Kit Black: Viajantes De Mundos escrita por Dama dos Mundos


Capítulo 3
Remorso/Parte I


Notas iniciais do capítulo

Terceiro capitulo....



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“Alyson, acorde”.

“Não quero”

“Mas precisa. Estamos chegando a Europa”.

“Quem é você?”.

“Alguém muito especial na sua vida”.

“Mas... quem?”.

“Não convém que você saiba agora... mas vai descobrir”.

“E vai demorar muito tempo para isso?”.

“Talvez. Lembre-se que o tempo foi criado pelos seres humanos, na tentativa fútil de dizerem que vivem muito. No fundo, o tempo não existe. Mas isso não quer dizer que você está mais perto de saber quem eu sou ou quem é. A vida é feita de instantes. E o seu ainda está longe de começar. Ainda.”

“Eu não gosto de esperar”.

“É preciso paciência na arte de aprender. Por isso, também precisa acordar”.

“Eu não sei o porquê, mas... às vezes tenho vontade de deitar, fechar os olhos e nunca mais acordar”.

“Esse é um pensamento um pouco egoísta. Eu sei o que se passa em sua mente e em seu coração. Também sei porque não quer despertar. Mas acredite, dormir pela eternidade não é o melhor jeito de resolver essa situação. Acredite em mim... Vai passar”.

“Tomara que esteja certa”.

“Eu estou. Agora você precisa despertar para a vida que segue. Precisa abrir os olhos e enfrentar seus medos, por mais uma vez”.

Alyson abriu os olhos e a claridade inesperada a cegou momentaneamente. Ela piscou repetidas vezes para se acostumar com a luz, se ajeitou na cadeira e espreguiçou-se. Estava pensativa. Perguntava-se de quem seria aquela voz que sempre se manifestava quando ela mais precisava. Nos momentos mais sombrios de sua existência. Na primeira vez que se manifestou parecia ser de uma mulher incisiva, que não tinha receio de revelar sua morte.

Mas desta vez era calma e tranqüilizadora. Como a de uma mãe, que se concentra em passar uma lição importante para a filha, da melhor maneira possível. Olhou pela janela e teve a agradável sensação de poder constatar que a Europa estava entrando no seu campo de visão.

Foi tirada da sua admiração por Cloe, que a cutucou com uma caneta. Tinha os cabelos cacheados presos em um rabo-de-cavalo, e segurava uma daquelas revistas de palavras cruzadas. -Bom dia, Bela Adormecida. Pensei que tinha desligado de vez.

–Quem me dera.

–Olha, sem querer me intrometer na sua vida, mas...

–Mas?

–Brigou com o príncipe encantado, foi? -Perguntou Cloe, num fio de voz, enquanto apontava a caneta para Kem.

–Acho que não é tão príncipe encantado assim. Transformou-se num sapo da noite para o dia. -Alyson resmungou, num sussurro.

–Você ouviu o que ele tinha para dizer?

–Ouvi. Por isso estou assim.

–Se eu fosse você, ia conversar com ele. Seja lá o que for que o Kem disse, pode ter sido sem querer. Sem pensar.

–Eu não sei... Estou muito zangada com ele. E não quero perdoar, nem voltar atrás na minha palavra.

–Mas, Ly… -A jovem fez uma cara enfezada ao ouvir o apelido, mas Cloe a ignorou, continuando: -Não deve jogar no lixo uma coisa que você quis tanto conseguir.

–Tem certas coisas que não podem ser perdoadas, Cloe.

–Eu sei... Olha só com quem você está falando, eu nunca fui conhecida por ser especialista em romance. Só Deus sabe quantos erros eu cometi em dois anos. Você só sabe de alguns. Mas você... Sei lá, o Kem te olha de uma maneira que eu sempre desejei que olhassem para mim. Sei que a vida é sua, mas cuidado para não fazer uma escolha da qual você vai se arrepender mais tarde.

