O conceito de vida carrega consigo muitos outros, dentre eles os de efemeridade e mutação. Deveras, estar vivo significa fazer parte de um processo de constante mudança, que o tempo se encarrega de garantir. A morte, por sua vez, é diferente: eterna e imutável. Há quem diga que seria um estado de perfeição, por finalmente dispensar a necessidade da mudança. Esta é a filosofia que permeia o sétimo domínio infernal.

Kronaria é um vasto deserto rochoso permeado por uma aura pesada, devido à qual até mesmo os movimentos mais simples exigem uma quantidade absurda de energia, inclusive para um ser composto apenas pela alma. Não há vento soprando, nem qualquer outro fenômeno que afete os grãos imóveis de areia. Com efeito, é um reino de quietude absoluta.

Os demônios que habitam o domínio são todos ligados ao elemento terra e assumem formas variadas, geralmente de rocha ou areia, podendo ser facilmente confundidos com o ambiente. Em particular porque eles também permanecem inertes, como que legitimamente inanimados, ou pelo menos assim o fazem até sentir a presença de um mortal perturbando o deserto com seus passos.

Humanos que se veem vagando por Kronaria não demoram a ser cercados por multidões de monstros áridos, e mesmo que os movimentos de tais demônios sejam lentos, perseguições invariavelmente duram apenas breves momentos, com o condenado incapaz de continuar se movendo e sucumbindo sob o peso da aura. Então ele é enterrado na areia escaldante para sofrer, imóvel, pela eternidade.

Uma quantidade verdadeiramente incontável de almas humanas está enterrada sob as dunas do sétimo domínio e, tendo ciência disso, às vezes demônios entediados do reino inferior, Magnabolos, fazem rápidas viagens para escavar novas vítimas. Não raramente eles aposta entre si, tentando tornar tais condenados responsivos novamente através de torturas, o que geralmente acontece com os que permaneceram menos tempo enterrados. Muitos deles, contudo, já foram completamente dominados por inércia tamanha que até mesmo suas consciências estagnaram.

Seria errado, contudo, dizer que não existe um único aspecto de Kronaria capaz de chamar a atenção. Perdida em algum lugar do deserto há uma enorme estátua de esfinge. Ou melhor, a regente do domínio, que, assim como seus comandados, prefere permanecer imóvel a menos que algo demande seu interesse. Seu nome é Nerferterniti, o aspecto do desprezo, uma característica refletida em sua tendência de ignorar tudo que existe ao seu redor.

Da mesma forma que economiza movimentos, Nerferterniti assim o faz com as palavras. Pouco se sabe sobre suas intenções, mas é de conhecimento entre os demônios que ela considera a vida, em especial sua necessidade caótica de alterar constantemente sua própria estrutura, como uma abominação para a qual o único remédio é a morte. Diz-se que sua presença é capaz de distorcer a própria passagem do tempo ao seu redor, como um efeito ainda mais severo que aquele presente em seu reino, e que ela trama com paciência absoluta um método de envolver tudo que existe, seja em Pravus, Realia ou Utopia, na mais total e completa perfeição: uma existência sem tempo e sem mudanças. Um convite para uma eternidade de inércia.

Há uma lenda antiga que diz que Neferterniti e Nobile são inimigos mortais e que desejam a destruição um do outro. Contudo, eles jamais se confrontaram, direta ou indiretamente, sempre ocupados demais com seus próprios interesses, mesmo que no fim das contas sejam objetivos completamente opostos.