Deus Deve Odiar-me! - 1 Temporada escrita por BouvierDesrosiers


Capítulo 24
Quem me dera poder salvar-te


Notas iniciais do capítulo

capítulo um pouco triste :s Boa leitura



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Acordei e senti mexerem-me no cabelo. O sol batia-me nos olhos e não me apetecia abri-los. Estava a saber-me tão bem estar ali assim. Estava com a cabeça pousada no peito do Seb e ele abraçava-me. Fazia-me festinhas no cabelo e brincava com ele. Olhei para ele e ele sorriu. Tenho a sensação que está assim há muito tempo.

- Bom dia! – Disse ele, dando-me um beijo na testa.

- Bom dia. – Respondi, esfregando os olhos, ainda meio ensonada.

De repente, alguém bateu à porta e parecia estar impaciente. O Seb levantou-se com jeitinho, pousando cautelosamente os lençóis. Abriu a porta e entrou o meu irmão a resmungar, para variar. Será que ele tem sempre de acordar assim?

- Vocês sabem que horas sã… – Pausou ele e ficou sério ao olhar-nos, mas depois observou o Seb. – Seb, isso são uns boxers do Scooby-doo?

- Ya. São giros, não são? – Perguntou, exibindo-os, dando uma voltinha.

- Claro! Eu tenho uns iguais! – Respondeu o meu irmão.

Só cá me faltava esta agora! Enrolei o lençol à minha volta e levantei-me. Eles ficaram a olhar para mim de sobrancelha erguida.

- Mas agora vão ficar aí a discutir os boxers que têm iguais?

- Não há aí nada que eu nunca tenha visto! – Disseram os dois ao mesmo tempo e depois olhando-se pasmados.

- Ahn? – Soou o Seb, pasmado. – Tu…?

- É minha irmã e eu é que tomei sempre conta dela. – Respondeu o Pierre, com a maior naturalidade. – Além disso, tomávamos banho muitas vezes juntos. Principalmente quando íamos de férias.

- Ei! – Chamei, irritada com a conversa. – Importam-se de não falar de mim como se eu não estivesse aqui?!

- Desculpa. – Pediu o Seb, vindo ao meu encontro e dando-me um beijo no rosto.

- Vá, despachem-se! – Avisou o meu irmão, saindo do quarto e fechando a porta.

- Queres ir tu primeiro? – Perguntou o Seb, apontando para a casa de banho.

- Posso ir. – Respondi, sorrindo.

Peguei na toalha e fui até à casa de banho. Aproximei-me do lavatório e olhei-me no enorme espelho que tinha por cima, iluminado por uma lâmpada com uma forma estranha. Observo o meu reflexo e passo a mão pelo pescoço. Tenho receio de tirar o curativo. E se tiver uma marca horrível? Uma cicatriz que me lembrará aquela noite para o resto da vida? Como as daquele homem, de cara medonha e mente destorcida. Mas algum dia terei de enfrentar isto e quanto mais depressa, melhor. Tiro o curativo e ao observar o meu pescoço, dou um grito.

- Magda! – Gritou o Seb, em pânico, batendo à porta mas como não respondi ele entrou. – O que se passa?!

- A marca… – Respondi, apontando para o pescoço.

O Seb aproximou-se de mim e observou o meu pescoço, fazendo-lhe uma festa.

- Desapareceu. – Disse ele, sorrindo. – Eu disse-te que não ficaria marca nenhuma!

Abracei-o e após ele sair, fui tomar o meu banho. Felizmente não fiquei com nenhuma recordação marcada no corpo. Sim, porque a marca que me ficou na mente, essa não a poderei fazer desaparecer. Não vou conseguir esquecer aquele rosto marcado, aquele medo que senti, o David amarrado, gritando para que não me fizesse mal. Parece que os seus pedidos desesperados ainda entoam na minha cabeça. Relembro cada lágrima que lhe escorria dos olhos e o seu choro aflito. O seu debate para se tentar soltar. Estava realmente atormentado. Eu conseguia ver isso no seu rosto. A cada milímetro que o homem ficava mais perto de mim, mais espelhado era o medo do David.