–Pode deixar, eu vou pensar bem. Mas não quero falar com ele, por enquanto. Pode dar tudo errado, nós dois brigarmos mais uma vez e a situação pode ficar pior. -Comentou Alyson, levantando-se com Cloe e indo para o pequeno compartimento de cargas, onde estavam alguns alimentos que eles compraram na última parada.

–Mas deixando essa história para lá e voltando para a viagem, vamos descer daqui à uma hora. -Disse Cloe.

–Já?

–Ora essa, você acha mesmo que vamos passar por Paris e não vamos aproveitar a oportunidade?

–Paris, é? -Repetiu, e as duas cantarolaram, brevemente: -Ulala!

–E vamos dar uma paradinha em Veneza também, então não se espante.

–Espantar? Essa é a melhor viagem que eu já fiz na minha vida. -Admitiu Alyson, completando, fechando os olhos e abrindo um sorriso: -Veneza e Paris!

–Não se empolga muito não, é só uma PARADINHA. Lembra, não podemos perder tempo. -Avisou Cloe, abrindo uma lata de Pepsi e colocando um canudo dentro.

–Mas é claro que não. -Se defendeu a jovem, fazendo o mesmo que Cloe e sugando o refrigerante. -Eu nem pensaria em deixar Diamante em segundo plano para passear em Veneza.

–Sabe que não foi isso que eu quis dizer. É que você anda meio distraída, só isso. -Desculpou-se Cloe, pegando um pedaço de bolo junto com Alyson e a acompanhando até a cabine, onde Kem dirigia e Crós tentava explicar os efeitos da poção “luz da meia noite” para Sacha, sem muito êxito.

–Bom dia para vocês. -Saldou Alyson, sentando-se ao lado de Crós. -Por que não tira essa capa, está muito calor.

–Estou bem assim. Acredite.

–Ah, eu acredito sim, se acredito. –Ela retrucou, torcendo as mãos onde minutos antes estava um pedaço de bolo.

–Você tem que se acostumar a acordar cedo, pirralha. Lá na Sede Black você não vai ter essa moleza não, viu?

–Tá me chamando de preguiçosa, é? -Perguntou a jovem, ficando escarlate.

–Não, só estou fazendo um comentário inocente. -Alegou Crós, calmo como se nada tivesse acontecido.

Kem fez um esgar e concentrou-se novamente nos controles da aeronave. Cloe, que havia se encostado na poltrona dele, abaixou a cabeça discreta e murmurou no seu ouvido: -Fica esperto. Vai perder ela se não resolver agir.

–Eu já me acalmei, já refleti e já me arrependi. -Protestou Kem. -Quer que eu faça mais o quê?

–Fale com ela.

–Para quê? Para brigarmos de novo? Olha eu gosto muito dela. Muito mesmo...

–Dá pra ver.

–Mas eu sei que estou fazendo ela sofrer. Entende? Se é melhor para ela ficar longe de mim, então vou me afastar.

–Chegou a essa conclusão faz muito tempo?

–Na realidade, pensei nisso agora.

–Viu só? Você não pensa muito antes de dizer certas coisas. Faz o seguinte: pensa com carinho em todos os detalhes e fala com ela... Não custa nada. -Aconselhou Cloe, e, abaixando mais ainda a voz, avisou: -E de preferência, não demora muito não, porque daqui a alguns minutos vamos descer em Paris. E sabe que aqui está cheio de rapazes lindos e românticos. Se não tomar cuidado, Kem, outro vai acabar pescando o seu peixe.

–Vou me lembrar disso.

–Pro seu bem, acho bom lembrar mesmo. -Ela concluiu, e se afastou.

T ZT ZT ZT

–Aaron! Aaron, onde raios você se enfiou? -Berrava a plenos pulmões uma jovem de 17 anos. Ela parou no meio do corredor, inspirou profundamente e gritou novamente: -AARON!!!!!

–O que foi, o que houve? -Retrucou um homem de 25 anos, cabelos arrepiados e olhos azuis imponentes. -Oi, Dayana.

–Onde você estava, em? Procurei você na Sede Black inteirinha!

–Sala das Máquinas, subterrâneo, ala B. Satisfeita? Agora me explica porque você está berrando o meu nome aos quatro ventos.

