Death Note: Ressurreição escrita por Goldfield


Capítulo 15
Capítulo XV: Cerco




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Crise no sistema democrático

Onde está a justiça?

Crise no sistema democrático

Onde está a justiça?

 

Assassinos à solta depois de julgados

Quem punirá seus crimes?

Assassinos à solta depois de julgados

Quem punirá seus crimes?

 

Hey, hey, francesinha

Seja o juiz, seja o Kira!

Hey, hey, francesinha

Seja o juiz, seja o Kira!

 

Porque em terra de justiça cega

Quem tem um caderno é rei!

Porque em terra de justiça cega

Quem tem um caderno é rei!

 

Hey, hey, francesinha

Seja o juiz, seja o Kira!

 

- - - - - - - -


Capítulo XV

 

“Cerco”

 

Sentada sobre a cama, Justine ouvia atentamente as explicações de Nise. O segundo Shinigami lhe transmitia informações ausentes nas instruções básicas de uso do Death Note, aspectos e propriedades que ela sequer imaginara existirem, e sentia raiva cada vez maior de Masuku devido ao mesmo ter ocultado de si tais nuances até então. A estudante de Direito aguardou o término da última explanação – a qual chamou mais sua atenção em particular – para então lançar uma pergunta com o fim de verificar se realmente compreendera bem:

         Quer dizer que, em troca de metade do meu tempo de vida restante, eu poderia ter o “Olho de Shinigami”, ganhando o poder que vocês possuem de enxergar o nome e a sobrevida de qualquer humano apenas observando seu rosto?

         Exatamente – o recém-conhecido deus da morte assentiu. – Apesar do alto preço, essa capacidade facilitaria e muito sua cruzada contra os maus deste mundo.

Tinha mesmo razão. Se aceitasse e fizesse tal pacto com Masuku, Clare não precisaria mais usar de artifícios arriscados e contar com a sorte para descobrir os nomes de suas vítimas que não fossem veiculados na mídia. A eliminação dos membros do culto a Kira que a haviam capturado, por exemplo, teria sido bem mais simples, rápida e segura. No entanto, não a agradava em nada a idéia de reduzir seu tempo de existência terrena em troca do poder. Com isso em mente, manifestou-se perante as duas criaturas inumanas:

         É uma possibilidade tentadora, mas que no entanto não me interessa, ao menos não neste momento. Já que fui contemplada com o meio perfeito para fazer justiça entre os homens através do Death Note, desejo desempenhar tal função com o máximo de dedicação até o fim de minha vida. Assim, encurtá-la seria diminuir o tempo necessário para que o mundo seja limpo de toda escória. Quero prolongar minha existência na Terra o máximo possível e, até meu último suspiro, cada pessoa que eu julgar não-merecedora de continuar respirando terá sua punição, desaparecendo do convívio das demais para não afetá-las com seus crimes. Prefiro ter uma dificuldade maior em realizar minha tarefa do que ter um período menor para fazê-la. Esta é minha decisão.

         Eu sabia que pensaria assim, Justine – afirmou Masuku, oculto nas sombras de um canto do quarto, como que envergonhado. – Por isso nem lhe apresentei tal via!

         Entretanto... – ela cortou a fala do Shinigami, ríspida. – Como meu protetor e aliado, ou ao menos por dizer sê-lo, era seu dever ter me avisado sobre a existência desse pacto, Masuku!

         Perdoe-me, Justine. Prometo que tal equívoco não se repetirá.

A jovem cruzou os braços, olhando de soslaio para ele durante alguns instantes, uma crescente desconfiança dominando-a. Logo depois tornou a fitar Nise que, sempre paciente, indagou:

         Tem mais alguma dúvida? Alguma outra questão que queira levantar?

A loira nem precisou parar muito para pensar a respeito; ela possuía sim. Na verdade era algo que vinha atormentando seu íntimo desde que tivera seu primeiro contato com o caderno, um temor que procurava sempre reprimir e que, apesar de não impedi-la de agir para alcançar seu objetivo, acabava infligindo-lhe incômoda preocupação. A cada nome que registrava nas páginas do artefato mortal, a cada nova execução efetuada para evitar que pessoas de bem sofressem nas mãos dos vis, a mesma atordoante frase latejava em sua memória, insistente, desejando consumir sua sanidade por inteira. Tentava esquecê-la, porém parecia impossível...

 

O humano que usar este caderno não poderá ir nem para o Céu e nem para o Inferno.

