UN 2814 - Risco Biológico [Atualizada] escrita por Kuro


Capítulo 2
Capítulo 2: Julia




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/273259/chapter/2

A dona daquela voz se encontrava abraçada a uma garotinha em uma pequena sorveteria. Sua aparência resumia-se a uma garota entre os seus vinte anos, cabelos longos e avermelhados, com alguns fios grudados em suas bochechas graças às lágrimas que saiam de seus olhos verdes. Diferente dela, a garotinha tinha cabelos escuros e seus olhos mesmo mostrando seu medo, tinham um brilho forte e suave, como uma daquelas pedras ametista. Aparentava ter apenas cinco anos, estava tremendo, segurava firme a cintura da garota e chorava baixinho.

Logo a sua frente, separados por um balcão de atendimento, havia um homem realmente gordo, ele tinha um enorme ferimento que salpicava sua barriga, pingando sangue e gordura, deixando uma pequena poça onde ele estava, mas isso não parecia importar para ele.


No dia em que fizemos o Plano de Sobrevivência, fizemos algumas regras. A única que me lembro é assim. Não ser um herói, minha sobrevivência é maior e mais necessária do que a de qualquer outro desconhecido;


Mas mesmo com isto na cabeça eu peguei uma pedra e atirei em direção à sorveteria, quebrando o vidro e caindo em oposto a elas.

Aquele maníaco começa então a se movimentar em direção a pedra, que seguidamente bate em uma daquelas maquinas da sorveteria. Aquilo me deu uma tese, talvez aqueles seres estranhos fossem cegos, mas eles tinham uma audição fora do normal e mesmo com aquele ferimento no estômago, ou outros mais graves, eles ainda podiam continuar "caçando".

A garota estava olhando para mim com uma cara de espanto, dava para ver o medo em seus olhos e seu rosto meio pálido. Faço um sinal de silêncio para ela e digo para ela vir em direção a uma das portas por gestos.

Ela fica de joelhos para olhar aquele ser, que estava confuso e não sabia para onde ir, ela aperta forte a garotinha entre seus braços e sai do balcão, seguindo até uma das portas.

Próxima a porta, a garota relaxa com a criança que, com o pé, derruba uma garrafa de refrigerante. A garota pisa nos estilhaços e escorrega, derrubando as duas. E assim aquele ser começa a se movimentar em direção as duas, ela não sabe o que fazer, só consegue olhar para mim enquanto se retorce de dor graças a um estilhaço que ficou em sua perna.

Ela tenta se levantar, mas suas pernas fraquejam e se ela não se segurasse quase iria com o rosto ao chão junto com a garotinha. Ponho-me a correr desesperadamente em direção a elas. – Você pode me perguntar por que fiz isto, mas nem eu sei. Acho que foi a pressão de ver as duas ali e a garota desesperada, se estivesse no meu lugar acho que entenderia.

Chego a elas e abraço a garota, acomodando-a em meus braços. Levanto-me subitamente e a garota pressiona os dentes causando um rangido e aperta a garotinha firmemente. Nem me preocupo em saber se o zumbi estava próximo ou se elas estão bem, volto a correr, agora com certa dificuldade.

Ao lado esquerdo um pouco distante da sorveteria, havia um daqueles grandes lixeiros azuis, coloco-as lá em cima junto com Bob. – Fiquem aqui, só saiam daqui se for necessário e não façam barulho. Eu irei tentar tirar aquilo de perto.

Ela concorda com a cabeça enquanto a garotinha me fitava sem piscar, poderiam aparecer outros daqueles atrás de mim ou delas, eu estava nervoso. Olho para trás como se estivesse me despedindo temporariamente. – Boa sorte. – Diz a garotinha que continuava a me fitar.

Todo aquele nervosismo esvai de mim e abro um sorriso pondo-me a correr. O asfalto emanava um cheiro de sangue e o sol parecia que em algumas horas iria desaparecer.

O zumbi estava zanzando em minha direção, como se estivesse desesperadamente atrás de nós.

Decido chamar sua atenção e pego a tampa de um lixo, mas antes desvio meu olhar rapidamente para todos os lados da estrada, para ver se estava tudo deserto. Se mais zumbis aparecesse eu estaria ferrado.