–A Iris está te chamando. Disse que é urgente. -Dayana respondeu, prontamente.

–Onde ela está?

–Conversando com o Senhor do Palácio de Granito... Pelo computador.

Aaron deu um sorriso amargo e retrucou: -Estou indo... Por mais que ver aquele idiota me doa.

–Ele não é uma pessoa má.

–É. Mas poderia estar aqui agora se não fosse tão tolo.

–Também acho isso, mas...

–Você é jovem demais para entender, Dayana. Até mais... -E, dizendo isso, se afastou.

Aaron atravessou o corredor, deu um “olá” básico para Taylor (outra integrante da equipe), e entrou na saleta em que ficava o computador. Iris tinha acabado de cortar a ligação com o Palácio de Granito, o que fez Aaron dar um suspiro antes de entrar na saleta. Ele pigarreou para avisar a comandante que havia chegado e foi para seu lado. Iris estava lívida, os olhos fixavam o nada e parecia que um caminhão a havia atropelado.

–Ainda não chegou?

–Ainda não. Isso está me cheirando à encrenca. -Retrucou Iris enrolando uma mecha de cabelo no dedo indicador. -Já mandei o Crós buscá-la há dois dias. Ele devia ter se comunicado.

–Talvez as ondas transmissoras dos nossos comunicadores não estejam conseguindo ultrapassar a fronteira com o Mundo Real. -Sugeriu Aaron, despreocupado. -Sabe que nossas ondas são um pouco diferentes das do lado de lá.

–Claro, claro, sei disso, Aaron. Mas... Sei lá, não estou com um bom pressentimento. Estou encucada desde anteontem com alguma coisa, e não sei com o que.

–Talvez não seja por causa da demora.

–Pois é. Mas é bem melhor prevenir do que remediar. Vou tentar mais uma vez fazer contato. Mas também tem outra coisa que está me intrigando.

–O que?

–Haradja não anda dando sinal de vida. Faz um bom tempo que ela não tenta sair da Torre da Perdição. Não tentou mais botar as patas para fora do seu domínio... É estranho.

–Tenho que concordar. Deve estar tramando alguma.

–Com toda a certeza. Temos que ficar de olhos bem abertos, meu amigo. Arregalados, se preciso.

Aaron assentiu com a cabeça e perguntou: -E quanto à prova de amanhã?

–O Caminho da Ilusão está pronto?

–Quase.

–Sem problemas então. -Alegou Iris, dando um sorriso e completando, outra vez sombria: -Nicolas disse para vocês ficarem aqui na Sede. Haradja pode atacar enquanto eu e Crós monitoramos a prova.

–Você só pode estar brincando se acha que eu vou obedecer a uma ordem dele.

–A ordem é minha. Ele só concordou. Agora anda logo e avisa aos outros. -Ela mandou e virou-se para o computador novamente.

Aaron fez uma careta de insatisfeito, mas não ponderou. Apenas disse um “sim, senhorita”, totalmente desnecessário e saiu da sala. Quando a Iris dava uma ordem, era bom que obedecessem. Todos, de preferência. Você, caro (a) leitor (a) já deve ter ouvido falar no ditado: “Manda quem pode, obedece quem tem juízo!”.

No caso da Iris, ele se encaixava muito bem. E falando nela, uma sombra de preocupação invadia seu rosto, enquanto fitava sem enxergar a paisagem que formava o papel de parede do monitor.

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–Droga! -Resmungou Cloe, enquanto massageava a mão que ela havia cortado, sem querer, com uma faca. O sangue começou a brotar do ferimento, fazendo a jovem xingar feito uma possessa. Ela estava tentando desencapar uns fios, e a faca escapou de seus habilidosos dedos, indo cravar-se, como já foi dito, na sua mão esquerda. Lágrimas vieram aos seus olhos, tornando a sua visão um pouco embaçada.