 

Uma das primeiras instruções de uso do Death Note. Uma aparente sentença aterradora a todos aqueles que ousassem se utilizar de uma força sobrenatural para interferir no cotidiano mundano. Estaria Clare agora também sujeita a destino tão atroz? Seu espírito vagaria para sempre sem jamais encontrar descanso? Que preço, afinal, pagaria por ter se tornado luz num mundo de trevas?

O pior era que, depois daquela noite, seu futuro aparentemente tomava proporções mais definidas. Tudo que vira e ouvira no esconderijo da seita levou-a a elaborar nefasta teoria sobre os humanos que adquiriam o poder dos Shinigamis... E, procurando desmenti-la ou confirmá-la, expôs-se a Nise:

         Os integrantes do culto que me raptaram prestavam adoração a algum tipo de divindade chamada Jealous, a qual, séculos atrás, teria tido o poder de julgar seus semelhantes de acordo com seus atos, podendo puni-los com a morte. Eles também afirmaram que esse dom, ou fardo, foi então transmitido ao longo do tempo para outras pessoas... Isso me levou a crer que Jealous adquiriu a mesma capacidade oriunda do Death Note, se não o próprio, e que os demais indivíduos no passado depois dele também quiseram mudar o mundo por meio do caderno. Quer dizer então que eu sou apenas o ser humano mais recente a desempenhar tal função, sendo que muitos outros antes de mim também a exerceram, inclusive o último Kira?

         Em que ponto quer chegar? – inquiriu Nise.

         Qual o destino que me aguarda após minha morte? O que acontece com os humanos que utilizam o caderno quando a existência deles neste plano se encerra?

Após breve pausa, lançou-lhes então a principal, e impactante, pergunta:

         Vocês já foram humanos um dia, não foram?

A curiosidade da garota gerou visível mal-estar. A expressão da pitoresca face de Nise se fechou, enquanto lançava um olhar estratégico para o Masuku oculto na penumbra, sua silhueta remetendo a uma estátua diabólica a espreitar o ambiente. O silêncio imperou por mais de um minuto, o rosto astuto da universitária se alternando entre os dois seres alados... Até que se deitou em cima da cama, seu tronco recostando-se no lençol amarrotado e os braços cruzados improvisando apoio para a cabeça, ao mesmo tempo em que constatava, mirando o teto:

         Vocês não vão me dizer, não é mesmo?

Não houve resposta, e a dupla de deuses da morte ficava cada vez mais espantada com o ímpeto que Justine possuía em desafiar entidades tão poderosas. Às vezes ela parecia não ter medo de nada. Temiam que tamanha autoconfiança acabasse por botar tudo a perder, como quase ocorrera horas antes, se não houvessem interferido.

Através da janela, o céu, de negro, passava a ganhar tom levemente azulado, indicando a proximidade da manhã e seus raios de sol. Fora sem dúvida uma longa noite, e Clare encontrava-se exausta. Sem dirigir qualquer outra palavra aos Shinigamis, simplesmente se manteve na posição em que estava e, imersa em suas reflexões, fechou os olhos, adormecendo. Queria repousar, nem se fosse por curtíssimo tempo, para poder encarar mais um dia de aula na Sorbonne dentro em pouco.

Vendo que sua presença ali não era mais necessária no momento, Nise lançou um último olhar de receio e repreensão para Masuku, em seguida batendo as asas espinhosas e erguendo vôo para fora dali, atravessando uma parede como se fosse um fantasma. Sozinho, o deus da morte que concedera seu Death Note à impetuosa Justine tornou a ligar a TV e moveu de leve o mouse do computador, removendo o descanso de tela que surgira no monitor há algum tempo devido a ninguém mais ter usado a máquina. Mais um dia se iniciava e, com ele, seu trabalho de assistência a Kira recomeçava: mais nomes e dados de criminosos a registrar. Sentou-se na cadeira de rodinhas e, sorrindo, pôs-se a cumpri-lo.

 

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O capitão Matsuda guiava o carro calmamente pelas ruas do bairro Aoyama, em Tóquio. Não encontrava muito trânsito àquela hora da tarde, o céu carregado de nuvens cinzentas indicando chuva em breve. Apesar de não ter pressa e de predominar em si sincera tranqüilidade, o policial, manobrando o volante, evitava olhar para a esposa Sayu no assento ao seu lado. Não desejara que ela viesse junto, porém a insistência da mulher – principalmente devido ao fato de que logo Touta estaria separado dela por centenas de milhares de quilômetros durante período indeterminado – fez com que ele cedesse e permitisse que o acompanhasse. Todavia, acreditava que a amada não atrapalharia sua obstinada investigação pessoal.

