Deus Deve Odiar-me! - 1 Temporada escrita por BouvierDesrosiers


Capítulo 21
Festival I: Quando o medo se torna insuportável


Notas iniciais do capítulo

Mais um capítulo, uma mistura de comédia com terror x) Boa leitura



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Levo as mãos à cara e esfrego os olhos, enquanto bocejo. Tenho uma dor insuportável no pescoço e mal abro os olhos entendo porquê. Adormeci no carro e se já na cama durmo torta, aqui pior ainda. E para mal dos meus pecados já é de noite. Ponho o carro a trabalhar e volto para casa o mais rápido possível, para evitar um sermão do Pierre.

Quando chego, as luzes estão todas apagadas e está tudo em silêncio. Fecho a porta sem fazer barulho e dou uns passos, mas logo esbarro em qualquer coisa que tomba.

- Não faças barulho! Estão todos a dormir.

- David? – Perguntei e observei-o quando acendeu o pequeno candeeiro da mesa do hall de entrada. – O quê que andas aqui a fazer a esta hora?

- Vim beber água… Não consigo dormir.

Tinha-me esquecido que iam ficar todos cá a dormir, já que amanhã partimos cedo. Apanhei a mala que tinha tombado e pu-la no sítio. O hall estava praticamente todo ocupado com as malas de viagem.

- Tenho de ir fazer as minhas malas! – Disse eu, batendo com a mão na testa.

- Não é preciso. – Respondeu o David, caminhando para a sala. Segui-o. – A Vanessa fez as tuas malas.

- Então estou descansada. Ela sabe perfeitamente o que costumo levar! – Ri, sentando-me ao lado dele no sofá.

- E não vais dormir?

- Não tenho sono.

- O que se passou? – Perguntou, olhando-me. – O Seb chegou aqui com cara de poucos amigos. Cruzou-se comigo no corredor e quase me matava com o olhar! Depois fechou-se no quarto. O Pierre e o Chuck tentaram falar com ele, mas ele não quis falar com ninguém.

- Eu encontrei-o… – Respondi. – Ele não me perdoa… Mas não te preocupes com a banda, ele disse que não vai acontecer nada. Ele não misturou as coisas.

- Menos mal. – Suspirou, encostando-se no sofá e olhando o tecto. – Ele deve estar mesmo a odiar-nos…

- E eu não sei o que fazer para ele me perdoar. – Desabafei, deixando rolar uma lágrima.

- Não fiques assim! – Pediu, colocando o seu braço por cima dos meus ombros e puxando-me para ele. – É normal que ele esteja assim. É muito recente. Vais ver que com o passar do tempo ele vai perdoar.

- Espero que tenhas razão. – Respondi, encostando a cabeça ao seu peito. – Eu ainda não acredito… Como é que deixamos aquilo acontecer…?

- Sabes uma coisa? – Perguntou, fazendo uma pausa. – Tenho andado a pensar e eu não acho que tenhamos bebido assim tanto para ficarmos tão sem noção do que estávamos a fazer.

- O quê que queres dizer com isso? – Perguntei, levantando a cabeça e fitando-o.

- Não sei, é uma sensação que tenho. Eu já apanhei muitas bebedeiras e nunca me aconteceu tal coisa… Eu aguento bem. – Disse. – E não achas que o barman nos estava a incentivar demais a beber?

- Já que falas nisso… Sim! – Relembrei, após uma pausa. – Eu estava bem enquanto estávamos nos shots, mas não me lembro de mais nada desde que passamos para as outras bebidas!

- E não achas isso estranho? – Perguntou, brincando com o meu cabelo.

- Pensando bem, sim, é estranho. Achas que…

- Tenho a certeza! – Respondeu, como se me lesse os pensamentos. – Se soubesses o ódio que eu lhes tenho!

- Não… Eles não fariam isso! – Desvalorizei. – O Dean e a Nicole usarem o barman para nos drogar?

- Tenho quase a certeza que isto tem dedo deles! – Declarou. – Como explicas nós ficarmos bêbedos e estar uma camara no teu quarto no preciso momento? E as ameaças deles… Nada foi por acaso!

