A Fênix escrita por Julibella


Capítulo 3
A Fênix, a Muda e dois Judeus.




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/25024/chapter/3

 Fênix e Muda chamavam muito a atenção dos rapazes na rua. Não era sempre que poderiam ver uma ruiva e uma morena lindas e juntas, de uma só vez. Mas, ao invés de darem sorrisinhos como qualquer garota normal faria, as duas ignoravam, continuando a andar. Os rapazes não insistiam, já que muito deles tinham pais que trabalhavam no “Manford”, e mexer com a patroa do pai não era algo muito bom de pensar, e insistir era algo totalmente incabível.

 A trajetória das duas amigas era da escola para casa. Raramente iam as empresas juntas, e tão pouco á casa da mãe de Della. Eram dois lugares que a jovem preferia manter a distância.

- Della, você deveria cuidar mais do patrimônio de seu pai! E deveria visitar sua mãe... ver se precisa de algo. - dizia Raven, séria. Os óculos caiam-lhe sobre o nariz, deixando-a com um ar mais velha do que sua real idade, que não passava dos 30 anos.

- Não quero vê-la, ela matou meu pai!

- Seu pai era um homem doente, como o de Marietta... não deveria culpar sua mãe desse trágico acidente. Ela pode não ser perfeita, mas...

- Ela não é minha mãe. Ela não é ninguém, eu não tenho ninguém além de meus amigos e você, Raven.

- Minha pequena Fênix... - suspirou ao ver que a protegida ainda possuía um rancor da mãe. Ignorava sua existência, suas necessidades... seu parentesco. A senhora Vowka, ou simplesmente “mãe”, era uma estranha para a jovem. - Porém, creio que esse não é um assunto para tratarmos á essa hora, destinada ao descanso. Bem, mas tem algo que eu queria lhe dizer.

- Sim, Ray...

- Hum... ouvi algumas noticias sobre... ér...

- Sobre o que Raven?

- Judeus. Ouvi dizer que a campanha de que os judeus sejam algo sujo em nossa sociedade está cada vez mais aumentando publico, em sua grande maioria, políticos e jovens. Até se atreveram a sugerir a esterilização dos mesmos para não haver uma espécie de domínio étnico.

- Isso nunca irá ser concretizado, não é?

- Não sei, Hitler como chanceler está abrindo portas para a idéia da raça ariana. Você viu a forma que ele prega ao seu publico? É um monte de falácias, creio eu, porém seu tom de voz é tão convincente que fazem “milagres”. O povo acredita que ele seja o salvador dos problemas herdados da Primeira Guerra, com o tal Tratado de Versalhes.

- Você está falando que pode realmente haver uma Segunda Guerra Mundial?

- Tudo pode acontecer, minha menina, se Hitler continuar ao lado de Hinderburg e a pregar de tal forma. Nada pode impedi-lo de tornar isso tudo em uma guerra de etnias e culturas. E escreva que lhe digo: se eu estiver certa, essa será a Guerra que irá marcar para sempre. Tanto quanto à destruição como os motivos.

- Pior que a Primeira?

- Muito pior.

- Se isso acontecer, o que acontecerá com a família de Jacob e Jonahan? O que irá acontecer conosco?

- Conosco eu sei que não haverá nada.

- Como pode ter tanta certeza?

- Seu padrinho é um dos aliados nazistas. Não irá permitir que façam algo contra você, a afilhada, a ariana e a milionária, Della.

- E com meus amigos? E se eu nomeasse-nos como meus protegidos?

- Teriam motivos de sobra para te riscar do mapa, junto deles.

- Mas você acabou de dizer que...

- Fênix, você renasceu tantas vezes de suas cinzas neste mundo cruel. Não tente entender o que lhe digo. Isso consumiria sua juventude. Continue a viver como sempre, na companhia de seus amigos judeus e a Muda. O que haverá para acontecer, acontecerá. - e após dar um beijo no rosto da jovem, Raven se levantou e saiu.

 Era isto que faria: aproveitaria a vida de jovem e não pensaria na tal Guerra da qual Raven falou. A qualidade de suas visões era péssima, quase nas mesmas proporções que a contadora era magnífica com os números. Então, o que temer?

