A Canção De Hohen escrita por MrMartins


Capítulo 15
Mestre do Jogo - Parte II


Notas iniciais do capítulo

Olá novamente.
É engraçado como as coisas se encaixam de maneiras absolutamente estranhas e muitas vezes desconfortáveis. Ainda assim se encaixam e dão certo. O mundo é um lugar adoravelmente estranho.
ah, sim, o capítulo da semana.



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— O que está acontecendo aqui? — Hilde perguntou.

Karl caminhou até o centro do espaço branco, cruzou os braços e começou a caminhar em círculos.

— As regras são simples. Estamos divididos em dois times. Vocês dois de um lado e elas duas e eu do outro. Cada uma dessas esferas à frente de vocês é seu Símbolo. Se ele for tocado, você está eliminado do jogo. No momento em que um jogador for eliminado, o time ao qual ele pertence se torna imune por cinco segundos. Se qualquer uma das esferas do time imune for tocada nesse período de tempo, aquele que tocá-la será eliminado do jogo. Se houver contato físico direto entre dois jogadores os dois serão forçados a voltar para perto de suas esferas e o responsável por causar o contato recebe um pênalti. Três pênaltis e o jogador é eliminado. O objetivo do jogo é eliminar dois jogadores adversários. O time que perder morre. Entendido?

— Você enlouqueceu? — Hilde gritou. — Você quer apostar as nossas vidas num jogo? Tem uma criança aqui!

— Diga-me, Hilde, você conseguiria enfrentar os dois Gewen?

Hilde tentou falar, mas hesitou.

— Você disse que tinha um plano…

— Eu me lembro disso. Mas a situação mudou. Não temos escolha que não lutar. E ao menos aqui temos uma chance de vencer, por menor que ela seja. É por isso que eu preciso que você confie em mim.

— Tem uma criança aqui! Não posso deixá-la morrer!

— Então tudo que temos que fazer é ganhar esse jogo. Simples. E se os nossos adversários não tiverem objeções, podemos começar agora mesmo.

Um dos Gew avançou de punho erguido.

— O que te faz pensar que nós vamos aceitar esse seu jogo? — ele disse.

Karl sorriu.

— O fato de que essa é a minha arena e que aqui eu sou o Mestre do Jogo. Enquanto ela estiver ativa, eu dito as regras. E a regra básica é que ninguém se ataca fora do jogo e o jogo só começa quando as regras são aceitas.

— E se eu te atacar?

— Tente. Não vejo problema em ter um jogador a menos no seu time.

O Gew ameaçou avançar, porém o outro o segurou pelo braço.

— Espera. Vamos jogar — disse o segundo Gew. — Mas vocês têm um jogador a mais.

— Está se referindo à garota? É um problema ter um número ímpar de jogadores. Mas se quiser, ela pode passar para o seu time se vocês realmente estão tão preocupados em enfrentar um time que tem uma criança a mais. Só não sei se ela vai conseguir defender a esfera dela. Mas para mim não faria muita diferença.

— Não. Tudo bem. Com ou sem ela, vocês não tem como ganhar. Nós aceitamos as suas regras.

— Muito bem. O jogo vai começar em cinco minutos. Até lá, definam suas estratégias.

No chão, um contador regressivo surgiu, marcando o tempo restante até o início da partida. Karl rapidamente caminhou até seu time, chamando Hilde e Fjola para perto de si.

— Muito bem — ele falou. — Hilde, você vai ser a nossa atacante. Eles provavelmente vão avançar ao mesmo tempo e tentar te eliminar do jogo. Por isso preciso que você me ganhe dois minutos. Acha que consegue?

— Provavelmente.

— E eu? Eu… eu tenho que jogar? — Fjola perguntou assustada.

— Você é parte importante do nosso time — Karl disse. — Por isso que preciso que fique perto de mim o tempo todo. Entendeu? O tempo todo. Não importa o que aconteça não se afaste de mim, tudo bem?

A garota acedeu timidamente.

A contagem regressiva se aproximava do fim. Os jogadores se moviam para suas posições. Hilde armou-se da lança e assumiu postura de ataque, enquanto Karl e Fjola mantinham-se mais atrás. Ambos os Gewen permaneciam de pé, impassíveis, aguardando calados pelo começo do jogo.

Restavam agora poucos segundos.

