Cárcere Das Almas escrita por Wendy


Capítulo 18
Capítulo 18 - Though I'm rather blind




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- Por hoje terminamos. – Disse o garoto guardando o material no estojo de pano.

O rapaz limpava os dedos manchados de grafite numa flanela de bolso tentando desviar o olhar de Marie. O trabalho estava quase terminado e já não tinha motivos para olhá-la naquela situação por outro motivo.

- Eu não sei o seu nome. – Disse Marie cobrindo-se rapidamente com o hobby.

- Walter...

- Bem, Walter, eu não sei se tem vaga para terminar o desenho na semana que vem, o Jacques...

- Fique despreocupada, meu patrão marcou outro encontro no final dessa semana, pela tarde, se não me engano. Vamos conseguir terminar esse desenho bem rápido. Quer ver?

Ele ofereceu o rolo de papel, estendendo-o até suas mãos. Era a primeira vez que Marie tinha a oportunidade de ver o produto de seu próprio trabalho. Pensou em recusar por alguns segundos, por medo, talvez tomasse um susto e caísse dura no chão ali mesmo.

Desenrolou o rolinho e viu traços, rabiscos, sombras que moldavam seu corpo. Diferente do que pensava, os desenhistas não denotavam sempre o mesmo ambiente, o mesmo divã, tomavam apenas Marie como referência e inventavam outro cenário – se não estivessem tão alucinados e acabassem desenhando apenas seu corpo.

Walter substituiu o divã por uma cadeira de madeira e os tapetes de retalhos – onde ela estava sentada – por um tablado de tacos, comoo os de teatros.

- Diga alguma coisa, por favor. – Pediu espiando o desenho também.

- É que... Eu nunca tinha visto um desenho meu. Eu sou assim mesmo? – Perguntou passando os dedos levemente sobre as curvas da cintura.

- Pessoalmente é mais bonita, com todo respeito.

Walter sorriu, enrolou o desenho novamente e guardou dentro da bolsa transpassada no peito. Baixou a aba da boina e saiu pela porta sorrindo. Não deu tempo de agradecer, Marie ficou atônita, segurando com força o nó que tinha feito no laço do hobby.

Escondeu-se atrás do biombo e começou a trocar a maquiagem. Os cliente nunca gostavam de encontrá-la com a roupa ou acessórios que tinha usado com outros.

- Esqueci de devolver o relógio! – Levantou do banquinho num sobressalto – Mas ele volta até o final da semana...

- Quem volta? – Perguntou uma voz vinda de trás dela.

Virou-se e encontrou Toledo - aquele desenhista abusado – na companhia de Marie que estava de braços cruzados e sustentava uma expressão irritada.

- Nada... Quer dizer, o último desenhista esqueceu uma coisa, mas depois eu deixo com o Pierre. Se ele der falta, volta para buscar. – Tirei os brincos pesados da orelha – Mas o que vocês dois fazem aqui, hein?

- Comprei você por uma hora e meia, e bem, a Claire veio no pacote da promoção.

- Como é que é?

- Pierre contratou mesmo outra garota para ficar na minha sala. Vou depender dos desenhistas quererem duas modelos ao mesmo tempo. – Disse Claire entre dentes.

- Chega de fofoca! Aprontem-se rápido porque tempo é dinheiro. E muito dinheiro por sinal.

Ia começar a vesti-la, mas recuou por um momento Era difícil adivinhar se seu mau humor se dava apenas pela nova modelo ou se ainda era pelo motivo desconhecido de seu aborrecimento de manhã. Desistiu de ajudá-la focando a atenção apenas nos cabelos e trajes.

Toledo gosta de sensualidade, transparência ou – dependendo do dia – nenhuma peça. O estio dele é mais ousado para desenhos, pede muita maquiagem, cabelo geralmente bagunçado. Em suas palavras: “como se implorasse para ser possuída”.

Claire colocou uma garra dourada cheia de pedras no cabelo e vestiu um par de meia calça azul bebe que estava um pouco rasgada nas coxas e nos pés. Não deu espaço para uma conversa, mas talvez fosse isso que quisesse: silêncio.

- E então, como vai ser hoje? – perguntou a Toledo com as mãos na cintura esbanjando sua fartura sem nenhum pingo de vergonha.

Um bolo estranho se formou dentro de sua garganta. O homem se demorou pelo menos três segundos olhando-a dos pés a cabeça. O volume em suas caças aumentou e ela teve vontade de cobri-la e num impulso virar a mão em sua face por tal abuso. A pequena nunca tinha experimentado ciúme, mas constatou que o gosto não era bom logo da primeira vez. Dava sensação de mal estar e pensamentos violentos que não achou que fosse capaz de pensar contra um outro indivíduo agora eram uma quase possibilidade.

Cerrou os dedos dentro dos punhos e esperou pelas ordens atrás dela, contando até dez, apaziguando os hormônios.

