Cárcere Das Almas escrita por Wendy


Capítulo 12
Capítulo 12 - More than I could stand


Notas iniciais do capítulo

Desculpem a demora.



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A luz amarelada do sol iluminou as porcelanas, as garrafas de vinho vazias e todas as tiaras jogadas na penteadeira. A primeira visão que Marie teve quando acordou foram esses objetos reluzentes tremendo periodicamente. Talvez ainda fosse efeito do álcool da noite anterior, sua cabeça doía, deveria ser isso.

Suas pálpebras abriram e fecharam algumas vezes estudando o lugar. Não podia se espreguiçar, a bochecha de Claire estava completamente esparramada em seu colo, os grande cílios fechados em curva, seu corpo ressonando sobre o dela. Agora conseguia se lembrar... Uns poucos flashes. As recordações martelavam. Martelavam e estremeciam os objetos. Um frasco de perfume rolou para o chão e se não fosse pelo tapete de roupas sujas teria se espatifado ali mesmo.

- Não é possível... Que sejam só...

Antes que terminasse sua frase um estrondo fez Claire acordar assustada. Ela segurou-se em Marie e perguntou o que estava acontecendo.

- Não sei... Acabo de despertar.

Os frascos tremeram novamente com mais frequência e um a um caiu. As portas do armário se abriram sozinhas, roupas despencaram de lá de dentro. Era um cenário assustador. Claire levantou-se num pulo e não se importou em não estar trajando roupas corretas para o caso de algum homem estar do lado de fora, na vila.

Marie escutou alguns gritos femininos diferenciados e resolveu vestir um roupão e não esperar por notícias. Pulou todas as roupas do chão, desviou dos gatos, da mobília e deparou-se com um grupo de homens marretando a estrutura. Homens, mulheres e crianças esguelavam-se implorando que parassem de destruir seu lar.

- Vocês! A mando de quem estão aqui? – Berrou Claire da porta de casa.

- Do rei! Ora quem mais! Retirem-se do local, vai desabar. – Respondeu um operário.

- Eu não vou sair da minha casa! Vocês não podem fazer isso! Que pensam que são?!

O operário limpou o suor que escorria da testa e apoiou o cotovelo na marreta em pé. Olhou-a com desdém e deu de ombros.

- Se não quiser sair, fique e morra com essa espelunca. Só não me distraia, preciso trabalhar.

Aquela discussão não ia levar a lugar nenhum. Nem Claire nem nenhum morador ia recuperar as paredes já derrubadas, o cimento, a terra, a dignidade. Já não havia o que discutir, o Rei ordenou e a ordem estava sendo cumprida.

Marie segurou-a pela cintura, tentando puxá-la para dentro de casa. Fazendo o possível e o impossível para convencê-la a recuar.

- Que está fazendo?! – Perguntou Claire desvencilhando-se.

- Tentando salvar o mínimo da sua casa. Não é você quem fará esses homens pararem, mas os seus gatos e as suas coisas ainda podem ser salvos.

A morena desviou os olhos para o chão e cruzou os braços, consentindo infeliz ao aviso da amiga. Retornou com os ombros baixos, passando a ponta dos dedos nos móveis acabados. Abaixou-se para pegar um dos gatos no colo e carregou-o para dentro do quarto.

O gato subiu na cama e sentou ereto, encarando-a, calado. Não miou uma vez, apenas esperou que Claire o acariciasse. Ela se voltou contra o espelho e vestiu uma tiara dourada, cheia de borboletas.

- Vamos definhar com classe, Louis.

- Deixa de ser dramática e me ajuda a catar suas roupas! – Disse Marie jogando os cabides em cima da cama enquanto recolhia os vestidos – Você vai pra minha casa.

Sua primeira reação foi ficar atônita com a afirmação da amiga. Ajustou a tiara na cabeça e começou a catar as roupas com velocidade em conjunto com as risadas que não conseguia controlar. Perguntou à Marie algumas vezes se ela falava sério, pediu que a beliscasse.

As poucas malas escondidas embaixo da cama não suportariam metade das roupas que Claire tinha dobrada dentro do armário. Isso também foi motivo de desespero. Tentar enfiar na mala tudo que considerasse importante em meio aos baques dos operários na estrutura. Eles não estavam se importando, nem dando a chance das pessoas reunirem suas coisas.