 

 

A nossa vida era desta forma: alegria, compreensão e amizade. Era o único momento de paz que eu tinha. Meus melhores amigos eram fundamentais para mim.  Mas eu nunca neguei que o que Jacob me disse havia ficado em minha cabeça. Não digo do fato de me achar bonita, e sim sobre o Nazismo. Esta era a forma de governo daquela época, mas algo de ruim aconteceria naquele ano. Eu, pela primeira vez em muitos anos, senti medo de perdê-los. Eles eram judeus, e como o nazismo valorizada a raça ariana de forma tão obsessiva, não seria um tipo de surpresa vê-los iniciar uma perseguição contra os “diferentes”. Mas, será que eles seriam tão idiotas ao ponto de perseguirem uma etnia que era a maioria na burguesia Alemã?

 

“Eles contaminaram os negócios alemães, violentaram a cultura alemã, degradaram nossa literatura, infiltraram-se em nossos teatros, escravizaram nossa imprensa, arruinaram a lei, envenenaram a economia alemã. Em todos os setores da vida alemã, eles destruíram a decência e a essência do que é alemão por meio da ganância e da irresponsabilidade aproveitadora.” - dizia um filme na TV, o qual havia irritado profundamente Della. Estavam na sala Jacob, Jonahan, Marietta e Raven, que estavam um tanto assustados com o vermelho púrpuro que tingiu as faces da garota. Eles estavam com medo do que ela fosse capaz.

- ISSO É UMA INJUSTIÇA! - gritou Della histérica.

- Acalme-se, Della...

- Como me acalmar, Jacob? Que barbaridade é essa... Ele não tem o direito de fazer isto! Hinderburg não pode permitir isso!

- O problema é que ele tem sim. Eu lhe disse...

- Há de ter mais alguma palhaçada desse governo que não sei?

Jonahan e Jacob entreolharam-se atrapalhados. Estavam com o olhar vago, que apenas Marietta estava a percebê-los.

- O que aconteceu? Tem mais alguma coisa que não sei? - perguntou, levantando da poltrona onde estava.

- Não é algo que você não saiba de antecipado, querida. Já havia lhe falado isto antes.

- Não... - o rosto da jovem assumiu uma expressão assustadora, como se estivesse cara a cara com um monstro que temia. - Vocês foram...

- Esterilizados. - murmurou Jacob, abaixando a cabeça.

- VOCÊS O QUE? MAS COMO, PORQUE NÃO ME CONTARAM? ISSO É ERRADO!

- Não importa se seja ou não errado, Della... fomos obrigados. Lei de 25 de julho. - contou Jonahan, coçando a cabeça. Era um tanto constrangedor contar isso para uma menina. Era como se tivesse ficado impotente, sem poder estender sua família e seu sobrenome. Jacob visivelmente estava perturbado, e evitava falar sobre isso, o que despertou a fúria da ruiva.

- Mas... não, isso é horrível, eles não podem fazer isso! Quem afinal governa essa droga de país?

- Hitler é o primeiro-ministro... Hinderburg o presidente. Será que preciso dizer realmente quem é o poderoso? Estão nos perseguindo por não sermos arianos...

- Mas Jonahan é mestiço, como que explicam isto?

- É sujo da mesma forma. Não ouviu? Somos sujos, Della, somos inferiores á vocês.

- Fica quieto, Jacob, eu não acho isso.

- Mas não importa o que você acha, garota. Acorda para a realidade, da forma que está acontecendo, seremos privados até de nossa vida.

- E eu tenho culpa disso?

- Sabe de algo, Della? VÁ PARA O INFERNO! - berrou furioso, saindo violentamente da sala. Jonahan correu atrás dele, a fim de evitar que o amigo fizesse algo impensado. Raven e Marietta continuavam quietas, olhando fixamente para Della.

- E vocês, afinal, o que foi?

- Você sabe o que foi, Della. - questionou Raven, séria.

- Eu deveria ficar calada ao ver uma coisa dessas?

- Esta sendo mais difícil para eles do que para você. Você é protegida do governo, é fácil se revoltar, mas se eles fizerem o mesmo, não sobreviverão para contar a historia.

- Isto é um inferno.

- So agora que você percebeu, minha menina?

 Estava tudo desmoronando, desde que o nazismo tomou conta da Alemanha. Era como se uma epidemia estivesse dominando tudo, até, quem sabe, o mundo.