Saio do banho e enrolo-me na toalha, caminhando para o quarto, onde me deparo com o Seb a fazer as malas. As minhas e as dele.

- Eu fazia isso! – Disse eu.

- Mas já estão prontas! – Disse ele, dando-me um beijo e entrando para a casa de banho.

Sorri e vesti-me. Não demorou nada até o Seb sair do banho e arranjar-se também. Ele pegou nas malas e descemos até à sala, onde estava o meu irmão e o Jeff a resmungar.

- Tu não páras de resmungar, maninho?

- Não! – Respondeu ele, de mãos na cinta. – Enquanto aquela zebra continuar a atrasar-se, não!

- Eu nem sei o que lhe faço, se perdermos o avião! – Rezingou o Chuck, ainda de mau humor. – É sempre a mesma coisa!

- Tenham calma. – Pediu o Seb. – Ainda temos tempo.

Logo surgiu o David, que desceu as escadas e pousou as malas. Claro que não se safou de ouvir o meu irmão, o Chuck e o Jeff, que parecia que o queriam deitar aos cães e os gatos! Mas rápido lhes passou e depressa a camioneta da organização nos levou ao aeroporto. A Vanessa continuava a tentar que o Chuck entendesse que tinha de ir para Miami, era o trabalho dela, mas ele não parecia querer saber. Dizia que ela tinha era de vir connosco e que era como se o estivesse a abandonar. Nunca o vi assim, tão abatido e desmotivado. Parecia que era o fim do mundo!

Ouviu-se a última chamada para o avião da Vanessa e ela despediu-se de nós. Ainda que chateado, o Chuck despediu-se dela e logo ela entrou no túnel de embarque, acenando-nos.

- Vá, não fiques assim. É o trabalho dela. – Disse o Seb, dando-lhe uma palmadinha no ombro.

- Eu sei, mas… Ela devia ficar comigo… Ir para casa comigo… – Disse o Chuck, com ar triste.

- Não te preocupes. Eu sei o que estás a pensar, mas não vai voltar a acontecer o que aconteceu… – Tranquilizou o Jeff.

- O quê que aconteceu? – Perguntei, não percebendo a conversa.

- Não quero falar disso agora… – Disse o Chuck, baixando a cabeça, visivelmente abalado.

- Está bem, mas queres um conselho? – Perguntei e o Chuck acenou afirmativamente com a cabeça. – Não percas tempo com discussões inúteis. Tu sabes muito bem que ela não podia recusar-se a ir. Além disso, ela já volta. Estás aí deprimido como se nunca mais a fosses ver!

- Mas é mesmo disso que tenho medo…

- Não tenhas. Eu garanto-te que ela volta! – Sorri.

- Tens razão. – Admitiu ele. – Achas que ela está muito chateada comigo?

- Acho que é melhor preparares-te… – Avisei, rindo. – Mas não te preocupes… Bate-lhe forte mas passa depressa.

- Espero que sim. – Riu.

Fomos até à sala de espera e eu sentei-me numa das cadeiras metálicas. Para minha grande admiração não estava muita gente no aeroporto. Estranho, não é? Não importa, ainda bem que assim é. O David sentou-se mais afastado e apenas olhava pela grande janela, de onde se viam os aviões a levantar e a aterrar.

- Estou cheio de sede! – Queixou-se o meu irmão, fazendo uma cara angustiada.

- Vamos buscar garrafas de água. – Sugeriu o Seb. – Não podemos deixar o nosso rouxinol à sede!

- Tragam para nós também! – Pediu o Jeff.

O Seb e o meu irmão afastaram-se para ir buscar as garrafas. Olhei para o David, que contra a sua natureza, estava quieto demais. Das duas, uma: ou adormeceu ou está mesmo mal. Não é nada normal estar tão quieto. Ou, se calhar, tomou Ritalin a mais!

