Shamandice escrita por Prana Zala


Capítulo 12
Quando as palavras são desnecessárias




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Os sentimentos são universais e imponentes; as palavras, nem sempre.

 

A luz do sol já alcançava quase a extremidade do quarto oposta à janela quando Milo acordou, com uma leve dor de cabeça. Piscou algumas vezes com força, para alinhar o cenário à sua frente e seu cérebro processar o local onde estava. Como era muito raro ir à Décima Segunda Casa, não reconheceu o quarto de Afrodite imediatamente, e se perguntou se, por acaso, não tinha ido parar na casa de alguma serva na última noite. Entretanto, o familiar cheiro de rosas que emanava daquele quarto, ainda que extremamente bagunçado, e dos longos fios de cabelo do homem aninhado a seu lado trouxeram-no à realidade, fazendo-o reconhecer seu inimigo e o local onde estava. Como flashs de um filme, Escorpião relembrou os acontecimentos do dia anterior e o que o fizera ir à casa do pisciano, que agarrava sua túnica como uma criança que tivera pesadelo e encontrara segurança no colo da mãe, em uma posição quase fetal. Reparou que a respiração dos dois parecia sincronizada, e que segurava uma das mãos do outro cavaleiro junto a seu peito. Não se lembrava de terem se deitado, nem do que fizera antes de pegarem no sono, mas não se lembrava de ter dormido tão em paz nos últimos meses.

Tentou lembrar-se se tinha algum compromisso para aquele dia para o qual estaria atrasado, e imediatamente lembrou-se de Shaka. Na noite anterior, quando foi ao encontro de Afrodite, Milo não teve tempo de conversar com o indiano adequadamente, e se perguntou se o amigo fizera vigília na porta da casa de Peixes a noite inteira, à espera de notícias ao mesmo tempo que podia se certificar de que nade de ruim fosse acontecer com os outros dois cavaleiros que ali descansavam. Isso soava tão “Shaka” que o grego não pode deixar de se sentir culpado pela hora em que acordara, fosse lá qual fosse.

Escorregou suavemente por debaixo de Afrodite e para fora da cama, pousando como um gato experiente no chão, acreditando não acordar o homem que ainda dormia. Mesmo sem ser sua intenção consciente, examinou o rosto do sueco e constatou, satisfeito, que ele estava com a expressão melhor e os olhos menos inchados, e, com surpresa, que ele parecia tão lindo dormindo quando pareceria após 1 hora se arrumando: seus cílios longos estavam cuidadosamente arrebitados para cima, sua boca e suas bochechas mantinham o rosado característico, e os cabelos do pisciano, apesar de não terem recebido nenhum cuidado prévio, estavam organizadamente alinhados ao lado de Peixes, como se tivessem sido escovados e ajeitados ao longo de seu corpo. Se tirasse uma foto naquele momento, duvidava que alguém pudesse acreditar que aquele homem dormira durante horas, e que não estava posando para um ensaio especial, com uma legião de maquiadores, cabelereiros e assessores, para colocá-lo na posição e do jeito que melhor realçaria sua beleza. Odiava ter que admitir, mas existia uma espécie de perfeição inata no inimigo, que dificilmente poderia ser ofuscada naturalmente por qualquer outra pessoa, a menos que houvesse a produção adequada. Olhou, rapidamente, para si mesmo, com as roupas amarrotadas, o cabelo emaranhado e embaraçado como se tivesse sido colocado em sua cabeça após uma sessão na máquina de secar roupas, além da cara amassada. Podia até jurar que tinha babado enquanto dormia! Ele próprio tinha noção de que era um homem bonito, mas não tinha como competir com alguém como Afrodite. Não era à toa que Peixes tinha a fama de encantar qualquer pessoa que quisesse.

E esse simples pensamento fez Escorpião lembrar-se do motivo que o fez terminar com Camus e balançou a cabeça brutalmente, como se tentasse forçar seu cérebro a voltar para o lugar. Ele tinha se compadecido com a situação do sueco no dia anterior porque sabia que, naquele momento, era o único que podia fazer algo pelo outro cavaleiro, porque era o único que o conhecia bem o suficiente – ou melhor, conhecia a causa bem o suficiente. E, também, porque ele próprio se sentira afetado com os acontecimentos do dia anterior, apesar de ter sido menos afetado do que o antigo melhor amigo porque não eram seus amados pais que o encontraram, e não era ele que tinha forjado a própria morte para romper os laços com a família. Amava os pais de Afrodite como jamais seria capaz de amar o próprio pai, mas sabia que nunca seria o mesmo. De todo modo, não podia se esquecer que odiava o pisciano, e que eram inimigos jurados. Não podia se deixar fraquejar.