Desse jeito ficava meio difícil ela divisar onde estava a caixa de primeiros socorros, a qual havia deixado ao lado de si por desencargo de consciência. -Mas que droga... -Ela secou os olhos com o dorso da mão boa e conseguiu finalmente ver a caixinha (que estava na posição justamente contrária a aquela que Cloe estava olhando, minutos antes).

Sem se alarmar, pegou rapidamente uma gaze, limpou o sangue, aplicou um pouco de álcool e fechou o ferimento com outra gaze. Passou uma faixa rapidamente para ter certeza de que ia ficar bem seguro, prendeu com esparadrapo e olhou de soslaio para os fios, a maioria desencapada, que tinham feito ela perder seu precioso tempo.

Sem demora guardou-os. Era melhor deixar para outra hora, antes que ela acaba-se cortando a outra mão. Pensou com alegria que logo estaria em Paris. Se você, caro (a) leitor (a) procurar um Atlas vai perceber que nem de longe Paris e Veneza estão em meio caminho da Inglaterra. Não, isso não é um erro de calculo. O que aconteceu é que durante a manhã, Kem e os outros (exceto Alyson, que estava dormindo), receberam um comunicado de uma agencia de vôo avisando que seu avião ia passar por aquela rota original, mas ou menos na mesma hora em que eles passariam também por ela. Pra evitar discussões desnecessárias, Kem mudou o rumo, dando a volta, e entrando na Europa pelo espaço aéreo Francês.

Cloe foi para a cabine onde os outros estavam. Alyson tinha o pensamento longe, muito longe mesmo, perdido no vazio da sua própria mente. Kem estava concentrado na direção, como sempre. Sacha fitava tranqüilamente as unhas, pintadas de rosa berrante. Crós lia um livro calmamente, sentado na cadeira do co-piloto. O silêncio mortal só era rompido pelo motor do avião. Cloe olhou para um de cada vez e parou junto a Sacha, que tirou os olhos da sua mão dizendo um “oi” para cravá-los na mão enfaixada de Cloe. Fez uma careta de quem não entendeu nada, o que era bem típico.

Kem quebrou o clima estranho avisando, em alto e bom som: -Vamos pousar. -E completando, fazendo voz de comissária de bordo: -Senhores passageiros, por favor dirijam-se aos seus devidos bancos e apertem os cintos.

Todos obedeceram prontamente, dando boas gargalhadas, menos Alyson, que se sentou calada e se afundou em sua “semi-inconsciência” novamente. O hidroavião começou a descer lentamente, e logo eles puderam ver a Torre Eifel ao longe.

T ZT ZT ZT


O avião pousou em um lago, perto do Arco Do Triunfo, e todos saíram juntos. Logo estavam andando pelas ruas movimentadas, os olhos sendo iluminados pelo sol e pelas fachadas de beleza rara ao seu redor.

Alyson abriu um sorriso de admiração enquanto passava, mas logo se controlou. Tinha coisas mais urgentes para pensar... Entre elas perguntas urgentes ainda sem resposta plausível.

–Vamos tentar não ficarmos muito tempo por aqui, crianças… -Dizia Crós, antes de ter sido interrompido por olhares ameaçadores. -Perdão, jovens. Ainda temos que procurar um amigo meu em Veneza, e pretendo que todos nós atravessemos o portal ainda hoje.

–Ok, Já entendemos. -Replicou Cloe, ajeitando a boina em estilo parisiense.

Alyson tinha ficado mais atrás e, com um olhar assustado, viu uma sombra negra passar bem ao seu lado. Ela seguiu-a com o olhar e viu o ser virar uma esquina. Continuou observando pelo canto dos olhos, enquanto andava para frente. Kem, que vinha logo a sua frente, também sentiu algo e virou-se. Os dois se chocaram.

–Posso saber o que você pensa que está fazendo? -Perguntou Kem, olhando em volta, provavelmente em busca da fonte de energia maligna. A garota, que já se preparava para ir atrás da sombra antes da colisão, se desconcentrou e o encarou: -Eu? Foi você que virou do nada e ainda por cima sem avisar...

–Se estivesse olhando para frente em vez de para as vitrines isso não teria acontecido.