Virou em mais uma esquina, o veículo ganhando uma estreita rua de aspecto curvado, e eis que, alguns telhados à frente, a torre de uma igreja cristã, com uma cruz em seu topo, destacou-se entre as construções vizinhas. Mais alguns metros de percurso foram vencidos e então o homem da lei finalmente freou diante do muro do templo, que possuía um singelo portão de metal fechado como divisória entre a calçada e o pequeno jardim com grama e árvores existente antes da entrada do pequeno santuário em si. Uma placa branca contendo o desenho de um crucifixo e inscrições tanto em kanji quanto caracteres ocidentais informava o nome do local:

 

Igreja Católica de Minami Aoyama

 

Matsuda estacionou o carro e retirou seu cinto de segurança. Só então voltou a cabeça para Sayu, que alternava o olhar entre o marido e o portão da igreja, sem compreender nada. Ela sabia apenas que aquela capela era comumente utilizada para a realização de casamentos entre japoneses católicos, e inclusive uma amiga sua ali atara matrimônio com um antigo colega de escola alguns anos antes. Tentando fazer uso do humor para procurar diminuir o mistério que dominava todas as ações do esposo nas últimas vinte e quatro horas, a jovem indagou a ele, rindo:

         Viemos até aqui para renovar nosso casamento antes de sua viagem?

         Eu bem que gostaria, amor, mas não há tempo... – o capitão respondeu num sorriso incerto, acariciando o rosto dela com uma das mãos. – Não posso lhe contar ainda o que vim fazer aqui, o que busco... porém prometo que no momento certo revelarei tudo. Se oculto coisas de você, tenha certeza de que é apenas para sua segurança. Não sabe como quero que tudo isto termine logo para que possamos finalmente viver em paz!

         Eu sei, disso, querido... – ela respondeu suspirando, sem esconder sua insatisfação. – Eu sei...

         Tenho apenas de verificar uma coisa nesta igreja, serei rápido, acredito. Espere aqui, OK?

         Hai.

Touta beijou brevemente os lábios de Sayu e deixou o automóvel, travando as portas e ativando o alarme através de um pequeno controle remoto. Em seguida contornou o veículo e seguiu até o portão, sempre pesaroso por não poder compartilhar tudo que sabia com a mulher que amava. Na verdade, o que o trazia ali era mesmo um casamento... mas que jamais fora consumado.

Uma pista que não poderia ignorar... Tinha de averiguá-la antes de deixar o Japão. Se estivesse certo, ao menos uma das grandes incógnitas daquele caso estaria solucionada e então seria capaz de concentrar seus esforços em capturar Kira... E a incógnita em questão aparentemente nada tinha a ver com o famigerado criminoso...

Detendo-se diante do portão, Matsuda por um instante não soube como faria para chamar a atenção de quem estivesse no interior da igreja. Havia alguém nela, isso era certo, pois a porta de madeira na fachada, contendo anjos e ornamentos religiosos esculpidos, encontrava-se aberta. Resolveu bater com a mão direita no metal da entrada, ação que gerou barulho alto o suficiente para ser ouvido dentro do templo. Logo uma figura idosa e grisalha, usando batina preta e óculos, deixou a construção pela frente, atravessando o jardim o mais rápido que podia para atender o visitante. O olhar sereno e expressão simpática do velhinho, certamente o padre responsável pela capela, fizeram com que o policial se lembrasse de imediato de Watari, antigo braço-direito do primeiro “L”.

         Em que posso ajudar, senhor? – perguntou o sacerdote, calmo e amigável.

         Boa tarde. Sou o capitão Touta Matsuda, da Agência Nacional de Polícia – nesse momento, mostrou seu distintivo verdadeiro, julgando que o pacato padre não lhe representaria qualquer ameaça, muito menos seria Kira. – Estou realizando uma investigação e gostaria de pedir para verificar o livro de noivos desta igreja.

         Ah, refere-se ao livro onde são registrados os nomes dos casais que se unem aqui? – sorriu o idoso. – Lamento, oficial, mas agora há pouco um outro senhor passou por aqui requisitando o mesmo livro para consulta. Ele afirmou ser do FBI, aquela polícia especial dos norte-americanos, e levou-o com o intuito de examiná-lo com calma, prometendo devolvê-lo daqui a algumas horas.