Fez um coque alto no cabelo, ajeitou a roupa e saiu. Seria melhor se ele não estivesse lá quando Afrodite acordasse. Mal sabia que Peixes o observava o tempo todo, imóvel, e, como sempre, tinha certeza de que sabia 100% do que passara na cabeça do grego naquele momento.

oOo oOo oOo

Não foi preciso abrir totalmente a porta do quarto para enxergar Shaka a pouco mais de 5 metros de distância, sentado na posição da flor de lótus meditando, como se aquela fosse a sua casa e aquele fosse seu sagrado altar de mediação. Tinha certeza de que encontraria rapidamente o virginiano, mas não imaginou que fosse tão rápido. Sentiu, novamente, o estômago dar uma leve revirada de desgosto consigo mesmo, por certamente ter deixado o amigo preocupado enquanto dormia tranquilamente. Se tivesse uma classificação para falta de consideração, certamente aquela sua atitude seria merecedora de uma das notas mais altas, se não a maior.

Caminhou suavemente até ficar do lado do amigo, em silêncio, aguardando o outro notar a sua presença. Menos de 5 minutos depois, Shaka levantou-se.

— Passou a noite assim? – perguntou Milo, calmamente.

— Parte dela, na verdade. Ajuda a passar o tempo e a acalmar a mente – respondeu ele – Você vai pra casa agora?

— Sim, vamos. Podemos parar na minha casa, que é mais perto.

— Vai voltar?

— Para cá? Não, não tem necessidade – respondeu Milo, já colocando-se a caminho da saída da Décima Segunda Casa.

— Na verdade – interrompeu Virgem, sem se mover –, tem sim. E você sabe disso.

Milo parou, ainda de costas para Shaka. Apertou os olhos e suspirou, como se tentasse, dessa forma, recobrar o controle de seus pensamentos e, em última instância, da própria vida. Sabia que ele estava certo, mas não queria voltar porque não queria arriscar se perder entre aquele que era há anos e quem ele poderia se tornar se visse, novamente, o olhar despedaçado de Afrodite, como uma rosa atropelada.  Se ele pudesse voltar para casa, arrancar aquela roupa e tomar um banho, poderia fingir que nada daquilo era seu problema e seguir sua vida. Se pudesse eliminar o cheiro de rosas típico do sueco impregnado em sua roupa, suas mãos, seu nariz e sua mente, seu coração não ficaria apertado e seu pulmão não soluçaria, faltando-lhe o ar.

Não era seu problema. Não podia ser seu problema. Ele podia se sentir responsável ou culpado (apesar de repetir para si mesmo, várias vezes, que não havia por que se culpar) por muitas coisas que aconteceram na vida de Peixes, mas mentir aos pais tinha sido iniciativa que partira única e exclusivamente de Afrodite. Entretanto, Milo podia, desde aquela época, ter acabado facilmente com a mentira, especialmente porque fora ele que confirmara a notícia aos pais do sueco, muitos anos antes. E não podia negar que desmentir Afrodite deveria causar regozijo, considerando que Peixes era seu inimigo jurado. Porém, justificando internamente suas ações contraditoriamente no carinho que nutria pelos pais do sueco, decidira afastar-se da família do inimigo e não tomar qualquer providência para que a verdade chegasse ao conhecimento do Duque e da Duquesa.

Entretanto, jamais imaginara que, um dia, os quatros seriam colocados frente a frente. Naturalmente, deveria ter pelo menos cogitado aquela hipótese, considerando que a família de Afrodite era uma das mais antigas “patrocinadoras” da causa de Athena, intermediando a identificação, treinamento e viagem de centenas de crianças para servirem à Deusa ao longo dos anos, bem como era um dos maiores patrocinadores do Santuário (afinal, toda aquela estrutura demandava uma grande soma de recursos diariamente, por mais que tentasse manter uma certa subsistência com base nos recursos gerados dentro de seus limites geográficos). Com a entrada da família Kido no rol de bilionários mantenedores do Santuário, era óbvio que a Sra. Kido seria, em algum momento, apresentada à família de Peixes, que era, se não a maior, uma das maiores provedoras de recursos.

Milo olhou para Shaka pelo canto dos olhos. Não sabia em detalhes a vida pregressa do amigo, mas sabia que ele vinha de uma família extremamente pobre da Índia, e fora dado ao Santuário pequeno demais para que se lembrasse de muitos aspectos da vida fora daqueles pilares. E o mesmo se aplicava à maioria dos cavaleiros, servos e aprendizes: eles foram levados ao Santuário ou aos locais de treinamento muito jovens, e pouquíssimos tinham o privilégio de conviver com o mundo “lá fora”. Na verdade, exceto alguns cavaleiros de bronze, a maioria não saía do Santuário se não fosse em missões especiais, o que incluía quando eram mandados aos lugares mais exíguos da Terra para treinar aprendizes, normalmente longe de qualquer civilização. Não duvidava que muitos ali sequer se lembrassem do que era uma televisão, e que nenhum deles (ele incluído) sabia usar computadores.

Então, não era de se surpreender que Shaka e os demais jamais tivessem ligado Afrodite à família em que nascera, e muito menos tivessem ouvido falar sobre a família de Milo. Ambos os cavaleiros sempre ficaram bastante satisfeitos com o fato de seu passado passar despercebido, pois isso evitava que tivessem que responder perguntas ou ouvir comentários que desgostassem. Não duvidava que, para os outros, eles deviam fazer parte daquela enorme massa de órfãos que eram destinados a servir Athena ainda crianças. E tudo bem, preferia que continuasse assim. Mas não Shaka. Ele já tinha ouvido um pouco sobre o passado do escorpiano durante a conversa com o Duque, mas ele merecia mais. Tanto por parte de Milo, quanto por parte de Afrodite.