- Está assim há tanto tempo… – Comentou o Jeff, pois reparou que eu estava a olhar para o David. – Já tentamos falar com ele, mas só diz que não se passa nada e para o deixarmos sozinho.

- Talvez tu consigas que ele fale. Pode ser que ele desabafe contigo, vocês são tão amigos e já... – Disse o Chuck, mas o Jeff deu-lhe uma cotovelada. – Ai! Ahm… Bem, vai falar com ele.

Ri. Estes dois não existem. Levantei-me e sentei-me ao lado do David, que deixou finalmente de olhar pela janela e encarou-me, forçando um sorriso.

- Que se passa? – Perguntei, num tom meigo. – Não gosto de te ver assim…

- Não se passa nada…

- Hello? Estás a falar comigo, não me enganas! – Relembrei e ele sorriu.

- O quê que fazias se amasses alguém e esse alguém tivesse namorado? – Perguntou, encarando-me. – Se já estivesses estado com essa pessoa e essa noite não te saísse da cabeça e só aí tinhas percebido mesmo que era dela que gostavas, que era a ela que amavas?

- Bem... Não sei… – Respondi, não sabendo bem o que dizer. – É difícil. Provavelmente, parva como eu sou, não faria nada. Mas não acho que seja o correcto. Acho que se deve lutar sempre por aquilo que se ama e por aquilo que se quer!

- Então irias atrás dessa pessoa?

- Sim, se a amasse mesmo, sim. – Respondi. – Mas que conversa é essa? Estás a falar do teu amigo?

- Ahm… Sim! – Respondeu, engasgando-se.

- Mas então ele esteve com ela? – Perguntei, arregalando os olhos, confusa.

- Ah… Sim… Eles acabaram por se envolver… – Disse, atrapalhado.

- E ela continua com o namorado? Ele não soube?

- Soube, mas perdoou-lhe.

- Sorte de uns, azar de outros. – Disse, dando-lhe uma palmadinha no ombro. – Mas não fiques assim! Estás tão deprimido que até parece que é contigo que tudo está a acontecer!

- Ahn?! – Soou ele. – Ah, não… Mas… Ele é meu amigo e eu preocupo-me… Só isso…

- Eu sei… É normal. Mas vai tudo acabar bem, vais ver! O que tiver de ser, será.

Ele sorriu. Pelo menos consegui fazê-lo sorrir. Olhei para trás e vi que o Seb e o meu irmão já tinham chegado. Levantamo-nos e juntamo-nos a eles. O Seb olhava-nos de uma forma estranha. Não consigo perceber se está triste ou se está chateado, por estarmos os dois sozinhos naquele canto da sala. Mas não estávamos a fazer nada de mal. Só espero não vir a ter problemas. Eu não quero que o Seb se sinta ameaçado ou algo do género, mas não quero deixar de apoiar o David. Apesar de tudo, ele é meu amigo e… É-me importante!

Ouviu-se a chamada para o nosso voo e dirigimo-nos para a porta de embarque. Como não sei o que o Seb está a sentir, não sei o que fazer, apenas caminho ao lado dele. Antes de entrarmos no túnel, senti-o a dar-me a mão. Ele não disse nada nem sorriu, apenas continuou a olhar para a frente e a caminhar. Ao fundo, observamos alguém conhecido e o Jeff pareceu parar no tempo.

- Ui, aquela não é a Janice? – Perguntou o Pierre e olhando de seguida para o Jeff.

- É. – Respondi. – Como é que se pode confundir a rapariga mais estranha que já nos apareceu à frente?

- Ela não é estranha! – Resmungou o Jeff. – É… Diferente!

- Agora a sério… – Disse o Pierre, pousando a mão no ombro do Jeff. – Estás apanhadinho!

- Olha só quem fala! – Resmungou o Jeff, novamente.

- Não é por nada… Mas ela também vai para Montreal! – Constatou o Chuck, fazendo surgir um sorriso no rosto do Jeff.

