra vocês?

- Já aconteceu uma vez. E, nessa altura, utilizava-se a mesma magia que iremos enfrentar hoje.

- Isso foi há muito tempo atrás. As coisas mudaram.

- Também tinham mudado então. Julgávamos que estavas do lado certo…

- E não estou do lado certo? – Contestou Vegeta a elevar a voz e um punho fechado. – O que raios pensas que estou aqui a fazer? Turismo?!

- Vamos, tenham calma! – Pediu Goku colocando-se entre os dois, abrindo os braços. – Não precisamos de uma discussão agora. Temos de lutar contra Zephir e não entre nós. Bom, Piccolo, é verdade que Vegeta foi enfeitiçado pelo Makai, mas isso pertence ao passado. Ele é dos nossos. Não tenho qualquer dúvida.

Vegeta virou costas aos dois e resmungou:

- Gostaria de saber quem encarregou o namekusei-jin de ser o cérebro desta missão.

Piccolo crispou a testa, fixando Goku com uma certa dose de descrença. Continuava a não confiar totalmente em Vegeta, que era capaz de colocar as suas ambições pessoais acima de qualquer questão. Poderia estar diferente, mas também assim se julgava havia treze anos atrás. Nessa altura, Babidi tinha-lhe acenado com um poder ilimitado e Vegeta não hesitara em deixar-se enfeitiçar pelo Makai. O ovo de Majin Bu tinha sido chocado, o Universo estivera em perigo e tudo por culpa do egoísmo e do orgulho do príncipe dos saiya-jin. Goku baixou os braços.

- Volto a insistir – tornou Piccolo. – Devemos manter a mente forte e lúcida, para não cairmos no jogo de magia do feiticeiro. É apenas um pressentimento, mas tenho a impressão que a nossa presença aqui não é fruto do acaso.

- Não? – Admirou-se Goku.

- Explica-te! – Exigiu Vegeta voltando-se de súbito.

- Talvez Zephir quisesse que viéssemos e esteja à nossa espera… Talvez Zephir nos esteja a armar uma armadilha.

- Com que intenção? – Perguntou Vegeta.

- Não sei.

- Ah, Piccolo! – Exclamou Goku divertido, tentando serenar o ambiente. – A tua imaginação está a pregar-te partidas.

- Um pressentimento não deixa de ser um pressentimento. De qualquer maneira, não devemos nunca esquecer a hipótese de Zephir nos querer enfeitiçar.

- Hai, Piccolo. Vegeta e eu estaremos atentos. Certo?... Vegeta?

- Hai, Kakaroto. Se isso deixa o namekusei-jin menos nervoso.

- Eu não estou nervoso!

***

Ligeiramente acima dos progenitores e de Piccolo, os dois rapazes contemplavam calados o Templo da Lua, percebendo as mesmas presenças estranhas no seu interior – uma multidão de seres escuros, os dois demónios, o saiya-jin misterioso, a alma negra do feiticeiro. Trunks sentiu um arrepio.

- Este sítio assusta-me.

- A mim também – anuiu Goten.

- Está demasiado povoado. Estava à espera de um lugar mais vazio.

- Estás a falar dos demónios mais pequenos?

- Hai.

- Realmente, são muitos…

- Vão entravar a nossa progressão. A energia que emitem é fraca, mas todos juntos irão atrapalhar-nos. Vão fazer-nos perder tempo. Será que é para isso que servem?

- Como é que achas que vão ser, Trunks-kun?

- O quê?

- Os combates?

- O saiya-jin fica para o meu pai e para o teu. Piccolo será enviado em busca do feiticeiro. Será ele que vai enfrentar os demónios pequenos, verás… Nós ficaremos com os dois demónios grandes.

Trunks olhou para o amigo, estranhando a pausa demasiado longa na conversa.

- Estás apreensivo, Goten-kun?

- Hai.

- Ora… Será lógico que fiquemos com os dois demónios maiores. Afinal, nós somos super saiya-jin.

- Mas não estamos em forma… Não temos treinado com regularidade, a nossa técnica está um pouco enferrujada. Vê o que o teu pai nos fez ontem, no relvado da tua casa. Deu-nos uma tareia.

- Não esperas que qualquer um daqueles demónios seja tão forte quanto o meu pai, pois não? É que se assim for, estamos todos em maus lençóis. – Fechou as mãos e descobriu que estava tenso. Disfarçou com um sorriso confiante. – Eu não estou nada apreensivo. Nada! Não espero que os guerreiros de Zephir sejam assim tão fortes.