Fazia sentido, mas ainda me custava a crer que o Dean e a Nicole fossem tão longe. Mas eu já não sei do que eles são capazes para se vingar de nós. A Nicole acha que eu lhe roubei o David, quando na verdade, ele é que foge dela e não quer nada com ela. Só ela é que não entende isso. E o Dean, decerto que é por eu o ter rejeitado. Que culpa temos nós, se não queremos o mesmo que eles? Será assim tão difícil, eles entenderem? Mas agora que já conseguiram virar a minha vida de pernas para o ar, espero que estejam satisfeitos e que fiquem por aqui.

- Tens razão… – Respondi, voltando a encostar a cabeça ao seu peito. – Agora que já se vingaram, espero que nos deixem em paz.

- Talvez… – Soou, quase num suspiro e continuando a brincar com o meu cabelo.

Fechei os olhos por breves momentos. Acordei ao ouvir vozes no corredor e levantei a cabeça. Adormeci no colo do David e ele ainda está a dormir. Olhei para a porta e senti o meu coração a parar de repente. O Seb estava a observar-nos, mas logo pegou nas suas malas e se encaminhou para a porta.

- Seb, espera! – Chamei, acordando o David que ficou um pouco atordoado. Para minha grande admiração, o Seb parou.

- Isto não é o que estás a pensar! – Disse eu, aproximando-me dele. Boa Magda, mais um clichê. Bato-me mentalmente. – Não aconteceu nada! Nós estávamos sem sono e ficamos a conversar e acabamos por adormecer…

- E eu disse alguma coisa? – Perguntou, calmamente. O David aproximou-se de nós também.

- Não disseste mas pensaste. – Retorquiu o David. – Não se passou nada. Eu sei que tu nos odeias mas…

- Eu não odeio ninguém. – Interrompeu o Seb, caminhando em direcção ao carro, onde estavam a por as malas.

Fiquei a observá-lo, espantada com o que ele tinha dito. O Pierre estava a aproximar-se para vir buscar as últimas malas. Preparei-me mentalmente para o ouvir. Para minha grande sorte, o meu irmão não me deu nenhum sermão, apenas me lançou um olhar que valeu pelo maior raspanete. Trancamos as portas e dirigimo-nos para o aeroporto.

Eram oito horas, que separavam Montreal do Brasil e pareciam uma eternidade. O Jeff estava com os seus headphones, sentado num dos bancos bem no centro do avião. Ouvia música para se abstrair de onde estava. Era o que necessitava, pois só a ideia de estar a milhas do chão, dava-lhe urticária, como ele dizia. O David passeava pelo avião, com um copo de sumo na mão. Estava em pulgas por chegar ao Brasil. Este seria o início do sonho deles. Estavam determinados a vencer aquele concurso, pois era a sua rampa de lançamento para o mundo da música. Passou pelos lugares onde estávamos eu e o Pierre. O meu irmão estava a fazer as caras mais estranhas, observando o cabelo colorido e metade rapado de um rapaz que estava sentado uns bancos à frente. O Pierre fez sinal ao Chuck, que também estava a beber e se engasgou ao ver tal coisa. Dei uma palmada no braço do meu irmão por estar a gozar com o pobre rapaz e repreendi o Chuck. Nos bancos de trás, estava a Vanessa, que dormia serenamente. Nos assentos centrais do avião, estava o Seb, que preferiu ir sozinho e estava meio aluado.

Quando já estava quase a dar em louca, por estar tanto tempo dentro de um avião, soou uma voz nos altifalantes, que pedia aos passageiros que ocupassem os seus lugares e apertassem os cintos, pois iriam aterrar. O David, que andava de pé, parecendo ter bichos-carpinteiros, apressou-se a sentar-se no seu lugar, quase entornando o resto da bebida em cima do Chuck.

- E agora? Onde é o hotel? – Perguntou o David.

- Não é bem hotel. – Respondeu a Vanessa. – O festival vai realizar-se num género de mato. Há umas casas pré-fabricadas que é onde vamos ficar.

- Boa! – Disse eu. A ideia agradou-me. Pelo menos não é sempre o mesmo ambiente de hotel.

