Cárcere Das Almas escrita por Wendy


Capítulo 14
Capítulo 14 - Self professed... profound




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- Estou tão exausta, Claire... – Disse tomando uma camisola nas mãos, encarando o próprio reflexo no espelho.

Passou o dia inteiro como uma doente. Mal vestida, sem maquiagem, os cabelos livres para ir e vir na vontade do vento. À mercê do pente. Caiam-lhe os fios dourados pelos ombros, dividido para o lado. Começou a organizar a bagunça que fizera na noite anterior na penteadeira, mas tão rápido como começou, interrompeu a tarefa. Não era hora de arrumar nada.

Espiou sobre os ombros Claire tirando os vestidos dobrados de dentro das maletas, pondo-os na mesinha aos pés da cama. Ainda movia-se como um rato assustado, falava pouco. Não era a Claire de sempre. Estava muito envergonhada. Mas nem o silêncio arrancava a gratidão de seus olhos. Notou-se sendo observada e parou de arrumar as coisas.

Encarou Marie com um sorriso entristecido no rosto. Os olhos prestes a transbordar, o rosto cansado, abatido, e aquele penteado tosco que estava para despencar. Preso apenas por um grampo, feito às pressas assim que chegou na casa. Era de dar pena, ela não precisava de palavras, o semblante denunciava o coração devastado.

- Perdão... Eu não ouvi. Que foi que disse?

Marie saltou as malas e a agarrou num abraço caloroso. Tirou o grampo de seu cabelo dando liberdade aos cachos. Acariciou as costas da mesma maneira que Benjamin fizera quando ela tinha descoberto ser odiada pela mãe. É claro que a situação era diferente, muito diferente. Claire tinha perdido tudo, não apenas o amor de mãe. As dores eram distintas em intensidade, mas doíam no mesmo lugar.

Ela sentou a morena com cuidado na beirada da cama e continuou em pé, alisando seus cabelos. Claire descansou a cabeça no ventre da amiga e envolveu as cinturas com o braço.

- Esse é o momento que você tem para lamentar. Não tenha vergonha de chorar, querida. – Murmurou Marie em tom de confidência.

Aquele era apenas o primeiro de muitos segredos que elas iam compartilhar.

- Se não fosse você, eu não sei o que... – tentou começar engasgando-se com o próprio choro.

- Shhh... Não precisa dizer nada. Vou te emprestar uma camisola, tudo bem? Quando a situação melhorar vou lhe comprar muitos vestidos. Vamos ter um alfaiate só nosso! – Exclamou as baboseiras tentando arrancar-lhe um sorriso.

Abriu o armário e escolheu a melhor camisola que tinha. Seda pura num tom calmo de azul. Era confortável, sua preferida. Claire iria gostar, com certeza. Não demorou muito e se percebeu vestindo a morena novamente. As lágrimas tiraram tudo que lhe sobrava de energia, estava bamba. Mal matinha o corpo no eixo...

Apagou a luz e deitou-se ao seu lado embaixo das cobertas e dormiram agarradas exatamente como na noite anterior. A última coisa que pensou antes de sucumbir foi que aquilo se transformasse num hábito ela não se importaria.

 Acordaram atrasadas para o trabalho. Por sorte Hatim tinha trazido pães e queijo fresco da padaria, um tipo de bonificação por ser o entregador. Todos já estavam acordados, cumprindo suas tarefas. Hatim na padaria, Oscar fazendo pequenos consertos na casa e os gatos... bem, os gatos não faziam nada de importante.

Enfiaram metade do pão com queijo na boca e engoliram uma xícara de chá de hortelã o mais rápido que puderam. Trocaram-se, prometeram voltar em casa para o almoço e antes que saíssem pela porta Claire pediu que Marie a ouvisse.

- Precisamos conversar. – Disse parando na frente da porta aberta.

- Estamos atrasadas! Não podemos conversar na hora do almoço? – Marie chegou o corpo da mulher para o lado, girou a chave e guardou-a no parapeito da janela.

- Isso se tivermos hora do almoço hoje. – Disse séria.

- Cristo... O que pode acontecer conosco?

A medida que caminhava Marie apertava o passo, segurava a barra do vestido, ajeitava o cabelo no coque e os seios no decote. Quase saltitava de tão rápido que caminhava. Só faltava mais uma esquina para chegar ao Antiquário de Pierre e então... Se deparar com uma pequena multidão na porta da loja.

- Isso. Isso pode acontecer. – Claire engoliu o seco – Estamos demitidas.

Os cílios enormes de Marie piscavam sem parar. Os homens estavam em volta de Pierre falando alto, debatendo-se. Podia reconhecer a voz mais exaltada, podia reconhecê-la de longe. Podia ter certeza de que nunca se esqueceria do rosto que escarrou.

