Fake Diamond escrita por Luan


Capítulo 2
A colheita


Notas iniciais do capítulo

Se você é acostumado em ler fics de Jogos Vorazes, sabe que sempre é a mesma coisa, e cansado com isso, resolvi criar uma. Essa fanfic vai ser completamente diferente de todas que você já leu, espero que goste.



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Eu nunca pensava muito na morte. Mas ultimamente, antes de descansar minha cabeça sobre o travesseiro, ela sempre me convidava para um mergulho de pensamentos. Eu viajava nas ações dos humanos sobre os outros, o modo de como tudo isso é inútil, afinal, nascemos para morrer.

Os pesadelos não eram costumeiros na minha vida, ao meu caso, diferente das outras pessoas, meus pesadelos começam quando eu abro os olhos e não quando fecho-os.

O ronronar de Ghorian, minha pequena gata de raça angorá turca, me acorda. Sinto o pisar leve de suas patinhas sobre a minha cama macia. Sinto o deslizar de seus movimentos delicados e como ela se envolve no seu próprio corpo peludo com lentidão.

Sem abrir os olhos, levo meus dedos até o pelo da gata. Ela tem o mesmo costume que eu, dormir em uma única posição. Ela nunca está presente nas noites, mas sei que nesse período ela está caçando e a luz do sol sinaliza que é a hora de voltar para casa. Assim ela se aconchega no meu quarto. Não que ela realmente precisasse caçar para comer, pois Ghorian é muito bem tratada, mas sim por esporte. Para saciar seu desejo assassino.

Enquanto acaricio sua barriga, consigo distinguir o seu ronronar tomar mais intensidade e seu pequeno corpo se alongar para dar uma boa espreguiçada, esticando os músculos cansados.

Me levanto e deixo um bocejo escapar por entre meus lábios e assim, imito os movimentos de Ghorian, me espreguiçando.

Abro os olhos e vejo que o dia está belo, pena que um dia tão bonito e elegante seja desperdiçado com um evento fútil. Com uma data que marca a separação das famílias e o começo do desespero. O começo do fim. Hoje é dia da colheita. Onde nos 12 distritos de Panem, vinte e quatro crianças entre doze a dezoito anos serão escolhidas para serem expostas num combate até a morte, onde um só sai vivo. Assim chamado os Jogos Vorazes. Fácil de explicar, não?

A explicação é fácil, mas encarar os fatos é diferente. Eu não temo a colheita, diferente de todos os adolescentes que envolvem os 12 distritos do país. Com dezesseis anos significa que meu nome estará lá cinco vezes. Por cinco anos que eu escapo da colheita, sem precisar pagar as chamadas tésseras. Nunca precisei pedir nenhuma, porém sei de sua existência, pois meu pai é o prefeito do distrito onde eu moro, o Distrito 1, e ele já mencionou-as.

Sendo assim eu moro na Aldeia dos Vitoriosos. Uma região no Distrito 1 criada para abrigar os Vitoriosos de Jogos passados. Mesmo o meu pai não tendo vencido os Jogos Vorazes ele tem o deleite de possuir uma casa no local.

Sentado na cama, exploro meu quarto com os olhos. Eu sentirei tanta falta desse lugar, meu refugio, o lugar aonde passo todas as minhas horas do dia com Ghorian, afinal ela é minha única amiga, pois não tenho amigos e sou filho único.

Feixes de luz transpassam os vidros da minha janela e iluminam toda a extensão que é meu quarto. Pequenas partículas de poeira flutuam aonde os raios solares possuem mais intensidade. O meu quarto é constituído por um ambiente bem confortável e grande. Uma cama de casal aonde compartilho apenas com Ghorian. Diversas estantes apinhadas de livros nos quais já li todos. Um projetor de TV e algumas poltronas em volta e uma mesa aonde apoio meus livros para leitura e também onde realizo meus trabalhos escolares. Meu quarto é revestido por um papel de parede amarelo claro e com alguns detalhes florais em tom mais denso, da mesma cor.