Tínhamos uma camioneta da organização do festival à nossa espera que rapidamente nos conduziu para o local. As casas eram de madeira e enormes e cada uma tinha uma cor diferente. Pareciam autênticas vivendas de luxo. O palco era igualmente enorme e parecia já estar tudo preparado. Havia um Centro, que era onde estava o pessoal organizador e técnicos de som e montagens, para onde nos encaminharam para nos dizerem qual era a nossa casa.

- A nossa é a azul. – Disse a Vanessa, com as chaves na mão, que tinham uma etiqueta também azul que dizia Simple Plan. – A casa tem quatro quartos, vamos tirar à sorte?

- Sim, para não haver chatices… – Concordou o Pierre, olhando para mim e para o Seb.

- Não! – Disse o Chuck.

- Ah, claro que não. – Gozou o Jeff, dando cotoveladas leves no braço do Chuck. – O menino quer ficar com a organizadora do evento, não é?

- Está calado! – Resmungou o Chuck começando a ficar corado. – Eu… Eu…

- Pronto, o Chuck fica com a Vanessa… Mas despachem lá isso! Ainda quero ir conhecer isto! – Resmungou o David.

- Bem… – Soou a Vanessa, atrapalhada. Ri-me, enquanto ela colocava os restantes nomes  dentro de uma bola de vidro. Começou por tirar dois. – Um vai ter de ficar sozinho…

- Espero ser eu! – Disse o Jeff, juntando as mãos como se estivesse a rezar.

- Pierre e David. – Disse a Vanessa, tirando mais dois papelinhos e ficando com ar sério.

- Desde que não comeces a gritar como uma menina a meio da noite, corre tudo bem! – Riu-se o Pierre.

- Ei!! – Resmungou o David, amuando.

- Então, quem são os outros? – Perguntou o Jeff.

- Seb e… Magda. – Respondeu a Vanessa, ainda séria e fitando-nos.

- Ups… – Soou o Pierre, em tom baixo.

- Yes!! – Gritou o Jeff. Ficamos todos a olhar para ele e quando se apercebeu, parou e riu-se. – Fiquei sozinho…?

Olhei para o Seb e ele estava com uma expressão indecifrável. Olhou o chão e não disse uma palavra. Não consigo perceber o que está a pensar ou a sentir.

- Estão muito cansados ou ainda têm energia para fazer as actividades preparadas? – Perguntou a Vanessa.

- Venham elas! – Responderam o David e o Pierre ao mesmo tempo.

Fomos arrumar as malas aos respectivos quartos. Sinto-me tentada a falar com o Seb, mas ele não me parece estar com ar de quem quer falar. Observo-o a arrumar as malas e quase nem me apercebo da decoração da casa e do nosso quarto. Para casas pré-fabricadas, são bastante acolhedoras.

- Lamento que tenhas tido o azar de ficar comigo…

- Não faz mal. – Respondeu, tentando arrumar uma das malas, que por azar se abriu. Aproximei-me dele para o ajudar. – Não é preciso.

- Eu ajudo-te na mesma.

Ele fitou-me com os seus belos olhos azuis que continuam a fazer-me arrepiar como no primeiro dia. Arrumamos o que tinha caído da mala e levantamo-nos e ficamos frente a frente, encarando-nos. Subitamente, senti a sua mão acariciar-me o rosto. A distância entre nós começou a diminuir e os nossos rostos estava novamente próximos. Era como se algo nos atraísse um para o outro. Por breves momentos, pensei que tudo ficaria bem, de novo.

- Isto não vai acontecer… – Disse ele, afastando-se e passando a mão pelo cabelo.

- Seb… – Chamei, agarrando-lhe o braço e fazendo-o virar-se para mim. Ele não ofereceu resistência, nem sequer se afastou bruscamente, como eu esperava e encaramo-nos de novo. – Eu sei que errei, mas eu acho que eu e o David fomos drogados! Achamos que o Dean e a Nicole nos tentaram tramar… Como achas que a camara foi lá parar?!

Eu tinha esperança, por pequena que fosse, que podia ficar tudo bem. Era agora ou nunca. Se não for agora, eu não irei tentar de novo. Não irei voltar a pedir-lhe perdão ou dizer que podemos fazer tudo ficar bem.