         FBI, hem? – riu de leve o capitão, possuindo uma suspeita de quem era o tal sujeito. – Creio que seja um de meus colegas que está investigando o mesmo caso.

         Por que não entra e o espera voltar? Creio que não demorará muito, aí poderá examinar o livro aqui mesmo.

         Infelizmente não tenho tempo, senhor padre. Esse agente do FBI não mencionou para onde ia, ou se está hospedado em algum lugar aqui em Tóquio?

         Deixe-me ver... Ah, sim! Ele disse que estaria no recanto de Nogi Maresuke. Mas agora não me recordo de nenhuma pousada ou hotel com esse nome... o senhor saberia onde fica?

Como Ernest Adams era esquivo! Julgando que Matsuda viria atrás dele após ter tirado de cena a evidência que poderia comprovar a hipótese do japonês, ele ainda deixara para trás uma pista de sua localização em forma de metáfora! Uma mente menos atenta, como a do padre, julgaria que o tal recanto mencionado se trataria realmente de um hotel, mas, após anos analisando esquemas e charadas na caçada a Kira, o cérebro do capitão desenvolvera um senso fora do comum para detectar estratagemas daquele tipo. Não, o agente Adams não se referira a hotel algum. O tal recanto de Nogi Maresuke, importante general nipônico na Guerra Russo-Japonesa e herói nacional que se suicidara junto com a esposa quando da morte do Imperador Meiji, em 1912, era na realidade o Cemitério de Aoyama, localizado a poucas quadras dali! Lugar em que o general Maresuke estava enterrado!

         Muito obrigado, senhor padre! – Touta agradeceu, saudando-o num aperto de mão através de um dos vãos da entrada que nem sequer fora aberta. – Ajudou-me muito!

         Tem certeza de que não quer entrar e esperar?

         Não, já tenho certeza de onde esse meu colega está, não se preocupe! Sayonara!

O policial deu as costas para o portão, apressando-se através da calçada na direção de seu novo destino. Sayu, no interior do carro, frustrou-se ainda mais quando percebeu que o marido, ao invés de voltar ao volante, desaparecia rapidamente de vista, já quase um quarteirão à frente. Para onde estaria indo? Desejando como nunca descobrir os segredos que ele tanto insistia em guardar, bufou, retirando o cinto e esparramando-se no banco... Que ao menos tudo aquilo servisse para encurtar seu sofrimento!

 

Após atravessar algumas ruas e cruzar uma movimentada avenida, trajeto que venceu em poucos minutos, Matsuda chegou à entrada do grande Cemitério de Aoyama, estabelecido em 1872, com suas frondosas árvores e graciosas flores de cerejeira. Passando pelo portão, ganhou uma das vias internas do local, rodeadas de alinhados arbustos, observando, do outro lado destes, as lápides e túmulos em profusão, os quais, servindo de repouso aos corpos de mortos tanto japoneses quanto estrangeiros, possuíam os mais variados tipos de nomes, símbolos e inscrições. Ignorando as escassas pessoas presentes no local àquela hora do dia, Touta, com o olhar sempre atento, buscava algum mínimo indício que o levasse ao astuto agente Adams.

Logo encontrou a sepultura do general Maresuke, na esperança de que, devido à pista de Ernest, este estivesse nas proximidades da mesma. Deteve-se e olhou ao redor, ofegante devido a vir andando depressa, sem parar, já há algum tempo. Levou um bocado de instantes para reorganizar os pensamentos, até que avistou, de relance, a figura de um homem de cabelos castanhos e sobretudo adentrando o mausoléu de uma família, não muito longe de sua posição. O capitão sorriu.

 

Maldito Adams!

 

Pôs-se a avançar até a seção da necrópole, parando brevemente junto à entrada da dita edificação que agregava vários túmulos. Acima da abertura para seu interior, Matsuda leu, em kanji, o sobrenome da família cujos membros que já haviam partido estavam ali enterrados. Logo depois estremeceu, quase caindo para trás. Aquilo comprovava sua teoria, e agora se sentia repentinamente consternado. Seria mesmo verdade? Se Adams o guiara até ali, tudo indicava que sim.

Trêmulo, a passos lentos e cautelosos, adentrou o mausoléu...

