Perdida Em Seu Olhar - (Finalizada) escrita por Eu-Pamy


Capítulo 17
Capítulo dezesseis - Falta de Sorte.




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Capítulo dezesseis. -  Falta de sorte.

      A primavera já estava quase terminando quando Novembro começou, fazendo uma sensação de nostalgia percorrer meu corpo. Era bom olhar pela janela e ver as árvores floridas, ir para a feira de sábado e encontrar as frutas mais saborosas, ir ao parque e ver a felicidade que a época parecia transmitir às pessoas, e principalmente, ver que o ano já estava quase acabando. Não que envelhecer me traga alguma alegria, ao contrário, depois que se faz vinte e cinco anos, cada ano que passa não é visto mais como um motivo de  comemoração, e sim como uma sentença de velhice, principalmente para as mulheres. Eu não gostava de me sentir velha, sentia falta da minha juventude e do meu corpo, e agora quase não me reconhecia quando me olhava no espelho. “Cadê o meu corpo jovem e sarado, e de quem é esse bumbum?” questionava confusa, encarando o espelho. A gravidade começava a jogar contra mim, e eu temia que esse fosse só o começo de desastres ainda maiores que a idade me proporcionaria. O pior de tudo, era que eu me sentia em uma batalha contra o tempo. A única batalha que ninguém é capaz de vencer.

Eu via as minhas ex-amigas de colégio, algumas colegas do trabalho, as minhas vizinhas e algumas parentes distantes contarem orgulhosas para mim que estavam grávidas ou que planejavam ficar. Eu não sabia mais quantos convites de chá de panelas eu havia recebido só naquele último mês, provavelmente dezenas deles. Parecia que todas as mulheres que eu conhecia haviam combinado de engravidar ao mesmo tempo, como se isso estivesse virando uma grande epidemia. Eu observava a alegria das futuras mamães de longe, sorrindo sempre que elas falavam dos bebes com um amor quase religioso, saudando as crianças como se faz com um santo ou uma entidade sagrada. Aquilo era amor demais para mim. E mesmo estando feliz por elas, eu não conseguia esconder o meu desconforto. Eu estava virando a “titia” Susan, e odiava isso. Eu queria esganá-los sempre que me chamavam assim, queria fazê-los engolir cada palavra. “Titia Susan?” Eu perguntava com desagrado, olhando para a criança ou para a sua mamãe. Não. Eu era jovem demais para tais rótulos. Por um bom tempo, cogitei a idéia de não visitar mais essas amigas, para que assim, pudesse fugir dessa neblina de comemorações e planejamentos que invadia a minha rotina. Eu não tinha motivos para comemorar, eu não tinha nada planejado, então porque deveria participar das comemorações dos outros, sendo que nada disso me interessava?

Eu era desagradável sempre que ouvia as palavras tão conhecidas: “Estamos pensando em ter um bebe”. E mesmo assim, mesmo que a minha reação não pudesse ser pior, elas continuavam a me deixar a par de tudo, contando cada detalhe, seja sobre o nome da criança, seja sobre onde vão comprar os móveis do quartinho e da tinta que vão usar nas paredes. Nada daquilo me interessava, e eu não escondia isso de ninguém. Mesmo assim elas continuavam a cobrar uma felicidade de mim que eu jamais daria. Eu não me importava se elas queriam fazer isso, eu não me importava como seria a criança, não, eu não me importava com nada, e elas sabiam disso, mas mesmo assim eu sempre era a primeira a saber quando eles tinham a confirmação.

- Se você tem certeza que quer fazer isso... – Falei certa vez, á uma antiga colega do colégio, Letícia. Estávamos almoçando em um restaurante.    

Ela me encarou.

- Você não está feliz por mim? – Disse com sua voz fina. Eu beberiquei um gole do meu café.

- Claro que estou. – Falei sem emoção.

- Não é o que parece. – Ela comentou, parecendo triste.

- Eu só estou cansada. Não dormi direito essa noite. – Desconversei.

Mas o que mais eu podia fazer? Ser falsa? Fingir uma animação que não existe? Não, eu nunca fui boa em enganar as pessoas.