Acho que estava viagem passou mais rápido do que a outra. Passei parte da viagem a dormir. Mas não foi um sono tranquilo. Por vezes, acordava com o Seb a abraçar-me forte e a dizer que estava tudo bem, pois eu acordava a chorar desalmadamente e a gritar desesperadamente. Mas não está tudo bem. Tive pesadelos com aquele psicopata. Sonhei que não era a mim a quem ele encostava a faca, mas sim ao David. Ali estava ele, amarrado à cadeira, completamente indefeso. A faca passeava-se pelo seu rosto, que já escorria sangue devido às pancadas que levou; pelo seu pescoço, o qual era constantemente ameaçado e por fim, o maníaco dilacerava-o perante os meus olhos. Eu sentia-me impotente, estava amarrada e nada podia fazer, apenas observar o sofrimento do David, ouvir os seus gritos e o seu implorar para que apenas não me fizesse mal.

Olhei para os bancos do lado, onde ia sentado o meu irmão e ao seu lado, lá estava o David, com os seus headphones. Ao lembrar-me do pesadelo, era como se o meu coração parasse de bater, se amachucasse como a chapa de um carro quando bate a 200 Km/h. Mas ele está bem, para meu alívio. Ainda assim, sinto-me mal por se ter magoado para me proteger. Embora ele não mostre e não queira admitir, eu sei que ele ficou dorido por ter andado à luta com o John.

Chegámos finalmente a Montreal e dirigimo-nos para o exterior para apanharmos um táxi mas, para nossa surpresa, à porta do aeroporto estava o Samuel, com a sua grande carrinha familiar e com um enorme sorriso.

- O quê que estás aqui a fazer, meu? – Perguntou o meu irmão, cumprimentando-o.

- Vim buscar-vos! – Disse o Samuel. – Estive a falar ontem com o Jeff e ele comentou que chegavam hoje, então eu resolvi fazer-vos uma surpresa!

- Vem mesmo a calhar! Obrigado! – Disse o Pierre.

- Mas o quê que se passa com ele? – Perguntou o Samuel, apontando para o Jeff que estava um pouco afastado de nós, andando de um lado para o outro, procurado algo. Bem, na verdade, alguém.

- Ares do Brasil! – Respondeu o Seb, rindo.

Chamamos o Jeff, que insistia em tentar encontrar a Janice. Provavelmente ela já tinha ido embora do aeroporto e sabe-se lá para que parte. Não entendo mesmo os gostos do Jeff. O quê que ele viu na Janice? A rapariga é estranha e causa-me arrepios! Entrámos para o carro do Samuel e ele levou-nos a casa. Mas mal entramos em casa, pousaram as malas na entrada e atiraram-se todos para os sofás. Acho que a minha casa se tornou a casa deles todos! Mas não faz mal, é bom ter a casa cheia.

Fui até à cozinha beber água. Encostei-me ao balcão e olhei as árvores do jardim através da janela. Do nada, no vidro da janela, apareceu uma imagem. O David e eu, naquela noite, em Miami. Como é que isto é possível…? Pisquei os olhos e abanei a cabeça e olhei novamente a janela. Nada. Foi apenas a minha imaginação. Mas porquê que não consigo esquecer, porquê que continuo a relembrar aquelas imagens? Suspirei e virei-me. Quando o fiz, assustei-me e larguei o copo. Por sorte, ele tem uns reflexos tão rápidos que o agarrou, pousando-o no balcão.

- Maninha, assim ficámos sem louça! – Disse ele, rindo.

- Não ficámos se não me assustares! – Respondi, ainda tentando recuperar do susto. – Porquê que entras sempre assim sem fazer barulho?!

- Eu não entrei sem fazer barulho, tu é que estavas distraída demais para me ouvir. – Disse ele, ficando mais sério e encostando-se ao balcão. – Estavas a pensar nele, não estavas?

- Nele, quem?! Eu não estava a pensar em nada!

- Pelo suspiro que deste, eu diria que estavas a pensar no David e ainda aposto que era na vossa noite. – Retorquiu ele, de braços cruzados e ar pensativo. – Acertei?