Consigo ouvir a voz, que chega baixa e sem força em meu quarto, que é minha mãe, me convidando para tomar café da manhã na cozinha.

Me levanto e vou até o guarda-roupas, retirando de seu interior minhas roupas para a colheita. Diz-se que no dia da colheita se deve usar roupas novas e limpas, mas acho sinceramente isso uma estupidez. Nenhuma de nossas melhores roupas irão chegar aos pés das elegantes, caras e excêntricas roupas dos moradores da Capital, que sempre são o publico principal dos Jogos.

Após pegar minhas roupas, me dirijo até o banheiro do meu quarto, onde realizo meus procedimentos estéticos matutinos e tomo um delicioso banho.

Quando saio do banheiro, dou uma última olhada para Ghorian na cama e sorrio ao ver sua figura pequena envolta na própria pelagem, apenas provocando o movimento de subir e descer de sua barriga, informando-me seu desfrute de um sono tranquilo e merecido.

Minha casa é divida em dois andares. No primeiro andar encontra-se a nossa cozinha, sala de estar, sala de reuniões e um banheiro para nossas visitas. Já no segundo patamar, é o lugar das quatro suítes da casa, sendo que apenas duas delas estão ocupadas, a minha e a dos meus pais. Também no segundo andar, está o gabinete do meu pai, onde ele realiza suas atividades como prefeito.

Desço pela escada que o une o térreo com o segundo andar, rumando para a cozinha.

Minha mãe está portando um vestido novo em uma cor azul celeste e está sentada à mesa, enquanto dá ordens para nossa empregada. Uma mulher atarracada e já idosa, com os cabelos grisalhos e firmes num rigoroso coque atrás da cabeça.

– Bom dia, mãe – são minhas primeiras palavras do dia.

Minha mãe é uma linda mulher, é nova e com a pele em perfeitos estados. Seus cabelos loiros destacam sua aparência clássica do meu distrito. A mulher também possui olhos de coloração esverdeada que completa totalmente sua beleza.

Ela não responde imediatamente. Minha mãe continua orientando a empregada do modo de como os arranjos de flores devem ser distribuídos pela casa, como se aquilo fosse a coisa mais importante do mundo. Bem, para a minha mãe realmente é.

– Olá, querido – ela diz sem me encarar diretamente, servindo-se de café com leite. – Está animado, Cassius?

Também faço os preparativos para uma refeição, reunindo o que desejo comer, nessa pouca oportunidade que ainda me resta. Mesmo não estando com o nervosismo em um nível severo, estou com certa apreensão e isso dificulta a digestão de meus alimentos, me retirando a fome e por tal motivo, escolho comer apenas alguns cereais e beber um pouco de suco natural.

– Não – respondo, tomado por profunda sinceridade.

Ela ergue a cabeça e me encara. Crispa os lábios e se prepara para falar, orgulhosa.

– Mas devia! – ela bate a mão delicadamente na mesa. – Não é por qualquer motivo que você treina desde os oito anos de idade.

Bem, é isso que ela pensa. Que eu vou para o Centro de Treinamento Distrito 1 duas vezes por semana para treinar, para aprender como retirar a vida de uma pessoa e para poupar a minha, para sofrermos as punições na quais não tivemos participações. Mas o que verdadeiramente faço no Centro de Treinamento é surrupiar um livro de minha estante de livros e carregar na mochila, até o Centro de Treinamento, aonde me trancafio no banheiro e passo o dia lendo.

– É. Não é por qualquer motivo – repito as palavras acrescentando um toque de ironia. – Onde está o papai?

– Está resolvendo os preparativos para a colheita, na qual vamos para lá – ela se levanta, soltando palmas para que a empregada se retire. – Agora.

Tomo meu café e me levanto, acompanhando minha mãe. Ela notifica para os empregados que voltará em breve e então nos retiramos de casa. Sinto minha coragem ficar para trás, sinto meu corpo pesar dez vezes mais do que ele realmente é. Sinto uma morte iminente.