Quando cheguei em casa naquele mesmo dia, andei direto para o meu quarto, ignorando a presença do menino sentado no sofá, ele não me seguiu. Tirei toda a minha roupa, me enrolei na toalha e corri para o banheiro. Tomei um banho de dois minutos e sai do box, parei de frente à pia, encarando o meu reflexo embaçado no espelho. Eu estava ficando velha... O tempo estava passando e eu estava ficando para trás. Todos estavam formando suas próprias famílias, todos estavam correndo atrás da própria felicidade. Mas e eu? Eu não. Eu estava ficando para trás, criando raízes no meu próprio esquecimento. Imaginei-me com quarenta anos, sozinha naquela mesma casa, trabalhando no mesmo serviço, velha, feia, cansada.      

- Você não precisa esperar fazer quarenta. Porque você já está assim: Velha, feia e cansada. – Falei para mim mesma, com um tom cruel.

Quando Novembro começou, onde quer que você fosse só iria escutar o mesmo assunto: O feriado. Naturalmente, as pessoas estavam ansiosas com a chegada do feriado, e como seria numa sexta-feira, muitos já planejavam suas viagens e almoços em família, mas esse clima feliz de ansiedade não havia chegado até a minha casa. Ao contrário de muitas pessoas, eu não via o Dia dos Finados como uma data de comemoração, e pelo visto, o Lucas também não. Não havia clima para viagens, festas, almoços, reunião entre amigos, porque a data não pedia isso. Era um dia triste, um dia de reflexão, quando a saudade de seus entes queridos parece mais forte. Em algumas religiões, acredita-se até que neste dia em especial, a linha invisível que separa o mundo espírita do mundo dos vivos fica mais fraca, e por isso, nos sentimos dessa maneira melancólica, sentindo nossa ligação com os falecidos parecer mais vivida e forte. Mas é claro que essa é apenas uma crença cultural sem fundamentos, que eu mesma jamais acreditarei, apesar de admitir que no Dia dos Finados, algo estranho paira sobre mim. Uma sensação de melancolia misturada com saudade. Para mim, devemos respeitar o dia dos Finados, por puro bom senso. Esse é um dia especial, quando a família toda se reúne para homenagear os falecidos, e não uma data para se festejar.

Na sexta-feira, no dia dois de Novembro do ano 1999, logo bem cedo pela manhã, Lucas e eu nos arrumamos e fomos de carro até o cemitério. Como já era de se esperar, estava um transito recorde na avenida. Chegamos ao cemitério só depois do horário do almoço, e encontramos centenas de famílias reunidas no cemitério, indo visitar seus entes queridos. Em cantos específicos do cemitério, grupos de pessoas rezavam e andando pelos túmulos vi muitas pessoas chorarem lembrando de suas perdas familiares.

- Que triste... – Lucas comentou observando uma mulher jovem, vestida toda de preto, ajoelhada em frente ao túmulo de uma criança, chorando desesperada, enquanto seus amigos e parentes tentavam acalmá-la. Eu o encarei, ele havia estado muito calado desde o café da manhã.

- Você está se sentindo bem? – Perguntei preocupada.

- Estou. – Ele me olhou, seus olhos brilhando por alguma razão que desconheço. Assenti e continuei andando.

Antes de visitar-mos o túmulo de Anabela, decidi visitar o do meu pai, que também havia sido enterrado naquele cemitério.  Não foi preciso procurar muito para encontrá-lo.

- É esse daqui... – Falei, apontando para a sepultura. – Damião Honrado Cllaus. – Eu li, sorrindo. – Ele era um galã, não era? – Perguntei, chegando perto da pequena fotografia. Agachei-me, sentindo meus olhos ficarem úmidos. – Papai... – Sussurrei. – Eu estou com saudade. – Me levantei e encarei o Lucas. Ele me observava em silêncio. – Sabe... Você me faz lembrar um pouco ele... – Comentei, ele sorriu. – Pelo menos, de rosto são muito parecidos.

- Obrigado. – Falou.