- Pois… Mas eu estou com medo.

- Medo é para os fracos. E tu, meu amigo – disse, dando-lhe uma cotovelada –, não pertences aos fracos.

Goten suspirou e Trunks estranhou o seu desânimo.

- É apenas um feiticeiro – relembrou, insistindo no sorriso. – Um estúpido feiticeiro que quer conquistar o Universo e não sabe o que lhe está prestes a cair em cima da cabeça.

- Ou talvez saiba e esteja a trabalhar para eliminar aqueles que lhe poderão fazer frente e acabar com a sua ambição. Foi por isso que chamou o saiya-jin, para lutar de igual para igual connosco.

- Nós somos quatro, Goten. Esse infeliz é apenas um.

- Temos os demónios…

- E não estamos sozinhos nisto. Vais ver! Será como uma sessão de treinos.

- A nossa última sessão de treinos não estava a correr bem.

Goten fixou o olhar no Templo da Lua. Um raio de sol bateu no edifício principal e fez brilhar as suas paredes escuras. O dia estava a nascer, o mundo aquecia de mansinho, mas o vento continuava frio. Goten percebeu que Trunks queria animá-lo, mas ele não se conseguia convencer da facilidade apregoada pelo companheiro. Aquele iria ser um dia muito longo.

Simplesmente sabia que não estava em forma. Conhecia-se suficientemente bem para perceber que não estava apto para um desafio exigente como aquele. Desde o tal torneio em que acabara derrotado pela sobrinha Pan que aprendera a não dar nada como garantido, mesmo que se sentisse o rei do mundo das artes marciais. Sentia-se mole, perigosamente inseguro, enferrujado e fatigado da viagem que durara toda a noite. Podia chamar-se medo, ou apreensão, ou mesmo uma terrível premonição de que o dia não iria terminar com uma vitória. A maldade de Zephir ia até ele misturada com cada rajada de vento gelado, penetrando nas roupas, na pele e nos ossos. Goten encolheu-se com o frio repentino que sentiu. Apertou os braços para se aquecer.

A voz grave de Piccolo chamou-lhes a atenção.

- Rapazes, vamos dar início a isto.

- Vamos atacar? – Perguntou Goten.

- Hai. Estamos aqui para eliminar o feiticeiro, é ele o nosso alvo principal. Lembrem-se que quando entrarmos no Templo da Lua devemos ter cuidado com Zephir. Ele pode tentar enfeitiçar-nos com a magia do Makai.

- E o que podemos fazer para evitar isso? – Perguntou Trunks.

- Manter a mente forte. Desconfiar de tudo. Se encontrarem Zephir, afastem-se dele.

- Então, como poderemos eliminá-lo?

- Essa tarefa cabe-me a mim, a Son ou a Vegeta. Entenderam?

- Hai! – Responderam os dois em simultâneo, reforçando com um aceno de cabeça.

Trunks e Goten estavam sérios, focando toda a atenção no Templo da Lua. Ao ritmo sonolento do sol que se erguia no horizonte, o recinto sagrado iluminava-se, surgindo vagarosamente envolvido num halo de mistério escuro.

- Achas que Zephir é capaz de nos enfeitiçar, Trunks-kun?

- Claro! Ele é um feiticeiro, não é?

- Mais uma coisa para nos preocuparmos.

- Acalma-te. Piccolo-san disse aquilo para nos assustar. Não quer que corramos riscos desnecessários.

- Piccolo-san não precisa assustar-nos. Já estamos assustados!

- Esquece esse medo estúpido! Já me estás a contagiar… Vamos ter cuidado, certo? Promete-me que terás cuidado com Zephir?

- Prometo, Trunks-kun.

- Quanto aos outros… é para arrasar! Destruir sem piedade.

- Hai.

Vegeta foi o primeiro a impulsionar-se, mas o braço de Goku travou-o.

- Espera. Eles estão a movimentar-se.

- Nani?

- Eles já sabem que estamos aqui. Vão sair do templo.

Piccolo, ao lado deles, retesou os músculos.

- Devem ter estado a observar-nos. Kuso!

Goten respirou fundo.

- Trunks-kun, prepara-te!

- Já estou preparado. Ótimo! Pouparam-nos a viagem até lá abaixo.

