Não consigo tirar aquela conversa de ontem da minha cabeça. Mas quanto mais penso naquilo mais confuso eu fico. Odeio não saber as coisas. E perguntar para o papai está totalmente fora de cogitação. Mas afinal que profecia será essa?

– Que profecia Set?

Droga! Estava tão distraído com meus pensamentos que esqueci de Pitt aqui na sala comigo. Devo ter me focado demais no que estava pensando, ele acabou ouvindo. Droga! Às vezes essa coisa de mente compartilhada é uma porcaria! Tenho que tomar mais cuidado. Sem bem que...

                – Pitt, o que você sabe sobre profecias?

Detesto admitir, mas Pitt é superinteligente. Às vezes pensava até que era mais um legado. Mas também pudera, ele não larga os livros. Talvez ele possa me ajudar. Mas vou deixar de lado a parte sobre nosso envolvimento nessa história toda, só por precaução.

– Ah! Depende. De que tipo de profecia você está falando?

– Na verdade nem eu sei. Mas você nunca leu alguma coisa sobre isso?

– Sim, com certeza. – Ótimo! Sabia que ele me seria útil. – Alguns lorienos desenvolvem a habilidade de verem o futuro como legado. É raro, então quando algum é encontrado é tratado com todas as honras possíveis e super bem protegidos. Informações sobre o futuro podem ser perigosas.

– Mas que tipo de informações? – Isso está ficando interessante.

– Não sei, não é algo exato. Geralmente a pessoa não vê o que ela quer, ela apenas tem vislumbres, ou sonhos, de cenas futuras. Não é um legado muito preciso. Alguns conseguem desenvolvê-lo ao ponto de controlarem as visões, mas esses são ainda mais raros.

– Mas e depois que a pessoa tem essas visões, o que acontece? Elas são registradas de alguma forma ou simplesmente esquecidas?

– Esquecidas? Claro que não. Uma profecia do futuro é um verdadeiro tesouro! Alguns oráculos, como são chamados, vão desenhando suas visões enquanto elas vão surgindo. Outros vão narrando. Outros apenas sonham enquanto dormem. Então a maneira como ela é preservada depende de como ela é tida. O próprio Bonaz, ancião de Calin é tido como o maior e mais importante oráculo dos últimos séculos.

Fico calado e pensativo por um tempo. Então Bonaz é um oráculo? É, isso faz bastante sentido.

– Mas porque este interesse repentino em profecias? – Pitt me pergunta com uma expressão de estranheza. Fiquei tão distraído que até me esqueci dele, então tento disfarçar.

– Por nada. Só... curiosidade repentina. – Dou uma risadinha pra disfarçar. É tão falsa que só mesmo Pitt para acreditar nela. A ingenuidade dele às vezes é uma benção. – Mas... e onde elas são guardadas? Você sabe?

– Não. É informação sigilosa! Eu sei que algumas já foram entalhadas em pedras, mas os locais são guardados em segredo. Já vimos um pouco sobre isso nas aulas de história!

– Não, claro, é, eu lembro. – Até parece! Como se eu prestasse atenção nessas aulas. – Pena! Então é impossível vê-las!

– Bom... nem tanto.

– Como assim?

– Bom... outro dia quando estava pesquisando sobre alguns assuntos no computador do escritório do papai...

– Pera! – Eu o interrompo. – Como assim no computador do escritório do papai? Ele nunca me deixou usar aquele computador! Aliás, nunca me deixou ficar no escritório dele!

– Ah! Set, eu não sei. A mim ele deixa.

Pitt fala com uma expressão de quem pede desculpas por algo que fez de errado. Claro! O preferidinho do papai e da mamãe sempre pode tudo! Mas estou sem paciência pra isso agora.

– Tá, você estava lá, e...?

– E encontrei um link de arquivos trancados que falavam sobre profecias. – Não acredito.

– E você teria como ver esses arquivos? Teria como me mostrá-los?

– Acho que sim, mas... não sei se o papai iria gostar.

– Ele não pode não gostar daquilo que ele não sabe!

Pitt faz uma expressão de tensão, como quem está ponderando sobre duas opções extremamente difíceis.