Jacques, o marido de Bernadeth, o homem que repudiou, xingou e insultou estava plantado bem na frente da porta de seu trabalho, gritando com seu chefe. E não era só ele quem reconhecia, fazendo um esforço via que os rostos dali eram os mesmos mascarados da festa. O senhor Toledo também estava no meio da discussão, mesmo que – ainda – não houvesse sentido.

- Claire... O que está acontecendo? – Perguntou Marie notando os olhares das pessoas que passavam na rua.

Logo uma multidão de fofoqueiros, curiosos, desempregados e mexeriqueiros ia se formar ali. Podiam pensar que Pierre estava passando algum constrangimento – ou melhor, que era um comerciante ladrão. A população ia dar razão a quem? Os homens ricos que reclamavam ou a um velho com fama de avarento?

Decidiu, portanto, tomar uma atitude. Se o seu nome estava na boca dos homens e era o motivo da discussão era melhor que desse logo aquilo por encerrado e não prejudicasse ninguém além dela mesma. 

- Sabiam que você estava comigo. Jacques sabe que trabalho aqui, não foi difícil juntar os pauzinhos... – Cochichou Claire no sopé do ouvido – Ainda dá tempo de sairmos vivas.

Antes que Marie a repreendesse por tamanha covardia o senhor Toledo a apontou e disse:

- Olha, ela está ali!

As vozes se calaram por um segundo e todos, não disse a maioria, eu disse todos os homens vieram para cima dela. Como uma avalanche. Falavam ao mesmo tempo, números, súplicas, benefícios, títulos! Não conseguia entender a finalidade daquilo. Iam processá-la? Tirar sua vida na guilhotina? Acabar com sua imagem e garantir que ninguém de Paris a empregasse, com certeza.

- Calem-se! – Gritou e milagrosamente todos acataram a ordem. – Que algazarra é essa aqui? Estão ofendendo meu amigo Pierre?

Todos começaram a falar novamente, alguns tentaram até segurar sua mão.

- Eu fiz duas perguntas muito simples! E quero que apenas uma pessoa que saiba exatamente o que está acontecendo me esclareça.

Jacques saiu do meio da multidão ganhando espaço entre os demais homens. Sem dúvida era o que tinha melhor título, e portanto, mais respeito perante aos outros. Passou a mão nos cabelos e ergueu a mão sorridente para que ela repousasse a sua. Esperava outra reação de um homem que levou uma cuspida na face. Por que estava sendo gentil? Para maltratá-la depois?

- Vamos entrar. Aqui não é o melhor lugar para termos essa conversa. – Disse passando a mão em volta dos ombros cobertos da moça.

- Mas eu tenho um horário marcado com o Senhor Toledo. Meu trabalho em primeiro lugar... – Começou antes de ser interrompida.

- Pagar-lhe-ei vinte vezes mais que esse borra-botas por seus honorários, minha querida.

A menina lançou um olhar confuso para Claire que ainda estava tentando entender a situação. Parada, atônita, na calçada. Os homens seguiram-na logo depois que ela e Jacques entraram no Antiquário e a morena ficou sozinha na calçada. Excluída dos acontecimentos.

Pierre adiantou-se pegando o caderno que fazia a agenda de nossos horários. Pediu que os senhores se acalmassem e formassem uma fila em ordem de títulos. Enquanto ele tentava organizar os homens enfurecidos Jacques e ela passaram pelo corredor e adentraram a saleta de Marie. Não entedia o que estava acontecendo, ainda que a porta estivesse fechada podia ouvir os berros dos homens oferecendo quantias cada vez mais altas. Outros questionando por que Jacques tinha que ser o primeiro, e mesmo que não soubesse do que se tratava era óbvio que a resposta era: ele tinha mais dinheiro, mais poder, prioridade.

Jacques tirou o paletó e pendurou na arara. Sentou-se com as pernas cruzadas no divã e encarou-a como se pedisse que o fizesse companhia.

- Antes de qualquer coisa, queria deixar bem claro que prefiro morrer rapidamente. E se preferir a tortura limite-a a mim. Não inclua meus amigos nos seus planos malévolos, estamos entendidos? – Disse Marie sem tempo para puxar o ar para os pulmões.

Ele soltou uma gargalhada e deixou o pescoço pender para trás. Mexeu as pernas nervosamente e pôr a mão dentro das calças.

- Não, Jacques. Não pode fazer isso. Eu me recuso! – Disse entrando em desespero. As mãos iam começar a tremer, deu três passos para trás e segurou a maçaneta da porta.

Girou-a com cuidado, mas estava trancada. Pior que ser torturada ou ter o pescoço arrancado do corpo seria ter que... Ver aquele homem despido. Sentir-se tocada por ele. A raiva subiu pela cabeça. Como poderia pensar em fugir? Era seu ambiente de trabalho, mesmo que sujo, ele não podia intimidá-la ali.