- Tramaram-nos, Seb… – Disse eu, em tom mais baixo. – Mas nós podemos começar de novo, esquecer que aconteceu!

Mas ele escolheu. Ele afastou-se lentamente, parecendo-me confuso. Mas não me importa, interessa-me que se afastou e isso basta-me. A minha decisão está tomada.

- Não voltei a pedir-te perdão. – Disse eu, caminhando para a porta. – Já fizeste a tua escolha.

Saí do quarto e desci as escadas envernizadas que iam dar à sala. A casa era toda em tons de azul. Presumo que a casa amarela seja em tons de amarelo, a verde em tons de verde e assim com todas as outras. Dirigi-me ao Centro, pois já não vi mais ninguém em casa. E lá estavam, conversando animadamente. Logo a seguir a mim, chegou o Seb. Não o olhei, nem um segundo, enquanto seguíamos a Vanessa para perto do mato.

- Resumindo, têm de seguir o trajecto que têm nos mapas e recolher as bandeiras da cor da vossa equipa. Quando tiverem todas, regressam aqui. A primeira equipa é a vencedora. – Disse a Vanessa.

- Entendido, chefe! – Disse o Jeff.

- E as equipas? – Perguntou o Pierre.

- Vamos tirar à sorte. São equipas de dois. – Comunicou a Vanessa.

- De dois? E tu? – Perguntou o Chuck, confuso.

- Eu não posso, faço parte da organização…

- Oh… – Soou o Chuck, desanimado, mas logo sorriu, após a Vanessa lhe sussurrar algo ao ouvido.

- Vamos lá despachar! – Refilou o David, batendo palmas.

- Tu hoje estás muito acelerado…

- Vanessa… Ele é hiperactivo. – Riu-se o Jeff. – É o normal dele. Ninguém o aguenta!

- Até parece… – Resmungou o David, cruzando os braços.

- Vá, a equipa verde… – Começou a Vanessa, baralhando os papelinhos. – Pierre e Seb.

- Boa! – Disse o Pierre, batendo a mão na do Seb, que não pareceu tão animado quanto o meu irmão.

- Equipa azul… – Disse a Vanessa, tirando mais dois papelinhos. – David e Magda. E claro, equipa vermelha, Jeff e Chuck.

- É para vencer! – Comentou o Jeff, virando-se para o Chuck.

- Aposta nisso! – Respondeu o Chuck, batendo a sua mão na do Jeff. – Preparados para perder?

- Isso digo-vos eu! – Avisou o David. – Nós vamos ganhar!

Não sei se devo ficar feliz ou triste. Ficar com o David não me vai ajudar na reconciliação com o Seb… Mas foi ao acaso. Talvez até tenha sido melhor assim. Ao seguirmos caminhos diferentes, reparei que o Seb olhou para nós, enquanto nos afastávamos. Seguimos por um dos caminhos e entramos no bosque. As árvores eram enormes e muito altas. Por entre a folhagem, entravam alguns raios de sol. Demos voltas e voltas, por entre aquele bosque sem fim e conseguimos resgatar todas as bandeiras da nossa cor. Agora, podíamos voltar ao Centro. Já estamos a andar há horas e os meus pés já se estão a queixar e a pedir misericórdia. Caminho ao lado do David, que por vezes me agarra quando tropeço em alguns galhos ou pedras e me impede de cair. Sou uma desajeitada sem cura. Reparo que ele olha para todos os lados e desde há um bocado que ficou mais sério e deixou de gozar com os meus tropeções.

- Que se passa? – Perguntei.

- Nada. Queres descansar? – Perguntou, guardando o mapa.

- Por acaso quero…

Sentamo-nos em duas grandes pedras e eu respirei fundo. Não via a hora de poder descansar. O David continua sério e a olhar para todos os lados.

- Agora a sério… O que se passa? – Perguntei, curiosa.

- Não se passa nada. – Disse, dando um risinho e pegando no mapa. – Estou só a ver que caminho vamos seguir.

- David… – Chamei, pondo a mão por cima do mapa e encarando-o. – Não estamos perdidos, pois não?!

- Per…Perdidos? Nã…Não! – Gaguejou. – Claro que não! Só estou a ver… Qual é o caminho mais rápido!