– Ah! Vamos Pitt, você não precisa ser o certinho sempre! E eu só quero... ver sobre essas profecias. Estou curioso. Você não gostaria de saber um pouco mais sobre o assunto? – Resolvo apelas para a grande fome de aprendizagem que sei que ele tem. E pelo visto dá certo, ele logo sorri de expectativa.

– Tudo bem! Mas papai não pode saber que fiz isso ok?

– Ok! – É claro! Como ele é estúpido. Parece até que ele é que está fazendo algo de errado. – Mas vamos aproveitar agora. Papai está no escritório dele na cidade e mamãe foi fazer compras.

– Tudo bem, vamos! – Pitt não consegue conter seu entusiasmo.

Corremos até o escritório, mas estava trancado. Uso minha telecinese para abrir a fechadura. Há muitos computadores aqui. Pitt vai direto a um que está ao centro e o liga. Pelo visto ele sabe mesmo o que está fazendo. Logo ele começa a digitar coisas, entrar em pastas, acessar links, ele parece até um profissional.

– Aqui! Profecias! – Pitt parece orgulhoso de si mesmo. Ótimo!

– Mas você havia mencionado que o link estava trancado, você sabe como acessar?

– Claro! É só...

Ele até esquece-se de completar a frase tamanha a concentração que emprega no que está fazendo. Não se passam nem um minuto até que...

– Pronto! – Ele está ainda mais orgulhoso de si mesmo pelo seu feito.

– É isso?

– Sim!

– Ótimo! Então procure algo sobre... fim do mundo.

Ele se vira e me olha com uma expressão de estranheza.

– Curiosidade mórbida, só isso.

Ele não discute, se vira e começa a pesquisar sobre o assunto.

– Achei. Há bastante coisa. São fotos de entalhes em paredes de pedra, desenhos em papiros, arquivos de áudio, textos manuscritos.

– Mas o que eles dizem? – Não estou conseguindo conter minha curiosidade. Nem acredito que consegui. Eu amo meu irmão!

Pitt analisa tudo, cada imagem, texto. Os olhos dele viajam pela tela com uma velocidade espantosa, não sou capaz de acompanhar.

– Ao que parece... essa profecia foi feita há muito tempo. Muito tempo mesmo! E foi repetida e aprimorada diversas vezes. Fala de duas crianças – Sofro um baque na hora. Um frio percorre minha espinha. Ainda bem que Pitt está concentrado no computador e não reparou. Ele continua. – nascidas no mesmo dia, um sendo o portador da luz e da vida, e o outro o portador da escuridão e da morte. Segundo as profecias, o portador da escuridão se uniria a uma raça sombria para dominar e destruir Lorien. Caberia ao portador da luz impedi-lo e destruí-lo, sendo ele o único capaz disto, ou morrer por suas mãos. Tem algo sobre dez crianças...

Pitt para ao ouvirmos um barulho. Parece ser o carro da mamãe. Ele fecha e desliga tudo e voltamos para a sala, mas tenho o cuidado de trancar a porta do escritório antes.

– Isso nunca aconteceu! – Ameaço Pitt.

– Certo!

Então era isso! Eu e Pitt somos as tais crianças da profecia. Um o portador da luz e o outro o da escuridão. Um o portador da vida e o outro o da morte. Acho meio óbvio quem é quem. Agora está explicado o favoritismo de todos por ele, por que eu sempre fui deixado mais de lado, sempre recebi menos atenção. Todos sabiam. Papai, mamãe, os outros anciãos. Claro! Por isso que eles sempre olhavam de modo estranho pra mim. Nunca entendi aquilo, mas também nunca dei importância. Agora tudo faz sentido. Eu e meu irmão, Setrákus e Pittacus, destinados a matar um ao outro. Pitt não mata nem uma anilha (inseto muito semelhante às baratas terráqueas). Mas... apesar de tudo... será que eu teria coragem? Será mesmo? Que eu teria coragem de matar meu próprio irmão?

Fico observando-o. Ele voltou a seu livro. Sempre tão calmo e tão sereno. Sempre tão certinho. Sempre tão perfeito. Sempre o favorito. Um dia um terá que matar o outro. Mas ele ainda não sabe disto. Mas sei que eu estarei preparado. Para enfrentar não só meu irmão, como todos os anciãos, e quem mais for preciso!