Olhei novamente para a sepultura, forçando a minha mente a lembrar daquela pessoa que tanto amei. As lembranças eram distantes, mas muito significativas. Ficamos em silêncio por um bom tempo, até que eu falei:

- Lucas, as velas, por favor. – Ele me entregou o pacote que estava na sua mão. Agachei-me novamente, e  com o isqueiro que estava no bolso da minha jaqueta, acendi uma vela. Esperei um pouco para que ela derretesse, e então a virei com cuidado, deixando derrubar a sua massa, depois coloquei a ponta da vela em cima da massa derretida e segurei até que secasse e depois me levantei. Ficamos em silêncio, observando o volume da vela diminuir aos poucos. Aproveitei para fazer algumas orações. Quando ela já estava pequena o bastante, apaguei o fogo, e guardei o que sobrou da vela em uma sacola, para que não sujasse o cemitério. – Até logo, pai. Eu te amo. – Falei, e depois continuamos a caminhar, procurando pelo túmulo de Anabela. Quando encontramos, fizemos o mesmo ritual. Acendemos uma vela e ficamos em silêncio, observando a bela fotografia colada na sepultura. Com o canto dos olhos, vi as mãos do menino se apertar uma na outra. Ficamos cerca de meia hora assim. – Quer ficar mais? – Perguntei, guardando a sobra da vela na sacola. Ele negou com a cabeça e fomos embora. Quando chegamos em casa já era quatro horas da tarde. Tomamos um banho e fomos assistir televisão. – Está cansado? – Perguntei, o vendo bocejar.

- Foi um dia cansativo... – Ele murmurou, sem tirar os olhos da TV.

- Foi sim. Se você quiser, pode ir se deitar mais sedo... Eu te chamo quando o jantar ficar pronto.

Ele se levantou e andou até a escada.

- Tudo bem...

Quando ele subiu, fiquei assistindo em silêncio, até que meu telefone tocou. Era Karol, querendo saber como Lucas e eu estávamos. Depois de conversarmos, desliguei a televisão e fui para a cozinha fazer a comida. “Um dia cansativo” repeti as palavras do menino na minha mente, perguntando-me o que ele queria dizer com isso.   

O mês de Novembro já estava quase acabando quando Lucas me informou que eu teria que ir até a sua escola para uma reunião com os professores e com os outros pais. Como de costume, no final do ano, a escola chama os pais e responsáveis, para deixá-los a par da situação dos alunos. Mas assim como foi na reunião anterior do terceiro bimestre foi na do quarto, eu só recebi elogios sobre ele. E me pareceu até que todos os professores estavam completamente hipnotizados pelo menino. Eles o elogiavam, contavam seus feitos com orgulho e devoção, falavam sobre o futuro maravilhoso que ele teria, da sua inteligência e educação, e diziam estar felizes por terem a oportunidade de ter um aluno como o Lucas. Eu ouvia tudo com uma surpresa muda e controlada. Jamais havia visto um aluno sendo tão elogiado pelos seus educadores. Pelo que eles disseram, Lucas não havia sido só o melhor aluno da sala, como também o melhor aluno da sua série. Ele era maduro, encarava os exercícios com uma facilidade assustadora e gostava de ajudar seus colegas de sala.

- Ele poderia até pular algumas séries, creio eu. – Disse uma de suas professoras para mim.

- Acha mesmo? – Perguntei, estranhando.

- Claro. Ele é uma preciosidade, um aluno excepcional, com muito potencial, não é como os outros,  creio que está se prejudicando perdendo seu tempo com essas outras crianças da idade dele... Ele é capaz de muito mais, senhorita! – Fez uma pausa – Nunca passou pela sua cabeça colocá-lo em uma escola particular? Acho que faria muito bem para ele.  Não conte para ninguém que eu te disse isso, está bem? – Ela sussurrou – Mas essa escola aqui só atrasará a vida dele, ele tem potencial para muito mais! – Suspirou – Por causa dele, confesso que estou pensando até em dar aula para as quartas séries ano que vem... Quem sabe daqui alguns anos, jornalistas não vão ligar para a minha casa, marcando uma entrevista onde eu contarei como foi dar aula para o gênio Lucas Mordinalle. – Ela brincou. Sorri imaginando a cena na minha cabeça. Eu também não duvidava que aquilo acontecesse. Ela se virou para mim e me encarou. – A senhorita tem sorte por ter um filho como ele. – Abri a boca para corrigi-la, mas ela se antecipou – Deus sabe como eu queria que meus filhos fossem assim... – Riu. – Bom, tenho que ir, o dever me chama. Foi um prazer, senhorita Cllaus. Espero encontrá-la ano que vem, e mesmo que isso não aconteça, vou ficar feliz do mesmo modo por ter tido a oportunidade de conhecê-lo. – Ela olhou para o menino sentado em uma das cadeiras no fundo da sala, olhando para o teto, enquanto me esperava. E então ele olhou para nós e sorriu, a professora também sorriu. – Pense no que eu te disse. Esse menino tem futuro. Não é justo com ele ficar em uma escola como essa.

