A Canção De Hohen escrita por MrMartins


Capítulo 9
Cidade Vazia - Parte II


Notas iniciais do capítulo

Mais de um mês sem postar. Não acho uma coisa muito legal. De todo modo, pretendo corrigir isso. E passar a atualizar a história semanalmente.
Para ser sincero, esse era o meu plano desde o começo. Só que eu sou uma pessoa incuravelmente preguiçosa. Oh, acho que isso não é um bom estímulo para leitores.
Ah, bem...
Enfim, acho que já deu dessas notas chatas.



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“Eu sou sua morte”.

A frase dita com absurda normalidade pela voz anormal da criatura ecoava na cabeça de Hart.

“Eu sou a sua morte”.

Dito daquele modo, com aquela certeza desdenhosa, após aquela demonstração de poder, não havia como negar. Se lutasse contra aquela coisa, Hart sabia que morreria. Não só ele, mas Ellienne também. Iriam morrer os dois ali. Definitivamente, os dois iriam morrer ali.

Não.

Definitivamente não iriam morrer ali. Não podia acontecer. Tinha que haver uma solução. Fugir? Para onde? Aquela coisa estava entre ele e a porta. E mesmo que não estivesse, o que o impediria de segui-los? Podia tentar ganhar tempo, enfrentar a criatura e dar a Ellienne uma chance de escapar. Mas e se houvessem mais daquelas coisas? Não, não era uma pergunta hipotética. Havia mais. Por isso a cidade estava vazia.

Era uma emboscada. Tudo aquilo fazia parte do plano daquelas coisas. Mas o que eram aquelas coisas?

— Quem são vocês? — Hart perguntou novamente.

— “Vocês”? — a criatura repetiu. — Oh; impressionante. Deduziu sozinho?

— Eu fiz uma pergunta!

— Eu também. E não faz diferença você saber ou não. Você não vai sair vivo desse quarto. Nem você, princesa. Sinto muito. Não é nada pessoal. Negócios, negócios…

— Quanto lhe estão pagando? — Ellienne perguntou. — Não importa quanto seja, posso pagar mais.

— Não é assim que funciona, princesa. Se eu aceitasse o que iriam pensar? Que os Gewen não cumprem seus acordos? Não ia fazer bem para a imagem.

Gewen. Então era isso?

— Gewen? — Ellienne murmurou assustada. — Você disse Gewen? Os lendários Intrusos assassinos? Você não pode estar falando sério…

— “Lendários” não cabe bem. Nós somos bem reais, como pode ver. Mas, de certo modo, acho que faz sentido. Comparados com vocês, nós somos realmente material de lendas. Mas acho que já basta de palavras. Podem ficar parados e me deixar acabar com isso ou tentar lutar. Não vai fazer diferença no fim das contas.

O Gew estendeu sua mão e a apontou para Hart, sua cabeça sem feições o encarando com insuportável desdém. Havia naquela pose, naquele tom de voz, uma arrogância tão ofensiva e tão absoluta que Hart mal conseguia se manter parado enquanto dentro de seu peito crescia a sensação nervosa da morte certa.

Sorriu com os dentes apertados.

Tinha que fazer alguma coisa e rápido, antes que aquilo resolvesse agir. Mas o quê? O quê?

Havia um jeito.

— “Não vai fazer diferença”? — falou. — Não vem com essa… Eu não posso me dar ao luxo de morrer…

Hart avançou e atacou. Um golpe direto, óbvio e forte. O Gew não saiu do lugar. Com uma mão, a criatura parou a espada.

— Isso é tudo? — riu o Gew.

Com um puxão, a criatura tentou arrancar a espada das mãos de seu portador. Não houve resistência. Assim que o Gew aplicou a força, a arma veio, enquanto o espadachim se afastava e agarrava a mão da princesa.

— Rápido! — Hart gritou para Ellienne.

