POV Ícaro

– Vamos? Então vamos. Pocotó, pocotó - ironizou Melissa desanimadamente, jogando sua mochila nos ombros. Peguei a minha também e a acompanhei atônito para fora da sala vazia.

– Isso me pegou de surpresa - tentei explicar, acompanhando seus passos apressados. A chuva continuava forte lá fora. - Eu estava prestes a - tropecei na descida rápida da escada. Melissa seguia impassível à minha frente, os cabelos levemente avermelhados esvoaçando na corrida. - a terminar...

Chegamos à secretaria, me endireitei e olhei em volta. Alguns adolescentes estavam terminando de preencher suas respectivas inscrições e ninguém parecia se importar conosco, exceto algumas garotas do 9º ano que me olhavam fixamente. Debruçamo-nos no balcão e uma secretária apareceu.

– Três pra inscrição na campanha, antes que eu desista, por favor - resmungou, afastando mechas do rosto, mas uma de suas pulseiras se prendeu no cabelo e ela bufou adoravelmente.

Não pude me segurar e levei as mãos para ajuda-la a desprender-se. Melissa eletrizou-se com meu toque.

– Posso fazer isso sozinha - resmungou, ficando vermelha e fitando a parede com extremo interesse.

– Tem como você parar de me ignorar, por favor? - supliquei baixinho, juntando as mãos. Algumas garotas me olharam com mais afinco, mas relevei. - Tá me torturando. - afirmei ao ver que ela se afastava, ainda desembaraçando o cabelo.

A secretária voltou com três papéis azulados, repletos de espaços para se completar. Melissa preenchia o seu urgentemente.

– Quer que eu cuide do de Jessica? - ofereceu de má vontade enquanto preenchia o campo “Telefone” do formulário.

Um trovão ribombou e o apocalipse parecia rolar lá fora. Vi, pela janela de vidro, alunos entrando nos carros ou levando um caldo da chuva, e vários dos que estavam na secretaria conosco saíram apressados, com as mochilas cobrindo a cabeça. O ambiente escurecia gradativamente.

Saquei o telefone móvel do bolso e disquei os oito dígitos de Jessica.

– Não quero fazer isso - decidi sem rodeios, quando ela atendeu com um simpático “Amor?”. Quase me distraí assistindo Melissa acabar seu formulário, tão lindamente compenetrada estava.

– Isso o que, lindo? - respondeu com meiguice do outro lado da linha. Mas não me senti nem um pouco afetado.

– Me inscrever no casal. - Melissa revirou os olhos ao ouvir minha resposta e tentou me tomar o celular das mãos. Apertei o botão que ativava o “viva-voz”, sorrindo por ela finalmente notar minha presença, e levei o telefone ao alto, de modo que Melissa não pudesse alcançar. Escutamos o suspiro de Jessica na linha enquanto brigávamos silenciosamente pela posse do aparelho. Eu sorria como um bobo e os poucos adolescentes que restavam no recinto também.

A secretária surgiu como uma ninja e levou os papéis rapidamente, sumindo no breu do outro lado do balcão. Ouvimos um clique de porta sendo trancada com pressa. Ou seja, hora do almoço.

– Estão fechando o colégio - observou Melissa, desistindo de me tomar o telefone depois que encerrei a ligação, contendo o sorriso. - Temos que ir. - seus dentes começaram a bater assim que ela se aproximou do portão. Estava com os braços descobertos, e se encolheu de frio. Eu e os outros alunos também nos encaminhamos à saída, e a chuva irrompeu sobre nós assim que deixamos a proteção da escola.

– O que vamos fazer? - elevei a voz, pois o barulho da chuva batendo nos toldos era muito alto. Eu era realmente muito friorento, mas pelo menos tinha uma blusa de malha de zíper para me esquentar, uma bem grande. Já Melissa parecia à beira de um ataque hipotérmico.

– “Vamos” vírgula, cara-pálida. - se esforçou para me repreender, batendo o queixo e afagando os braços. - Tchau.

– O quê? Não, eu não vou te deixar ter uma hipotermia! - fui atrás dela enquanto nossos cabelos se ensopavam. Puxei-a delicadamente pelo pulso gelado para debaixo de um toldo próximo.

– Preciso... ir - soprou ela, se encolhendo mais ainda. - Só uma chuva, deixa de ser frouxo.

– Toma - ofereci, sem hesitar, a blusa de malha, que já estava com o interior quente pelo meu próprio calor. Melissa permaneceu parada, praticamente azul de frio, e apenas me lançou um olhar assassino. Coloquei a blusa sobre ela e tremi de frio.

– Obrigada - agradeceu relutante, se alinhando na blusa, que ficava enorme nela - mas agora é você quem vai passar frio.

– Não me inco...modo - tremi, mas manti a pose de protetor.

Melissa pensou por um instante.

– Olha, não interprete do modo errado... - avisou desgostosa, como quem diz “Mamãe, tenho realmente que fazer isso?”, e se aproximou. - Só estou garantindo sua sobrevivência porque sou muito legal.

E simplesmente me abraçou, envolvendo meus braços com as mangas compridas da blusa.

– Sou eu quem devia te proteger, não o contrário - bufei de brincadeira, ainda tremendo um pouco.

– Mnn - resmungou algo ininteligível. Afundei o nariz em seus cabelos e senti o cheiro doce de seu shampoo. Melissa não era muito alta, batia em meu queixo.

– Deu até calor.

– É uma boa malha.

– Não estou falando da blusa.

Melissa me soltou, gritando “atrevido!” e me batendo de leve. Eu ria muito da situação. Ela começou a rir também, e peguei em sua mão.

– Escuta. - pedi sua atenção e aproximei meu rosto do dela. - Gosto de você de verdade. Porque não podemos ficar juntos e simplesmente esquecer todo o resto? - sorri, esperando estar usando o Sorriso Conquistador e não o Sorriso Idiota Apaixonado.

Selei seus lábios cuidadosamente e ela retribuiu. Peguei-a pela cintura e levei a outra mão ao seu pescoço, queimando de felicidade por dentro. Melissa continuou com naturalidade e levou ambas as mãos, agora quentes, à minha nuca.

– Só depois que falar com ela - disse entre um beijo e outro, e eu só sorria, puxando-a pela cintura para ainda mais perto.

E continuamos nos beijando até a chuva passar.