- Tu estás tolo? Bateste com a cabeça? – Perguntei, virando-me para o balcão e arrumando o copo. Odeio a capacidade que ele tem de adivinhar o que estou a pensar! A sério que é irritante!

- Pelo teu nervosismo e pelo facto de não me olhares nos olhos, acertei.

- Tu e a tua psicologia! – Barafustei.

- Quando é que vais admitir que estás apaixonada pelo David? – Perguntou, encarando-me.

- O quê que andaste a beber?! Eu? Apaixonada pelo David? Essa é boa! – Ri. – Eu estou com o Seb!

- Pára de te enganar a ti própria! Pára de enganar o Seb! – Disse ele, desencostando-se do balcão. – Vocês os dois amam-se e são os únicos que ainda não perceberam isso!

- Pierre! – Chamei. – Eu gosto do Seb!

- Exacto. Gostas mas não amas. – Insistiu. – Consegues dizer que o amas? Consegues olhá-lo nos olhos e dizer “amo-te”?

- Eu… – Soei, sem conseguir responder. – Pierre, pára de ver tantos filmes, está bem?

- Pára tu de fugir da realidade! – Respondeu ele, em tom mais bravo. – Já toda a gente percebeu que vocês são apanhadinhos um pelo outro, inclusive o Seb, só que é outro, que prefere enganar-se a si próprio…

- Tu… Tu não estás bem, maninho! – Desvalorizei, rindo nervosamente e batendo-lhe no ombro.

- Está tudo a ficar louco?! – Perguntou ele, agarrando-me os pulsos levemente e olhando-me nos olhos. – Abre os olhos!

- Eu estou de olhos abertos, não vês?! – Perguntei, apontando para o rosto. – Eu sei o que faço!

- Eu só quero que tu sejas feliz e eu sinto que algo se passa contigo. Estás confusa!

- Eu estou bem, maninho. A sério que estou. – Tranquilizei, dando-lhe um beijo no rosto.

Saí da cozinha. Aquela conversa estava assustar-me e a deixar-me ainda mais confusa. Mas porquê que toda a gente diz o mesmo? Porquê que toda a gente meteu na cabeça que estou apaixonada pelo David? Porquê que todos esperavam que eu e ele ficássemos juntos? Como se isso pudesse ser! Eu, Magda Bouvier, apaixonada pelo David. Logo o David! Numa coisa o meu irmão tem razão, está tudo a ficar louco!

Ao passar no hall de entrada, lembrei-me de ir verificar a caixa do correio. Para minha grande alegria tinha lá uma carta do banco para mim. Dirigi-me à sala e abri-a rapidamente.

- O que é? – Perguntou o meu irmão, de boca cheia.

- Ei, oh Pierre! – Resmungou o Chuck, fazendo-nos rir com a expressão facial. – Não fales de boca cheia!

- Desculpem… – Pediu o Pierre.

- É do banco. – Respondi, ainda lendo a carta. – Já posso ir levantar o meu carro!

- Óptimo! – Disse o meu irmão. – Queres que vá contigo?

- Não é preciso. – Respondi. – Eu vou lá agora num instante!

- Eu levo-te. – Disse o David, logo depois olhando para o Seb, como se lhe estivesse a pedir autorização. – É que eu tenho de ir comprar cordas para o baixo e é perto…

- Não olhes para mim. – Disse o Seb, levantando as mãos. – Isso é com ela.

- E não te importas? – Perguntei.

- Claro que não. – Respondeu.

Saímos de casa e entramos no carro. O David não disse nada, apenas conduzia atentamente, mas notei-lhe um sorriso no rosto. Não sei se era isto que o Seb esperava que eu fizesse ou se esperava que eu recusasse. Não sei porquê mas era algo que eu queria. Queria estar com o David. E sentia-me bem e ainda melhor ao vê-lo sorrir. Era como se o facto de ele estar bem, me fizesse estar bem também.

