Rosa Ressuscitadora escrita por Reira chan


Capítulo 1
Capítulo 1


Notas iniciais do capítulo

Fic dedicada ao Jonathan, porque eu lembrei dele quando escrevia. Espero que ele goste, e vocês todos também, claro ^^
OBS: metáfora com crítica social envolvida. Espero que dê pra entendê-la.



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As gotículas prateadas de inestimável valor para sua portadora abandonavam-na, pouco a pouco ou em enxurrada, escapando pelas rachaduras recém - adquiridas na alma dela, como se mal pudessem esperar para escapar da mesma.

A garota chorava, tornando sua visão ainda mais rarefeita, adicionada ao véu negro que já a dificultava, cobrindo sua face corada e umedecida de dor. Porém, mesmo sem enxergar, de algum modo ela via diante de si o que lá havia: a lápide que, na crosta do túmulo, continha algumas informações. O nome, sobrenome idêntico de sua observadora, e duas datas: nascimento e morte. Pairando em frente a esta, estava um buquê, repleto de rosas avermelhadas que exibiam em sua cor a beleza do sangue.

Ela se pôs a observá-las. Sua beleza era incontestável, cada pétala se sobrepondo à outra com precisão quase rítmica. Perfeitas e impassíveis, como o corpo da amada irmã que ela agora observava.

Sutilmente, ela se agachou em um único movimento, fitando as rosas tanto quanto as lágrimas permitiam. Em breve, elas também morreriam, longe como estavam de suas sementes. A morte perseguia os belos? Tentou morder o lábio inferior, falhando na tentativa de cessar o choro que a cegava. Fixava o buquê, observando as cores se mesclarem em sua visão pelas lágrimas, assim como seus sentimentos. Ficou ali por mais instantes, a desperdiçar tempo, quando de repente, ouviu chamarem-lhe. Era seu nome, seguido de uma promessa. Alguém que lhe falava agora tinha como trazer sua irmã de volta. Só precisava, para isso, de um pequeno favor.

As pestanas da garota se expulsaram de seus lugares, fazendo com que arregalassem-se os olhos esverdeados ao fitar a rosa que lhe falava. Sua irmã, de volta? Não havia hesitação a ser desperdiçada; aceitou o trato, que era simples: a rosa lhe exigia um lugar em seu jardim.

No dia seguinte, a flor já ocupava sua posição neste; dele roubava todos os olhares passantes, permanecendo em glória sobre a atapetada grama que lhe acariciava o caule com deferência; assim o trato foi posto em prática.

A garota já cansara de ouvir que lhe era necessário o desapego e esquecimento da parente, sobretudo de sua mãe; mas a que lhe levaria obtê-los se o seu amor pela irmã era a maior parte de sua humanidade, e, ademais, tinha ao lado de si a preciosa rosa, que havia de cumprir-lhe a promessa de fazer ressuscitá-la? A rosa com certeza tinha capacidade de fazê-lo; se propunha acordos, havia de poder cumpri-los.

De fato, ela podia.

A nova habitante da entrada esverdeada da casa era, no entanto, muito exigente. Precisava continuamente de água, de sombra e de reformas no jardim, cuja grama crescia a ponto de lhe ofuscar, os arbustos a incomodavam ao estarem mal podados e a terra não era fofa como necessário. Certas folhas já haviam provado do suor que escorria pela testa da pequena, concentrada em não falhar na restauração do ecossistema em que a rosa imperava, enquanto o fazia. Ao final do agonizante trabalho, a rosa lhe pedia água – e mesmo que a garota transpirasse em sede, se apressava em pegar-lhe, mesmo perdendo e precisando mais do que a flor.

Porém, jamais reclamava. Durante o trabalho, lembrava-se da irmã, do olhar maroto que reluzia em seu rosto, do delicado toque de seus lábios sobre a testa dela em um beijo de boa noite. E ao fim, deste, ao observar a flor de cor cereja, jurava ver atrás dela o fantasma gracioso de sua irmã, os fios louros escorrendo lado a lado com o rosto de olhos verdes. Todas as manhãs, ela sentia o cheiro de sua rosa saudá-la de forma confortante no ar repleto de orvalho. Seu olfato afirmava que o cheiro era igual ao de sua irmã, muito embora esta nunca tenha cheirado a rosas.

