E então há o piano. Pedaços de madeira e fios que são tudo menos pedaços de madeira e fios. O piano faz parte da música e a música faz parte de você, logo o piano é você.

Ele sozinho não iria mover as próprias teclas, não emitiria som algum, enquanto você, pianista, sem ele, não seria capaz de criar música. É um mutualismo entre três elementos nobres: o piano, o pianista e a música, tão dependente do instrumento e do artista quanto estes desta. O piano que necessita de dedos ágeis e bem treinados para tocá-lo, a música que necessita do amor do artista e das cordas do instrumento, e o pianista que necessita do piano para criar e da música para viver.

Não julgue o pianista ao vê-lo cuidando de seu instrumento como uma mãe que cuida de seu filho, pois este é, para ele, uma criança pela qual vive e a qual necessita de seu amor e cuidado. Não julgue o pianista ao vê-lo tão imerso em suas teclas e envolto por sua música que parece esquecer-se do mundo à sua volta, pois sem tais elementos o mundo nem mesmo existiria para ele. Não julgue o pianista por olhá-lo torto caso aja da maneira errada para com o seu piano, pois este é a sua vida e vê-lo sendo maltratado é um ultraje.

Acima de tudo, não julgue o pianista ao ver tamanho amor que ele nutre por seu instrumento, pois para ele o mundo é feito de música e, com um piano, ele tem, literalmente, o mundo na ponta de seus dedos, pronto para ser manipulado como ele bem entender, pronto para ser moldado aos seus modos e caprichos.