Antes que o Gew pudesse pensar em reagir, o soldado correu. Não em direção à porta, mas à janela pela qual o assassino havia entrado. Hart agarrou Ellienne do melhor jeito que pôde e pulou. Dois andares. O impacto explosivo da batida contra o chão estourou em seus ossos ao mesmo tempo em que eles eram esmagados pelo peso do corpo de Ellienne. A dor lacerante queimava os pulmões a cada inspiração. Havia pelo menos uma costela quebrada ali.

— Vamos, ele não vai demorar… — Hart falou enquanto se levantava.

Ellienne, assustada, o encarou apenas para, no instante seguinte, anuir rapidamente. Puseram-se a correr o mais rápido que podiam. Aquela fora uma jogada arriscada e não haviam com ela ganho mais que alguns poucos minutos, menos talvez. Tinham de achar um lugar para se esconder, e rápido. Hart procurou ao redor. Estava escuro e não havia luz que não a Lua. Naquele estado de agitação e tendo de correr, ele mal conseguia enxergar. Mas podia usar isso a seu favor. Viu um beco e decidiu jogar nele todo o seu ouro.

— Vem! — disse para Ellienne, enquanto acelerava o ritmo.

Seu coração pulsava selvagemente, seus olhos tremiam, todo seu corpo ardia com um furor nervoso. Cada veia era um incêndio, cada músculo um rio de lava. Assim que entrou no beco procurou por algum lugar por onde seguir. Viu escadas e sequer parou para pensar. Atirou-se por elas, subindo qual fogo por um tecido. Dez, vinte, trinta? Quantos degraus foram? Quando o último passou, estava no pátio de uma casa. Tentou abrir a porta a seu lado. Trancada. Um beco sem saída? Ainda não. A poucos metros estava o teto de outra casa.

— Consegue pular? — perguntou para Ellienne.

Rapidamente, a princesa agarrou seu vestido e num só puxão rasgou-o no lado.

— Agora consigo! Vamos!

— Vai primeiro!

Ellienne recuou alguns passos, correu e pulou. Pousou de pé do outro lado. Hart a seguiu logo. Correram pelo teto, passaram para o de outra casa e para o da seguinte e para o da que vinha depois dessa, sem direção, sem planos. Pararam numa sacada, buscando por onde seguir. Em seu peito, Hart sentiu uma aguda pontada lhe furar ao passo que seu cérebro gritava-lhe com o medo da presa “abaixe-se”. Pulou, sobre Ellienne e jogou-se no chão junto a ela. Ouviu-se o estampido e viu-se o traço de algo a cruzar o ar em estúpida velocidade. Outros três estampidos vieram logo em seguida. O soldado rolou junto a sua protegida para trás de uma coluna, penetrada no segundo seguinte por um projétil.

— Que droga é essa? — Hart gritou.

— Armas de fogo. Armas que atiram pedaços de metal. Não consigo imaginar sendo úteis… não, nas mãos de alguém como ele é uma ameaça grande demais.

Os tiros continuavam a penetrar a coluna. Hart tentou ver de onde vinham, porém na escuridão nada enxergava.

— Como ele consegue ver a gente? — resmungou o soldado. — Droga… Desse jeito não dá para sair daqui.

— Vamos descer — Ellienne disse.

— Quê? São mais de vinte metros! Não tem como você aguentar essa queda!

— Tem uma janela a cinco metros abaixo de nós. Pulamos por ela e seguimos por dentro da casa.

— Isso é loucura!

— Tem um plano melhor?

Hart sorriu.

— Cada vez eu gosto mais de você! — disse.

Ellienne sorriu e subindo na grade, ela pulou. Ouviu-se logo após o som de vidro quebrando e algo pesado caindo. Hart se aproximou do ponto de salto. A janela estava quebrada. Era a vez de ele seguir. Preparava-se para saltar quando ouviu outro estampido. Largou-se na queda, escapando por pouco d’um projétil. Em sua queda, agarrou-se ao batente da janela. O braço urrou de dor e a mão falhou.

Largou-se.

Nada o segurava. Podia mesmo ouvir o vento passar por seus ouvidos, enquanto despencava seu corpo até o fatal encontro com o chão, onde se abriria no vergonhoso vermelho de seus órgãos.