Olhou, de seguida, para o pai. Sabê-lo ali era um alívio e um orgulho, porque poderia sempre contar com o pai, que se treinava todos os dias e mantinha uma força invejável. Vegeta estava quieto, o rosto impassível. Ao lado dele, Goku imitava-o na posição tensa que antevia um confronto contra um grande adversário. A capa branca de Piccolo esvoaçava atrás dele e conferia-lhe uma majestade característica. Todos esperavam, entre o curioso e o receoso, pelos guerreiros que haveriam de surgir.

Nisto, ouviu-se um ronco.

- O que foi isto? – Perguntou Piccolo.

Goku corou.

- Fui… Fui eu.

Vegeta olhou para Goku, tão espantado quanto Piccolo.

- Foi o meu estômago – explicou Goku.

- O teu estômago?

- Estou com fome, Piccolo. Não como nada desde ontem!

- Ninguém comeu, Son! Domina o teu estômago. Espero que isso não te impeça de combater a sério.

- Eh… Poderá limitar-me…

- Cala-te, Kakaroto – avisou Vegeta agastado. – Se o teu estômago voltar a roncar, enfio-te um soco nos queixos. E se te atreveres a sentir-te limitado no teu potencial de luta só porque não jantaste, vais ter que te ver comigo!

- Mas tu também deves ter fome.

- Estamos todos com fome, acredito – rugiu Vegeta entre dentes.

- Bem, Piccolo não deve estar com muita fome. Só se alimenta de água.

Piccolo suspirou, meneando a cabeça, espantado com o tema do debate.

- Pronto, estamos todos dependentes do namekusei-jin. Excelente! Já me sinto melhor!

- ‘Tousan, vamos acabar com a conversa? Assim também eu me lembro que tenho fome…

- Fazer uma pausa para comer está completamente fora de questão, certo? – Atirou Goku.

- A não ser que queiras comer terra e pedras, não me importava de te fazer a vontade – disse Vegeta, voltado para Goku. – É só pedires e ponho-te a lavrar a floresta, daqui até ao oceano.

- Está bem… Está bem… Já percebi.

- Vamos ao que interessa!

Goku calou-se, dominando o incómodo provocado pelo estômago vazio.

Os cinco concentraram-se no Templo da Lua. No buraco que havia no centro do muro, onde possivelmente tinha havido um portão, movimentaram-se algumas formas negras.

- Viram aquilo? – Perguntou Goku, esquecendo definitivamente a fome.

Mais formas negras passaram a correr no grande pátio ladrilhado.

- O exército de Zephir.

De repente, as criaturas acabaram com as correrias e postaram-se no buraco do muro e em alguns pontos do pátio, deixando-se ver. Eram bichos horrorosos, de forma humanoide, ameaçadores e assustadores, que Piccolo conseguiu reconhecer.

- São kucris! – Exclamou.

Surpreendidos, Vegeta e Goku viraram-se ao mesmo tempo para Piccolo.

- Conheces aquelas criaturas? – Perguntou Goku apontando para o muro.

- Conheço. Já te esqueceste que, um dia, fui o Príncipe das Trevas? Conheço algumas das criaturas dos demónios e estas são algumas delas.

- Como são… esses kucris?

- Sabem lutar. Mas a sua força é insignificante. Tal como já tínhamos percebido. Há também outro pormenor sobre eles, mas não me lembro qual é… – acrescentou pensativo.

- Não deve ser nada de importante. De onde vêm?

- Zephir deve tê-los criado com magia negra.

- Utilizou a magia do Makai?

- Provavelmente… Os kucris serão mais fortes com a magia do Makai do que com uma magia normal.

Vegeta interrompeu a interessante conversa.

- Esqueçam os kucris – disse. – Acaba de chegar o primeiro prato deste banquete.

Os demónios apareceram, atravessando o buraco do muro, saindo da aparente segurança conferida pelo recinto. Olharam para todos atentamente, um por um. Liam o ki, verificavam as identidades, intimidavam com o seu aspeto – lutadores imponentes, musculados, fortalezas demoníacas, sede de sangue, vontade de combater.

Goku disse, sem se voltar para trás:

- Goten! Trunks! Eles são vossos.

Os dois rapazes aceitaram a sorte que lhes cabia naquele jogo.

- Hai!