A garota se iludia na presença do fantasma da promessa que lhe assombrava, jamais largando sua vítima. Trabalhava, lhe dava água que teoricamente pertencia a ela própria; e mantinha diante de si o reinado em flor.

Sua mãe já avisara que não adiantava prosseguir; ela, porém, discordava e voltava a lhe servir. Várias vezes, foi falada pela mãe a ideia de abandonar a rosa; sua filha agora única não hesitava um instante em recusar, o rosto em lágrimas, por mais que a mãe estivesse certa ao insistir de que, mesmo que tivesse tal capacidade, a rosa não ia ressuscitar a amada irmã. Mas a garota negava com veemência, agarrada às suas esperanças.

A discussão a respeito chegou ao auge em uma noite particularmente fria; a rosa exigia que a garota ficasse fora no jardim, bloqueando o vento. E esta, tremendo, o fez, e o ato indignou sua genitora.

– COMO PODE CONTINUAR A METER-SE NISSO? NÃO PERCEBE? JÁ FAZ MAIS DE UM ANO. ESTA FLOR NÃO IRÁ TRAZER SUA IRMÃ NOVAMENTE.

Porém, o fantasma da promessa, que era tão vazio quanto esta, estava bem ao lado da garota, e a lembrava de si.

– CLARO QUE VAI! SÓ NÃO...

– NÃO O QUE? QUAL O MOTIVO PARA ELA NÃO TER FEITO ISSO AINDA, SE PRETENDE?

– ESCUTE!

– NÃO! ELA NÃO FEZ ATÉ HOJE, POR QUE FARIA AGORA? ELA MENTIU. NÃO IRÁ FAZER NADA, TE ENGANOU!

– MAS... – lágrimas entapetadas de cólera brotaram nos olhos jovens, correndo em queda livre pelo rosto alvo.

– ELA SÓ QUER SE APROVEITAR DA SUA...

– NÃO! – interrompeu, berrando, enquanto atirava as pedras do jardim sobre a mulher – NÃO! NÃO! – prosseguia, afugentando a mãe que, sem opção, voltou à casa, ainda ouvindo as negações ainda não caladas da filha, que se manteve onde estava, protegendo a flor.

A mulher suspirou longamente e foi se deitar, sem no entanto conseguir passar desse estágio ao do sono. Seus olhos jamais estiveram tão leves, por mais que seu olhar estivesse pesado, não aguentando se fixar por muito tempo à frente e sempre descendo ao chão. Após alguns minutos de esforço, ela desceu pelas escadas, visando um copo d’água. Ao chegar na cozinha, olhou pela janela com discrição, surpresa com a terrível cena que acabara de presenciar.

O vento batia forte sobre o jardim, praticamente um vendaval, chicoteando com o cabelo arruivado da menina o seu próprio rosto. Esta permanecia imóvel, os olhos verdes encarando um ponto fixo no chão, no qual se fincava o caule espinhoso da rosa.

O resto dele, porém, estava na mão da menina, que em outra mantinha a tesoura que fora usada para cortá-la fora do jardim. Ela suspirou e voltou a adentrar a cozinha, imediatamente enchendo-se do calor desta ao mesmo tempo em que a invadia com o vento forte atrás de si. Entre seus dedos, ela mantinha a flor.

– Como não percebi antes... Que era enganada? – falou consigo mesma, e, sem esperar resposta, subiu ao seu quarto, no qual dormiu bem, assim como a mãe, que suspirava aliviada no cômodo abaixo.

Na manhã seguinte, foi plantada uma camélia onde antes ficava a rosa. E essa sim, trouxe consigo a única promessa de que ela precisava: o esquecimento.


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Notas finais do capítulo

Caso alguém não tenha entendido: a crítica social da história se baseia na rosa, que na verdade seria qualquer pessoa (incluindo algum governante, por exemplo) que, baseado na tristeza que "cega" os outros (representada pelas lágrimas que confundiam a visão da garota), usa isso para se aproveitar deles, usando as pessoas e explorando-as, como a rosa fez. E também quer dizer que, se a pessoa em questão não se tocar disso, se conscientizar e passar a desconfiar e ir por si mesmo atrás do que quer para resolver os próprios problemas, só irá atrair mais.
Entenderam? Espero que sim.
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