- Pareces estar melhor. – Constatei. – Não me digas que o teu amigo já resolveu o dilema!

- Ainda não. Mas vai resolver. – Respondeu ele, sorrindo.

- A sério? E que vai ele fazer?

- Vai lutar por ela. Vai fazer-lhe uma surpresa e vai dizer-lhe tudo o que sente. – Revelou. – E seja o que Deus quiser!

- Se isso te fizer ficar melhor, ainda bem! – Sorri.

Estacionou o carro e encaminhamo-nos para o banco. Decidimos ir lá primeiro e só depois à loja de Música, buscar as cordas para o baixo. O banco era enorme, pois era um dos mais importantes de Montreal. E claro, o meu pai não faz por menos! Havia um grande balcão e, nesta parte, estavam apenas quatro funcionários. Havia alguns clientes. Uns em fila para serem atendidos, outros sentados, aguardando, nos sofás que lá havia. Aproximamo-nos do balcão, onde estava uma funcionária livre. Mostrei a carta e expliquei que queria levantar os documentos e a chave. Claro, depois teria de ir buscar o carro.

- Já pedimos imensas desculpas ao Dr. Réal Bouvier! Houve um lapso da nossa parte e a sua chave e os documentos foram parar a outra agência. Em nome do Banco, peço novamente desculpa!

- Não tem mal! – Disse eu.

- Peço-lhes só que aguardem um bocadinho, enquanto o cofre abre.

Como não havia lugar onde nos sentarmos, caminhamos para o fundo e encostamo-nos ao balcão, numa parte que não era de atendimento. Olhei à volta e reparei numa senhora que estava sentada. Estava grávida e estava a abanar-se com um leque. Fitei o David e ele estava também a olhá-la, mas logo me encarou, fazendo-me sobressaltar.

- Queres ter filhos? – Perguntei sem pensar. Simplesmente saiu-me. Maldito vício!

- Quero. Ao contrário do que tu sempre pensaste, eu sempre quis constituir família. Casar, ter filhos, uma casa… – Sorriu, com um brilho no olhar. Fiquei admirada, mas não consegui evitar sorrir. – Uma casa cheia de Davidzinhos e Mag… – Tossiu. – Menininhas!

- Realmente não te imaginava a sonhar com isso. – Ri e ele fez ar de chateado, mas logo sorriu.

- E tu? Eu acho que tu duma vez me disseste que não querias ter filhos… Só quando encontrasses o teu príncipe encantado.

- Sim... Mas não tenho pensado muito nisso…

- Isso quer dizer que tu não pensas ter filhos com o Seb? – Perguntou, encarando-me assustadoramente sério.

- Bem… Ainda não pensei nisso… – Respondi, engasgando-me. – Ahm… Ainda é muito cedo para pensar nisso!

Notei um sorriso no rosto dele. Não entendi o porquê, mas acho que falar de bebés o deixa meio avariado da cabeça! E a mim também. Porquê que eu não me imagino a ter filhos com o Seb se é com ele que estou e apenas penso se o David deseja ter filhos? É melhor parar de pensar nisto! Magda Bouvier estás oficialmente louca da cabeça!

De repente, entrou um homem encapuçado e de arma em punho, instalando o pânico entre as pessoas. O David colocou os seus braços à minha volta e eu agarrei-me a ele, ao ver a arma.

- Tudo quieto! Isto é um assalto! – Avisou o homem, em tom alto.

- A sério? Não me digas… – Disse o David, em tom baixo e irónico.

- Tu aí! – Chamou ele, atirando uma mochila à funcionária que nos tinha atendido. – Passa para cá o dinheiro todo!

- Ma…Mas nós aqui não temos dinheiro… Só no cofre… – Respondeu ela, gaguejando.

- Então vai buscar! – Irritou-se ele.

- Está a abrir… – Respondeu ela, encolhendo-se.

- Eu espero. – Avisou, e voltando-se para nós, clientes. – E que nenhum de vocês se arme em espertinho ou começo a fazer vítimas! – Aproximou-se e apontou a arma. – Tudo para o chão! Já!