 - Aqui gordo idiota! – Eu digo enquanto chuto a tampa do lixo.

O zumbi para e começa e vir em minha direção. Ele era rápido para seu peso, acho que é por não sentir a dor ou eu que estava fora de forma. Corri tentando despistá-lo, mas mesmo que eu quase sumisse do seu campo de visão ele continuava a me perseguir. Eu tinha perdido minha velocidade rapidamente, ele já estava me acompanhando. Assim eu não irei conseguir, ele me venceria pelo cansaço. Então eu viro para a direita, era um beco sem saída, eu estava encurralado, e só tinha duas opções, atacá-lo ou ser atacado.

Pego meu arco e aponto na direção dele, eu tinha apenas uma flecha, foi o que sobrara daquela hora em que treinava e de quando fugia. Eu estava tremendo muito, minhas chances de acerto eram mínimas, mas mesmo assim me posiciono e concentro para atirar a flecha.

Miro em sua cabeça, estico e o solto. Uma súbita onda de esperança percorre meu corpo, mas é parada quando percebo que a flecha acertou seu ombro.

O pânico tomou meu corpo, minha chance de sobreviver se foi. Eu me belisquei querendo ver se estava dormindo, tudo isso poderia ser um dos meus mais loucos pesadelos, mas eu não estava sonhando. Tinha passado alguns segundos e na minha cabeça milhões de palavras.

- A boa sorte da garotinha não funcionou. Bom, acho que nem a boa sorte de um anjo funcionaria. – Eu disse enquanto um sorriso sarcástico se formava em meu rosto.

- Se eu morresse como aquelas duas ficariam? – Eu falo como se eu tivesse como sobreviver, eu estava encurralado. Acho que minha personalidade já estava sendo brutalmente alterada pelo medo, eu não tinha mais chances, tudo o que poderia fazer é aceitar.

- Minhas pernas fraquejam, não me agüento nem em pé, quem me dera pudesse reagir. – Escoro-me na parede e o meu corpo desce, deslizando calmamente em direção ao chão.

Enquanto desisto de minha vida sem arrependimentos, fecho os olhos. Mas um grande baque seco acontece. Abro quando um esguicho acerta o meu corpo. Aquele zumbi estava caído ao chão e uma pessoa com um ferro em suas mãos estava parada a minha frente.

Tento olhar quem era a pessoa que me salvou, mas apertei tão fortemente meus olhos tempos atrás que estava vendo um pouco embaçado. Ou eu poderia ter sido mordido?

Eu coloco a mão sobre o meu corpo como seu eu não fosse capaz de acreditar estar vivo, não havia nada, nem ao menos um arranhão. Senti um alivio repentino que foi arrancado de mim quando a pessoa que me salvou deixa cair o ferro que parecia ser parte de alguma placa de transito. Agora meus olhos já estavam um pouco melhores, era uma garota, ela tremia, não só de estar abalada, como se ela estivesse sem equilíbrio.

Ela cai de joelhos e grita. Quase que automaticamente meu corpo se movimenta para próximo a ela e coloco a mão em sua boca. Olho para ela e me surpreendo quando percebo que é aquela garota que estava com a garotinha.

- Não grite ou estaremos mortos. – Eu digo enquanto retiro minha mão de sua boca.
 

- Eu... Eu matei uma pessoa...

Eu poderia confortá-la dizendo que ele já estava morto, mas era impossível, eu tive receio de fazer isso. Estava mais preocupado com o grito dela, do jeito que está quieto seu grito deve ter ecoado por uma área bem grande. Não temos muito tempo.

- Onde está a garotinha?

- No mesmo lugar que você nos deixou.

- Por que você veio atrás de mim? – Pergunto enquanto saio do beco.

- Por que você ia se sacrificar por duas estranhas?

Fico quieto como um sinal de que não tenho resposta enquanto ela me olha fixamente. – Como ela pode ser tão irresponsável? Deixar uma garotinha e um cachorro lá sozinhos?

- Vamos temos que sair daqui. – Digo enquanto olho em volta.

Ela tenta se levantar novamente, mas não agüenta ficar em pé. Quase escondido pela sua calça jeans, sangue escorria de sua perna. Foram os cacos do vidro? Como ela conseguiu chegar até aqui no estado em que está? Tínhamos que sair daqui, eu poderia deixá-la aqui enquanto fugia, mas ela salvou minha vida. Eu volto a me aproximar dela, viro e me ajoelho. Nem dizer nada ela se apóia em mim e segura meus ombros.