O impecável interior de mármore polido, a luz do sol penetrando através de aberturas dispostas no teto e as bem-identificadas sepulturas de cada pessoa que no recinto descansava, com placas metálicas indicando quem era, davam ao ambiente aspecto que transitava entre o mórbido e o clássico. As representações de cruzes distribuídas por todo o lugar faziam concluir que a família era católica. No centro existia um túmulo proeminente, retangular, que continha o corpo do patriarca daquela linhagem. Em cima dele, sentado sem qualquer cerimônia, expressão superior diluída na face semi-oculta pelos óculos escuros, Ernest Adams aguardava a chegada de Matsuda pacientemente.

         Por que buscais entre os mortos quem vive, capitão? – ele inquiriu em tom grave.

Atônito, Touta não sabia o que dizer. Estava mesmo correto em sua suspeita e, assim como Adams garantira, este realmente se mostrava presente no momento em que o japonês descobrira quem era “R”. O mistério fora desvendado, e o policial simplesmente não sabia como reagir. Só então percebeu o livro de capa preta também presente sobre o túmulo, logo ao lado do estadunidense. Temeu até ser um Death Note – a aparência era sem dúvida similar – mas assim que Ernest tomou-o em suas mãos para mostrá-lo ao recém-chegado, pôde concluir se tratar do livro dos noivos que procurara há pouco na igreja. Sorrindo, o agente do FBI jogou-o a Matsuda, que apanhou o volume no ar com perfeição, abrindo-o imediatamente. Os casais estavam nele registrados em ordem alfabética, o primeiro nome do noivo servindo como parâmetro. Seguiu até a letra “R”, gravada na página com a mesma fonte estilizada que o incógnito detetive utilizava em suas comunicações via notebook, e o primeiro registro ali existente fez o corpo do marido de Sayu gelar.

         Era isto que procurava – afirmou Adams, encaminhando-se até a saída. – Agora você sabe.

E, sem mais nada dizer, deixou o mausoléu, Touta permanecendo nele sozinho, ainda em silêncio, imóvel, afetado pela colossal intensidade de sua descoberta...

 

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Death Note – Histórico:

 

Sem outra saída, Raito e Misa renunciam aos seus Death Notes, perdendo assim suas memórias relativas aos cadernos e o uso que deles fizeram. Enquanto o de Amane é enterrado, o outro é cedido a Remu, que ganha a incumbência de transferi-lo a outra pessoa para que Yagami mais tarde possa reavê-lo.

 

Desprovido da consciência de que um dia foi Kira, Raito consegue passar pelos testes de “L”, ganhando novo álibi. O detetive, no entanto, ainda desconfia do rapaz, que volta a participar das investigações, e passa a mantê-lo algemado a si para vigiá-lo. Nisso, novos assassinatos de criminosos e pessoas do meio empresarial ocorrem, e a equipe logo descobre que Kyosuke Higuchi, membro do poderoso Grupo Yotsuba, é o responsável.

 

Higuchi era a pessoa para quem Remu transferira o Death Note de Raito após sua renúncia. Através de um arriscado plano – no qual Misa Amane e o policial Touta Matsuda têm papeis proeminentes – o empresário é cercado e preso, Yagami reavendo a posse do caderno e as memórias relativas a ele assim que o toca novamente.

 

Confiante e cruel, Kira acredita finalmente ter chegado a hora de eliminar “L”.

 

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Justine adentrou o prédio da Sorbonne com as pálpebras pesadas e membros insistentes em demorarem a executar os comandos fornecidos por sua exausta mente. Dormira extremamente pouco no breve período de tempo entre o término de sua conversa com os dois Shinigamis e a hora de acordar para seguir até a universidade. Apesar do cansaço, não necessitara nem do toque de um despertador para se levantar, tão acostumado estava seu relógio biológico a obedecer todos os dias à mesma rotina. Para piorar seu estado, a gripe que contraíra devido a ter se exposto à chuva na noite anterior expressava-se por meio dos sintomas com intensidade cada vez maior, a moça espirrando ou tossindo no mínimo uma vez a cada cinco minutos. Apesar de incômoda, considerava a doença bem-vinda, no entanto. Ela reforçaria sua desculpa para ter faltado à aula no dia anterior.

Quando acordara e se arrumara para sair, o misterioso – ou deveria dizer “misteriosa”? – Nise não se encontrava mais presente, e Masuku, já recolhendo os dados de criminosos na televisão e Internet para fornecê-los a Clare ao entardecer, não dirigira a ela palavra alguma. A estudante, furiosa como estava com o deus da morte, também não fizera questão de iniciar qualquer diálogo. Sentia-se preocupada somente com o fato de não haver registrado nenhum nome da lista no Death Note na noite anterior, e por isso teria trabalho dobrado quando voltasse para casa. O que lhe compensava o lapso, porém, era ter aniquilado os três odiosos membros da sanguinolenta seita de Kira nos subúrbios da cidade e ainda escapado sem maiores dificuldades. Aqueles malditos...