–Eu não estava olhando para as vitrines... –Ela protestou. -Espera ai, você não viu?

–Não vi o que?

–A sombra... Passou do nosso lado.

–Eu senti alguma coisa passar por mim. Apenas isso.

–Deixe-me adivinhar... Acha que estou louca?

–Vai começar... E você não disse que ia fingir que nunca me conheceu? Vamos logo, antes que o Crós fique reclamando.

–Francamente! Tenho certeza que não é com o Crós que está preocupado, não é?

–Francamente digo eu. Você está ficando paranóica!

–Eu discordo. Diria que está com medo.

–Com medo de que, sua fedelha desequilibrada? -Questionou Kem virando-se e apertando o passo para alcançar os outros. Alyson foi ao seu lado...

–Você gosta de mim, Kem, pode negar até para si mesmo o quanto quiser. Tem medo de que eu conheça aqui alguém muito melhor do que você, e que eu prefira ficar aqui com ele a ir contigo. Tem pavor de me perder. Negue, se puder.

Kem continuou calado, seu rosto impassível. Ela questionou: -É verdade, não é?

–Não, você está completamente enganada. -Era uma grande mentira, e ele estava ciente disso.

Alyson calou-se e ficou remoendo sua dor em silêncio. Então, tudo que ele lhe dissera depois de ela ter voltado à vida era mentira? Era complicado... Muito complicado. Eles se juntaram aos outros. Estavam à frente da Torre Eifel. Um rapaz claro, de cabelos acaju e olhos claros estava sentado confortavelmente numa cadeira. Devia ter a idade de Kem. Na sua frente havia uma mesa e mais três cadeiras. Ele usava uma boina preta, um sobretudo marrom sobre uma camisa comum branca e calças jeans.

Em suas mãos repousava um falcão, de penas escuras e olhos tão aguçados como deviam ser as garras que se prendiam a mão do rapaz, sem machucá-lo. O passaro era um exemplar dos menores, mas mesmo assim apresentava uma postura de dar medo, uma graciosidade digna de sua espécie e ar de indiferença, apesar de estar atento a tudo em seu redor.

A prova do ultimo item veio quando o grupo se aproximou: a ave piou alto e girou a cabeça para o rosto do dono, piando pela segunda vez, agora mais baixo. O rapaz pareceu entender o recado, porque logo olhou em direção ao grupo. Cloe sentiu um arrepio. Apesar de ser um olhar inocente, penetrava tão fundo como o do falcão. Era quase desconfortante. Parecia que ele poderia ler o que se passava na mente dela só com olhos.

Ela desviou os olhos e ele voltou a olhar para o magnífico monumento a sua frente. Seus lábios se contraíram levemente e ele disse, numa voz cristalina: -Merveilleux, non? -Mas notando o silêncio e a cara de “em? Eu não falo Francês” deles, repetiu em português: -Maravilhosa, não?

O grupo se entreolhou. De que ele estava falando?

Alyson, um pouco mais ligada agora, acotovelou Crós de leve e informou, de um modo que só eles pudessem ouvir: -A Torre Eifel. Ele está falando da Torre Eifel.

O feiticeiro ficou visivelmente constrangido e replicou, no mesmo tom: -Eu sabia.

–Sei, vou fingir que acredito. - Retornou a jovem, debochada. E se aproximando do desconhecido, respondeu, finalmente, a sua aclamação: -É, concordo com você.

Ele deu um sorriso satisfeito e fitou o grupo de novo. Principalmente, claro, a bela garota de cabelos negros e olhos castanho-esverdeados que o respondeu. -O que cinco brasileiros andam fazendo por aqui?

–Como sabe que viemos do Brasil? -Questionou Cloe.

–Vocês falam português mas não tem aquele sotaque forte de Portugal. E conheço um brasileiro quando vejo um. É uma questão de… Jeito de ser. -Ele respondeu. -A propósito, meu nome é Francis. E vocês, quem são? -Ele levantou-se, e o falcão alçou vôo, indo pousar na Torre, mas sem desgrudar os olhos do dono.