- Eu vou pensar sim. Obrigado.

E ela se afastou, saindo da sala. Lucas se levantou e andou até mim.

- Já podemos ir?

Suspirei.

Sim, eu tinha muita sorte em tê-lo comigo. Sorri.

- Já... Já podemos ir.

Quando dezembro começou, uma inesperada onda de tempestades e chuvas que pareciam nunca ter fim avançaram para a cidade, acabando com os planos de muitas pessoas de curtir as férias dos filhos. Em muitas escolas, as aulas já haviam acabado, e com a do Lucas não foi diferente. Logo na sua primeira semana sem aula, percebi que a minha vida nunca mais seria a mesma. Se eu já havia tentado adaptar a minha vida aquelas novas informações, agora percebia que não teria mais volta. Você só percebe que uma criança domina a sua vida, quando a mesma está de férias. Quando ele ainda ia para a escola, eu podia me iludir, dizendo para mim mesma que depois de um tempo eu teria a minha vida de volta e que aquelas mudanças eram só no começo, que logo eu iria me acostumar e que ele não interferiria em nada; mas quando ele começou a ligar para o meu serviço de dez em dez minutos, perguntando como eu estava ou onde estava tal coisa, eu percebi que nada seria como antes. Eu havia percorrido um caminho sem volta, e agora estava arrependida. Aquela não era a vida que eu queria para mim. Jamais foi.

Quando ele estudava, fiz um acordo com a minha patroa para que eu pudesse começar a trabalhas ás sete da manhã, ao invés de oito. Eu era a primeira a chegar e ficava responsável por abrir a loja, mas em compensação tinha duas horas de almoço. Quando os ponteiros do relógio apontavam onze e meia da manhã, eu deixava o trabalho e dirigia sem parar para a minha casa, e quando chegava preparava o almoço, o Lucas já estava acordado e uniformizado quando eu chegava. Depois almoçávamos juntos, conversávamos brevemente e um pouco antes da uma hora da tarde eu o levava de carro para a escola e de lá ia para o meu serviço. Sendo obrigada a dirigir como uma louca para chegar antes da uma e meia. Eu fazia isso todos os dias, até que dezembro chegou e tudo mudou.

Nas duas primeiras semanas de férias, tudo estava normal. Eu acordava ás cinco e meia, tomava um banho, vestia o uniforme da loja, e descia para fazer o café. O Lucas já estava acordado na sala quando eu descia, assistindo televisão e vestindo apenas seu pijama. Eu dava bom dia para ele e ele para mim, em seguida caminhava em direção a cozinha e preparava o café da manhã, depois chamava ele e comíamos juntos, e por volta das seis e dez, eu saia para ir trabalhar, deixando-o sozinho em casa. Horas depois, eu saia do meu serviço onze e meia, chegava em casa meio dia e quinze, preparava o almoço, almoçávamos e depois voltava para o serviço. Trabalhava até as cinco e meia e depois voltava para casa, ficava uma hora presa no transito e por isso chegava seis e meia. Tomava um banho e trocava de roupa, depois descia para fazer o jantar, ele sempre ia para a cozinha me fazer companhia, e falávamos sobre política, sobre o tempo e sobre como havia sido o meu dia. Ele ficava trancado em casa o dia todo nas férias; e mesmo eu insistindo para que ele saísse um pouco para brincar com as crianças na rua, ele preferia ficar em casa assistindo filme, mexendo na internet (eu havia estalado um programa que proibi a visualização de obscenidades, só para garantir) ou pintando. Naturalmente, eu via o meu antigo depósitos de caixas, que agora era seu quarto, virar uma grande exposição de quatros. Havia pinturas e desenhos espalhados por todos os lados, seja na parede, seja no teto. Eu jamais consegui descobrir como ele havia conseguido alcançar o teto e de como havia conseguido pendurar aqueles desenhos lá, e ficar imaginando ele sumindo pela parede como em um desenho animado me faz rir. Sempre que eu entrava no seu quarto para guardar as suas roupas passadas ou para chamá-lo para jantar sentia um forte cheiro de tinta fresca, que com o tempo acabei me acostumando e até gostando, como uma pessoa se acostuma com o cheiro de livros. Toda noite, antes de dormir, eu levantava da minha cama e caminhava até o seu quarto, abria a porta em silencio e seguia para a janela, abrindo-a até a metade para que o ar ventilasse pelo cômodo; preocupa que ele pudesse desenvolver alguma doença por causa do cheiro forte de tinta. Muitas vezes, me peguei parada admirando as suas obras, e me perguntando como era que ele conseguia criar aquelas paisagens tão belas e rostos tão reais que me encaram com olhares acusadores, sem sair daquele quarto. E nesses momentos, eu respirava fundo, sentindo o cheiro de tinta e sorria.