Quando saímos da Aldeia dos Vitoriosos e contemplamos as casas de civis locais, posso reparar que suas janelas estão fechadas, provavelmente todos já estão na praça do distrito, à frente do Edifício da Justiça, esperando com que o nome de seu filho seja anunciado e assim terem a oportunidade de beijar o rosto e sentir a pele de sua cria, que criaram com tanto amor e carinho, para ser levado à morte.

Chegamos à praça, e um palanque está montado na frente do Edifício da Justiça do Distrito 1. Um telão foi montado para passar o filme anual que exibe como chegamos até aqui e que somos meros insetos diante o poder da Capital. Também foram montadas pequenas divisões com algumas faixas, designadas para dividirem os meninos das meninas e assim suas idades. Uma fila está caminhando na direção de uma mesa, onde dois funcionários da Capital estão colhendo o sangue dos adolescentes para registrá-los.

Quando me preparo para fazer um comentário sobre o quanto isso me espanta, minha mãe some e não acho-a em nenhum lugar, apenas quando olho para a direção do palanque e vejo ela caminhando na direção do meu pai, para sentar-se do lado dele e admirar o show de horror. Meu olhar se encontra com o do meu pai e ele move lentamente os lábios, formando palavras que para qualquer outro seria impossíveis de identificar, mas eu já estava acostumado: “não me envergonhe”.

Mesmo o local sendo totalmente vigiado e com câmeras em todos os lugares possíveis, atentas em todas as emoções das pessoas e à espera de um espetáculo, sei que elas não captaram o recado do meu pai, sendo eu o único individuo que entendeu seus dizeres.

Segui meu caminho e fui na direção da fila dos garotos, para o registro. Me encaminhei atrás de alguns garotos que quando me viram soltaram risadinhas e até algumas garotas apontaram descaradamente. Ignorei-os, mesmo que isso foi demasiadamente difícil, eu deveria.

– Próximo – uma mulher baixa e morena, que estava sentada à mesa de registro, disse.

Estiquei meu braço e com um aparelho ela espetou meu dedo, colhendo um pingo do meu sangue escarlate. O liquido vermelho foi identificado e, no visor do aparelho, eu pude ver meu nome com letras futuristas.

Fui para o picadeiro de garotos com dezesseis anos e sob o sol quente tive que esperar.

Uma mulher saiu das portas do Edifício da Justiça e caminhou até um microfone que estava no meio do palanque, entre duas pequenas mesas, portadoras de duas grandes bolas de vidro com os nomes de todos os garotos e garotas entre doze e dezoito anos do Distrito 1.

O nome da mulher era Anvageline Kouthve e era a representante do distrito. Seu papel era organizar as programações e eventos relacionados com os tributos do Distrito 1. Na ocasião de agora ela vestia, o que parecia, um vestido de plástico negro e aonde deveria ser a saia, a forma do vestido era um guarda-chuva, também de plástico, só que esse por sua vez era transparente e com bolinhas negras. Por baixo da saia-guarda-chuva estava outra camada de plástico na cor vermelha que impedia as partes intimas da mulher de ficarem à mostra. Seus sapatos eram do mesmo plástico vermelho e na cabeça ela usava uma peruca em espiral na cor verde. Suas sobrancelhas eram da mesma cor da peruca e seus lábios azuis.

– Sejam bem-vindos – ela disse, com seu ridículo e aflautado sotaque da Capital, como se mal abrisse a boca. – Vamos escolher os tributos da Octogésima Edição dos Jogos Vorazes! Mas primeiro, vamos ver um filminho!

Sua emoção me comovia. Tinha vontade de subir no palco e estapeá-la até ela começar a falar normalmente, como uma pessoa de um dos distritos.

Após o filme e um discurso – que não prestei atenção – de meu pai acabarem, o filme que dizia o quanto éramos miseráveis, ela disse o que todos temiam no momento, o que todos temiam todos os anos.