Contendo um sorriso, Justine imaginou como a reitoria da Sorbonne reagiria quando soubesse que o tão conceituado e íntegro professor Pasquale não passava de um covarde e doentio membro de um culto que baseava seus preceitos em encontros sombrios e assassinatos a sangue frio... Como ela queria poder ver a face de cada um dos responsáveis por aquela instituição ao tomarem conhecimento do ocorrido! Será que já teria saído nos jornais?

A resposta à dúvida da garota veio quando passou por dois rapazes, de pé diante da entrada de uma sala de aula, entretidos com um exemplar do periódico de Paris de maior circulação. Na manchete voltada para o corredor, em claras letras, a principal notícia daquela manhã: “Misteriosas mortes de ocultistas nos subúrbios de Paris: obra de Kira?”.

 

C-como assim?

 

A órfã não esperara que o fato houvesse tido tamanha repercussão! Acreditava que seria citado apenas nas páginas policiais, talvez com os mortos sendo associados ao “Maníaco do Louvre” e destaque para a torpeza das práticas do grupo religioso. O acontecimento, porém, aparentemente se tornara a principal veiculação daquele dia, e todos no país já deveriam dele ter ciência àquele momento! Como aquilo pudera tomar tamanhas proporções tão rápido? E por que era vinculado justo a Kira?

Esforçando-se para manter-se calma e não expressar nervosismo fisicamente, Clare parou de andar perto da dupla de jovens – que não a notaram – e, fingindo arrumar algo em sua mochila, só então conseguiu organizar os pensamentos prejudicados pela exaustão. Era claro. A razão para as autoridades crerem que as mortes haviam sido provocadas pelo serial killer era a causa das mesmas: parada cardíaca. Os legistas certamente concluíram que os três ocultistas haviam morrido quase ao mesmo tempo devido a infarto. Se isso não houvesse sido ocasionado por outros meios, como alguma substância química consumida pelo trio – hipótese reforçada pelo aparato de alquimia existente no esconderijo – ou um improvável fator natural, tornava-se plausível acreditar que realmente Kira poderia ter assassinado aqueles homens, ainda mais por serem suspeitos de cometer crimes bárbaros.

Tentando conservar a naturalidade, Justine discretamente inclinou o tronco para conseguir ler a descrição mais detalhada da notícia impressa logo abaixo da manchete, quando ouviu um dos garotos perguntar ao outro:

         Foram encontrados somente três cadáveres?

         Sim, e todos foram vítimas de parada cardíaca. A polícia recolheu evidências no local que apontam, todavia, para a provável presença de um quarto indivíduo no recinto, o qual teria estado amarrado a uma cadeira. Talvez tenha sido alguém capturado pelo culto para seus rituais e que, após o que ocorreu, conseguiu escapar com vida. Ou então...

         Pode ser Kira em pessoa! – completou o primeiro rapaz, surpreso com a própria afirmação.

         Exato. Os peritos recolheram digitais e tudo será devidamente analisado. Estou curioso para saber a conclusão disso!

Clare sentiu-se congelada, lâminas de súbito terror dilacerando-lhe a confiança e a sensação de triunfo que a vinham habitando. Pôs-se a andar de novo, pálida, pernas bambas e passos trôpegos. Quanto mais tentava caminhar de modo insuspeito, mais se atrapalhava. Por pouco não derrubou seus livros no chão ao quase esbarrar numa garota. Parecia chamar maior quantidade de atenção conforme tentava se tranqüilizar e retomar controle da situação. Seu fracasso em conseguir isso apenas fazia com que fosse observada por um número crescente de rostos no corredor que, intrigados, imaginavam qual seria o motivo do aparente desespero da estudante de Direito.

Encolheu-se, avançando com a impressão de que agora todos que passavam por si a fitavam, olhares curiosos, até acusadores. Era como se estivesse sendo cercada, encurralada pelas suspeitas alheias. Será que poderiam desconfiar dela? A idéia era absurda, mas... seria possível que alguém ali cogitasse seu envolvimento com o fim do odioso Pasquale e os outros dois adoradores de Jealous? Teriam idéia de suas atividades relativas ao Death Note?

 

Acalme-se, Justine... Você está imaginando demais. Não pode ficar paranóica, isso será seu fim!