 Era de fato uma chance de milagre. Mas que milagre era este, que se descriminavam etnias e condições físicas e mentais? Não, não era um milagre, era uma ditadura, uma injustiça, ou como Della preferia nomear, um inferno.

 Depois da briga que haviam tido na sala, Della tentou inúmeras vezes tocar no assunto com Jacob. Ele negava terminantemente em comentar sobre o ocorrido. Havia lhe afetado muito mais do que podiam imaginar, mas, algumas semanas depois, habituado á viver da forma que teria que viver, passou a tentar esquecer o ocorrido. Pior que aquilo não poderia ficar. Ou ficaria?

 Já havia se passado quase um mês, os mais longos 30 dias na vida de Della. Parecia que não iam acabar nunca. De fato, agosto foi o pior mês de sua vida.

 Ter que olhar para Jacob e Jonahan, sabendo que o futuro de ambos era incerto, era algo alarmante e depressivo. Eles poderiam sair falando que iam ao mercado, e nunca mais voltar, pois um grupo de nazistas decidiu aniquilá-los. Ou voltariam, mas todos machucados e cheios de seqüela, tudo porque um nazista acreditou que eles não mereciam respirar seu mesmo ar.

 Certo dia, enquanto Marietta esperava por Jonahan e Jacob, pôde ouvir uma discussão vinda do escritório do senhor Schneider. As vozes eram mistas, e eram fáceis de reconhecer: a mais calma era a do pai de Jacob. A mais forte e furiosa a de Jacob. A que menos demonstrava uma opinião formada na briga familiar era a de Jonahan.

 Levantou-se sorrateiramente da poltrona onde estava descansando e procurou com os olhos a porta entreaberta do escritório. Achou-a com sucesso. Ficou ali perto, sentada, ouvindo sobre o que falavam (não que fosse curiosa, e sim porque ouvira seu nome e o de Della inúmeras vezes).

- Eu quero que você fique longe da Della, será que é difícil, Jacob? - pediu seu pai, batendo com força na mesa.

- Della e eu crescemos juntos, para que isso? Repudio a sua raça também? ELA NÃO PENSA COMO OS NAZISTAS!

- Não é por isso que quero que se afaste da Fênix! Olhe seu apelido: a Fênix! Eu vi aquela garota nascer quase morta, eu vi que no decorrer de sua vida ela possuiu problemas que quase lhe tiraram a vida. Não quero que os nossos problemas venham a lhe afetar a saúde. Ela pôde renascer de suas cinzas, como dizem as pessoas da cidade, várias vezes. Mas esse é um caso sério! Soube que os jornalistas não podem ter ligação com judeus, para poderem exercer sua profissão? Soube que o maior sonho daquela menina tão frágil é ter um jornal? Ou você parou para pensar que, do jeito que vai as coisas, ela pode ser prejudicada por andar com judeus?

- Della não se importa com isso...

- Mas eu me importo. A garota é inconseqüente com a própria vida. Não lhe deixarei que nada aconteça.

- Você não sabe como vai ser difícil... - lamentou Jacob, sentando, quase que vencido, na poltrona existente no escritório.

- Gosta da jovem, não é mesmo, meu filho? Da forma que Jonahan gosta de Marietta. Se não fosse em outras épocas, essa historia seria um belo romance, a estilo Romeu e Julieta. - sorriu o velho, percebendo a coloração púrpura no rosto dos dois rapazes. - Não se envergonhem por amarem-nas. Mas... afinal, o que eu estou fazendo impedindo-nos de ficarem ao lado das meninas que tornam a vida de vocês menos... sofridas?

- Você esta certo, Schneider. Se a amamos ao ponto que pensamos... havemos de querer o bem para elas, e não o mal. E no momento, nós somos o mal. - concluiu o louro, indo em direção a porta. - Porém vou ser egoísta nesse ponto, e decepcioná-lo. Não irei ficar longe de Marietta.

 Sentindo o coração bater violentamente, Marietta levantou-se rapidamente da porta e voltou a sentar na poltrona, esperando não levantar suspeitas de sua espionagem. Jonahan e os Schneider surgiram tempos depois na sala, para lhe fazer companhia. Era difícil olhar para Jonahan, depois da descoberta. Então, Della estava certa?


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!




Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "A Fênix" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.