- Espero bem…  – Respondi, num tom mais baixo. Não fiquei muito convencida, mas espero que ele tenha razão. – Então anda lá. Daqui a nada é de noite e eu não quero estar num bosque à noite!

- A menina tem medo, é? – Perguntou, em tom de gozo e levantou-se. – Vamos por ali.

- Não, não tenho medo! Só que… É escuro e… Frio… e… Anda lá! – Resmunguei, caminhando atrás dele.

Caminhamos mais um tempo. Horas, se não estou em erro. Comecei a achar que estávamos a andar em círculos. Mas não posso ter a certeza, num bosque tudo me parece igual. Quanto mais caminhávamos, mais me parecia que algo estava errado. Começou a anoitecer e comecei a ficar assustada. O escuro só por si já me aterroriza, então no meio de um bosque… É de bradar aos céus! Ouviu-se um barulho, no meio das folhagens.

- David… – Chamei, agarrando-me ao braço dele e olhando de olhos esbugalhados para todos os lados.

- Calma. – Disse ele, abraçando-me. – Deve ter sido um esquilo ou assim!

- Estamos perdidos, não estamos?

- Não estamos nada perdidos…

- Diz-me a verdade, David Phillippe!

- Ok! Estamos perdidos! – Refilou ele. – Eu não percebo nada deste mapa e não faço a mais pequena ideia de como sair daqui!

- Onde está o localizador que a Vanessa nos deu? – Perguntei. Ela tinha-nos dado um aparelho que era precisamente para o caso de nos perdermos, nos conseguirem localizar e funcionava também como uma bússola.

- Está aqui… – Disse ele, procurando em todos os bolsos mas sem o encontrar. – Estava aqui…

- Tu perdeste o localizador?!

- Deve-me ter caído do bolso… – Desculpou-se, fazendo cara de inocente e encolhendo os ombros.

- Ai, vou matar-te!

Comecei a correr atrás dele, que fugia e ainda se ria. Não consigo ver onde está a piada em estarmos perdidos no meio de um bosque e ainda por cima a anoitecer! Ao correr, tropecei num galho e caí. Como estava de calções, magoei o joelho.

- Estás bem? – Perguntou, preocupado e correndo na minha direcção.

- O quê que tu achas?! – Refilei, dando-lhe uma palmada no braço.

- Anda, temos de ver se arranjamos um sítio para passar a noite.

O David ajudou-me a levantar e apoiou-me para andar. O meu joelho arde e tem um golpe enorme. Caminhamos mais lentamente e a noite foi caindo. Por entre as árvores mais afastadas conseguia ver-se a lua cheia, iluminando o céu escuro. Notavam-se as nuvens que passavam à sua frente. O vento sopra, fazendo os galhos das árvores baterem uns nos outros e arrasta as folhas caídas no chão. O barulho do vento nas árvores estava a fazer-me pensar nas piores coisas. Não costumo assustar-me facilmente, mas desta vez não consigo controlar o medo que estou a sentir. Apenas quero sair daqui rapidamente. A noite parecia ficar cada vez mais escura e enevoada e nós continuávamos a andar sem chegar a lado nenhum. O meu joelho doía demais.

- Não aguento mais. – Queixei-me.

- Dói-te muito? – Perguntou.

- Dói. – Respondi. Odeio queixar-me, mas a verdade é que não consigo dar nem mais um passo. Ele pôs-se à minha frente e baixou-se um pouco. – Que estás a fazer?

- Anda, sobe. Eu levo-te.

- Estás doido? – Perguntei. – Deves estar cansado, não vais conseguir andar por aqui às voltas comigo às costas!

- Não me subestimes! – Resmungou. – Anda lá, ou ainda aparece algum animal selvagem e nos ataca!

- Há animais aqui?! – Perguntei aterrorizada, pensando em pumas, leões e uns quantos mais, que depois de cair em mim, me pareceu absurdo pensar neles.

O David levou-me às costas e após algum tempo, finalmente encontrámos uma casa. Era uma casa velha, rústica e parecia abandonada. Ele pôs-me no chão e aproximamo-nos devagar, pois o meu joelho não permitia grandes movimentos. Subimos os degraus velhos e degradados e batemos à porta. Permaneci agarrada ao David, que me amparava com o braço.