 E aterraram diante dos demónios. A sensação de terra firme sob os pés devolveu-lhes uma sensação esquisita de solidez, de inevitabilidade. Já não podiam fintar mais o destino, este viera ao seu encontro, veloz e certeiro. Teriam apenas de demonstrar que honravam o sangue guerreiro que lhes corria nas veias.

Trunks concentrou a sua energia, fixando os dois adversários. Ficou impressionado pois eram dois gémeos perfeitamente iguais. Olhava para um e para outro, a tentar encontrar um detalhe qualquer que os diferenciasse.

- Sejam bem-vindos ao Templo da Lua – disse o primeiro demónio. – Este é o meu irmão Kumis e eu chamo-me Julep.

Como é que os iriam distinguir? Poderia ser importante conseguir distingui-los…

- Gostam de jogos? – Perguntou o segundo demónio.

Os dois rapazes não responderam.

- Hoje, vamos jogar um jogo muito divertido. Será que conseguirão acompanhar-nos?

- Claro que sim. Olha para eles, Kumis. Tão confiantes na vitória.

Trunks não suportou a presunção de Julep.

- Vais ficar surpreendido com a lição que vais receber, demónio! – Exclamou.

- Oh! Tem espírito! Muito bem. Este fica para mim – escolheu Julep. – Gosto deles com espírito.

- E eu fico com este – e Kumis encarou Goten.

Calaram-se.

- Então? Estão à espera do quê? – Perguntou Trunks impaciente.

- Estás com pressa de morrer? – Troçou Julep.

- Estou com pressa para te mandar de volta para o Inferno, de onde nunca devias ter saído!

Julep soltou uma gargalhada. Irritado, Trunks atacou, um soco apontado para a cara do demónio. Julep saltou para trás para fugir do golpe. Trunks estacou. Goten admirou-se quando viu Kumis seguir o irmão, voando também em marcha atrás. Os dois passaram por cima do muro e entraram no templo, rindo alto.

- O que é que eles estão a fazer? – Perguntou intrigado.

- Querem que nós os sigamos.

- Estão a levar-nos para o templo.

- Se eles querem combater lá dentro, o problema é deles. Pelos vistos, não se importam com a destruição. Vamos dar cabo daquilo tudo se empregarmos todo o nosso poder.

Goten nada disse.

- Descontrai-te! Vai correr tudo bem. Eu fico com Julep e tu com Kumis.

- Consegues distingui-los?

- Consigo. Julep tem um brinco na orelha direita e Kumis na orelha esquerda. Preparado, Goten-kun?

- Hai, Trunks-kun!

***

Goku, Vegeta e Piccolo viram os dois rapazes sumirem-se no interior de um edifício atarracado, atrás dos dois demónios. Os guinchos dos kucris eram agora audíveis. Um grupo dessas criaturas tinha seguido também para o edifício, para assistirem à luta, mas o grosso do bando ficou a provocá-los e a chamá-los.

- Estou farto de esperar! – Exclamou Vegeta. – Vamos!

- Concordo. Vamos procurar por Zephir – disse Piccolo, desfazendo-se da capa e do turbante. Preparava-se para entrar em ação.

- Vai tu, Piccolo – disse Goku. – O banquete está a tornar-se interessante. Se os dois demónios eram o primeiro prato, o prato principal acaba de ser servido.

Vegeta estacou.

O saiya-jin chegava. Observava-os, braços cruzados, de pé sobre o amontoado de ruínas do muro. O sol que nascia lançou um raio penetrante que o iluminou repentinamente, num rasgo de ominosa claridade, como se fosse um deus maldito, o mensageiro da morte, o carrasco dos justos. Goku esperou alguma reação de Vegeta, mas ele nem estremeceu perante aquele espetáculo intimidante. A voz de Piccolo pareceu-lhe inquieta quando disse:

- Vou sozinho procurar por Zephir. Já percebi que a vossa entretenha chegou. Boa sorte!

Goku sorriu.

- Boa sorte, Piccolo. Consegues passar por aqueles kucris todos?

- Não te preocupes. Conheço-os. Isso deverá dar-me alguma vantagem.

Nisto, o saiya-jin elevou-se nos ares e ficou frente a eles.