– Agora, vou ter o prazer de escolher os tributos do Distrito 1. Estou tão, tão animada com esse grande dia! – ela se encaminhou para a bola de vidro da direita do microfone. – Primeiro as damas!

Senti o silêncio aumentar e podia jurar que conseguia ouvir todas as respirações arfantes das pessoas e seus corações batendo em um único e perfeito ritmo, o ritmo do medo. A mulher enviou sua mão pálida no interior da esfera de vidro e mergulhou seus dedos no mar de tirinhas brancas. Então ela puxou um único papel, abriu-o e leu o nome.

– Alanys Bevhair! – Anvageline disse.

Uma garota loira, como grande parte da população, deslocou-se para um espaço aonde as pessoas não se reuniam. Dois Pacificadores cercaram-na e conduziram a garota até o palanque. Eu conseguia sentir suas pernas tremerem. Ela galgou os degraus do palco e vacilante, chegou até o topo.

Eu não a conhecia, mas já vira na escola. Ela era muito bela, por sinal, mas não era muito do tipo de fazer amizades, gostava de ficar acanhada em seu mundo particular, como eu. Ela parecia confusa e o medo era óbvio.

– Estampe um sorriso nesse rostinho, querida! – disse a mulher, mas a garota não reagiu. – Agora, vamos aos cavalheiros!

Dessa vez ela seguiu para o outro lado do microfone e enfiou sua mão nas tirinhas. Puxou uma e leu o nome.

– Fader Bitown! – ela disse.

– Não! – alguém gritou e desesperado eu me virei, surpreso.

Uma mulher corria na direção dos picadeiros, na direção da idade de doze anos. Mas antes que ela chegasse até a borda, ela foi agarrada por dois Pacificadores, que renderam-na. Mesmo presa e com a força dos homens sobre ela, a mulher continuou gritando e se debatendo.

– Não! Meu filho, meu bebê! – era horrível testemunhar aquilo. Eu podia ver os filetes de lágrimas descerem pelo rosto branco da mulher, a luz do sol fazia com que eles brilhassem. – Meu único filho, por favor, não!

Eu não aguentei quando o garoto saiu da multidão e tremendo da cabeça aos pés, foi na direção do palco. A mãe do garoto tentou fugir e só parou quando um dos Pacificadores acertou com um objeto que não identifiquei, a sua cabeça.

– Eu me ofereço! – eu disse num suspiro. – Eu me ofereço como tributo!

Eu não precisei dizer muito alto. O silêncio era tão grande que era possível ouvir o arquejar das pessoas à minha volta.

Me desloquei do grupo de garotos e segui na direção do palco. Subi os degraus e mais uma vez o meu olhar se cruzou com o do meu pai. Um sorriso satisfeito destacava-se na face do homem. Senti repugnância.

– Que atitude bela, meu rapaz – disse Anvageline. – Qual seu nome?

Eu tinha medo de abrir a boca e deixar meu café da manhã sair por ela. Eu tinha medo de me mover e meu corpo não resistir, caindo aqui no meio de todos. Eu estava com medo. Todos me olhavam com o olhar de reprovação e eu não sabia reagir, eu sabia que nessa hora minha face devia estar mais branca que leite e que isso poderia representar fraqueza. Então, com um lampejo, eu me dei conta do que eu acabara de fazer, eu estava nos Jogos Vorazes e agora eu deveria agir minuciosamente, porque as regras eram fáceis: matar ou morrer.

– Cassius Ellshot – eu arfei.

A mulher arqueou uma de suas sobrancelhas coloridas e abriu um sorriso. Pude reparar que a parte de suas gengivas superiores era da mesma cor que seus lábios, azuis.

– Ellshot? Mas esse não é o nome do prefeito? – ela indagou.

– Eu sou o filho do prefeito – cuspi as palavras com desgosto.

A mulher pareceu mais animada do que nunca e se virou na direção da população, com um sorriso esbanjado no rosto.

– Senhoras e senhores, apresento-lhes os tributos do Distrito 1.


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Notas finais do capítulo

Esperando por reviews! Beijos cupcakes de amora!