 

Precisava ponderar a situação. A suspeita da morte dos membros da seita estar relacionada a Kira dera-se devido a estes terem enfartado em circunstâncias misteriosas. Fora um descuido de Clare. Caso houvesse elaborado melhor o óbito do trio, certamente não seria atribuída uma causa externa ao mesmo, e assim ficaria difícil associá-lo à onda de assassinatos. Entretanto, no calor do momento, pouco a jovem pudera fazer a respeito. Tivera de escrever os nomes de seus inimigos na folha do caderno rapidamente, já que eles poderiam ter se voltado para ela a qualquer instante. Era certo que não tivera tempo para pensar: fora obrigada a matá-los antes de ser morta. Especificar os detalhes do fim dos três ocultistas sem dúvida teria lhe custado a vida.

Pensando que fizera o que estivera ao seu alcance, evitando se culpar pelo erro que agora atraía para a França a atenção das autoridades internacionais, Justine sentiu-se um pouco melhor. Não conseguia afastar, no entanto, a idéia de que talvez se precipitara demais ao tentar caçar o “Maníaco do Louvre” sozinha. Além de ter corrido imenso risco de morte e se exposto demais, gerando as indesejadas suspeitas que agora a perturbavam, o acontecimento constituíra grave golpe à autoconfiança da moça. A certeza de sucesso que sempre a acompanhara desde que encontrara o Death Note abalou-se. A possibilidade de falha se tornava tangível, próxima, trágica. Mas, se houvera algo bom naquilo tudo, além da merecida eliminação de Pasquale e seus asseclas, fora a descoberta da real natureza de Masuku, que não hesitava em agir contra as instruções de Clare, além, é claro, da existência da misteriosa figura de Nise. Com os dois Shinigamis em mente, ressurgiam também as infindáveis questões envolvendo-os, desde o que outrora foram, passando pelo que escondiam, até o destino que aguardaria Justine depois de sua morte.

Procurou, no entanto, afastar temporariamente tais reflexões, as quais poderiam contribuir apenas para piorar seu estado de nervos. Tinha de se focar agora em não parecer suspeita a ninguém, criar novos álibis e agir com cautela redobrada a partir de então. Ela não seria pega. Lutaria com todas as forças para manter-se livre e incólume, desempenhando sua função de juíza até o fim. E, caso se visse cercada, não hesitaria em liquidar quem quer que fosse em nome de sua meta.

Já estava chegando à sua sala de aula, a pele aos poucos retomando a cor e seu corpo voltando a relaxar. A tensão passava, felizmente, ao contrário da gripe: a órfã levou uma mão à boca para conter violento espirro. Tornando depois a caminhar, atentou bem para as pessoas no caminho de poucos metros que ainda restava até a classe: uma simpática faxineira grisalha de uniforme impecável, rumando ao banheiro enquanto segurava uma vassoura, a linda e simpática senhorita Eleanor LeBeau, cabelos negros e sedosos, professora dona da cadeira de História do Brasil na Sorbonne, uma dupla de alunos morenos que conversavam animadamente sobre futebol, um senhor careca, talvez professor, carregando uma pilha de pastas embaixo do braço... A sensação de Justine estar sendo observada por eles subitamente passara, como se realmente nunca houvesse estado além da intensa preocupação da garota.

Mais leve e animada, ela adentrou a sala, atravessando-a sem pressa – pois a aula ainda não começara – até seu lugar, ao lado do qual Paule já se encontrava devidamente acomodada. Clare sentou-se, colocou suas coisas em cima da bancada e, sem dirigir palavra à amiga, aguardou alguns instantes até que ela indagasse, exatamente como previra:

         Está tudo bem, Justine? Você faltou ontem...

         Eu peguei uma gripe forte – replicou a loira de modo um pouco atravessado, voz nasalada devido ao nariz entupido. – Gostaria de pedir que me empreste suas anotações de aula depois...

         Estive pensando em passar na sua casa hoje à tardinha, aí poderá copiar tudo lá mesmo. Que acha?

         Passar em minha casa? – a neta de François procurou disfarçar seu descontentamento com a idéia.

         Isso. Faz tempo que não vou até lá, e sinceramente, estou preocupada com você. Tem agido de forma um tanto estranha nos últimos dias. Acredito ser a hora de termos uma conversa de mulher para mulher.

         Como assim?

         Justine, eu sei que está com problemas... Como sua amiga, quero ajudá-la, mas para isso é preciso que se abra comigo... Por que não podemos conversar?