–Me chamo Alyson. -E, fazendo um sinal vago, apresentou os outros, completando depois: -É um prazer conhecê-lo.

–Digo o mesmo, mademoiselle. -Alegou Francis, pegando a mão de Alyson e beijando-a, olhando em seus olhos, ardentemente.

Cloe olhou de imediato para Kem, que fitou o céu com ares de “eu não precisava ver isso” e pelas aparências, zangado. Sacha soergueu as sobrancelhas, e Crós sacudiu levemente a cabeça, replicando: -Jovens!

Alyson, sem jeito, tirou a mão das dele.

–Mas então, o que pessoas como vocês fazem aqui?

–Turismo. -Responderam todos, ao mesmo tempo (não deixava de ser uma verdade, em parte).

–Podem dizer a verdade. Sei bem o que vocês não estão aqui para ver maravilhas de arquitetura, ainda mais porque Crós está os acompanhando. Conheço esse feiticeiro de longa data. Não é, colega? -Alegou Francis, olhando para ele.

As meninas e Kem se viraram no mesmo instante para Crós que, sempre envolto em sua capa e seu capuz, não deixava ver a expressão de surpresa que havia em seu rosto. De repente pareceu lembrar-se, pois deu uns passos à frente e retirou o capuz, para a extrema surpresa dos seus acompanhantes. Isso porque seu rosto era a coisa mais surpreendente que os outros viram: os olhos amarelos, de gato. Duas grandes orelhas negras, um bigode felino, dentes afiados como de um vampiro. Ele tinha aparência de vinte e sete anos, mas poderia ter mais. Os cabelos eram negros lisos e compridos, presos em um rabo de cavalo pequeno. Parecia mais meio gato do que a Alyson transformada.

–Uau! -Deixou escapar Cloe, enquanto os dois se encontravam e davam um abraço camarada. -Você diria que ele é um gato, Alyson?

–Nem passou pela minha cabeça. -Confessou a garota, sem parar de olhar o feiticeiro. -Era por isso que ele andava sempre de capuz.

–Gato nos dois sentidos. Pena que é velho demais pra mim. -Contestou Sacha.

–Sacha! -Repreenderam os três.

–E se verem ele? -Questionou Kem. Crós devia ter escutado, pois voltou para ele o olhar e tranqüilizou: -Fica frio. Tem uma barreira de proteção aqui em volta que nos torna invisíveis a olhares comuns. Porque não pensei nisso antes?

–Podem explicar essa confusão toda, vocês dois? -Retrucou Cloe.

–Simples. Francis é um feiticeiro de Diamante, como eu. É o guardião das pedras mágicas.

–Um guardião?

–Do outro mundo?

–Aqui?

–Pedras mágicas?

Kem, Jade, Cloe e Sacha perguntaram, sem entender.

–É, um guardião. Que guarda algo. -Disse Francis, respondendo a pergunta de Kem.

–Sei o que significa. -Retrucou o rapaz, fechando a cara.

–Não foi isso que ele quis dizer, Kem. -Avisou Crós. -Retornando as explicações: Francis nasceu em Diamante, e é um viajante de mundos. Deveria estar em Veneza, mas isso não vem ao caso agora. Repetindo, ele é um feiticeiro poderosíssimo, como eu, e um guardião competente. Quanto às pedras mágicas, são pedras que são usadas para trancafiar um imortal. E a imortal em questão é Haradja.

–A assassina? -Perguntou Alyson, de imediato.

–A própria. Pois, para o nosso azar, ela é imortal. São sete pedras: rubi do fogo, quartzo do ar, topázio da terra, água-marinha da água, diamante de luz, Ametista das trevas e berilo das asas. Contida em cada uma delas está uma criatura mágica. Todas elas juntas formam a pedra da guerra, que pode prender Haradja em seu interior pelo tempo que a pessoa que estiver controlando-a desejar.

–Que ótimo. Tenho que deter uma assassina sanguinária, cruel e muito forte, e advinha: ela é imortal! -Enumerou Alyson, de mau humor, e completando, sarcástica: -Estou adorando isso!