Hilde sentia o peso da arma em suas mãos, a tensão dos músculos de seu corpo, o suor nervoso lhe escorrendo pela testa. Dois inimigos velozes e fortes estavam diante dela. Eles provavelmente evitariam contato direto, o que tornaria tudo numa competição de velocidade. Assim que o tempo acabasse, os Gewen iriam se separar e atacar esferas diferentes. Era um plano óbvio e terrivelmente eficaz. Se eles conseguissem abrir distância o bastante, seria o fim. Hilde sabia que pará-los nos primeiros instantes era sua única escolha, mas seria rápida o bastante? Tinha de ser. Tudo dependia de que fosse. Se errasse, seria o fim.

Dois minutos. Apenas dois minutos.

O contador chegou a zero.

Em um instante, os Gewen se projetaram como flechas em direção ao campo inimigo. Em poucos segundos, chegariam às esferas e eliminariam o primeiro jogador, provavelmente Hilde. Assim que o fizessem, era o fim.

Cinco segundos.

A lança raspou o chão em frente aos dois atacantes. Hilde surgiu de repente, respirando pesado, olhando de um lado para o outro. Os Gewen recuaram por instinto. A guarda-costas avançou em direção a eles tentando força-los a recuar. Um deles pulou para o lado enquanto o outro ameaçou saltar por sobre Hilde. Seguindo o primeiro Gew, a guarda-costas projetou a ponta da lança contra ele, forçando a retroceder num supetão. Apoiando então a lança no chão como uma vara, Hilde usou da energia restante para se impulsionar em direção ao outro inimigo, caindo pouco á sua frente. Ela rolou para o lado e girou a lança na altura dos pés do inimigo, fazendo com que o Gew, para não se desequilibrar, tivesse de recuar.

Vinte e cinco segundos.

Hilde correu contra os Gewen, tentando alcança-los antes que pudessem se mover. Falhou por meros instantes. Assim que ela chegou ao lugar onde os adversários estavam, os dois já haviam partido em direções opostas, avançando rapidamente não para frente, mas para trás, abrindo rapidamente distância da guarda-costas. Cem metros para cada lado. Em mecânica sincronia partiram então os assassinos, cada um por um lado, longe demais para serem alcançados ao mesmo tempo. Por um segundo, Hilde perdeu o ar. Nenhum plano lhe surgia. Nenhuma ideia. Trinta segundos haviam se passado, ela sabia, ó, quão dolorosamente sabia. Apenas trinta segundos e tudo já parecia perdido. Seu coração acelerou de súbito, uma pontada violenta afligiu o peito. Trinta segundos. Era tudo que podia fazer? Era seu limite? Trinta malditos segundos?

Não!

Num movimento carregado de esperança enlouquecida, Hilde se atirou correndo contra um dos Gew. Corria mais rápido do que jamais correra antes, mais rápido do que acreditava ser possível para seu corpo. Sentia cada músculo e cada osso ardendo e o coração furiosamente batendo desvairado e aterrorizado enquanto ardiam os pulmões. Correu e não parou. Correu e saltou. Correu e caiu. Em frente ao primeiro Gew parou e ele recuou, mas não havia tempo para comemorar. Saltou para o lado oposto, atirou a lança com toda a força que tinha. Não olhou se havia acertado. Assim que sentiu o chão sob seu pé, rolou e se aproximou do Gew, girou em frente a ele, retirando no movimento a pequena faca que levava junto ao pulso. Com ela descreveu um arco curto voltado ao pescoço do adversário, obrigando-o novamente a recuar. Ela girou outra vez, avançou de pronto em direção ao outro Gew. Parou em meio à corrida para se virar e atirar a faca no oponente anterior e então, num pulo retomar a corrida. Mal podia respirar, sequer conseguia pensar. Correr era tudo que importava. Correr era tudo que tinha que fazer.

Cinquenta segundos.

Ela interceptou o alvo. Recuou para a lança. Disparou contra o que estava mais distante. Foi para cima do outro. O marcou. O viu recuar, falsear. Era sua chance! Com o momentum do movimento passado avançou e desferiu com toda a força um soco contra o peito do Gew. Sentiu a mão latejar quando bateu no metal, porém não houve dor. Não havia tempo para sentir dor. O outro inimigo se aproximava rápido. Tinha de voltar à base.

Cinquenta e cinco segundos.

O Gew estava perto da esfera, longe demais dela. Tinha de alcança-lo a qualquer preço. Tentou correr mais rápido, mas seu corpo, cansado, se recusava a ir mais rápido. Seus pulmões imploravam por ar, seu coração ameaçava estourar, não podia mais seguir naquele ritmo.

Um minuto.

Era seu limite. Nada mais podia fazer. O Gew agora estava a poucos metros da esfera desprotegida. Não havia coisa alguma que ainda o pudesse impedir. Estava tudo terminado. Em um único minuto, o jogo havia sido decidido.