- Meu nome é Julia, e você?

- Pedro. – Respiro profundamente e sigo andando em direção a garotinha.

Na volta o caminho parecia mais curto de quando eu estava a fugir daquele zumbi, no mesmo lugar, ao lado esquerdo da sorveteria, estava a garotinha abraçada em Bob como se ele fosse um grande pelúcia usado como travesseiro.


Nos aproximamos e em seguida eu coloco a garota no chão contra a parede.

- Antes de sairmos daqui temos que parar o sangramento em sua perna.

- Eu estou bem, vamos logo.

Ela estava meio zonza, se continuasse assim ela iria desmaiar por perda de sangue. Ela não queria que mexêssemos em sua perna. Faço-a olhar para mim e viro de costas, uma parte da minha camiseta branca junto com minha bermuda estava encoberta de sangue. Meio relutante ela decide fazê-lo.

Levantamos sua calça jeans e vimos seu corte, ainda havia um pequeno estilhaço do vidro em sua perna, acho que era o que fazia ainda sangrar.

- O que faremos? - Ela pergunta.

- Temos que tirar esse vidro e depois parar o sangramento com algo.

Aproximo minha mão do vidro, começo a puxar e ela com medo, pede para ela mesma fazer. Pego a garotinha e a abraço tapando seus ouvidos e olhos.

O que você faria se sua pessoa esta se retorcendo de dor enquanto tira um pedaço de vidro da própria perna, se sentiria enjoado e pediria para ela parar? Acho que com as coisas que estão acontecendo minhas emoções já estavam sendo mudadas. Eu não conseguia sentir a dor dela. De tudo que vi hoje, aquilo era a coisa “menos dolorosa” em relação as outras.

Ela tira o vidro de sua perna, o corte não era profundo, acho que não deixará cicatriz, e da manga da minha camisa fazemos uma pequena bandagem, me levanto e depois volto a me agachar para carregá-la.

Olho em volta e ao pensar que dessa vez ainda estávamos sozinhos, a garota estava se segurando firme, sua perna estava um pouco recuada para não tocar no corte, seu rosto estava próximo ao meu e quando ela respirava o ar vinha quente ao meu ouvido.

Caminhávamos em meio a vários carros batidos e mais a frente até um caminhão de bombeiros tombado que bloqueava certo caminho, sorte nossa que minha casa não ficava nessa direção. Vejo uma farmácia onde sempre eu passava e cumprimentava o dono, isso mostra estarmos perto de minha casa. Logo mais a frente andamos entre muita destruição, alguns urubus começam a voar em circulo pelo céu onde estávamos, tudo estava muito estranho.

Bob de repente rosna baixinho.

Meu corpo para instantaneamente, meu coração bate de uma forma diferente agora, sinto que ele também teme o que me amedronta. Bob parece se sentir ameaçado por aquelas coisas e quando fica assim ele rosna, pode ser um bom sistema de aviso, e se for certo isso, vai ter algum zumbi por perto. Um breve olhar para trás me revela que eu estava certo e que havia em nossa volta mais de vinte zumbis.

- O que houve? – A garota me pergunta antes de perceber que estávamos cercados.

- Não poderíamos voltar, pois por onde antes passamos estava com a grande parte dos deles. – Digo isto a ela e esta fica apreensiva de seguirmos em frente, mas não emana um ar de desaprovação.

Não podemos ficar aqui parados e temos uma chance, eles são cegos só devemos fazer silêncio e conseguiremos. Pode parecer uma idéia suicida, mas o que mais eu poderia fazer?

Minha única saída é ir pelo meio da rua, vou com cautela e me contendo para não fazer barulho. Julia aperta fortemente minha camisa, enquanto Nanda segurava minha calça, silenciosamente, delicadamente. Engraçado como ela era completamente obediente, até parece que entende nossa situação, diferente das crianças que eu já conheci.

Enquanto andávamos um zumbi passa na nossa frente, seu grunhido é de arrepiar, a força me falta por um momento, mas me controlo após perceber que Julia estava quase caindo. Ele passa, ela se ajeita e seguimos adiante. Estávamos quase conseguindo, havia apenas mais três ou quatro dele a nossa frente.