O que não coube nas malas, vestiram. Pareciam duas palhaças caminhando sem coordenação, abarrotadas de roupas. As cinturas com muitos centímetros além do real, os braços e ombros tendo que suportar três, quatro mangas diferentes, apenas para salvar mais algumas peças.

- Vamos, Claire, isso aqui vai cair! – Chamou Marie da porta, arrastando uma mala pelo portar - Apresse-se!

- Mas e os meus gatos? – Perguntou chorosa olhando para o chão a procura dos demais. - Aqui está o Louis, o Vladmir e a Dona. Falta o Heleno! Ele é tão velhinho... Deve estar debaixo de algum móvel, dormindo sem nem notar essa barulheira.

Doía ver Claire desesperada, mas doeria ainda mais vê-la soterrada nos escombros de apartamentos mofados. Marie foi obrigada a arrastá-la para fora do cubículo sem antes dar tempo de se despedir como deveria de seus pertences. Os gatos as acompanharam enroscando-se em seus calcanhares, causando tropeços e também risos dos curiosos que observavam a demolição de suas sacadas, nos prédios mais ricos dos arredores.

Heleno não apareceu como o esperado e o peso das malas e a vergonha não as permitiu ficar esperando que ele saísse pela porta, saltitante. Seguiram a passos curtos pela calçada, desviando dos montes de pessoas que apenas sentaram no meio fio e puseram-se a chorar. Famílias inteiras, crianças, bebes de colo recém nascidos, velhos... Todos com o mesmo olhar de derrota no rosto. Muitos resmungaram, amaldiçoaram o rei ou simplesmente permaneceram calados em sua própria tristeza. Em sua maioria os velhos.

Um menino de mais ou menos oito anos veio na direção de Claire, segurou-a pela barra do vestido. Estava sujo e esquelético, talvez fosse de uma família pobre dos apartamentos demolidos. A única passagem do diário de Marie que fala sobre o desabamento da casa de Claire datado do dia do acontecimento é voltada a esse menino.

A criança pediu desculpas por todos os pecados, todas as travessuras que tinha aprontado para Claire. Os dedos seguravam com força a barra do vestido como se aquela fosse a única oportunidade de continuar vivendo. O menino a encarou como sua salvadora. Nós poderíamos tê-lo trazido conosco, eu o teria criado como meu filho, mas a mãe, indignada demais para aceitar a derrota, o segurou pelo colarinho e o fez sentar no meio fio ao lado dos irmãos maiores. Calou-o com um tapa na boca. Eu duvido que ele falou mais alguma coisa depois daquilo, os olhos ficaram perdidos, mareados, banhados em ódio e desilusão...”

- Marie, vamos, aperte o passo, quero sair logo daqui. – Disse Claire com as palavras entrecortadas empurrando-a pelas costas.

Tiveram que parar de caminhar por um momento devido ao estrondo que vinha por trás. Claire apoiou a mala que carregava no chão e pensou em olhar. Uma nuvem de poeira subiu no céu azul da manhã e anunciou o término definitivo de sua casa. Engoliu em seco e tomou a mala nas mãos poucos minutos depois de contemplar a horrorosa visão da nuvem de fumaça e continuou andando sem falar nada.

 Viraram algumas esquinas e logo avistaram o Antiquário de Pierre e sabe Deus porque, mas lá estava Hatim apoiado na porta, gesticulando, falando com alguém que estava dentro da loja. Até que as viu e foi socorrê-las.

- Que está acontecendo? Por que estão correndo assim? É a polícia? Sabia que iam se meter numa confusão... E agora? Tem que fugir do país? Posso ficar com sua casa?

- Não, Hatim! Chega de perguntas! – Interrompeu Marie - Em casa explicamos o que aconteceu.

 O homem carregou as duas malas com mais facilidade que as duas juntas até em casa e estranhou serem perseguidos por três gatos manhosos. Oscar limpava o chão da sala quando os seis chegaram ofegantes, com as línguas para fora e o suor descendo pela testa.

- Antes que perguntem qualquer coisa... – Começou ofegante -  Quero deixar claro que se não fosse por Marie eu teria me transformado numa moradora de rua, o que nos deixa no mesmo patamar, portanto, não passamos de três pobres necessitados nessa casa.

- Claire... – tentou impedir Marie levantando o dedo.

- Não. Isso é necessário para que lembremos sempre que devemos muito a você.

Claire curvou-se e tomou uma de suas mãos para beijar delicadamente e agradecer. Um gesto duvidoso para os homens, mas muito apreciado por Marie. 


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