O som de uma esfera quebrando foi ouvido por todos os jogadores. Restava agora apenas uma para o vencedor ser declarado.

O som de uma esfera quebrando se repetiu um instante depois. Houve então silêncio de ambos os lados.

Dois jogadores haviam sido eliminados.

Fjola, eliminada por ter sua esfera tocada por Karl. Um dos Gewen, eliminado por tocar uma esfera inimiga durante o período de imunidade.

— Que tipo de truque é esse? — o Gew eliminado gritou.

Calmamente, Karl arrumou suas roupas e sorriu.

— Truque? — o mago falou. — Não tem truque nenhum. Você tocou uma esfera que estava em período de imunidade, logo você foi eliminado. São as regras.

— Ela não podia estar imune! Nenhum de nós tocou em nenhuma das suas outras! Isso é trapaça!

— Trapaça? Não. Isso são as regras. Eu falei que se o Símbolo fosse tocado, o jogador a quem ele pertence estaria eliminado do jogo. Eu não especifiquei que tinha de ser alguém do time adversário.

O corpo do Gew tremia furioso. Seus olhos vermelhos eram quais um incêndio. O ruído do metal partindo fundiu-se ao rugido inumano do assassino. A armadura metálica se desfez num instante. O corpo negro surgiu e num segundo se atirou contra Karl, segurando em suas mãos duas esferas de pura energia destrutiva. Uma explosão de luz e som sobrepujou tudo mais. O mundo branco do Mestre do Jogo foi manchado de sangue. O som oco de um corpo batendo no chão veio depois, seguido de perto pelo grito amedrontado de uma criança.

Quando tudo voltou ao normal, a barreira azulada ao redor de Karl piscou lentamente e então desapareceu, deixando aos pés do mago o corpo do Gew, mutilado pela explosão por ele mesmo causada.

— Jogadores que foram eliminados saem do campo — o mago falou. — E se eles tentam fazer alguma gracinha, são punidos. São as regras do jogo. Agora, Hilde, termine esse jogo.

Hilde permaneceu imóvel encarando Karl, sem conseguir proferir uma palavra sequer.

Um minuto. Não. Nem sequer isso. No momento em que as regras haviam sido aceitas, o vencedor fora declarado. Não havia outro final possível. Ele havia criado o campo. Ele havia ditado as regras. Ele era o Mestre do Jogo.

A vitória definitiva foi eventual. Não havia nada o que o Gew restante pudesse fazer. Tendo que se defender dos ataques incessantes de Hilde enquanto ainda era forçado a se preocupar em atacar, sua derrota foi não mais que uma formalidade. Quando o jogo enfim se encerrou, o mundo branco desabou em pó, lentamente ruindo qual um castelo de areia soprado pelo vento, revelando devagar o andar quebrado onde agora jaziam três Gewen mortos. Por minutos, ouviu-se apenas a respiração cansada dos vitoriosos, sentados no chão, e o sibilar do vento.

Hilde encarava Karl, um misto de admiração, medo e confusão em seus olhos.

— Onde você aprendeu isso? — ela perguntou de repente. — Aquela magia, eu nunca vi nada como aquilo. Eu nunca nem mesmo ouvi falar de algo parecido, nem mesmo Magia da Primeira Civilização.

— Você não é a única que tem segredos — Karl falou. Ele então se levantou, limpou a sujeira das calças e suspirou. — Vamos. Isso ainda não acabou. Temos que ir ajudar a princesa.

Hilde acedeu, foi até Fjola, encarou brevemente a garota, estendeu a ela sua mão.

— Eu disse que você ia ficar bem, não disse? — ela falou. — Agora preciso que confie em mim mais uma vez. Vem comigo.

Não houve hesitação. Com uma firmeza recém-descoberta, Fjola segurou a mão de Hilde e se levantou.

— Vamos lá — Karl disse. — Temos uma princesa a salvar.


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Notas finais do capítulo

Talvez tenham notado que eu mudei o nome dos capítulos anteriores. Bom, eu gostei da estrutura de nomenclatura que usei nesses dois últimos capítulos, então resolvi usá-la na história inteira. É um bom sistema, acho.
Esse foi, provavelmente, o capítulo que mais gostei de escrever. Fiquei acordado até de madrugada fazendo e refazendo partes dele até chegar num resultado que me pareceu agradável. Talvez por isso ele seja meu capítulo favorito da história até agora. Ou vai ver que é pelo Karl.
haha
Enfim. Acho que dá para notar que o arco atual está se aproximando do fim. Esperem por surpresas no próximo capítulo.
Nos vemos segunda que vem.



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