Todas as noites, depois que jantávamos juntos, seguíamos para a sala, onde assistíamos o jornal e o que fosse que estivesse passando. Ficávamos conversando sobre tudo, contudo nosso assunto preferido era nós mesmos. Adorávamos fazer perguntas um para o outro, tentando desvendar aquele completo desconhecido sentado do outro lado do sofá, para que assim ele não fosse mais um completo desconhecido. Lucas era inteligente, e muitas das vezes, era ele quem levava a conversa para um nível superior, fazendo perguntas que ninguém jamais havia me perguntado antes, se mostrando muito sensível e complacente com as minhas respostas; e eu não me importava, pois me sentia a vontade com ele, como só me senti com outras duas pessoas. Com Anabela e com o meu pai. O diálogo se estendia em um clima gostoso, relaxado e amistoso. Ele fazia minha barriga doer de tanto gargalhar com as suas histórias sobre a mãe e coisas esquisitas que passam pela sua cabeça; e eu fazia ele se emocionar contando sobre a minha infância com Anabela e como foi difícil depois que perdi meu pai, evitando sempre falar sobre a minha mãe, para que clima não estragasse. Ele gostava principalmente de saber como eu era quando adolescentes, me fazendo ressuscitar lembranças enterradas na minha memória há muitos anos; e eu gostava de saber sobre os seus planos para o próprio futuro, me surpreendendo a cada resposta decidida sobre qual universidade ele deseja cursar ou sobre qual famoso ele deseja pintar.  Nossas conversar se estendiam durante horas, parando apenas quando o sono se mostrava mais forte, o que acontecia apelas depois das duas da manhã. Fazíamos esse ritual todos os dias, e a cada dia que se passava, eu me sentia mais ligada a ele, e sem perceber, aos poucos, ele começou a virar o centro de tudo que acontecia comigo. E eu percebia que não podia mais viver sem ele.

Entretanto, na segunda semana de férias, algo inesperado aconteceu. Eu havia acabado de acordar, estava vestida apenas com o meu pijama quando levantei da cama e caminhei para o banheiro para escovar os meus dentes e tomar o meu banho, mas algo me chamou a atenção. Eu não escutei o barulho da televisão vindo da sala como normalmente escutava e a porta do quarto do Lucas estava aberta. Caminhei até lá e o encontrei de olhos abertos deitado sobre os lençóis, vestindo apenas sua calça do pijama. Estava chovendo lá fora, e eu tremia por causa do frio, mas ele não, na verdade, ele estava suando.                                                   

- Acho que estou com febre... – Ele murmurou com a voz fraca. Aproximei-me rapidamente, ele deu espaço para que eu me sentasse na beirada da cama. Coloquei as costas da minha mão da sua testa, averiguando.

- Você está mesmo. – Falei. – Desde quando está assim? – Questionei.

- Eu acordei já todo suado... – Ele forçou seu corpo para se sentar na cama. – Não se preocupa, deve ser só uma gripe. Pode ir trabalhar... – Neguei com a cabeça.

- O que mais você está sentindo? – Falei, vendo sua pele um pouco avermelhada.