Toda a gente, entre choros desesperados e alguns gritos de terror, lá se juntou e sentaram num canto. Todos excepto a senhora que estava grávida, que permaneceu sentada. Estava agarrada à cadeira e parecia estar a sentir-se mal, pois estava a transpirar e muito vermelha. O David estava sentado ao meu lado, abraçando-me e alternava o olhar entre a senhora e o assaltante. Novamente o medo invade-me. Odeio a sensação. Não consigo pensar nem agir. Apenas me limito a agarrar-me ao David.

- Tu também! – Disse o assaltante para a senhora. – Anda, mexe-te! Não tenho o teu tempo!

- Eu… Eu na…não me estou… a sentir bem!

- E eu tenho cara de médico? – Perguntou ele. – Eu disse para te mexeres!

- Não tens cara de médico mas tens cara de idiota! – Refilou o David, levantando-se. Tentei agarrá-lo para que se sentasse, mas não adiantou. – Não vês que a senhora está grávida e se está a sentir mal?

- E tu não percebeste que quem manda aqui sou eu? – Perguntou o assaltante, exibindo a arma.

Não sei qual é a do David. Eu sabia que ele é doido, mas nunca pensei que chegasse ao cúmulo de enfrentar um homem armado. Será que perdeu o juízo por completo? Olhei para a senhora e ela estava a bufar. Estava realmente a sentir-se mal. Mais uma vez, sem pensar, levantei-me e agachei-me ao seu lado, pegando-lhe na mão. Ela tremia e bufava, com certeza estava com dores.

- Vai ficar tudo bem. – Sussurrei-lhe.

Subitamente, do lado de fora do Banco, ouviram-se as sirenes da polícia, o que fez o assaltante entrar em pânico, começando a apontar a arma para todos os presentes. Provavelmente foi algum dos funcionários que avisou a polícia. Eles têm botões secretos debaixo dos balcões para estes casos.

- Quem foi o engraçadinho que chamou a bófia?! – Perguntou.

Apenas fechei os olhos e rezei para que ele não desatasse aos tiros. Eu estava de costas mas conseguia ouvir os seus passos e sentir o seu nervosismo. A sua voz tremia e eu sentia que começara a ficar desesperado e com receio de ser apanhado. Dizia a mim mesma que tudo ia correr bem e o facto de a polícia já ali estar, era mais um motivo para acreditar. Mas, para meu azar, senti alguém a puxar-me bruscamente e logo percebi que era o assaltante. Agarrou-me e apontou-me a arma à cabeça.

- Tu vais ser a minha saída daqui para fora!

- Larga-a! – Gritou o David.

- Ai ela é tua namorada? – Perguntou, olhando o David e sorrindo.

- Não, mas é como se fosse!

- O quê…? – Questionei.

- Temos pena, amigo! Mas se eu não sair daqui, vais ficar viúvo antes de casar!

- Nem te atrevas a fazer-lhe mal! – Avisou o David, irritado. – Eu mato-te, se lhe fazes mal!

Ouviu-se um barulho do lado de fora e o assaltante olhou para trás. Novamente, agi sem pensar. O medo faz-me disto. Dei-lhe uma cotovelada e soltei-me, correndo para os braços do David, que me abraçou. O meu coração estava acelerado e parecia que me ia saltar do peito mas, ao sentir os braços do David a envolverem-me, era como se o medo diminuísse. Ouvi passos e o assaltante a barafustar. Estava tão baralhada que não percebi o que disse. O David largou-me e empurrou-me para o lado e eu caí no chão.