— Podemos comer em casa? Tenho algumas coisas para falar – disse Milo, retomando os passos para fora da Décima Segunda Casa, como se ignorasse o último comentário do amigo. Dessa vez, Virgem o seguiu.

— Como for melhor para você. – respondeu o loiro, por fim.

Os dois seguiram até a Oitava Casa em silêncio e a passos largos. Lá chegando, Shaka foi para a cozinha preparar o café da manhã fora de hora, enquanto o grego seguiu direto para o banheiro tomar seu ainda tão esperado banho. 20 minutos depois, ambos estavam sentados no pequeno sofá da casa de Escorpião, comendo crepes franceses, torradas e geleia.

Milo não começou a falar de imediato, menos porque não queria e mais porque não sabia por onde começar. Nunca havia conversado sobre aquilo com alguém, nem com Afrodite. Aquele era um assunto tabu até entre eles, como se ambos quisessem fingir que não existia, e só vinha à tona quando um queria atingir o outro. Suspirou levemente após engolir mais um pedaço da sua torrada e começou.

— Primeiro, desculpe por nunca ter falado sobre isso. Na boa, não era algo que eu queria ter que contar um dia, e nunca imaginei que esse assunto fosse surgir. – Shaka fez menção de abrir a boca para falar algo, mas Milo interrompeu, colocando um dedo sobre os lábios do indiano – Eu sei que você não perguntou e não vai perguntar a menos que eu te conte, e saiba que resolvi falar sobre isso de livre e espontânea vontade. Mas, também, não espere que eu vá fazer uma narrativa muito longa e detalhista, porque não tenho disposição para isso. Só quero que você, e exclusivamente você, entenda melhor a bagunça que está se formando.

“Primeiro, como você já deve ter percebido, Afrodite é filho de duques na Suécia. Mas não são meros ‘duques’, são os duques. Eles têm mais dinheiro e prestígio do que vários monarcas, e o pai dele é considerado um dos homens mais influentes do mundo. A família dele, também, é um dos maiores patrocinadores da causa de Athena, e há séculos faz mais o menos o mesmo que o avô da Srta. Kido: patrocina o Santuário com dinheiro e com o recrutamento de aprendizes. São pessoas extremamente boas e altruístas.

“Segundo, meu pai é um empresário podre de rico que conhece os pais de Afrodite. Minha mãe morreu quando eu era pequeno e fui mandado para morar com meu pai, mas, como ocorre em toda história melodramática, tinha uma madrasta infernal e tudo o que eu queria era me livrar dessa família perfeita de porcelana. Fiz amizade com Afrodite e meus pais aceitaram que eu me mudasse para a Suécia. Sim— a voz de Milo elevou-se suavemente, percebendo que Shaka faria algum comentário sobre essa parte da história –, eu era criança e meu pai me deixou mudar de país sozinho porque os pais de Afrodite pediram. Mas os pais de Afrodite não são pessoas com quem você queira se indispor, especialmente se, como meu pai, você for um empresário sedento por aumentar seu império e sem um título de nobreza. Enfim, até aqui você deve já ter induzido tudo com base no que ouviu na festa.

“Agora, talvez venha a parte que não tenha ficado muito clara. Quando Afrodite tinha 13 anos, ele decidiu, sozinho, que o melhor a fazer era mentir para os pais e dizer que tinha morrido. E, como os pais eram dele, eu simplesmente deixei que ele fizesse o que achasse melhor, por mais que eu não concordasse com isso e, se estivesse no lugar dele, nunca faria igual. Mas ele decidiu assim por uma série de razões, mesmo sabendo o mal que faria aos próprios pais com essa mentira. Nesse ponto, para você conseguir entender melhor quem são as pessoas da narrativa, Claire é uma prima minha que gostamos muito, e, por algumas razões, acabou sendo a única pessoa com quem mantemos contato até hoje. Eu nunca a apresentei para você porque não queria envolvê-la mais nessa vida do que ela acabou se envolvendo até agora, e porque eu a tenho como se fosse uma irmã e não apresentaria uma irmã a você. Nada pessoal, você sabe, mas não sei como eu reagiria se vocês tivessem um caso. Para mim, ela é uma moça pura e casta até hoje, independentemente de quantos namorados ela já teve – Milo fez uma careta involuntária, fazendo um bico repuxado para o lado e franzindo rigorosamente a testa, como se pela primeira vez tivesse se dado conta de que a moça, provavelmente, não devia ter mantido a pureza e a castidade já que tivera, de fato, namorados. E, apesar de não conviver em sociedade a maior parte de seu tempo, Escorpião sabia como eram os relacionamentos dos jovens. Após balançar a mão no ar como se tentasse afastar um pensamento ruim, retomou a narrativa. – Enfim, Claire encontrou Afrodite naquela época, ou melhor, nos encontrou, e eu realmente acredito que ela tenha feito a diferença para ele. Afinal, ela era um rosto conhecido e alguém que ele amava como se fosse da própria família, então ele se agarrou a ela para conseguir se afastar das figuras dos pais dele. E a vida transcorreu normalmente depois disso: ele fingindo estar morto para os pais, eu sem ter contato com eles e Claire vindo nos visitar de tempos em tempos. Só que há umas semanas eu, que nunca leio jornais, porque você sabe como não é comum que jornais ou notícias do mundo lá fora cheguem até aqui, fui fazer compras com o Aldebaran em Atenas e vi acabei vendo uma notícia sobre a saúde debilitada da mãe do Afrodite.”