Piccolo olhou para baixo, onde os kucris se agitavam. Eram seu assunto e deixou Goku e Vegeta com o assunto deles, o saiya-jin. A agitação daquele trio de espíritos era inconfundível. Antecipavam aquele combate com uma ânsia infantil, apesar de desconhecerem se conseguiriam suplantar o desafio. Eram todos iguais, saiya-jin incorrigíveis, mesmo que um deles não passasse de um estranho conjuro que o fazia real como uma rocha. Piccolo desceu e preparou-se para entrar no Templo da Lua. Os kucris juntaram-se para o receber.

O saiya-jin abriu um sorriso irritante. Na testa tinha marcado a negro um “M” rebuscado – a marca do Makai. Goku olhou para Vegeta e viu-o cerrar os dentes, arrepiado com a lembrança. Também ele, um dia, estivera dominado por aquela magia. Dera-lhe muito poder, mas fora um pesadelo. O seu orgulho impedia-o de seguir as ordens do maldito Babidi, mas lutar contra elas tinha sido doloroso.

- Conheces? – Perguntou Goku.

- Vegeta!

A voz rouca a pronunciar o seu nome agitou o lodaçal das memórias esquecidas do príncipe. Começou a processá-las à velocidade da luz, para tentar recordar-se antes que fosse tarde demais. Aquela cara, parecendo bem, não lhe era totalmente desconhecida.

- Eh… Ele conhece-te – apontou Goku.

- Kakaroto!

Goku ficou perplexo.

- E conhece-me a mim.

O estômago de Vegeta contraiu-se, o sangue diluiu-se nas veias, a boca ficou seca. A memória necessária emergiu retumbante como um rufar tribal de um tambor, como uma explosão de luz quente. Diante dele tinha a imagem viva de uma lenda, da impossibilidade, do tal deus maldito evocado há pouco. Gaguejou:

- Keilo!

E Keilo acentuou o seu sorriso irritante.

- Eh… Afinal, sempre o conheces – tornou Goku.

- Keilo! Não… Não… És tu, Keilo!…

- Quem é esse Keilo? – Indagou Goku confuso.

Vegeta recuou instintivamente. Goku estranhou a atitude do companheiro e por isso insistiu:

- Quem é esse Keilo?

- É… é…

- O que foi, Vegeta? – E Keilo semicerrou os olhos, inclinando a cabeça. – Viste um fantasma?

- Vegeta, quem é esse Keilo?

O príncipe engoliu em seco, a glote movimentou-se devagar. Forçou uma resposta sufocada:

- Keilo é… É o super saiya-jin lendário.

- O super saiya-jin lendário?

- Sim. O primeiro… Aquele que surgiu há mil anos atrás… O primeiro super saiya-jin!

Os saiya-jin eram um povo sem heróis. Viviam centrados em si mesmos, egoístas e orgulhosos. Ambicionavam ser sempre mais e melhor. Se fosse necessário aniquilar aqueles que lhe eram mais chegados para atingirem um novo patamar de poder enquanto guerreiros, não hesitariam e fá-lo-iam sem remorsos. Os saiya-jin sepultavam os seus sentimentos debaixo de uma alma endurecida por uma vida cheia de morte e de destruição. Em vez de admirarem os mais fortes da sua raça, invejavam-nos. Assim que tivessem uma oportunidade para vencer um guerreiro superior, combatiam-no e eliminavam-no sem piedade.

No entanto, havia um saiya-jin que todos veneravam. Todos, sem exceção. O super saiya-jin primevo que se chamara Keilo. Ele era uma lenda, um autêntico símbolo de um povo sem mitos.

Os saiya-jin desde cedo começavam a conhecê-lo. Diziam-lhes que Keilo era um exemplo a seguir – fora o saiya-jin mais forte de todos os tempos, atingira níveis impensáveis de poder, reinara no Universo que o temia e o admirava. E tudo isto se passara há mil anos atrás. Comandara a raça guerreira, exercendo a sua autoridade com terror, maldade, sangue, prepotência e excesso.

Em criança, Vegeta tinha aprendido que descendia, remotamente, dessa lenda. Era necessário ligar a casa real a Keilo para legitimar o poder, também aprendera. Desprezava-o e odiava-o. Fixara-lhe o rosto estilizado, desenhado na pedra escura da estátua do herói, e jurara a si mesmo que um dia seria mais forte do que Keilo, que seria uma lenda maior do que Keilo.

Era, de facto, uma lenda, uma lembrança de um planeta morto… Não existia… Mas, a contrariar a lógica, Keilo estava ali, diante dele, a sorrir-lhe e a troçar dele. O saiya-jin perfeito que todos os saiya-jin recordavam.