- Está aberta… – Sussurrou o David, após bater na porta uma segunda vez.

- E se está aí um louco que…

- …nos vai torturar e matar, para dar de comer aos cães esfomeados que tem na cave? – Interrompeu ele, rindo-se. – Não está aqui ninguém.

Entramos e o chiar da porta fez-me sentir um arrepio na espinha. Olhei para a porta, quando a ouvi bater. Caminhei atrás do David. Havia pequenos candeeiros acesos pela casa. Os móveis estavam cobertos de pó e havia teias de aranha por todo o lado. Odeio o escuro e consigo odiar ainda mais aranhas! Cada estalar do chão fazia o meu coração disparar.

- Ai! Estás a espetar-me as unhas! – Queixou-se o David.

- Desculpa… Mas, isto está a assustar-me!

- Já percebi que sim. – Disse ele, abraçando-me. – Mas é só uma casa velha no meio de um bosque! Tem calma, não vês que não há aqui ninguém?

- Está bem, mas estou com um mau pressentimento…

- Isso é psicológico!

Fomos dar ao que parecia ser a cozinha. Estava tão velha e deteriorada que parecia tudo menos uma cozinha. Sentimos uma aragem e ouvia-se o vento. Olhei para o lado e vi que era uma das pequenas janelas que tinha o vidro partido e o vento fazia esvoaçar o velho cortinado rasgado e sujo. Virei-me para a frente novamente. Ao fazê-lo, dei um salto ao ver um vulto e o David deu um grito.

- Olha as unhas! – Queixou-se, agarrando o braço. – O quê que foi?!

- Eu… Eu vi qualquer coisa… – Gaguejei e apontei para uma das salas. Sinto-me a tremer como varas ao vento.

- Vamos lá ver o bicho papão! – Gozou ele. Agarrei a camisola dele e caminhei atrás dele. – Não está aqui ninguém!

- Mas eu vi…

De repente, senti alguma coisa tocar-me no ombro e dei um grito. Viramo-nos os dois e deparamo-nos com um homem com uma faca na mão. Era alto e entroncado e tinha a cara cheia de marcas e cicatrizes. Tinha cabelo curto, castanho. Era horrível e tinha mesmo ar de psicopata. Tinha ar de louco, que nos ia torturar e matar e provavelmente dar-nos de comer aos cães! O David deu-me a mão e começamos a correr pelas divisões da casa para achar uma porta de saída mas acabamos encurralados numa das salas. A dor no joelho não era nada comparada com o medo que estava a sentir. O homem aproximava-se cada vez mais de nós e parecia saber manusear bem facas. O David meteu-se à minha frente, protegendo-me. Ainda que quisesse, não consegui controlar as lágrimas. Estava com tanto medo que apenas consegui agarrar-me ao David e desejar que acordasse do pesadelo. Que alguém nos tirasse dali.

Quando me apercebi, o David empurrou-me para trás e começou a lutar com o homem. Fiquei ainda com mais medo e quando o medo se torna insuportável, deixamos de pensar. Levantei-me e saltei para as costas do homem, fazendo-o largar a faca. Contudo, ele é mais forte e conseguiu soltar-se e eu, ao cair bati com a cabeça.

Quando abri os olhos vi o David sentado numa cadeira à minha frente. Estava a sangrar do nariz e da boca e o cabelo dele está completamente despenteado. Tem a camisola manchada de sangue. Está amarrado e logo me apercebo que eu também. Dói-me a cabeça como nunca me doeu. Ouço-o tossir e percebo que não está bem.

- Que aconteceu? – Perguntei.

- Desmaiaste… – Respondeu ele, baixando a cabeça. – E eu não tive força para ele… Desculpa…

- Estás a pedir-me desculpa porquê? – Perguntei, tentando soltar-me.

- Por ter perdido o localizador, por não saber o caminho de volta e por não conseguir proteger-te.

- Esquece isso… Temos de sair daqui!