“Eu sempre soube que ela seria quem sofreria mais com a mentira dele, mas eu meio que me apegava à esperança de que eles tivessem conseguido superar e estivessem, finalmente, vivendo bem. Afinal, já faz mais de 1 década! Não dá para viver preso ao passado para sempre. Mas, no impulso, comprei o jornal e, depois que eu li, não tive dúvidas de que ela estava daquele jeito por causa do que Afrodite fez. E, tudo bem, concordo que também foi no impulso, mas acabei comprando e enviando flores e um cartão para ela, desejando melhoras. Você não faz ideia de como é difícil fazer com que esse tipo de encomenda chegue à Suécia! Bom, de fato eu só enviei o cartão mesmo, e encomendei as flores de lá. Mas tive que encontrar alguém daqui que pudesse fazer isso. – Milo deu de ombros, pegou uma torrada e passou geleia nela – Mas eu me esqueci que era época da Claire vir nos visitar. Veja bem, teria sido muito mais fácil se eu tivesse simplesmente esperado ela vir e feito a encomenda diretamente para ela. Ela não mora na Suécia atualmente, mas ela certamente teria mais facilidade em fazer as flores e meu cartão chegarem à mãe do Afrodite. E ela saberia que o Afrodite não sabia e não teria comentado com ele sobre o quanto ficou surpresa quando o tio contou para ela. E o Afrodite não teria dado piti no refeitório.”

Shaka balançou a cabeça, como se concordasse com a ponderação do amigo, ao mesmo tempo em que indicava que estava entendendo a história. De fato, muitas coisas passavam a fazer sentido.

— E o resto você já sabe: festa, encontro inesperado, Afrodite chocado, crise de negação etc. etc. etc. Não tenho dúvidas de que para ele é difícil reencontrar os pais, e principalmente que os pais saibam que ele está vivo. E, como daqui eu sou o único que conhece a história toda, eu fui o único que ele aceitou ver ontem. Por total falta de escolha, garanto. – Milo balançou uma mão no ar enquanto falava, como se aquele fato não fosse importante.

Shaka coçou o queixo. Fazia sentido, mas ao mesmo tempo não fazia sentido. Se Afrodite queria se distanciar do passado, o escorpiano devia ser a última pessoa que ele gostaria de ver. Se os dois se odiavam tanto, aquele deveria ser o momento em que Peixes menos queria que Milo o visse, porque era um momento de fraqueza. E o sueco podia ser bom em ocultar várias características suas, mas Virgem o conhecia bem o suficiente para saber que era orgulhoso e um tanto narcisista. E não restava dúvidas de que seu passado, definitivamente, era uma de suas fraquezas (se não a única).

— Mas agora você vai entender o porquê eu disse que ele não precisava de mim. – Milo mordeu sua torrada e continuou falando, enquanto mastigava – Ele não precisa de mim porque ele precisa da Claire. Nessas horas, ela é a força que o reergue. E, coincidentemente, ela está em Atenas. Não, não é coincidência já ela veio porque os pais dele estavam vindo. Eles têm uma casa em Atenas, como o tio mesmo disse ontem. Então, tudo o que eu preciso fazer é fazer chegar a Claire um recado dizendo onde ela pode encontrar Afrodite, porque ela certamente já sabe o que aconteceu. Ela não pode vir por conta própria porque ela simplesmente não sabe onde fica o Santuário, mas temos um ponto de encontro bem perto daqui. Na verdade, fica bem na fronteira. E, aí, eu só preciso empurrar o Afrodite para o lugar. Ou falar para ele que ela estará lá, já que ele morre de preocupação em deixá-la sozinha tão perto de um lugar cheio de homens que passam a vida lutando e que podem estar com os hormônios à flor da pele. Por pior que ele esteja, sei que ele nunca deixaria de ir ao encontro dela.

— Gostaria de conhecê-la. – disse Shaka, após um breve silêncio, que era cortado apenas pelo som do escorpiano mastigando.

— Béééé. – disse Milo, tentando imitar o som de um alarme, soltando o pão e fazendo um “x” com os indicadores quase grudado no rosto de Virgem – Não pode. Fora de cogitação. Jamais.

— Prometo que não toco em um fio de cabelo dela.

— Ainda assim, não.

— Não confia em mim?