Goku olhava Keilo que não desfitava Vegeta.

- Hum… Então este foi o primeiro super saiya-jin. É forte como Broli?

- Pior do que Broli… Mais poderoso do que Broli…

- Honto? Interessante…

- Longe de ser interessante… Não sabes o que temos pela frente…

- Eh… Há quanto tempo dizes que ele apareceu?

- Mil anos.

- Mil anos? Ele é assim tão velho? Não sabia que os saiya-jin viviam assim tanto tempo…

- Não vivem. Ele… ele já morreu… Há mil anos atrás.

- Então, ele é um fantasma?

Goku procurou pela auréola que os mortos levavam em cima da cabeça – ele próprio tivera uma quando visitara a Terra vindo do Outro Mundo – mas Keilo não a tinha.

- Ele não está morto, Vegeta.

As observações ligeiras irritaram-no.

- Baka! – Berrou. – Foi Zephir que o criou a partir do Makai! Ele não existe de verdade! Isto é só uma imagem de Keilo! Não foi isso o que kami-sama te disse?

Goku pestanejou.

- Tens razão, foi mesmo isso que me disse… Mas pensei que tivesse criado um saiya-jin a partir de um que ainda existisse. Para ser uma imagem desse saiya-jin com mil anos, parece-me muito real…

Keilo disse:

- E sou real. Queres comprovar o quanto sou real, Kakaroto?

Goku encarou-o.

- E como é que sabes os nossos nomes?

- Zephir-sama encheu o meu cérebro com lembranças vossas. Conheço-vos muito bem. Sei o que fizeram, sei do que são capazes.

- Ah, sim?

- E Vegeta sabe do que eu sou capaz!

Vegeta continuava com o nó na garganta. A presença e o olhar de Keilo incomodava-o.

Goku segredou-lhe:

- Ouve, Vegeta. Ele é um super saiya-jin, não é assim? Até onde chega como super saiya-jin?

- Nani?

- A que nível é que chega? Nível um? Nível dois?

- Não sei. Provavelmente ao último nível.

- Último nível? E qual é esse?

- Porque é que tu não me dizes?

- Eu? Mas eu só chego até ao nível três. Acho que não há mais nenhum…

- Aí tens a tua resposta. – Vegeta cerrou os maxilares, as veias das fontes pulsaram. Relutante confessou: – Eu não consigo combatê-lo, Kakaroto.

Goku arqueou as sobrancelhas.

- Porquê?!

- Ele é invencível. Nem tu o conseguirás derrotar.

- Ora – refutou –, ninguém é invencível.

- Ele é intocável, Kakaroto!

- Vegeta…

Keilo aborreceu-se e rugiu como um trovão a ribombar nos céus:

- Tanta conversa! Parem com os segredinhos e vamos à ação, seus cobardes!

Goku encarou-o, crispando o rosto. Apertou os punhos, a tensão a tomar-lhe o corpo todo com um esticão repentino.

- Atacam ou não? – Prosseguiu Keilo. – Os dois ao mesmo tempo ou um de cada vez?

- Vegeta, o que é que queres fazer?

Goku viu-o abanar a cabeça, com o olhar vazio e sem expressão. Deixava tudo nas suas mãos. Sem receios e sentindo a adrenalina de um combate impossível, Goku anunciou com segurança:

- Um de cada vez. E eu sou o primeiro.

- Muito bem. – Keilo torceu o nariz e comentou: – Contigo, nem vou ter com que começar. Vai ser uma brincadeira de crianças.

- Hum… Gosto de ti, Keilo. – Goku sorriu. – Julgas que nos conheces, pois o feiticeiro encheu-te a cabeça de informações sobre nós, mas acho que vais ter muitas surpresas quando te enfrentares a mim.

- O mesmo digo eu.

O ki de Goku aumentou de repente. Os cabelos negros elevaram-se no ar e brilharam, amarelos como as chamas de um sol, os olhos clarearam, uma capa de energia envolveu-o. Keilo pareceu admirado.

- Hum… super saiya-jin

- Nível um – completou Goku.

- Está bem. Nível um.

Keilo também aumentou o ki e transformou-se em super saiya-jin, nível um.

O combate iria começar.

E Goku aceitou o desafio, porque Vegeta estava inexplicavelmente congelado de pavor.


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Notas finais do capítulo

Próximo capítulo:
Irmãos contra irmãos.



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