Continuei a tentar soltar-me mas inutilmente. Tal com o David, tenho os pés e as mãos amarrados à cadeira. Tenho a respiração ofegante, sinto-me como fosse desmaiar a qualquer momento. Senti algo frio encostar-se ao meu pescoço e uma mão a pousar-me no ombro. Estremeci e engoli em seco.

- Não lhe faças mal! – Gritou o David. O pânico na sua voz e no seu rosto faziam-me sentir ainda pior.

- Tu está caladinho ou a tua namoradinha fica sem pescoço. – Respondeu ele, encostando cada vez mais a faca ao meu pescoço. – Vocês não são da polícia… O quê que estão aqui a fazer?

- Perdemo-nos… Só queríamos um lugar para passar a noite. – Disse o David, com a voz a falhar-lhe.

- Isso quer dizer que virá gente à vossa procura. – Chateou-se o homem. – Vou ter de vos matar.

- O quê?! – Soei eu, sentindo a lâmina a cortar-me.

- Por favor, não lhe faças mal! – Pediu o David, exaltando-se. – Podes matar-me a mim, mas deixa-a ir embora! Por favor!

- Que bonito… Mas eu mato-te a ti e a ela. Não posso deixar-vos identificar-me! – Retorquiu o homem, agarrando-me pelos cabelos e puxando-me a cabeça para trás, ajeitando a faca. Sinto algo a escorrer-me pelo pescoço. – Já tenho uma vasta lista de assassinatos. Vocês serão apenas mais dois!

- Pára! – Gritou o David. – Pára!

O riso psicopata do homem fazia-me sentir como se estivesse num filme de terror. Num daqueles em que todos morrem. Nunca pensei muito como iria morrer, mas nunca julguei que fosse assim. Gostava de ver o meu irmão uma última vez. Gostava de ter o perdão do Seb. E que o David não sofresse. Eu sei, eu sei que ele não perdeu o localizador de propósito. Eu não o culpo por não saber o caminho ou por não me conseguir defender. Eu sei que ele fez tudo o que pôde. Olho para ele uma última vez e vejo que está a chorar.

- Da…David…

Estou prestes a entregar-me ao meu destino quando ouvimos um barulho. Era alguém a bater à porta e a chamar pelos nossos nomes. O homem afastou-se de mim e foi até à janela, espreitar.

- Socorro!! – Gritou o David.

Comecei  também a gritar para que nos ouvissem e nos pudessem ajudar. E parece que funcionou. Ouviu-se um estrondo e por trás do David surgiram dois polícias armados. O homem aproximou-se novamente de mim e apontou-me a faca.

- John Wakefield, está preso! Pouse a faca e afaste-se da rapariga! – Ordenou um dos polícias.

Ele não pareceu importar-se pois continuou a apontar-me a faca. A minha esperança de sair dali viva, cada vez era mais pequena. Olhei o David que se debatia na cadeira, tentando soltar-se. Fechei os olhos e ouvi um disparo. Abri os olhos e vi o John cair no chão, agarrado a um ombro. Um dos polícias algemou-o e levou-o, enquanto o outro nos soltou. Agarrei-me ao David, que me abraçou de tal maneira que quase me sufocou.

Saímos da casa acompanhados do polícia e cá fora estava o meu irmão que quando nos viu correu para nós e abraçou-nos.

- Pensei que nunca mais vos ia ver! – Choramingou o meu irmão. – Vocês estão bem?

- Vamos sobreviver. – Disse o David, forçando um sorriso e ainda agarrando-me.

- Oh meu deus… O quê que ele vos fez…? – Espantou-se o Pierre, ao ver melhor o nosso estado.

Voltamos para o Centro, onde recebemos cuidados médicos. Tenho um corte no joelho e outro no pescoço, já para não falar num galo na cabeça. O David parece que levou uma tareia. Mas sim, acho que ele tem razão. Vamos sobreviver.

Saímos da enfermaria e estavam todos em casa à nossa espera. Estavam com ar preocupados, mas logo ficaram mais calmos ao perceber que estávamos bem. Dentro dos possíveis. Para minha grande surpresa, o Seb, mal me viu, abraçou-me.

- Oh meu deus! Pensei que te ia perder! – Desabafou ele, que quase me deixou sem ar.