–É melhor esfriar um pouco. -Ponderou Crós.

–É sério, Crós, como você espera que eu bata de frente com uma imortal? Não consegui nem vencer você!

O feiticeiro olhou-a de cima a baixo contrariado e alegou: -Vou considerar isso como um elogio.

–Não foi isso que eu quis dizer. -Ela se desculpou. -Se eu não consigo ganhar dos mortais, quem dirá de alguém que não pode morrer?

–Para isso serve as pedras. Acha que as temos só por esporte?

–Mas como vocês as conseguiram, falando nisso? -Questionou Kem, interrompendo Alyson, que ia responder, e muito mal.

–Com um pouco de sorte, eu acho. Essa história vai ficar para um outro dia. -Emendou o meio-gato, dando um bocejo. -Não podemos demorar muito por aqui. Não querem dar uma volta antes de partirmos?

–É uma boa... - Cloe foi interrompida por um pio agudo do falcão de Francis, que desceu do seu observatório suavemente e pousou no braço estendido do dono.

–O que foi, Hunter? -Interrogou Francis. A ave bateu furiosamente as asas por alguns segundos e piou outras vezes, tão agudamente que Alyson e Cloe precisaram tapar os ouvidos, por serem as duas com a audição mais sensível. Hunter finalmente calou-se, começando a movimentar a cabeça, fitando todas as direções possíveis.

Cloe destapou os ouvidos. -O que foi isso?

–Estamos sendo cercados. -Respondeu Francis, acariciando o passaro, para tentar acalmá-lo.

–Pelo quê, exatamente? -Perguntou Crós, vendo o colega puxar uma besta de uma grande mala, abaixo da mesa.

–Avantesmas. -Ele respondeu, completando: -Deixam os animais muito nervosos. Afinal, animais são... Muito sensíveis a presenças ruins.

–Avantesmas? -Questionou Cloe.

–Espectros... Das trevas. São comuns por aqui. Não são um problema muito grande. -Explicou Francis, colocando uma flecha prateada na besta e virando-se para os outros. Hunter, que repousava no ombro dele o tempo todo, alçou vôo e ficou rodeando o grupo, lá em cima.

–Estariam do lado de Haradja? -Crós perguntou, olhando para a tropa de avantesmas que chegava mais perto. Eram sombras que tomavam forma humana, de olhos vermelhos e cimitarras nas mãos. Alyson reconheceu prontamente o que era aquilo que passara ao seu lado minutos antes. Já Kem também reconheceu a sensação maligna tomar novamente conta de seu corpo.

–Se estiverem, aí sim estaremos com problemas sérios. -Disse Francis, finalmente respondendo a pergunta de Crós.

Alyson fez uma careta e, instintivamente segurou o cordão, dando um passo atrás e se transformando. Sentiu seu corpo ser tomado por expectativa. Como se a guerra a convoca-se. Um desejo latente e selvagem de lutar, de brandir uma espada, de despedaçar seus inimigos. Estava começando a libertar o felino que residia em seu interior.

Francis jogou para ela dois bastões metálicos de meio metro. A jovem pegou-os e olhou para ele, que deu um sorriso e alegou: -Para não despedaçarem o seu lindo rosto.

Ela franziu levemente as sobrancelhas. Como se precisasse. Agradeceu com um aceno de cabeça e rodou os bastões entre os dedos. Eles se abriram em dois leques, de pontas aguçadas, lados afiados e revestidos por prata. A garota se surpreendeu, parou o movimento e olhou para as armas, e depois para seu dono. Este devia estar se divertindo com a cara que ela fez, pois deu uma risadinha e garantiu: -É quase indestrutível. Palavra de escoteiro.

–E você foi escoteiro?

–Nos tempos remotos da minha existência. -Ele proferiu, como se estivesse decepcionado.

Ela se perguntou quantos anos ele teria e como deixar claro, sem o magoar, que não estava interessada.

E, como uma onda descomunal, como uma tempestade de areia... Os avantesmas atacaram.


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Notas finais do capítulo

Rewiels?



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