Milo não soube ao certo se o tom de sofrimento na voz do indiano era forjado ou sincero, mas apressou-se a explicar:

— Com a minha vida! Mas não posso ter certeza de que ela não se apaixonaria por você. E isso, meu caro, seria a maior desgraça que poderia acontecer na minha vida nesse momento. Quase tão grande quanto se-

Milo interrompeu-se, bruscamente, mas não precisava terminar a frase para que Shaka soubesse exatamente o que ele diria se tivesse continuado. “Se Camus se apaixonasse por Afrodite”. Tinha ouvido aquela expressão algumas vezes ao longo dos vários anos de paixão de Escorpião por Aquário, e Milo devia ter sido pego pelo hábito. Porque, agora, não fazia mais diferença, já que eles não estavam mais juntos. E que Afrodite tinha tido um papel importante na separação, para depois rejeitar o francês.

— Enfim – continuou Milo, retomando a conversa como se a última frase nunca tivesse sido quase dita –, não quero arriscar. Conheço Claire o suficiente para saber que ela poderia, muito bem, se apaixonar por você. E, aí, eu ficaria em uma situação muito complicada, porque, ao mesmo tempo em que eu não quero que ela sofra, eu não quero te dividir com ela – Virgem sentiu um sorriso involuntário se formar em seus lábios, quase imperceptível, ao ouvir aquela afirmação. Não sabia exatamente o porquê, mas gostara muito – Eu digo, não estamos em um relacionamento monogâmico nem nada do tipo, e você tem todo o direito de sair com quem quiser. Até quero mesmo um sexo a três com você. Mas essa outra pessoa jamais poderia ser Claire. E, além do mais, vocês não conseguiriam conversar porque ela não fala grego, ou japonês, ou outro idioma que você saiba, então seria inútil vocês se encontrarem.

— E como sabe que eu não sei o mesmo idioma que ela? Eu posso saber e simplesmente nunca ter tido que falar na sua frente. – disse o indiano, apoiando um cotovelo na mesa e a bochecha na mão.

— Justo. Mas esse eu tenho certeza porque é um sobre o qual você especificamente já comentou no passado. Ela fala francês, majoritariamente.

Virgem quase deixou o cotovelo escorregar da mesa, mas conseguiu segurar a surpresa e agir como se nem tivesse se abalado.

— Ora ora, meu escorpiãozinho, você está cheio de surpresas hoje. Desde quando você fala francês? Sempre comentou sobre o quanto amava o sotaque de Camus, mas não gostava que ele falasse em francês. Nunca falou nada em francês além de “oui” e “moi”, “merci”, “c’est la vie”, e essas palavras e expressões que a maioria das pessoas conhece, mesmo sem saber falar o idioma.

— Justo. Mas você há de concordar que eu nunca falei que eu não entendia o que Camus falava. Talvez eu tenha dito que o que ele murmurava era incompreensível às vezes. Mas isso pode ser em qualquer idioma.

Touché. Mas, ainda assim, sempre deu a entender isso. Aposto que ele mesmo não tem noção que você entende.

— Ah, ele não tem mesmo, e isso foi proposital da minha parte. Eu nunca contei para ele ou fiz qualquer coisa que o deixasse perceber isso, ou qualquer outra pessoa por aqui. Arriscaria dizer que o único que sabe isso é o Afrodite mesmo, por falta de opção, já que ele conviveu comigo na época.

— E posso saber por quê? Poderia ter ajudado na sua aproximação quando o conheceu, pois seria alguém com quem ele poderia falar em sua língua natal. Ou você entende o idioma, mas não se sente confortável em conversar?

Milo largou o restante da sua torrada no prato (a quarta que comia!) e recostou-se na cadeira, jogando a cabeça para trás, em uma nítida demonstração de cansaço, com os olhos fechados. Tinha decidido contar para Shaka seu passado (ou, pelo menos, a parte que seria relevante para que Virgem entendesse o emaranhado de fatos que vinham acontecendo nos últimos dias), mas não imaginava que se sentiria tão esgotado. Ficou assim por algum momento, e, quando Shaka estava abrindo a boca para dizer que ele não precisava responder, ele endireitou-se na cadeira e pegou sua torrada novamente.

— Porque, quando vim para cá, não queria dar quaisquer indícios que pudessem fazer alguém descobrir qualquer coisa sobre a minha vida pregressa. Não é que eu quisesse esconder, mas nunca quis divulgar isso. Eu já tinha Afrodite por perto, e isso já causava mais estranheza aos olhos dos outros do que você pode imaginar. Afinal, não é comum duas crianças sem laço sanguíneo virem juntas. Ou, pelo menos, não era comum naquela época. Depois o Sr. Kido mandou aquele bando de crianças que tinham vivido juntas antes. Mas, enfim, quando eu vim, isso não era. E, a todos, eu sempre me limitei a dizer que sou grego de nascença. Nunca expliquei que, até vir para o Santuário, eu nunca tinha morado, de fato, na Grécia. Ou que passei parte da minha infância na Suécia, apesar de algumas pessoas terem feito essa ligação porque Afrodite era sueco. Se bem que nada impedia ter sido ele quem havia mudado para a Grécia antes. E eu posso te explicar um pouco mais sobre minha vida semi-nômade da primeira infância outro dia, mas não hoje. Não sei por quê, mas estou mais cansado do que o normal.

— Sem pressa. Não precisa contar mais do que você já me contou, ou do que você tenha vontade de contar. Mas obrigado por ter contado, de todo modo – disse Virgem, inclinando-se para Milo e dando um selinho nos lábios do grego.