- Coceira... Estou com um pouco de coceira. – Ele informou, com a voz arrastada.

- Onde está coçando?   

- Meu corpo inteiro... Sobretudo o meu rosto. – Uma pausa – Deve ser só gripe...

Eu me levantei.

- Não. Gripe não dá coceira. – Falei saindo do quarto.

- Aonde você vai?

- Pegar o meu celular. Não se mexe. – Quando voltei, estava falando no telefone com o médico. – Tudo bem doutor, eu vou fazer. Muito obrigado. Sim, tudo bem... Tenha um bom dia o senhor também. Tchau... – E desliguei, ele estava me encarando com um olhar apreensivo.  – Eu liguei para o meu médico, ele disse para eu te dar um analgésico por enquanto, mas que se essa febre aumentar eu devo te levar para o hospital. – Me sentei na cama.

- Você falou sobre a coceira?

- Sim, ele disse que pode ser uma reação alérgica por causa de alguma coisa que você comeu... É normal, mas mesmo assim, vou esperar a sua febre diminuir um pouco e depois vou te levar ao médico. – Olhei para os seus braços. – Ainda está coçando muito? – Ele assentiu. – Se cubra com um lençol pelo menos...

- Estou com calor. – Ele explicou. Suspirei. Como alguém podia sentir calor com aquele tempo?

- Tudo bem. – Me levantei. – Vou pegar o remédio. – Voltei alguns minutos depois. – Tome, você vai se sentir melhor. – Entreguei um copo de água e um comprimido. Ele engoliu sem reclamar.

- Você não vai trabalhar? – Ele perguntou preocupado.

- Não com você nesse estado. – Peguei o meu celular de cima da estante e comecei a digitar o número do celular da minha patroa. O celular tocou algumas vezes até que ela atendesse.

- Alô? – Disse uma voz cansada.

- Helena? Sou eu, a Susan. Tudo bem? Espero não ter te acordado...

- Susan? Não, não. Você não me acordou. Comigo está, e com você querida? Aconteceu alguma coisa para você está me ligando? Alguma coisa com a entrega dos novos produtos? – Perguntou rapidamente.

- Não, os produtos foram entregues ontem, pensei que a Renata tinha te dito.

- Disse não. Mas se não é sobre isso, o que é então?

- É que eu preciso de um favor. Você lembra do Lucas?

- O menino que você está cuidando? Lembro sim.

- Então, ele não está se sentindo bem hoje e eu gostaria de levá-lo no hospital. E como não tenho ninguém que possa fazer isso por mim, eu queria saber se eu posso ficar com o dia de folga hoje.

- O que ele tem?          

 - Eu não sei exatamente. Ontem ele estava ótimo, mas hoje acordou com febre, e está reclamando de uma coceira no corpo...

- Coceira no corpo?

- Sim, como ele é branquinho, está todo vermelho...

- Hn... Sabe, o meu neto também estava assim, e não faz tanto tempo.

- Ah, é? E o que ele tinha?

- Catapora.

- Catapora?

- É. Sabe, isso é normal na idade deles... E com essas chuvas e ventanias, os vírus se espalham com mais facilidade. Está tendo uma epidemia de catapora na escolinha do meu neto. Todas as crianças estão pegando.

- Mas catapora dá febre?

- Ás vezes... Mas é melhor você levá-lo no médico mesmo.

- Se a senhora quiser, eu posso ir trabalhar no final de semana...

- Não, querida, não precisa. Apenas leve um atestado para o trabalho amanhã, está bem?

- Tudo bem.

- Espero que o menino fique melhor.

- Obrigado. 

- Tchau. – E desligou o telefone. Olhei para o garoto deitado na cama.

- Lucas, você já teve catapora? – Seus olhos se arregalaram.

- Não.

Levei a minha mão para a minha testa, achando que também estava ficando com febre, mas era apenas impressão.

- Que ótimo. – Resmunguei, jogando o meu corpo em uma cadeira. – É tudo o que faltava acontecer...

Fiquei cuidando dele um pouco mais de quinze dias por causa da doença, e a cada dia que passava eu ficava mais irritada, amaldiçoando os céus e o infinito pela minha falta de sorte. 


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