Fechou os olhos e deixou-se tomar pela culpa de ter falhado e morrido ali. Nada havia feito que merecesse ser lembrado. Quando encontrassem seu corpo apodrecido saberiam apenas ser ele o filho de um general que, ao contrário do pai, falhou em sua primeira missão. Enquanto vagarosamente caía apenas repetia o ido dia em que pela primeira vez decidira que aquele rumo tomaria.

Sorriu.

— Não ouse! — gritou Ellienne.

Hart abriu os olhos. Estava vivo. Ellienne segurava sua mão, impedindo-o de cair. Salvara a sua vida. Ela a quem ele havia de proteger.

— Não me vem com essa…

O soldado agarrou o batente da janela e se subiu para dentro da casa. Uma vez lá, despencou no chão, cansado e dolorido.

— Obrigado — disse ofegante à princesa.

— Você faria o mesmo.

— “Você”?

Ellienne sorriu.

— Detesto formalidades — disse pondo-se de pé e estendendo a mão para Hart. — Vamos?

— Vamos — falou o soldado erguendo-se com ajuda da princesa.

Desceram para o térreo da casa sem pressa. Haviam corrido por centenas de metros e se isso não havia despistado o Gew, o último salto o teria feito. Ao menos por alguns instantes poderiam respirar em paz.

— O que acha que aconteceu com Vance e os outros? — Hart perguntou.

— Sinceramente, sequer consigo pensar em algo. Toda essa situação é estranha demais. E esse Gew… pensar que alguém estaria disposto a pagar o preço deles para me ver morta é preocupante.

— Sombras, Gewen, o que mais mandaram atrás de você? Monstros gigantes?

— Acho que nem você conseguiria imaginar um plano para escapar disso, não estou certa? — Ellienne falou rindo.

— E espero que nunca precise fazer isso. Ter que cuidar de você só com essas coisas já é trabalho o bastante para mim.

— Mas você está fazendo um trabalho fantástico. Obrigada por todo o esforço, Hart.

— Não precisa me agradecer.

A saída para o térreo estava trancada. Rapidamente, usando de uma cadeira, Hart arrombou a porta. Do lado de fora estava a rua principal, vazia como todas as outras.

— E agora, para onde vamos? — Ellienne perguntou.

— Temos que nos encontrar com os outros. A cidade é cercada por colinas e florestas, tentar fugir daqui vai ser como assinar uma sentença de morte.

— Conveniente demais…

— Acha que entregaram a nossa posição? Mas não dá. A cidade inteira está vazia. Isso não é uma coisa que se possa fazer de uma hora para outra.

— De fato. Mas e se tudo foi planejado com antecedência? O ataque da Sombra Caçadora, o assassino, nossa vinda para Auenbach e o Gew. Isso não lhe parece ter sido planejado por um mesmo indivíduo?

— Mas quem ia conseguir isso? Quer dizer, eles não tinham como saber do plano, a menos que um de nós fosse um traidor. Mas você não acha isso, né?

— Francamente, eu não sei. Mas não temos tempo para isso agora. Estamos muito expostos nessa posição.

— Certo, mas para…

Antes que Hart pudesse terminar a frase, suas palavras foram seladas na garganta pela visão de um vulto cinza e esguio lentamente se aproximando. Os passos pouco a pouco ficando audíveis, os olhos; eram olhos então; vermelhos na face sem feições encravada com o negro vítreo. O corpo de Hart recuou instintivamente. Não havia como correr. Não havia aonde se esconder. Uma única escolha restava.

Estendendo a mão direita em direção ao vulto, Hart recitou as palavras que lhe foram ensinadas, fazendo seu braço ser tomado pelas linhas de reluzente azul e sua mente pelo pensamento único de destruir. Quando a última palavra foi proclamada, o projétil brilhante se formou e num instante contra o vulto se atirou. Sequer poderia ser visto, tão rápido era, sequer poderia ser parado, tão forte era. Um único ataque que usava de boa parte do Mana no corpo de Hart, tanto que ele nem mesmo podia mais se mover. O impacto contra o vulto não tardou mais que um segundo. A explosão azul-celeste envolveu a criatura iluminando por um breve momento a noite. Seguiu-se a rajada de vento e a névoa de partículas. E quando tudo terminou, lá estava, de pé, implacável, o Gew.