Ouviu-se um disparo que entoou em toda a sala, fazendo toda a gente gritar de pânico. Senti um aperto no coração que quase me impedia de respirar. Levantei os olhos e observei toda a gente, que estava com ar aterrorizado. Umas tapavam os olhos e choravam, outras deitavam as mãos à cabeça. Virei-me, olhei para trás e vi o assaltante de olhos arregalados a olhar para a arma, que tremia na sua mão. Só entendi o que aconteceu quando vi o David observar a sua mão ensanguentada e olhar para o abdómen. Congelei. O meu coração parou por momentos ao ver a camisola do David manchar-se de vermelho. Agi por impulso, correndo e agarrando-o. As forças começaram a falhar-lhe e caiu-me nos braços. Ajoelhei-me e deitei-lhe a cabeça nas minhas pernas, afagando-lhe os cabelos. O meu rosto escorria em lágrimas, o meu coração doía como nunca tinha doído, custava-me respirar. Os soluços devido ao choro impediam-me de respirar. Era como se me tivessem espetado uma faca que me atravessou o peito de um lado ao outro. Uma dor tão grande e agoniante surgiu dentro de mim.

- Tu não devias ter feito isto, não devias, David! – Resmunguei, chorando.

- Eu tinha de te proteger… – Disse ele, pausadamente e sorrindo. – Eu vou proteger-te sempre.

- Não! Não! Não! Tu não me podes fazer isto! Por favor!

- Magda… – Chamou, agarrando-me a mão e falando com dificuldade. – Eu… Eu tenho que te dizer uma… coisa.

- Não… Não gastes energias. – Pedi, sem controlar as lágrimas.

- Ouve-me… – Pediu ele, apertando-me a mão. – Eu sou um idiota por ter percebido isto tarde demais…

- Tu não és idiota! – Disse eu. – Alguém que chame uma ambulância, por favor?! – Gritei.

- Por… Favor… Deixa-me acabar… – Pediu com a voz cada vez mais fraca. – Eu tenho de te dizer… Antes de… ir…

- Não digas isso, por favor! – Pedi. – Tu vais ficar bem e… E nós temos de ir ali à loja, buscar as cordas para o teu baixo… Tu vais ficar bem!

- E tu ti…tinhas razão… O que tiver de ser, será… E é assim que tem de ser. – Disse ele, com dificuldades. – A culpa é minha… por não ter percebido o que estava a sentir e… ter ignorado todos os sinais…

Comecei a sentir-me desesperada por não poder fazer nada. Ele pousou as mãos nas minhas e já não tinha muitas forças para as agarrar. Eu sentia-me a tremer, um medo horrível assolava-me. Algo que nunca pensei sentir, algo que não consigo descrever. Eu não conseguia vê-lo assim e a ideia de ele morrer estava a dar-me arrepios, estava a dar cabo de mim, a destruir-me. E a culpa disto é minha. Aquela bala era para mim, não para ele! Era eu que devia estar no lugar dele. Ele não devia ter-se posto à frente! Quem me dera poder salvá-lo. Eu faria qualquer coisa, para o salvar. Qualquer coisa!

- David…

Ele começou a tossir e os seus olhos lacrimejavam. Agarrei-lhe as mãos e estavam frias e estava mais pálido do que nunca. O David começou a respirar com dificuldade e a fechar bastantes vezes os olhos, lentamente.

- Eu tenho… de te dizer… Deixa-me falar, por… favor… – Disse ele, com dificuldade e olhando-me.

- Diz, David… – Pedi.

- Eu… Eu amo-te. – Revelou ele, olhando-me nos olhos e sorrindo. – Sempre amei.

Fiquei estática, encarando-o. Os seus olhos tremeluziam e o seu sorriso brilhava. O mesmo olhar que me hipnotizava e o mesmo sorriso que me fazia perder as forças e derreter. Eu sentia o meu coração bater descompassadamente, como se pudesse rebentar a qualquer batida. Ele fechou os olhos e a mão que agarrava a minha, perdeu a força. Os seus olhos não voltaram a abrir e senti-o a deixar de respirar. Era como se o mundo tivesse desabado para mim, como se a vida tivesse perdido a cor e apenas o escuro prevalecesse.

- David!! – Chorei, abraçando o seu corpo imóvel.


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Notas finais do capítulo

e então?



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