- Está tudo bem. – Tranquilizei eu, abraçando-o.

- Não, não está! Eu tive tanto medo… Eu não te posso perder! – Revelou ele, deixando-me sem reacção e abismada com o beijo que me deu. – Tu tinhas razão. Nós podemos começar de novo!

- Ahn? – Soei, confusa. Acho que o meu raciocínio ficou ainda mais lento com a pancada. – O quê que mudou?

- Tudo! – Disse ele. – Eu nunca senti tanto medo em toda a minha vida!

- Mas porquê? – Perguntou o David. – Vocês nem sabiam que nós estávamos com um psicopata…

- Suspeitamos. – Disse o Jeff, com ar sério.

- Como? – Perguntei, ainda envolvida pelos braços do Seb, que não parecia querer largar-me.

- Começou a anoitecer e vocês nunca mais apareciam. Começamos a ficar preocupados e pior ficamos quando o vosso localizador não funcionava. – Começou a Vanessa. – Depois entramos em pânico, quando apareceu aqui a polícia, a proibir-nos de entrar no bosque.

- Estavam numa perseguição. Tinham finalmente encontrado o paradeiro do John Wakefield e perseguiram-no e ele escondeu-se no bosque. – Continuou o Jeff. – O Pierre quase espancou os polícias para que o deixassem ir com eles!

- Esperem… – Disse o David. – John Wakefield… O assassino em série mais procurado dos Estados Unidos?!

- Sim, esse mesmo. É procurado por ter morto mais de 30 pessoas a sangue frio! – Relembrou o Chuck, parecendo arrepiado. – É completamente louco! Ainda bem que o apanharam, finalmente!

- Estou… Em choque. – Gaguejei. Já tinha ouvido falar deste homem e não tinha sido nada de bom. Arrepiava-me, ao lembrar-me das notícias que li e vi na TV. Ele matava as pessoas das mais variadas maneiras. Degoladas, queimadas, trituradas, estranguladas…

- Já acabou! – Tranquilizou o meu irmão, dando-me um beijo na bochecha. Penso que se apercebeu do meu pânico. Ele sabe bem como eu ficava quando davam essas notícias. Era sempre ele quem desligava a TV e deitava os jornais fora para que eu não visse. – É melhor irem descansar!

- Sim, o Pierre tem razão! – Disse a Vanessa.

Concordamos. O Seb pegou em mim ao colo, apesar de eu dizer que não era preciso. Estou magoada mas não estou inválida e ainda consigo andar. Cada um foi para o seu quarto. Ainda estou atordoada com o que se passou e acho que ainda não percebi o que o Seb quis dizer. Pousou-me na cama e sentou-se ao meu lado.

- Se foram eles, estão tão tramados… – Disse ele, dando-me um beijo na bochecha. – Ninguém droga a minha namorada e sai em pune.

- Isso quer dizer que me perdoas? – Perguntei, olhando-o.

- Perdoo. – Respondeu, sorrindo. – Eu acho que já tinha perdoado, hoje de tarde…

Sorri. Talvez o medo de que eu pudesse morrer o tenha feito perceber que já me tinha perdoado. Há males que vêm por bem. E às vezes só precisamos de um abanão para ver o que está diante dos nossos olhos.

Vesti o pijama e encostei-me à comoda a observá-lo a vestir o dele. É tão calmo e meigo e até simplesmente a vestir-se consegue ser gracioso. Olhou para mim e riu-se.

- O que foi? – Perguntou e olhou-se. – Tenho alguma coisa do avesso?

- Não… Estava só a observar-te. – Respondi, sorrindo.

- Anda cá. – Pediu esticando os braços e sorrindo.

Caminhei até ele, ainda mancando. Colocou os seus braços à minha volta, deitou-me carinhosamente sob a cama e deu-me um beijo na testa.

- Sabes que eu gosto mesmo muito de ti, não sabes? – Perguntou.

- Sei.

Sorri e encostei a cabeça ao seu peito. Os seus braços envolviam-me e eu sentia a sua mão acarinhar-me o braço. É bom ouvir aquilo. É bom estar com ele. É bom estar assim com ele. Suspirei e fechei os olhos.


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Notas finais do capítulo

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