— A caçada acabou — o assassino falou sem mudar o passo. — Você foi bem. Foi a caçada mais divertida que tive em muito tempo. Mas você não tinha como vencer. Agora fique parado enquanto eu termino isso.

Hart não se movia. Não respirava. Não piscava. As primeiras palavras do Gew ecoavam outra vez em sua mente.

“Eu sou a sua morte” “Eu sou a sua morte”.

— Você é a minha morte…

Era algo tão simples e tão óbvio. Como poderia ser negado? Se fosse qualquer outro inimigo, Hart sabia que podia vencer. Até mesmo a Sombra tinha caído. Mas como ele poderia derrotar aquele que era a sua morte? Certo de que era o fim, ele encarou nos olhos o seu carrasco. No inferno vermelho daquele ser não havia nada. Nem ódio, nem raiva, nem pena, nem dor, nem medo, nem incerteza. Nada. Algo como aquilo estava distante demais de um ser humano. Aquilo sequer era uma criatura. Nenhum ser natural poderia ser como aquilo. Não, era óbvio. Aquilo era apenas algo criado para matá-lo.

Era a sua morte. E por estar diante da morte, não era seu destino morrer? Não era? Não era.

Não ali, não ainda.

Hart se levantou sem encarar o Gew. Não lhe restavam armas. Não lhe restavam truques. Seu corpo estava ferido. Ainda assim avançou contra a criatura. Não havia no que pensar. Não havia nada mais que fazer. Sua morte estava diante dele. Uma morte manifestada num corpo.

Tudo que tinha a fazer era derrotá-la.

Subitamente os passos metálicos do Gew pararam.

— Ainda de pé? Você é insistente. Hora de cair, humano.

Um golpe direto contra o peito. Um golpe tão simples e tão óbvio. Tão óbvio quanto o que deveria ser feito.

Hart simplesmente se desviou do golpe.

— O quê? Ainda consegue evitar um golpe desses? Parece que eu te subestimei no fim das contas.

Outro golpe. Dessa vez contra o pescoço. Descendo na diagonal pela direita e pretendendo decepar a cabeça. O golpe tinha a função de matar. Simples. Óbvio. Hart só precisava desviar.

Desviou.

— Como? — a voz impassível do Gew tremeu.

— Eu desviei.

— Como?

— Eu só desviei. Simples. Você queria me matar, eu não quero morrer, então eu desviei.

O Gew recuou.

— Chega!

Mais um golpe. Dessa vez mirava o… não mirava. Aquele golpe não pretendia matar. Então o que pretendia?

Hart ergueu os olhos. Lentamente, viu os dedos se aproximarem de seu rosto, quais lanças ou facas.

Então era isso?

Tentou esquivar. Não havia tempo. Seria atingido. Definitivamente se…

Rápido, elegante, afiado. Um movimento que beirava a perfeição.

O vulto se afastou rapidamente, dando espaço para que o palco fosse tomado pelo fantasma em cujas mãos repousava o raio do luar, brilhando em nobre silêncio.

Ellienne, de pé, espada empunhada, se colocava entre Hart e o Gew.

— Você quer me matar? — ela falou sorrindo. — Venha. Eu lhe mostrarei o poder da Rainha de Hohen!


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Notas finais do capítulo

Gewen, Gewen, como eu gosto dos Gewen.
Esse capítulo me fez pensar em quanto essa história está ficando visual (e em quanto ela usa de tropos de mangás Shonen...), o que vai ser um problema. Para ser honesto, de vez em quando me sinto escrevendo uma série da Shonen Jump...
Enfim.
Hart é um indivíduo de mentalidade tão simples. O tipo de cara que passa por cima de uma grade ao invés de dar a volta nela.
Oh, e agora a Ellie entra em cena. Isso vai ser divertido.
Bom, vejo vocês semana que vem o/
ou não...