Pelo seu corpo ser pequeno e talvez por obra do destino, que nos pregava esta peça, Nanda quase tropeça e começa a chorar.

Falta-me o ar e em uma tentativa desesperada inspiro-o bastante. Pego a garotinha, mas não foi tempo suficiente, todos eles já nos observavam. As duas se seguram em mim e ponho-me a correr. Conseguir fugir deles carregando as duas era quase impossível, eram cerca de vinte e ainda poderia aumentar.

Corro tentando despistá-los de qualquer forma, mas eles não me perdem de vista nunca, como isso é possível, mesmo cego eles ainda podem nos seguir, será pelo cheiro?

Tenho fome e estou muito cansado. Olho ao redor para tentar achar uma escapatória, um obstáculo, uma saída, mas é difícil pensar e procurar enquanto uma multidão deles te persegue e o cansaço é eminente.

Estávamos próximos a minha rua, e esta tem uma elevação, devido a uma enchente, que fez a rua principal descer. Acho que essa foi a única vez em que eu agradeci ao governo por ainda não ter arrumado isto. Chegando próximo a ela, eu subo essa pequena elevação e os canibais que são cegos tropeçam e caem, outros começam a pisar em cima dos outros. Mas tivemos tempo o suficiente para chegar frente à casa.

Coloco Nanda no chão e peço para ela pegar  a chave em baixo do tapete, onde eu deixo a chave, ela a pega e eu abro a porta. Entro, tranco a porta e coloco Julia em um canto da casa e empurro um do sofás contra a porta. Subo ao segundo andar rapidamente e visualizo nos zumbis atordoados, viam em direção a casa e alguns andavam novamente perdidos.

Por um breve momento eu senti pena deles, pobres coitados estão condenados a vagar e caçar seus ex-semelhantes, mas vendo-os prensar-se contra a porta e grunhindo concluo. – Acho que os pobres coitados somos nós que estamos sendo caçados.

Eles tinham que sair daqui de perto e única saída seria atraí-los para longe. Desço as escadas, vou a cozinha e reviso as coisas procurando uma panela. Logo após, vou em direção a janela dos fundos. – No banheiro tem remédios e bandagens e na cozinha comida, evitem fazer barulho. Eu irei lá fora e os levarei para longe.

- E é melhor não virem atrás de mim. – Eu digo enquanto olho para a condição de Julia.

Pego uma panela e pulo a janela.  Ando atrás de alguns arbustos passando rápido, sem ter quaisquer contatos com eles. Minutos depois eu estava na frente da rua, olhando aqueles assassinos loucos. Pego a panela e jogo no chão, chamando a atenção deles.

Ponho-me a correr, tenho que fazê-los me seguir, o que não é muito difícil, pois seguem como se eu estivesse realmente me vendo. Alguns são rápidos e quase me alcançam, outros lentos que acabam me perdendo de vista.

Depois de um tempo, viro uma esquina tão bruscamente que quase não percebo a presença de dois deles logo à frente, não posso voltar, eu tenho que enfrentá-los.

Minhas pernas tremem um pouco, mas me mantenho firme. Quando chego perto o bastante pulo sobre o primeiro desferindo um golpe em seu peito com meu joelho, mas mesmo assim ele consegue agarrar meu braço, giro meu corpo e lanço-o contra a parede, ele bate a cabeça, parece que esse não levantará mais. O outro estava com a perna um pouco ferida, e não foi rápido o suficiente, então não conseguiu me pegar. Diminui o ritmo, pois havia esquecido aqueles outros zumbis, que estavam atrás de mim, agora já estavam próximos, era como se eu pudesse senti-los salivarem no meu pescoço.

Não sei de que maneira eu conseguiria afastá-los de mim, até que avisto um terreno com uma cerca de arame alto, subo nele e já caio no outro lado.

Eles trombam contra ela, assim irão derrubá-la. Até que eu escuto não muito longe dali, um grande ronco de motor o que faz os zumbis saírem.

Sinto meus braços trêmulos e o suor escorrendo pelo meu rosto, é melhor eu sair logo daqui.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!




Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "UN 2814 - Risco Biológico [Atualizada]" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.