— Desculpe por não ter contado antes. Nunca tive a intenção de esconder qualquer coisa de você, mas eu nunca achei que essa coisa de passado podia importar. De todo modo, voltando às suas perguntas, eu sempre am-... - Milo interrompeu-se, de novo, pigarreando rapidamente antes de retomar a frase – ... gostei do sotaque de Camus, mas o que me incomodava nele falar em francês era o fato de eu não poder responder como gostaria e dele me lembrar de um passado e um lugar que, além de tudo, eu super queria me desvincular. Eu morei na França, eu aprendi francês, mas eu odeio aquele lugar, e uma das pessoas que eu mais odeio no mundo também é daquele lugar. Digamos que a França me deu apenas 3 coisas boas na minha vida: Claire, minha vida como cavaleiro e, até recentemente, eu podia incluir Camus nessa lista. Porque, como eu já disse, amo Claire, foi na França que conheci Afrodite, que, por sua vez, me apresentou à Atena e à vida de cavaleiro, e, bem, Camus foi uma pessoa muito importante da minha vida. Independentemente de como esteja agora, eu não posso negar isso. Mas, tirando isso, tudo o que me remete à França e ao tempo em que vivi lá me causa sensações entre náusea, ódio e desgosto. Posso afirmar, com toda a certeza, que nem meu treinamento foi um inferno pior do que meu tempo na França. E olha que lá eu, em tese, podia comer todos os dias.

— Eu estava quase achando que você tinha tido uma vida de príncipe antes de vir para o Santuário devido aos últimos acontecimentos, mas, pelo visto, é verdade que nem sempre dinheiro e berço de ouro trazem paz e felicidade, não?

— Eu não nasci em um berço de ouro, na verdade, mas podemos dizer que tive que deitar em um quando ainda era criança. E a “alta sociedade” não aceita muito bem quem surfa na mesma onda que eles sem ter nascido ali, ainda que a lei, em tese, garanta igualdade de tratamento.

— Porque o seu pai, podre de rico e casado com a sua madrasta, engravidou uma pobre moça em algum lugar do mundo, e quando ela morreu ele teve que o levar para a casa dele, é isso?

—Tem uns detalhes a mais aqui e acolá, mas é isso, basicamente – respondeu Milo, dando de ombros.

— E, para evitar situações constrangedoras no futuro, você pode confirmar se você fala hindu também?

— Claro que não – respondeu o grego, abrindo um largo sorriso maroto – Por acaso você tem falado mal de mim em hindu?

— Ainda não, mas é sempre bom saber.

— Se tranquilizá-lo, não sou poliglota. Ou talvez eu seja, dependendo de quantos idiomas alguém precisa falar para ser considerado um. Eu falo fluente grego, francês, inglês, sueco e japonês. Entendo o básico de italiano e alemão, mas acho que não consigo pedir muito mais do que um copo d’água na rua, se precisar, apesar de certamente entender que alguém está falando algo sobre mim, ainda que não saiba o quê.

— Olha, sinto informar, mas tecnicamente isso é ser poliglota.

— Pode ser que sim, pode ser que não. Na família do meu pai, você não é digno de nota se não falar ao menos 7 idiomas, e eu só sei 5, sendo que 2 aprendi enquanto morei com Afrodite na Suécia.

— E Afrodite?

— Quantos idiomas ele fala? Não sei ao certo, posso estar desatualizado. Mas ele certamente fala sueco, inglês, francês, alemão, dinamarquês ou groenlandês, não lembro qual deles se falava onde ele treinou, grego e japonês. – respondeu Milo, contando nos dedos. – Ou seja, 7. Não sei se ele aprendeu algo a mais nos últimos anos, mas eu chutaria que não.

— Ter filhos poliglotas é um desejo da aristocracia mesmo? Por que ensinar tantos idiomas para crianças? Vocês saíram de lá muito novos para terem aprendido tanto assim antes.

— As escolas ensinam, as babás são de outras nacionalidades, muitas vezes os pais são de países diferentes. Aqui é a Europa, é mais fácil viajar de um país a outro do que os Estados Unidos, por exemplo. Veja só, minha mãe, mesmo sendo grega de nascença, era filha de italianos, e meu pai é francês. O pai do Afrodite é filho de suecos, mas passou boa parte da infância e adolescência dele na Inglaterra e na França, e a mãe dele é da Alemanha. A babá dele era grega, a propósito. Os pais dele sempre tiveram uma ligação com a Grécia, já que patrocinavam nossa causa, e quiseram que o filho também tivesse, de alguma forma.

— Já li sobre isso, mas 5 ou 7 idiomas não é demais? Não sei como a criança lida com tanta informação.

— Algumas têm mais dificuldade, é verdade, mas elas não têm muita escolha. Eu te digo isso por experiência própria: fui quase literalmente açoitado quando tive dificuldade para aprender francês. Foi um inferno, de verdade. – Milo deu de ombros – O bom é que eu estava mais acostumado com esse tratamento “amável” quando fui para o meu treinamento.