- Gostei do cabelo, mas não quero as meias. Vocês não estão combinando em nada, hein? Não tem espelho? Fiquem as duas nuas de uma vez e voltem aqui.

Ela tirou as meias, a tanga ali mesmo e jogou no chão, num canto. Tirou o hobby e pendurou na arara com um pouco mais de dignidade. Claire estava a deixando com raiva.

- Marie, deite-se no divã com uma perna apoiada no chão. Deixe espaço para que Claire apoie os joelhos no estofado e fique sobre você.

Fez o que ele disse e apoiou a cabeça no braço do divã com o coração acelerado pela proximidade do corpo moreno e quente de Claire. Ela não tinha muita estabilidade por fingir estar subindo em Marie – algo que na realidade não duraria mais que um segundo – mas posição deveria permanecer durante horas. Suas mãos estavam apoiadas no estofado também, então tudo de sedutor – além da própria posição – que ela poderia fazer era o olhar.

- Afaste essa mecha para trás da orelha dela, Marie

Quando o fez a morena suspirou. Deu para sentir suas pernas tremerem e vacilarem. O que quer que tenha causado seu aborrecimento derretia ali mesmo, naquele momento. Pode ver em seus olhos o desejo da noite anterior e se sentiu um pouco mais feliz em perceber que Toledo não tinha nada de sua atenção. Somente ela, com meu corpo alvo e magricela. Somente ela com seus cílios loiros e olhos azuis.

Uma sensação gostosa a invadiu durante toda aquela sessão com Toledo. A sensação de abuso. Eram mesmo muito ousadas e abusadas em concordar com aquela posição para um desenho.

- Vocês até que ficaram quietinhas e comportadas hoje. Isso tudo é medo de ser demitida, Claire?

Ela não respondeu e se escondeu atrás do biombo para tirar a maquiagem com algodão. Marie esperou que ele saísse pela porta para abrir os braços e abraçá-la, pensando que teriam um momento para ficar juntas. Nem que fosse o intervalo entre a chegada do próximo cliente, mas ela desviou e manteve os olhos baixos, no chão.

- O que está acontecendo? – Perguntou completamente confusa.

Antes que respondesse, Pierre abre a porta num solavanco e anuncia que Jacques teve um problema e mandou um garoto avisar que não poderia vir e transferiu seu horário para amanhã, às seis.

- E outra coisa... Quero lhe apresentar novamente uma pessoa muito especial. Com certeza não se lembra dela, era muito pequena quando foram apresentadas pela primeira vez... Pilar? – chamou virando-se de costas

Uma moça esbelta e bem alta surgiu atrás de Pierre. Ruiva e branca, tinha nos olhos uma mistura de verde com mel que não dava para ser definido. Olhos de gato. Não era tão nova quanto Marie e já havia passado pela idade de Claire há tempos. Mas a pele bem cuidada não denunciava que estava na casa dos trinta e poucos. O sorriso largo se abriu assim que avistou Marie. Lançou-se para dentro da saleta com passadas rápidas e agarrou pela cintura. Recostou a cabeça entre seus seios e acarinhou os cabelos levemente. Claire observava apavorada quase colocando o coração pela boca uma completa estranha que além de roubar seu trabalho e clientes conhecia Marie – sua grande preciosidade – de longa data.

- Você não se lembra de mim não é mesmo? – Perguntou baixinho.

Pilar era tão alta que curvou as costas para apoiar o queixo na cabeça de Marie que ainda não compreendia o que estava acontecendo, muito menos porque estava sendo abraçada com tanto carinho por alguém que nem conhecia.

- Desculpe-me, mas não... – Disse se afastando para encará-la mais uma vez.

- Pilar é minha filha e foi seu sustento quando nasceu. Se não fosse sua caridade, talvez nem estivesse aqui, Marie.

- O quê? – Perguntou Claire se metendo no reencontro.

- Quando eu tinha quinze anos engravidei do meu primeiro bebe. – Pilar começou a contar segurando a mão de Marie delicadamente – Mas eu o perdi logo depois que nasceu... Eu fiquei muito, muito triste, ainda que fosse jovem para ser mãe eu já amava crianças e queria poder cuidar de uma. Até que na minha esquina uma menininha linda nasceu, uma menininha que tinha muita fome, mas não tinha sorte. Tinha um pai maravilhoso, mas não se podia falar o mesmo da mãe...

Lágrimas tomaram o rosto de Marie junto com a típica vermelhidão nas bochechas que antecedem o choro. Já poderia imaginar o fim da história, ou melhor, sabia com detalhes o andamento da história. Sabia tanto que parecia que era... Ela.

- Então aquela bonequinha de porcelana com vida se tornou parte de mim. O pai sempre a trazia na minha casa para que se alimentasse do meu leite. Benjamin era um homem muito bom. – Parou de falar por um instante olhando a janela – Ele sempre virava o rosto quando eu abaixava a alça da minha blusa para amamentar você.  


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