- Sabe aquela bofetada que você me deu? – Perguntou tirando as mãos da calça – Ainda posso senti-la.

Mudou de ideia. Pierre não faria nada para protegê-la, sua única opção era fugir. Se pudesse, tinha escalado a parede, fugido pela janela, mas ele a pegaria. Não ia conseguir correr por muito tempo com todo aquele pano do vestido. Talvez se tirasse a anágua conseguisse chegar até a padaria.

- Você me chamou atenção, Marie. É abusada. Diferente das outras mulheres... Suas bochechas ficam rosadas quando está com raiva, devem ficar quentes... – A cada frase proferida Jacques passava a língua nos lábios e ora ou outra revirava os olhos. Algo dentro de sua calça crescia - Vim lhe fazer uma proposta.

Ele fez uma longa pausa, incomodado com o que tinha entre as pernas. Parecia se mover... Sozinho.

- Seja minha, Marie. Ofereço-lhe uma casa esplêndida, conforto, luxo. Tudo o que tem que fazer é se entregar a mim com todo esse ódio dentro do peito. – Disse finalmente como se as palavras tomassem seu fôlego.

- Não. Prefiro que me mate. – Respondeu prontamente retomando a feição séria, deixando o desespero de lado. 

- Não teria coragem de tirar a vida de uma criatura tão interessante. Diga, Marie, que tenho que fazer para tê-la perto de mim?

As mais variadas respostas afiadas passaram por sua língua. Os insultos mais feios, mais duros. Mas ela não poderia se esquecer de quem ele era, não poderia se esquecer que sabia onde trabalhava, sabia de Claire. Com tanto poder nas mãos ele poderia descobrir onde ela vivia num estalar de dedos. A raiva a fazia sentir vontade de cuspir novamente em sua face, esbofetear aquele sorriso malévolo, mas ele poderia se transformar a qualquer momento num poderoso nobre. Deixar de ser apenas um homem nojento excitado.

- Desenhe-me. – Foi tudo que ela conseguiu falar.

- Ah, claro, seu trabalho. Eu conseguiria ficar perto de você apenas assim, minha querida? – Perguntou levantando-se do divã aproximando-se dela a passos curtos.

- É a única forma de me obrigar a ver sua cara. – Respondeu entre dentes desviando da mão que queria tocar seu rosto.

Eles estavam muito próximos um do outro. Dava para sentir sua respiração quente esquentar seus lábios reprimidos. Não se perdoaria se por um instante que fosse tocasse aquele homem de qualquer forma. Jacques baixou o rosto por um segundo admirando o decote da menina. Esfregou o nariz em sua clavícula respirando fundo seu perfume.

- Eu poderia tê-la agora mesmo. – Disse ele num suspiro – Mas não teria a menor graça. Possuí-la sem que me queira seria doloroso... Como fazer amor com um buraco na parede. Duro e frio.

- Afaste-se. – Pediu respirando descontroladamente.

Ele passou as duas mãos nos cabelos e afastou-se atordoado. Sentou novamente no divã e escondeu o rosto com as mãos. Poderia compará-lo a um cachorro no cio se não estivesse tão bem arrumado. Batia a palma da mão no rosto com leveza forçando-se a pensar até que parou de repente e abriu um horrendo sorriso.

- Sabe por que todos os homens que estão aí fora? – Perguntou parecendo pouco mais controlado.

Limitou-se a balançar a cabeça negativamente. Já estava farta daquela conversa. Por mais estranho que parecesse queria apenas que algum homem adentrasse aquela porta e ordenasse que ficasse em trajes íntimos para desenhá-la.

- Todos eles vão fazer a mesma proposta. Todos ficaram intrigados com sua coragem ao nos insultar na festa. E, infelizmente, todos tiveram a mesma reação que eu. Ficaram excitados com a ideia de castigá-la para depois...

- Poupe-me desses comentários. Diga logo! Onde isso tudo vai chegar? Vou ser atormentada por esses homens até quando? – Perguntou cruzando os braços sobre o busto.

- Até que se entregue a um deles. Ou... – Disse pausadamente.

- Ou... – Incentivou-o a continuar, tinha que haver mais uma opção.

- Até que você tenha tempo para eles. Não vou deixar que tenham esse privilégio, Marie. Farei o possível para comprar o máximo de horários que tiver disponível. Vai acabar se acostumando comigo! Vai querer se entregar para mim...

Jacques começou a repetir aquela frase mais baixo, para si mesmo. Aquilo tudo era assustador. Ele não queria matá-la, castigá-la ou apenas fazê-la pagar pelo que o havia feito. Muito pior que isso... Ele a queria apenas por tê-lo desafiado. E isso era inacreditável. 


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