— Está fazendo graça? Eu acho terrível uma criança ser submetida à violência em uma situação de “normalidade”. Os aprendizes estão sujeitos à violência porque precisam aprender a lutar, mas fora desse contexto eu concordo com o Um de que a violência é desnecessária.

— Nesse mundo tem muita coisa desnecessária, isso é fato. Não podemos mudar isso, então confesso que nem penso nisso.

Milo continuou tomando seu café da manhã em silêncio, enquanto Shaka permaneceu de braços cruzados, na mesma posição, enquanto refletia sobre tudo o que o amigo havia falado. Até o dia anterior, nunca lhe passara pela cabeça que Escorpião e Peixes podiam ter alguma ligação com a aristocracia, ou que Milo guardasse um segredo tão básico como o fato de falar francês. O que Camus pensaria se soubesse? Quantas informações o escorpiano poderia ter obtido sem que Camus percebesse, simplesmente pelo fato de fingir ignorância? Mas ainda tinha um detalhe que não estava fazendo sentido.

— Você comentou que Afrodite ficou sabendo do cartão e das flores porque estava perto da visita da tal da Claire, certo? – perguntou o indiano, por fim.

— Sim. Por quê?

— Isso já faz bastante tempo. Ela ainda está por aqui?

— Na verdade, não. As aulas dela já começaram.

— E como você pretende fazer com que ela e Afrodite se encontrem?

— Não é tão complicado. Vou enviar uma mensagem a ela, pedindo para ela vir. Considerando a hora, ela deve chegar hoje no início da noite ainda, porque são só umas horas de avião para cá.

— Tem tantos voos assim para cá?

— Não sei, mas ela não vem de avião comercial. Ela vem de jato particular, e isso acelera muito as coisas.

— Cara, você falou que era rico, mas isso é um pouco mais do que eu tinha imaginado.

— Não sou rico, meu pai é. Isso é, a família dele também. E, como Claire gosta de viajar bastante, o pai dela, que é irmão do meu pai, deu um avião particular para ela faz uns 3 anos, então ela nem precisa pedir autorização dele para poder vir, o que agiliza o processo.

— Espera aí, ela tem um jatinho? Que ela ganhou do pai porque gostava de viajar?

— Ela sempre foi tratada meio que como uma princesa, então sim. Não é algo extraordinário para eles, pode ter certeza.

— Se você diz... Mas, me conta, o que precisa para avisá-la? Tem algo que eu possa fazer?

— Preciso só de um telefone. Normalmente, evito o que fica no salão do Grande Mestre, mesmo sendo o único do Santuário, e vou até o vilarejo vizinho para telefonar, porque nunca quis deixar registros aqui sobre ela. Mas, considerando o que aconteceu ontem, acho que não faz mais muita diferença. Quero dizer, quem deve ter acesso à lista de ligações deve ser somente a Srta. Kido e seus servos, e agora ela já sabe de quase tudo. Não se surpreenderia com uma ligação internacional minha.

— Okay, eu vou com você, então. Assim que acabar? – perguntou o indiano, apontando para as torradas que Milo havia separado e não tinha terminado de comer.

O grego balançou a cabeça e retomou sua refeição. Nunca pretendera esconder nada de Shaka, mas também nunca tinha tido intenção de contar, de modo que jamais se permitira perguntar como se sentiria se um dia isso acontecesse. Pensando agora, a única sensação possível era exatamente a que sentia naquele momento: alívio e paz. Seria bom nunca mais precisar se conter para não contar coisas que envolvessem Claire, ou até mesmo fazer algum comentário sobre seu passado. Ele podia não ter mais ninguém para conversar no mundo, mas agora podia falar o que quisesse para o seu porto seguro. Como era boa a sensação!

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A cada passo que dava em direção à Décima Segunda Casa parecia que estava se afundando mais ainda em um terreno com areia movediça, de tanta força que suas pernas tinham que fazer para prosseguir. Não queria voltar àquele lugar, mas precisava avisar Afrodite que Claire estava a caminho, se não ele não conseguiria ir ao encontro da garota. Havia até pensado em pedir para Shaka passar o recado, mas Peixes ainda não sabia que o virginiano tinha sido colocado a par dos acontecimentos da infância e adolescência dos dois (ainda que parcialmente) e provavelmente sequer abriria a porta. Não que a porta provavelmente estaria trancada, pois Escorpião duvidava que Afrodite tivesse saído da cama naquele dia. De todo modo, Shaka jamais invadiria o quarto de Afrodite (aguardaria, pelo menos, autorização para entrar) e poderia causar uma reação adversa no morador daquela casa ao mencionar Claire, deixando claro que sabia da existência da moça.

Não tenho escolha. Não estou fazendo isso porque eu quero, ou porque estou preocupado. É tudo pela Claire.

Milo repetiu para si durante todo o caminho palavras que tentavam convencê-lo (a si mesmo) que somente tinha intervindo novamente por gratidão pelo fato de Afrodite ter ido até a Oitava Casa durante a última batalha, por pena do cavaleiro, que visivelmente estava destroçado por dentro, e por amor à Claire, não a Afrodite, porque sabia que a prima iria sofrer muito se algo de ruim acontecesse com o sueco.