Era incrível! Parecia mesmo haver um cerco se fechando em torno de Clare! Será que estaria tão evidente seu desgaste devido aos imprevistos que vinha encontrando em seu plano?

Pensou velozmente. Caso recusasse a proposta de Paule, apenas causaria mais suspeitas e faria com que a amiga, desconfiando de si, se intrometesse ainda mais em seus assuntos. Com o devido cuidado, não haveria problemas se a colega passasse algum tempo em seu quarto ao final daquele dia. Afinal, ela só poderia ver e ouvir Masuku se tocasse o Death Note, coisa que Justine jamais permitiria que ocorresse. Bastaria a esta última ignorar o deus da morte pelo tempo em que a amiga permanecesse no local e ele, certamente, compreenderia sem demora a situação, contribuindo para não ser descoberto. Não existia razão para temor. Agir com naturalidade em relação a Paule apenas contribuiria para que a órfã não fosse alvo de ressalvas. Tinha de reassumir as rédeas dos acontecimentos.

         Está bem, pode ir... – a loira respondeu por fim. – Mas irei apenas copiar suas anotações. Nada de conselhos, ainda mais sobre garotos!

         OK! – Delacroix anuiu num sorriso, ao mesmo tempo em que uma professora adentrava o recinto.

A docente, mulher de aproximadamente quarenta anos, cabelos castanhos e terno azul-escuro, a qual já era familiar aos alunos, seguiu até a mesa diante da lousa, colocou sobre ela sua bolsa e, com os braços cruzados, deu alguns passos diante da classe antes de falar:

         Bom dia. Vocês me conhecem, sou a professora Irene Saint-Marcel, e dou aulas de História do Direito. Hoje, de acordo com o cronograma da universidade, vocês deveriam estar com o professor Pasquale, porém ele infelizmente sofreu um acidente e não pôde vir. Por isso o estou substituindo nas aulas de Filosofia do Direito até que se recupere. Segundo me consta, vocês iniciaram a leitura do livro “Vigiar e Punir”, de Michel Foucault, certo?

         Isso mesmo – confirmou um aluno sentado numa das primeiras fileiras.

         Certo. Podemos começar. O autor inicia o livro contrapondo a bárbara execução do jovem Damiens, ocorrida em 1757, ao regulamento de uma prisão de Paris estipulado cerca de três décadas mais tarde. Faz essa comparação para situar o final do século XVIII e início do XIX como uma época de reformulação dos códigos penais, e...

Justine não conseguia se atentar à explicação da professora. Como as autoridades estavam sendo hipócritas em não divulgar publicamente que Pasquale fora um dos ocultistas encontrados mortos nos subúrbios! Por que ocultar os crimes de tamanho sádico que, junto com seu filho, caçava garotas virgens nas imediações do Louvre para oferecê-las em sacrifício a uma divindade macabra? Devido a ele em vida ter sempre mantido a imagem de imaculado acadêmico? Ou pela razão do sistema não desejar que a população soubesse que um de seus maiores expoentes fora capaz de tantas atrocidades? Quando a verdade viria à tona?

Bufando, Clare tossiu, concluindo que ainda havia muito a ser mudado naquele mundo pestilento. Por isso não podia parar de agir até que tudo estivesse transformado. Sua missão era de suma importância para evitar a total degradação da humanidade, e seus agentes corruptores não conseguiriam impedi-la!

Ela não seria pega.

 

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O inconformismo me domina

A indignação me impele

Este mundo está caótico

O mal domina livremente

 

Liguei hoje a TV

Mais um maníaco solto

Pena das vítimas que fará

Raiva do sistema que o favoreceu

 

Madame Guilhotina, faça justiça!

Reestruture este mundo de ponta-cabeça

Puna quem mereça, Madame Guilhotina

Sua justa lâmina está sedenta!

 

Madame Guilhotina, você me ouve?

Meu clamor impele seu mecanismo

Puna a todos, Madame Guilhotina!

O mundo lhe está pedindo socorro

 

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Prévia:

 

Reiterando as reflexões a respeito da rapina reproduzida por repugnante “Reaper”, que reluta em reconhecer sua rapsódia como rançosa repetição da repentina resolução em retalhar dos raivosos reis a romperem regras respeitadas, resume-se que como refém de seu regrado raciocínio se reiterou este rápido ratoneiro!

 

Antes da Ressurreição, há a Revelação!

 

Próximo capítulo: Revelação


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