Sim, por Claire, repetiu ele. Por ela, vale a pena voltar àquele quarto, contra a minha vontade, e arrancá-lo de lá.

Ao chegar na casa do pisciano, constatou que estivera certo e a porta não estava trancada. Dependendo do estado de frangalhos que o outro se encontrava talvez nem sua presença tivesse sido notada. Melhor. Entraria rápido, daria o recado e voltaria para a casa de Virgem.

Entrou devagar, analisando a situação do lugar enquanto buscava por Afrodite. A bagunça permanecia lá, com roupas e objetos jogados por todos os lados, vítimas do ataque de frustração que acometera o sueco assim que saíra da festa, mas, surpreendentemente, avistou o Peixes deitado na cama com uma roupa diferente da que vestia quando Milo saíra de manhã, e os cabelos ainda molhados pendurados para fora da cama.

Milo sentou-se no pé da cama de Afrodite, que estava deitado de costas, com o antebraço direito cobrindo os olhos e o outro braço largado ao longo do corpo, imóvel. Ele não queria voltar a ver o inimigo porque aquilo o estava deixando com uma sensação de sufoco por alguma razão que não queria descobrir, mas tinha que avisar que Claire estava a caminho e arrastá-lo para o ponto de encontro.

— Escuta, Claire ficou sabendo de ontem e está a caminho. Você tem 3 horas para ir encontrá-la.

Peixes permaneceu imóvel mesmo ouvindo o nome da amiga, o que era estranho. Milo colocou a mão na perna do sueco, perto do tornozelo, e sacudiu levemente, instando-o a falar algo, mas nada aconteceu.

— Olha, se quer se fingir de morto problema seu, mas vai ter que ressuscitar até as 22h, se não ela vai ficar esperando sozinha. E nem cogite a hipótese de ignorá-la, pois sabe que isso não vai funcionar.

Nada novamente.

— Bom, recado dado, missão completa – Milo cruzou os braços – Se vai ficar aí, eu vou embora. Coloquei um despertador para tocar às 21h50, para você saber que está na hora de ir.

Escorpião começou a se levantar quando Peixes tirou o braço de cima dos olhos, apoiando-o na testa, e encarou o grego.

E, nesse momento, o mundo de Milo se partiu em milhares de pedaços. O ar fugiu de seus pulmões e o escorpiano pareceu ter se esquecido de como respirar, fazendo-o entreabrir os lábios, como se tentasse ajudar o ar a entrar novamente.

Aqueles olhos, aquele olhar, aquela expressão... Ele não sabia o que tinha acontecido, mas soube que nada seria igual. A pessoa que ele era, as barreiras que construiu por conta do ódio que sempre repetiu para si sentir, os últimos anos de fogo trocado, tudo pareceu desmoronar e desaparecer, como se nunca tivessem existido. Aquilo era surreal.

Ambos se olharam por alguns minutos, sem dizerem uma palavra sequer. Sem desviar os olhos do antigo inimigo, Afrodite sentou-se na cama, inclinando-se para se aproximar de Milo, que agora era quem estava imóvel. Peixes colocou uma mão sobre a coxa do grego para se apoiar quando se inclinou, e o escorpiano sentiu a outra mão pousar em sua nuca. Quando percebeu, os lábios de Afrodite estavam quase encostados aos seus, mas o pisciano não avançou os últimos milímetros, apesar de ter fechado os olhos, esperando uma ação do outro. Como Milo não agiu de imediato, o sueco abriu os olhos e o encarou, sem se mover.

Milo, de repente, se lembrou de como respirar e inspirou o mais profundamente que pode, como se tentasse recuperar o controle de sua vida juntamente com o ar, mas não desviou o olhar.

“Não é uma pegadinha, não é por vingança”, disseram os olhos de Afrodite.

“Não é por pena, não é por amor”, retribuiu o olhar de Milo.

E Milo avançou o espaço que os separava, unindo os lábios de Afrodite aos seus, com uma sede de quem não bebia há dias em um deserto, que foi prontamente retribuída. Em instantes, Milo estava por cima de Afrodite na cama, e eles eram só pele contra pele, desejo contra desejo.

Não precisaram de palavras. Eles nunca haviam precisado.


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Notas finais do capítulo

30.09.2020

Quase 6 anos depois, cá estou de volta para continuar esse projeto que eu quase abandonei! Nem sei mais como funcionam esses sites de fanfics porque a vida tem sido muito louca, mas estou comprometida a terminar essa fanfic de qualquer jeito! Afinal, agora chegou na parte que eu tanto queria escrever, então não posso parar, não é?

Para evitar um atraso tão gigantesco como este, quase optei por terminar toda a história e aí postar de uma vez só, mas sei que isso pode levar mais muitos meses e acabei voltando à ideia de postar os capítulos na medida em que forem terminados. O capítulo seguinte está bem avançado, mas acho melhor eu não prometer nada...

Enfim, espero que curtam! Não sei se alguém das "antigas" vai ler isso aqui, mas não poderia deixar de agradecer todos os comentários e apoio que recebi até o momento. Vocês foram um incentivo para eu retomar esse projeto, e espero que gostem do desenrolar dos acontecimentos!



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